TORONTO - O que um diretor faz depois de ganhar o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e o prêmio de produção estrangeira no Globo de Ouro e no Oscar com seu longa de estreia? O húngaro László Nemes, de 42 anos, que venceu todos os importantes prêmios com O Filho de Saul (2015), resolveu voltar um pouco mais no passado.
Em Entardecer, em cartaz no Brasil, ele vai à Budapeste do final do império austro-húngaro, pouco antes da carnificina da Primeira Guerra Mundial e, consequentemente, da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. “Foi instintivo para mim. Você volta 30 anos antes dos campos de concentração e encontra um mundo de sofisticação e opulência. Quais são as forças atuando nesse mundo?”, disse o cineasta em entrevista ao Estado durante o Festival de Toronto.
Em Entardecer, Írisz (Juli Jakab) é uma jovem que vai à chapelaria Leiter para pedir um emprego. Leiter é também seu sobrenome, e a fábrica de chapéus era de seus pais, antes de um incêndio que vitimou ambos. Írisz descobre ter um irmão, acusado de assassinato anos atrás, e tenta encontrá-lo.
A trama, em si, tem pouca importância. Nemes está mais interessado em mostrar como o horror pode estar escondido em coisas ricas e belas. “Quis imergir o espectador num mundo em constante mutação, para tentar sentir como a alma humana funciona, quais são as forças dentro da alma humana”, disse.
“Para mim, é sobre o nascimento do século 20. Tanta destruição veio imediatamente após o ápice da civilização. É como se ela já encerrasse sua própria decadência de maneira muito trágica. Então para mim tem a ver, talvez, com a alma humana. E como civilizações são construídas e depois destruídas. Talvez seja um aviso.” Nemes não acha que seu filme seja atual ou mesmo político. “Mas fala de como a tecnologia pode se tornar a grande força de destruição e de distração. E isso pode nos levar a nos perdermos como seres humanos.”
A maneira de filmar é parecida com a de O Filho de Saul, que permanecia o tempo inteiro no personagem do título, um dos judeus destacados para cuidar dos outros prisioneiros em Auschwitz. Mas, enquanto o filme anterior se passava num espaço contido e específico, Entardecer leva o espectador para uma jornada ainda mais desorientadora. “Estou interessado na experiência humana, então me pareceu ideal propor um cinema subjetivo e imersivo”, afirmou Nemes. “É a história de uma pessoa presa num labirinto.
Por isso filmei numa tomada só, com perspectivas fechadas que de vez em quando se abrem, como uma dança da mente.” Para a atriz Juli Jakab, a filmagem, que durou 54 dias, é como se fosse um dia único. “Não sei nem escolher momentos especiais”, contou Jakab.
O cineasta não teme ser incompreendido pelo público. “Eu confio na audiência para usar sua mente e sua imaginação e assim criar sua própria jornada”, explicou. “Todo o mundo sempre está em constante pânico de perder o espectador. E quanto mais você dá as coisas mastigadas, com medo de que o público vá embora, mais estraga o público. Eu acho que o público deve ser respeitado e não estragado.”