‘Envelhecer deixa a gente cínico’, diz cineasta alemão


Volker Schlöndorff prepara, aos 82 anos, o documentário ‘The Forest Maker’, que terá um tom ecológico

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Cada vez que recebe uma homenagem por suas seis décadas de serviços prestados ao cinema e precisa rever O Tambor (Die Blechtrommel, 1979), o diretor alemão Volker Schlöndorff, hoje com 82 anos, confessa ainda se surpreender com as reações da plateia à sua adaptação do romance homônimo de Günter Grass (1927-2015). Ele conquistou a Palma de Ouro, o Oscar de melhor filme estrangeiro e a consagração de escopo global. “Exibi agora na Etiópia e não acreditei nas interpretações que a jovem plateia ao meu lado fez”, diz ao Estadão, ao falar sobre seu novo projeto: o documentário ecológico The Forest Maker.

Volker em 2017 Foto: REUTERS/Axel Schmidt

É por conta do cronograma deste longa, sobre a campanha de reflorestamento do ambientalista australiano Tony Rinaldo, que o realizador de cults como Fogo de Palha (1972) e Um Amor de Swann (1984) não conseguiu comparecer ao tributo à sua carreira feito pelo Festival de Bergamo, na Itália, na semana passada. 

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“Quero fechar esse filme sobre o Rinaldo até setembro, para lançá-lo em novembro, se possível, em salas de exibição, se a covid-19 não atrapalhar mais ainda o circuito exibidor até lá”, explica Schlöndorff, que nunca veio ao Brasil, mas se diz fã da obra de Cacá Diegues e de Glauber Rocha.

Aos 27 anos, o sr. ganhou em Cannes o prêmio da crítica por O Jovem Törless. Envelhecer mudou sua forma de fazer cinema? Quanto mais velho se fica, menos surpreso com a vida. Envelhecer deixa a gente cínico. Claude Chabrol, o grande realizador francês de suspenses, passou a dar uma instrução muito peculiar a seu elenco quando envelheceu: “Surpreendam-me.” Eu estava conversando com Bernardo Bertolucci, pouco antes de sua morte, em 2018, sobre os primeiros filmes da gente e de outros cineastas, e chegamos a uma conclusão de que os longas de estreia dos cineastas autorais só deveriam ser lançados no fim de suas vidas. Basta a gente se lembrar de Os Incompreendidos, de Truffaut; Acossado, de Godard; Antes da Revolução, do Bernardo; De Punhos Cerrados, do Bellocchio; Caminhos Perigosos, do Scorsese... ah, e de Cidadão Kane, de Orson Welles. Isso tudo poderia vir depois de tudo o que essa gente incrível filmou quando mais velha. Primeiros filmes têm urgência e têm imediatismo. Têm a medida do risco dos jovens que ainda não têm a dimensão dos perigos da vida. Estou com 82 anos hoje, filmando algo novo, que é um documentário, mas não posso reclamar, mesmo sem a perspectiva de fazer uma outra ficção. Talvez eu já tenha dito o que precisava. Talvez precise de uma nova ideia. Mas estou criando. E vivendo.

O cinema alemão ainda é capaz de surpreendê-lo? Como? Temos diretoras fazendo coisas incríveis aqui, como Nora Fingscheidt, que fez Transtorno Explosivo, e a Maren Ade, daquela comédia louca que é Toni Erdmann. Mas, fora elas e mais um ou outro talento, a maioria dos diretores aqui, até os bem jovens, só quer saber de televisão e de streamings. Viramos um país de TV e dessas plataformas. A ideia do cinema alemão de arte entrou em colapso. A Europa está assim, fora a França.

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A seleção de Bergamo atesta que a sua travessia de 60 anos pelo cinema é pautada pela liberdade. Como é ser livre agora no terreno do documentário? Não sei se “liberdade” é a palavra, nem sei se ela é uma questão. De um lado aparente, há esse sentimento de liberdade sim, pois, nesse meu projeto documental, há pouca gente. Estamos, apenas, o diretor de fotografia, um técnico de som e eu, que opero a câmera também, no set. Mas eu me sentia livre também quando dirigia muita gente. Estava acostumado a ensaiar com meus atores. A ensaiar muito. Num documentário, não posso ensaiar com os entrevistados e nem posso pedir pro Tony Rinaldo ou para os agricultores etíopes com que eu cruzei repetirem suas falas e seus gestos. Filmou, valeu. É a regra do documentário. O roteiro é estruturado na ilha de edição. Isso é novo. Mas é algo que me alimenta, pois me faz valorizar o momento. É um desafio não poder errar.

Como um cronista do Velho Mundo nas telas avalia as mudanças em razão da pandemia? Vacinado, eu não temo andar por aí, tomando os devidos cuidados. Mas eu noto que as mudanças pelas quais estamos passando envolvem o excesso de trabalho e a escassez de autoconfiança. E isso já se insinuava antes da covid-19. Mas piorou. O povo está cada vez mais workaholic, trabalhando para enriquecer e não para desfrutar dos prazeres da realização, e as pessoas estão cada vez menos atentas ao mundo em volta delas. O consumo só aumenta, assim como aumenta o individualismo. Nesse ponto, a pandemia deu um choque, ao prender as pessoas em casa, observando o dia a dia. Extraindo dele algum grau de poesia. É como a gente faz no cinema.

Cada vez que recebe uma homenagem por suas seis décadas de serviços prestados ao cinema e precisa rever O Tambor (Die Blechtrommel, 1979), o diretor alemão Volker Schlöndorff, hoje com 82 anos, confessa ainda se surpreender com as reações da plateia à sua adaptação do romance homônimo de Günter Grass (1927-2015). Ele conquistou a Palma de Ouro, o Oscar de melhor filme estrangeiro e a consagração de escopo global. “Exibi agora na Etiópia e não acreditei nas interpretações que a jovem plateia ao meu lado fez”, diz ao Estadão, ao falar sobre seu novo projeto: o documentário ecológico The Forest Maker.

Volker em 2017 Foto: REUTERS/Axel Schmidt

É por conta do cronograma deste longa, sobre a campanha de reflorestamento do ambientalista australiano Tony Rinaldo, que o realizador de cults como Fogo de Palha (1972) e Um Amor de Swann (1984) não conseguiu comparecer ao tributo à sua carreira feito pelo Festival de Bergamo, na Itália, na semana passada. 

“Quero fechar esse filme sobre o Rinaldo até setembro, para lançá-lo em novembro, se possível, em salas de exibição, se a covid-19 não atrapalhar mais ainda o circuito exibidor até lá”, explica Schlöndorff, que nunca veio ao Brasil, mas se diz fã da obra de Cacá Diegues e de Glauber Rocha.

Aos 27 anos, o sr. ganhou em Cannes o prêmio da crítica por O Jovem Törless. Envelhecer mudou sua forma de fazer cinema? Quanto mais velho se fica, menos surpreso com a vida. Envelhecer deixa a gente cínico. Claude Chabrol, o grande realizador francês de suspenses, passou a dar uma instrução muito peculiar a seu elenco quando envelheceu: “Surpreendam-me.” Eu estava conversando com Bernardo Bertolucci, pouco antes de sua morte, em 2018, sobre os primeiros filmes da gente e de outros cineastas, e chegamos a uma conclusão de que os longas de estreia dos cineastas autorais só deveriam ser lançados no fim de suas vidas. Basta a gente se lembrar de Os Incompreendidos, de Truffaut; Acossado, de Godard; Antes da Revolução, do Bernardo; De Punhos Cerrados, do Bellocchio; Caminhos Perigosos, do Scorsese... ah, e de Cidadão Kane, de Orson Welles. Isso tudo poderia vir depois de tudo o que essa gente incrível filmou quando mais velha. Primeiros filmes têm urgência e têm imediatismo. Têm a medida do risco dos jovens que ainda não têm a dimensão dos perigos da vida. Estou com 82 anos hoje, filmando algo novo, que é um documentário, mas não posso reclamar, mesmo sem a perspectiva de fazer uma outra ficção. Talvez eu já tenha dito o que precisava. Talvez precise de uma nova ideia. Mas estou criando. E vivendo.

O cinema alemão ainda é capaz de surpreendê-lo? Como? Temos diretoras fazendo coisas incríveis aqui, como Nora Fingscheidt, que fez Transtorno Explosivo, e a Maren Ade, daquela comédia louca que é Toni Erdmann. Mas, fora elas e mais um ou outro talento, a maioria dos diretores aqui, até os bem jovens, só quer saber de televisão e de streamings. Viramos um país de TV e dessas plataformas. A ideia do cinema alemão de arte entrou em colapso. A Europa está assim, fora a França.

A seleção de Bergamo atesta que a sua travessia de 60 anos pelo cinema é pautada pela liberdade. Como é ser livre agora no terreno do documentário? Não sei se “liberdade” é a palavra, nem sei se ela é uma questão. De um lado aparente, há esse sentimento de liberdade sim, pois, nesse meu projeto documental, há pouca gente. Estamos, apenas, o diretor de fotografia, um técnico de som e eu, que opero a câmera também, no set. Mas eu me sentia livre também quando dirigia muita gente. Estava acostumado a ensaiar com meus atores. A ensaiar muito. Num documentário, não posso ensaiar com os entrevistados e nem posso pedir pro Tony Rinaldo ou para os agricultores etíopes com que eu cruzei repetirem suas falas e seus gestos. Filmou, valeu. É a regra do documentário. O roteiro é estruturado na ilha de edição. Isso é novo. Mas é algo que me alimenta, pois me faz valorizar o momento. É um desafio não poder errar.

Como um cronista do Velho Mundo nas telas avalia as mudanças em razão da pandemia? Vacinado, eu não temo andar por aí, tomando os devidos cuidados. Mas eu noto que as mudanças pelas quais estamos passando envolvem o excesso de trabalho e a escassez de autoconfiança. E isso já se insinuava antes da covid-19. Mas piorou. O povo está cada vez mais workaholic, trabalhando para enriquecer e não para desfrutar dos prazeres da realização, e as pessoas estão cada vez menos atentas ao mundo em volta delas. O consumo só aumenta, assim como aumenta o individualismo. Nesse ponto, a pandemia deu um choque, ao prender as pessoas em casa, observando o dia a dia. Extraindo dele algum grau de poesia. É como a gente faz no cinema.

Cada vez que recebe uma homenagem por suas seis décadas de serviços prestados ao cinema e precisa rever O Tambor (Die Blechtrommel, 1979), o diretor alemão Volker Schlöndorff, hoje com 82 anos, confessa ainda se surpreender com as reações da plateia à sua adaptação do romance homônimo de Günter Grass (1927-2015). Ele conquistou a Palma de Ouro, o Oscar de melhor filme estrangeiro e a consagração de escopo global. “Exibi agora na Etiópia e não acreditei nas interpretações que a jovem plateia ao meu lado fez”, diz ao Estadão, ao falar sobre seu novo projeto: o documentário ecológico The Forest Maker.

Volker em 2017 Foto: REUTERS/Axel Schmidt

É por conta do cronograma deste longa, sobre a campanha de reflorestamento do ambientalista australiano Tony Rinaldo, que o realizador de cults como Fogo de Palha (1972) e Um Amor de Swann (1984) não conseguiu comparecer ao tributo à sua carreira feito pelo Festival de Bergamo, na Itália, na semana passada. 

“Quero fechar esse filme sobre o Rinaldo até setembro, para lançá-lo em novembro, se possível, em salas de exibição, se a covid-19 não atrapalhar mais ainda o circuito exibidor até lá”, explica Schlöndorff, que nunca veio ao Brasil, mas se diz fã da obra de Cacá Diegues e de Glauber Rocha.

Aos 27 anos, o sr. ganhou em Cannes o prêmio da crítica por O Jovem Törless. Envelhecer mudou sua forma de fazer cinema? Quanto mais velho se fica, menos surpreso com a vida. Envelhecer deixa a gente cínico. Claude Chabrol, o grande realizador francês de suspenses, passou a dar uma instrução muito peculiar a seu elenco quando envelheceu: “Surpreendam-me.” Eu estava conversando com Bernardo Bertolucci, pouco antes de sua morte, em 2018, sobre os primeiros filmes da gente e de outros cineastas, e chegamos a uma conclusão de que os longas de estreia dos cineastas autorais só deveriam ser lançados no fim de suas vidas. Basta a gente se lembrar de Os Incompreendidos, de Truffaut; Acossado, de Godard; Antes da Revolução, do Bernardo; De Punhos Cerrados, do Bellocchio; Caminhos Perigosos, do Scorsese... ah, e de Cidadão Kane, de Orson Welles. Isso tudo poderia vir depois de tudo o que essa gente incrível filmou quando mais velha. Primeiros filmes têm urgência e têm imediatismo. Têm a medida do risco dos jovens que ainda não têm a dimensão dos perigos da vida. Estou com 82 anos hoje, filmando algo novo, que é um documentário, mas não posso reclamar, mesmo sem a perspectiva de fazer uma outra ficção. Talvez eu já tenha dito o que precisava. Talvez precise de uma nova ideia. Mas estou criando. E vivendo.

O cinema alemão ainda é capaz de surpreendê-lo? Como? Temos diretoras fazendo coisas incríveis aqui, como Nora Fingscheidt, que fez Transtorno Explosivo, e a Maren Ade, daquela comédia louca que é Toni Erdmann. Mas, fora elas e mais um ou outro talento, a maioria dos diretores aqui, até os bem jovens, só quer saber de televisão e de streamings. Viramos um país de TV e dessas plataformas. A ideia do cinema alemão de arte entrou em colapso. A Europa está assim, fora a França.

A seleção de Bergamo atesta que a sua travessia de 60 anos pelo cinema é pautada pela liberdade. Como é ser livre agora no terreno do documentário? Não sei se “liberdade” é a palavra, nem sei se ela é uma questão. De um lado aparente, há esse sentimento de liberdade sim, pois, nesse meu projeto documental, há pouca gente. Estamos, apenas, o diretor de fotografia, um técnico de som e eu, que opero a câmera também, no set. Mas eu me sentia livre também quando dirigia muita gente. Estava acostumado a ensaiar com meus atores. A ensaiar muito. Num documentário, não posso ensaiar com os entrevistados e nem posso pedir pro Tony Rinaldo ou para os agricultores etíopes com que eu cruzei repetirem suas falas e seus gestos. Filmou, valeu. É a regra do documentário. O roteiro é estruturado na ilha de edição. Isso é novo. Mas é algo que me alimenta, pois me faz valorizar o momento. É um desafio não poder errar.

Como um cronista do Velho Mundo nas telas avalia as mudanças em razão da pandemia? Vacinado, eu não temo andar por aí, tomando os devidos cuidados. Mas eu noto que as mudanças pelas quais estamos passando envolvem o excesso de trabalho e a escassez de autoconfiança. E isso já se insinuava antes da covid-19. Mas piorou. O povo está cada vez mais workaholic, trabalhando para enriquecer e não para desfrutar dos prazeres da realização, e as pessoas estão cada vez menos atentas ao mundo em volta delas. O consumo só aumenta, assim como aumenta o individualismo. Nesse ponto, a pandemia deu um choque, ao prender as pessoas em casa, observando o dia a dia. Extraindo dele algum grau de poesia. É como a gente faz no cinema.

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