No Brasil, o filme que estreia nesta quinta, 25, chama-se Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal. O título original é um pouco mais extenso, e complicado. Extreminly Wicked, Shockingly Evil and Vile, ou seja, Extremamente Perverso, Chocantemente Maligno, e Vil – vem da sentença do juiz Edward Cowart, manifestando seu desgosto pelo homem que assumira a própria defesa e que o magistrado da Flórida reconhecia como alguém sedutor e brilhante, cujo charme o tornava ainda mais perigoso para a sociedade. Depois de negar sistematicamente que fosse um assassino serial de mulheres, Ted Bundy terminou por assumir dezenas de crimes brutais cometidos nos anos 1970 e que, nas palavras do juiz, revelavam total ausência de humanidade.
Essa história real inspirou um documentário do próprio diretor Joe Berlinger na Netflix. Em entrevista ao Estado, ele conta que fez seu filme para a geração das filhas, que não sabiam nada sobre Ted. Por isso mesmo, adotou o ponto de vista da garota com quem o criminoso viveu, e que duvidava a crer nas evidências de que ele pudesse mesmo ser o assassino frio e brutal que a polícia dizia que era. Há muita documentação sobre o tema, e o personagem, que inspirou inclusive Búfalo Bill, o assassino serial de O Silêncio dos Inocentes, vencedor de vários Oscars em 1991. “O filme de Jonathan Demme é uma obra-prima e uma fonte permanente de inspiração para quem se interessa pelo lado sombrio das pessoas. Demme usou Hannibal Lecter para psicanalisar a América e ajudar o FBI na caçada a Búfalo Bill, que usa o método de Ted, só substituindo a van por um fusca para atrair as suas vítimas.”
Norte-americano de Bridgeport, Connecticut, de 57 anos, Joe Berlinger ainda não chegou à terceira idade, mas já possui uma extensa carreira, com numerosas indicações para o Oscar e o Emmy. Só filmes, para TV e cinema, já produziu mais de 50 e dirigiu outros tantos, e sempre com uma pegada – o interesse pelo lado mais sombrio do ser humano. Por que as pessoas matam, enganam? Berlinger tem mais perfis de criminosos no currículo que qualquer outro diretor de sua geração. Nesta quinta, 25, estreia nos cinemas brasileiros Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal, sobre o célebre serial killer que já mereceu de Berlinger outro trabalho, um documentário da Netflix.
Por que esse interesse todo? Numa entrevista por telefone, Berlinger conta que ficou fascinado por Ted Bundy por sua cara de anjo. “Ele era jovem, bonito e dizia que era inocente dos crimes de que era acusado. A polícia exibia as evidências, ele era preso, fugia, foi a julgamento e as fãs, porque ele tinha suas groupies, se recusavam a acreditar que fosse um frio assassino de mulheres. A história me atraiu pela facilidade como um rosto bonito pode mascarar uma natureza brutal. E eu quis fazer esses filmes, o show de TV e a obra para cinema, pensando nas minhas filhas de 20 e 24 anos. Elas têm a mentalidade de sua geração. Não conheciam Ted Bundy. Quando lhes mostrei as imagens, a reação foi – ‘Esse cara, assassino? Impossível!’ É possível, sim, e eu me voltei para Ted para tentar mostrar como.”
Berlinger agradece aos céus por haver conseguido a cumplicidade de um ator como Zac Efron. Como o jovem galã de High School Musical, ele se tornou o ícone de toda uma geração, inclusive de suas filhas. “De certa forma, pode-se dizer que Ted Bundy foi uma espécie de Zac Efron de sua época, porque o julgamento na Flórida foi transmitido ao vivo e teve altos índices de audiência. As garotas tiravam senha para entrar no tribunal, era uma loucura. Zac não precisou de nenhuma transformação para se ajustar ao papel, mas eu gostei do seu sorriso. E, se tinha algum medo do turning point, a cena em que a verdade vem à tona me surpreendeu. Ele entendeu bem a frieza de Ted. Não tenho a menor dúvida de dizer que Zac é muito melhor ator que as pessoas pensam, mas justamente por ser bonito a indústria tende a confiná-lo numa zona de conforto contra a qual ele está se rebelando.”
Assim como a de Zac, é decisiva a participação de John Malkovich. Ele faz o juiz Edward Cowart, que condenou Ted Bundy no julgamento na Flórida. O estilo um tanto melífluo do ator serve ao papel, porque o juiz, embora duro na sentença, condenando Bundy à cadeira elétrica, foi sempre benevolente com o criminoso que assumira a própria defesa. “Duvido muito que Cowart tivesse tratado outro condenado daquele jeito. Mesmo ao expedir Ted para a morte, ele diz aquelas coisas, ‘Cuide-se’ e ‘Você teria dado um ótimo advogado, meu jovem’. Isso está documentado. É mais uma prova de como as aparências enganam, e a nossa sociedade da imagem deixa-se levar por um rosto bonito.”
Na ficção de A Irresistível Face do Mal – subtítulo brasileiro –, Ted é visto pelo olhar de Liz, a mulher com quem viveu vários anos e que – olha o spoiler – termina por arrancar dele, na obra ficcional, a confissão de seus crimes. “Lily Collins interpretou Liz do jeito que eu queria. Se era para contar a história para uma geração que não a conhecia, era importante esse olhar de desconhecimento. Mesmo tendo feito o que fez (e veja o filme para saber o que foi), ela manteve até o final a dúvida, a incerteza. Para manter o espectador no mesmo estado de virgindade mental, não mostramos nenhuma cena das violências atribuídas a Ted. No tribunal, vemos as fotos, os comentários e a forma como ele refuta as evidências. A única cena de violência, e é extrema (o serrote), só aparece tardiamente.”
O cachorro, que reage instintivamente ao mal no canil – veja foto acima –, é uma licença. “Mas o cachorro de Carol Anne Boone (a personagem de Kaya Scodelario) realmente se intimidava perante Ted”, conta Berlinger, revelando que até nisso sua liberdade tem o pé na realidade. Ele está feliz porque o filme chega aos cinemas no Brasil. “Um filme pequeno desses tem cada vez menos espaço no mercado. Não estou me queixando. Na TV, tenho um público muito maior, mas o cinema ainda tem sua aura, e é bom ver o Zac brilhar na tela grande.”