'Eu, Daniel Blake', que levou a Palma de Ouro, prova a grandeza do inglês Ken Loach


Grande sacada do filme é colocar ator de stand-up na pele do protagonista

Por Luiz Carlos Merten

Para muitos críticos, a simples existência de Ken Loach já é um anacronismo. Havia, no Festival de Cannes do ano passado, grandes filmes de autores que polarizaram a crítica jovem - Toni Erdmann, de Maren Ade; Aquarius, de Kleber Mendonça Filho; Elle, de Paul Verhoeven. E havia Loach com Eu, Daniel Blake, que foi o preferido do júri. Ninguém vaiou e, pelo contrário, o discurso de agradecimento de Loach foi recebido com reverência. Muita gente aplaudiu de pé. “Agradeço ao júri por sua sensibilidade. É importante que continuemos fazendo esses filmes e que eles sejam premiados para chamar a atenção. Dar voz aos que não têm voz é um gesto estético, e político.”

Grande Loach. Aos 80 anos, que completou em 2016, ele tem sido uma presença regular no maior festival do mundo. Já ganhou o prêmio da crítica, do júri, melhor ator, duas Palmas de Ouro. E elas foram atribuídas por júris presididos por cineastas que, aparentemente, não têm nada a ver com o tipo de cinema realista e engajado que ele gosta de fazer. O chinês - de Hong Kong - Wong Kar-wai é um esteticista romântico que seduz as plateias com a plasticidade e refinamento de seus filmes. Premiou Loach por Ventos da Liberdade, em 2006. O australiano George Miller, que outorgou a Palma a Eu, Daniel Blake - que estreia nesta quinta, 5 -, revolucionou a ação com seu futurista Mad Max e chegou ao quarto filme da série, Estrada da Fúria, num exacerbado tom operístico.

Nada disso tem a ver com os pequenos dramas humanos que Loach gosta de filmar, mas ele levou - a Palma e as palmas. Num mundo em que o direitismo se está tornando galopante, Loach segue à esquerda, denunciando o capital, a concentração de poder, os abusos de direitos humanos. Neoliberalismo? “Entregar ao mercado a solução dos problemas é selar a desigualdade e a injustiça social. Até por ser competitivo, o mercado não está nem aí para os dramas humanos.” Eu, Daniel Blake é mais uma prova disso. Mais do mesmo (Loach), se poderia pensar, quando o filme foi anunciado na seleção de Cannes do ano passado. Nada disso - I, Daniel Blake (título original) não é mais um bom filme de Loach. É um dos maiores. Talvez seja seu maior. Um homem maduro e uma mãe solteira em guerra contra a burocracia do sistema previdenciário e de saúde inglês. Eu, Daniel Blake prova que o cinema social não se esgotou. Só precisa de um grande diretor como Loach.

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Em 2014, ao apresentar Jimmy’s Hall em Cannes, Ken Loach disse que estava cansado. Anunciou que seria seu último filme. Estava se aposentando. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis se aposentar - sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados feito bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde, etc. - que ele recuou e retomou o bastão. “Paul (seu roteirista habitual, Paul Laverty) me veio com essa ideia muito forte que tomou conta de mim,” Loach fez Eu, Daniel Blake, e venceu o Festival de Cannes. Sua segunda Palma de Ouro, após a de Ventos da Liberdade, em 2006.

A classe operária tem um novo herói, e é Daniel Blake. Em 1972, Elio Petri dividiu com o Francesco Rosi de O Caso Mattei a Palma de Ouro. Ao contrário do que sugeria o filme, A Classe Operária Vai ao Paraíso, o filme - visionário - era sobre alienação política. Um operário tão obcecado pelo consumismo que enlouquecia. A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em Eu, Daniel Blake, mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado. Logo no começo, Daniel Blake está passando por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um ataque do coração, não pode. E também não tem direito ao seguro social.

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Pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas na verdade é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem por seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países, incluindo o Brasil. Na coletiva de Eu, Daniel Blake - e, depois, ao agradecer sua Palma de Ouro -, Loach disse que o festival (Cannes) “é muito importante para o futuro do cinema. Temos de permanecer firmes.” E mais - “Quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece.” Para arrematar - “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível.”

Talvez a maior sacada de Loach em Eu, Daniel Blake - e o que realmente faz a diferença no filme - foi a decisão do diretor de entregar o papel a um ator de comédia. Dave Johns é um nome muito conhecido no stand-up da Inglaterra. Criou fama por seu humor ferino contra figuras públicas e instituições. Bem fiel ao seu método de provocar os atores, Loach, no primeiro dia de filmagem, lhe deu um formulário para preencher - o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake. “Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito capciosas, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o estresse de uma pessoa naquelas condições. Daria um ótimo esquete de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do cotidiano.”

Numa entrevista por telefone, Johns contou como foi seu primeiro encontro com o diretor. “Sabia que ele queria fazer um filme sobre a classe operária, filmado em Newcastle, onde nasci. Entrei em contato com sua produtora, oferecendo-me. Nosso primeiro encontro foi só sobre futebol, que ambos adoramos.” E como é iniciar nova carreira aos 60 anos? “Estou me sentindo um garoto!”, ele brinca. E os rumores quanto ao Oscar? “Seria muito bom para o filme, mas é colocar a carruagem antes dos cavalos.”

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Para muitos críticos, a simples existência de Ken Loach já é um anacronismo. Havia, no Festival de Cannes do ano passado, grandes filmes de autores que polarizaram a crítica jovem - Toni Erdmann, de Maren Ade; Aquarius, de Kleber Mendonça Filho; Elle, de Paul Verhoeven. E havia Loach com Eu, Daniel Blake, que foi o preferido do júri. Ninguém vaiou e, pelo contrário, o discurso de agradecimento de Loach foi recebido com reverência. Muita gente aplaudiu de pé. “Agradeço ao júri por sua sensibilidade. É importante que continuemos fazendo esses filmes e que eles sejam premiados para chamar a atenção. Dar voz aos que não têm voz é um gesto estético, e político.”

Grande Loach. Aos 80 anos, que completou em 2016, ele tem sido uma presença regular no maior festival do mundo. Já ganhou o prêmio da crítica, do júri, melhor ator, duas Palmas de Ouro. E elas foram atribuídas por júris presididos por cineastas que, aparentemente, não têm nada a ver com o tipo de cinema realista e engajado que ele gosta de fazer. O chinês - de Hong Kong - Wong Kar-wai é um esteticista romântico que seduz as plateias com a plasticidade e refinamento de seus filmes. Premiou Loach por Ventos da Liberdade, em 2006. O australiano George Miller, que outorgou a Palma a Eu, Daniel Blake - que estreia nesta quinta, 5 -, revolucionou a ação com seu futurista Mad Max e chegou ao quarto filme da série, Estrada da Fúria, num exacerbado tom operístico.

Nada disso tem a ver com os pequenos dramas humanos que Loach gosta de filmar, mas ele levou - a Palma e as palmas. Num mundo em que o direitismo se está tornando galopante, Loach segue à esquerda, denunciando o capital, a concentração de poder, os abusos de direitos humanos. Neoliberalismo? “Entregar ao mercado a solução dos problemas é selar a desigualdade e a injustiça social. Até por ser competitivo, o mercado não está nem aí para os dramas humanos.” Eu, Daniel Blake é mais uma prova disso. Mais do mesmo (Loach), se poderia pensar, quando o filme foi anunciado na seleção de Cannes do ano passado. Nada disso - I, Daniel Blake (título original) não é mais um bom filme de Loach. É um dos maiores. Talvez seja seu maior. Um homem maduro e uma mãe solteira em guerra contra a burocracia do sistema previdenciário e de saúde inglês. Eu, Daniel Blake prova que o cinema social não se esgotou. Só precisa de um grande diretor como Loach.

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Em 2014, ao apresentar Jimmy’s Hall em Cannes, Ken Loach disse que estava cansado. Anunciou que seria seu último filme. Estava se aposentando. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis se aposentar - sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados feito bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde, etc. - que ele recuou e retomou o bastão. “Paul (seu roteirista habitual, Paul Laverty) me veio com essa ideia muito forte que tomou conta de mim,” Loach fez Eu, Daniel Blake, e venceu o Festival de Cannes. Sua segunda Palma de Ouro, após a de Ventos da Liberdade, em 2006.

A classe operária tem um novo herói, e é Daniel Blake. Em 1972, Elio Petri dividiu com o Francesco Rosi de O Caso Mattei a Palma de Ouro. Ao contrário do que sugeria o filme, A Classe Operária Vai ao Paraíso, o filme - visionário - era sobre alienação política. Um operário tão obcecado pelo consumismo que enlouquecia. A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em Eu, Daniel Blake, mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado. Logo no começo, Daniel Blake está passando por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um ataque do coração, não pode. E também não tem direito ao seguro social.

Pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas na verdade é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem por seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países, incluindo o Brasil. Na coletiva de Eu, Daniel Blake - e, depois, ao agradecer sua Palma de Ouro -, Loach disse que o festival (Cannes) “é muito importante para o futuro do cinema. Temos de permanecer firmes.” E mais - “Quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece.” Para arrematar - “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível.”

Talvez a maior sacada de Loach em Eu, Daniel Blake - e o que realmente faz a diferença no filme - foi a decisão do diretor de entregar o papel a um ator de comédia. Dave Johns é um nome muito conhecido no stand-up da Inglaterra. Criou fama por seu humor ferino contra figuras públicas e instituições. Bem fiel ao seu método de provocar os atores, Loach, no primeiro dia de filmagem, lhe deu um formulário para preencher - o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake. “Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito capciosas, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o estresse de uma pessoa naquelas condições. Daria um ótimo esquete de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do cotidiano.”

Numa entrevista por telefone, Johns contou como foi seu primeiro encontro com o diretor. “Sabia que ele queria fazer um filme sobre a classe operária, filmado em Newcastle, onde nasci. Entrei em contato com sua produtora, oferecendo-me. Nosso primeiro encontro foi só sobre futebol, que ambos adoramos.” E como é iniciar nova carreira aos 60 anos? “Estou me sentindo um garoto!”, ele brinca. E os rumores quanto ao Oscar? “Seria muito bom para o filme, mas é colocar a carruagem antes dos cavalos.”

Para muitos críticos, a simples existência de Ken Loach já é um anacronismo. Havia, no Festival de Cannes do ano passado, grandes filmes de autores que polarizaram a crítica jovem - Toni Erdmann, de Maren Ade; Aquarius, de Kleber Mendonça Filho; Elle, de Paul Verhoeven. E havia Loach com Eu, Daniel Blake, que foi o preferido do júri. Ninguém vaiou e, pelo contrário, o discurso de agradecimento de Loach foi recebido com reverência. Muita gente aplaudiu de pé. “Agradeço ao júri por sua sensibilidade. É importante que continuemos fazendo esses filmes e que eles sejam premiados para chamar a atenção. Dar voz aos que não têm voz é um gesto estético, e político.”

Grande Loach. Aos 80 anos, que completou em 2016, ele tem sido uma presença regular no maior festival do mundo. Já ganhou o prêmio da crítica, do júri, melhor ator, duas Palmas de Ouro. E elas foram atribuídas por júris presididos por cineastas que, aparentemente, não têm nada a ver com o tipo de cinema realista e engajado que ele gosta de fazer. O chinês - de Hong Kong - Wong Kar-wai é um esteticista romântico que seduz as plateias com a plasticidade e refinamento de seus filmes. Premiou Loach por Ventos da Liberdade, em 2006. O australiano George Miller, que outorgou a Palma a Eu, Daniel Blake - que estreia nesta quinta, 5 -, revolucionou a ação com seu futurista Mad Max e chegou ao quarto filme da série, Estrada da Fúria, num exacerbado tom operístico.

Nada disso tem a ver com os pequenos dramas humanos que Loach gosta de filmar, mas ele levou - a Palma e as palmas. Num mundo em que o direitismo se está tornando galopante, Loach segue à esquerda, denunciando o capital, a concentração de poder, os abusos de direitos humanos. Neoliberalismo? “Entregar ao mercado a solução dos problemas é selar a desigualdade e a injustiça social. Até por ser competitivo, o mercado não está nem aí para os dramas humanos.” Eu, Daniel Blake é mais uma prova disso. Mais do mesmo (Loach), se poderia pensar, quando o filme foi anunciado na seleção de Cannes do ano passado. Nada disso - I, Daniel Blake (título original) não é mais um bom filme de Loach. É um dos maiores. Talvez seja seu maior. Um homem maduro e uma mãe solteira em guerra contra a burocracia do sistema previdenciário e de saúde inglês. Eu, Daniel Blake prova que o cinema social não se esgotou. Só precisa de um grande diretor como Loach.

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Em 2014, ao apresentar Jimmy’s Hall em Cannes, Ken Loach disse que estava cansado. Anunciou que seria seu último filme. Estava se aposentando. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis se aposentar - sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados feito bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde, etc. - que ele recuou e retomou o bastão. “Paul (seu roteirista habitual, Paul Laverty) me veio com essa ideia muito forte que tomou conta de mim,” Loach fez Eu, Daniel Blake, e venceu o Festival de Cannes. Sua segunda Palma de Ouro, após a de Ventos da Liberdade, em 2006.

A classe operária tem um novo herói, e é Daniel Blake. Em 1972, Elio Petri dividiu com o Francesco Rosi de O Caso Mattei a Palma de Ouro. Ao contrário do que sugeria o filme, A Classe Operária Vai ao Paraíso, o filme - visionário - era sobre alienação política. Um operário tão obcecado pelo consumismo que enlouquecia. A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em Eu, Daniel Blake, mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado. Logo no começo, Daniel Blake está passando por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um ataque do coração, não pode. E também não tem direito ao seguro social.

Pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas na verdade é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem por seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países, incluindo o Brasil. Na coletiva de Eu, Daniel Blake - e, depois, ao agradecer sua Palma de Ouro -, Loach disse que o festival (Cannes) “é muito importante para o futuro do cinema. Temos de permanecer firmes.” E mais - “Quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece.” Para arrematar - “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível.”

Talvez a maior sacada de Loach em Eu, Daniel Blake - e o que realmente faz a diferença no filme - foi a decisão do diretor de entregar o papel a um ator de comédia. Dave Johns é um nome muito conhecido no stand-up da Inglaterra. Criou fama por seu humor ferino contra figuras públicas e instituições. Bem fiel ao seu método de provocar os atores, Loach, no primeiro dia de filmagem, lhe deu um formulário para preencher - o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake. “Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito capciosas, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o estresse de uma pessoa naquelas condições. Daria um ótimo esquete de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do cotidiano.”

Numa entrevista por telefone, Johns contou como foi seu primeiro encontro com o diretor. “Sabia que ele queria fazer um filme sobre a classe operária, filmado em Newcastle, onde nasci. Entrei em contato com sua produtora, oferecendo-me. Nosso primeiro encontro foi só sobre futebol, que ambos adoramos.” E como é iniciar nova carreira aos 60 anos? “Estou me sentindo um garoto!”, ele brinca. E os rumores quanto ao Oscar? “Seria muito bom para o filme, mas é colocar a carruagem antes dos cavalos.”

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