Há, no final de Exorcismo Sagrado, dois créditos intrigantes – para o Jesus Cristo e a Virgem Maria possuídos. Não fica muito claro se são os atores ou os artistas responsáveis pela concepção visual das cenas em que ambos intervêm. Podem ser as duas coisas. Quem busca na internet encontra que Alejandro Hidalgo fez história no cinema venezuelano quando La Casa del Fin de los Tiempos, de 2013, virou um fenômeno de horror em todo o mundo. Passado todo esse tempo, ele assina agora Exorcismo Sagrado, que estreou nos cinemas brasileiros nesta semana. Você já deve ter lido, ou ouvido, que parte da crítica está considerando o filme trash, e até risível. O mistério do cinema está sempre no olhar de quem vê. Exorcismo Sagrado já começa em alta voltagem, em pleno horror, quando o padre Peter Williams é chamado para exorcizar o demônio no corpo de uma garota. Ela o tenta, com sua língua lúbrica. Ele cede, e o intercurso sexual, como todo o exorcismo, é filmado. Passam-se quase 20 anos e o padre é chamado para praticar novo exorcismo. No intervalo, adquiriu reputação de santo, mas amarga internamente, na própria consciência, o fato de haver praticado abuso.
Na revista Cineaste – Winter, de 2021, há uma abordagem muito interessante de Benedetta, de Paul Verhoeven. A heresia da verdade. Exorcismo Sagrado é sobre a heresia da fé. Logo fica claro que Esperanza, a garota que padre Williams é chamado a atender, é a filha daquele ato profano. Não vai nenhum spoiler nisso. A questão, e é o que faz a complexidade de Exorcismo Sagrado, é que padre Williams não vai agir apenas como religioso, mas como pai. O diabo vai tentá-lo justamente pela relação de parentesco. Até onde ele vai na tentativa de salvar Esperanza? O exorcismo não era inédito no cinema quando William Friedkin, após o Oscar que recebeu por Operação França, em 1971, realizou O Exorcista, baseado no best-seller de William Peter Blatty. Nove entre dez críticos dirão que é o melhor filme de exorcismo. Talvez não seja. A mistura de exorcismo e drama de tribunal faz de O Exorcismo de Emily Rose, de Scott Derrickson, algo muito particular nessa mesma seara. E agora há o de Hidalgo.
Na fantasia do padre Williams, o demônio possui o próprio Cristo. Avançando mais, e aí é uma imagem que atormenta a noviça devotada aos órfãos pelos quais o padre se sente responsável, a própria Virgem Maria irrompe possessa para demonizar as crianças. Um filme como esse seria impossível em culturas mais repressoras. Na concepção de Hidalgo, o que o demônio quer é o controle da Igreja (e das mentes dos fiéis). Quando parece que está alcançando seu objetivo surge a esperança. Esperanza! Hidalgo cria imagens perturbadoras. O Cristo profano é terrível. Talvez se possa ver em seu filme uma reflexão sobre o estado do mundo. Muita gente anda invocando o santo nome do Senhor em vão