Faroeste gay de Pedro Almodóvar responde pergunta de ‘Brokeback Mountain’, diz diretor


‘Strange Way of Life’, com Pedro Pascal e Ethan Hawke, estreou esta semana no Festival de Cannes

Por Kyle Buchanan

O pistoleiro de verde encara o xerife.

“Não me olhe assim”, diz o xerife, semicerrando os olhos.

“Como você quer que eu olhe para você?”, responde o pistoleiro, flertando.

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Não seria um faroeste sem um duelo frente a frente, mas, quando Pedro Almodóvar está atrás da câmera, os olhares são ainda mais carregados que as pistolas. Em Strange Way of Life, novo curta-metragem que estreou no Festival de Cinema de Cannes na quarta-feira, 17, Ethan Hawke e Pedro Pascal estrelam como um homem da lei e um caubói que se reencontram 25 anos depois de um caso apaixonado. Mas será que a velha magia vai se reacender? Ou será que eles estão escondendo segundas intenções para o encontro?

Pedro Almodóvar antes da exibição de' Strange Way of Life' em Cannes. Foto: Valery Hache/AFP

De muitas maneiras, o projeto é uma guinada para Almodóvar: o autor de 73 anos, geralmente conhecido por filmes em espanhol sobre mulheres modernas que vivem em apartamentos lindíssimos, escalou dois atores que falam inglês para um curta que se passa no empoeirado Velho Oeste. Mas Almodóvar, que duas décadas atrás foi cortejado para dirigir o faroeste gay Brokeback Mountain e recusou, vê seu novo projeto como uma continuidade do filme de 2005, dirigido por Ang Lee, que acabou ganhando o prêmio de melhor diretor.

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“Em Brokeback Mountain, o personagem de Jake Gyllenhaal diz ao personagem de Heath Ledger que eles deveriam ir embora e trabalhar num rancho”, disse Almodóvar em videochamada. “Heath diz: ‘O que dois homens fariam no Oeste, trabalhando num rancho?’ De muitas maneiras, sinto que meu filme responde a essa pergunta”.

Almodóvar escreveu algumas páginas da cena principal três anos atrás, depois tirou o projeto da cabeça. “Às vezes escrevo só pelo prazer de escrever”, disse ele. “Não tinha nenhum propósito”. Mas a inspiração veio quando Anthony Vaccarello, diretor criativo da grife Saint Laurent, mencionou que acabara de produzir um curta-metragem para Gaspar Noé. Almodóvar se lembrou da sequência com os dois pistoleiros, acrescentou um prólogo para estabelecer o cenário e uma sequência de tiros, depois apresentou a Vaccarrello o roteiro de 31 minutos para Strange Way of Life.

“Claro, poderia ter virado um longa-metragem”, disse ele. “Mas acho que foi a duração perfeita para a história que quero contar”. E depois de fazer o curta-metragem A Voz Humana (2020) com Tilda Swinton, Almodóvar queria continuar escalando estrelas de língua inglesa. “Nunca quis fazer em espanhol”, disse Almodóvar. “Embora tenhamos nosso próprio faroeste, o faroeste espaguete, eu queria um faroeste clássico”.

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Almodóvar logo procurou Pascal, cuja estrela estava começando a subir com as séries The Mandalorian e The Last of Us. O ator de 48 anos estava ansioso para assinar, tinha assistido ao primeiro filme de Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), ainda adolescente, com a família.

“Lembro que a sensação era como conhecer um novo parque de diversões”, disse Pascal por e-mail. “Um mundo inteiro de cores e brincadeiras, uma espécie de rebelião travessa, entrou na minha experiência”.

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A outra estrela do filme também se entusiasmou. “Me senti muito honrado por ser um ator americano trabalhando com ele”, disse Hawke por telefone. “Muitas vezes, quando você está fazendo filmes americanos convencionais, sente essa terceira entidade na sala: você quer que o filme venda - você sente isso nas pessoas atrás do monitor. E o maravilhoso de trabalhar com Almodóvar é que você não precisa fazer ninguém feliz além de Pedro Almodóvar”.

O curta entrou em produção no verão passado em Almería, na Espanha, nos sets ao ar livre onde Sergio Leone filmou sua clássica trilogia de spaghetti westerns estrelada por Clint Eastwood (1964-66). “O passar desses 50 anos deu autenticidade ao lugar”, disse Almodóvar. Além de produzir o projeto, Vaccarello trabalhou como figurinista, cargo crucial nos filmes de Almodóvar.

“Trabalhei com alguns diretores maravilhosos, mas eles simplesmente não se interessam muito por figurino - é só, ‘Sim, o que você quiser vestir está bom’”, disse Hawke. “Já Almodóvar passa semanas decidindo que tom de verde é a parede atrás de você ou que cor é sua jaqueta e de que tecido ela é feita”.

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Embora os filmes de Almodóvar também sejam notáveis pelo que acontece quando essas roupas são arrancadas, Strange Way of Life é surpreendentemente discreto, escurece a tela quando Hawke e Pascal se abraçam.

“A tensão sexual no meu filme acontece nos olhares, então, desde o início, decidi que não iria mostrar a cena sexual inteira”, disse Almodóvar. “Eles ficam muito mais nus na conversa que têm depois”.

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Foi essa conversa que fez Almodóvar querer fazer o filme: depois de filmar Dor e Glória (2019), estrelado por Antonio Banderas como uma versão velada de seu diretor, Almodóvar se viu cada vez mais atraído por histórias sobre homens gays de meia-idade revendo a própria vida.

“Acho que essa decisão de contar histórias sobre homens mais velhos é, pelo menos em parte, um reflexo da minha idade”, disse Almodóvar. “Se tivesse escrito essas histórias quando tinha 25 anos, provavelmente teria escrito uma história sobre dois cowboys de 25 anos”.

A filmagem não foi fácil, Hawke admitiu: a produção teve de lutar contra uma onda de calor recorde ao longo de quinze dias no deserto, “e é muito difícil pensar em ideias sutis quando tudo o que seu corpo quer é dormir ou encontrar um ar condicionado”, disse. Mas, quando o projeto chegou ao fim, ele pôde dar um passo atrás e enxergar o todo.

“De repente, percebi que estava no deserto da Espanha, num antigo set de Sergio Leone, e Almodóvar estava me abraçando, agradecendo, aí pensei no meu amor pelo cinema, no desafio que foi fazer este filme, no meu desejo de continuar caçando experiências desse tipo”, disse Hawke. “E me senti melhor por ter vivido aquilo. Não sei como explicar nada além disso”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O pistoleiro de verde encara o xerife.

“Não me olhe assim”, diz o xerife, semicerrando os olhos.

“Como você quer que eu olhe para você?”, responde o pistoleiro, flertando.

Não seria um faroeste sem um duelo frente a frente, mas, quando Pedro Almodóvar está atrás da câmera, os olhares são ainda mais carregados que as pistolas. Em Strange Way of Life, novo curta-metragem que estreou no Festival de Cinema de Cannes na quarta-feira, 17, Ethan Hawke e Pedro Pascal estrelam como um homem da lei e um caubói que se reencontram 25 anos depois de um caso apaixonado. Mas será que a velha magia vai se reacender? Ou será que eles estão escondendo segundas intenções para o encontro?

Pedro Almodóvar antes da exibição de' Strange Way of Life' em Cannes. Foto: Valery Hache/AFP

De muitas maneiras, o projeto é uma guinada para Almodóvar: o autor de 73 anos, geralmente conhecido por filmes em espanhol sobre mulheres modernas que vivem em apartamentos lindíssimos, escalou dois atores que falam inglês para um curta que se passa no empoeirado Velho Oeste. Mas Almodóvar, que duas décadas atrás foi cortejado para dirigir o faroeste gay Brokeback Mountain e recusou, vê seu novo projeto como uma continuidade do filme de 2005, dirigido por Ang Lee, que acabou ganhando o prêmio de melhor diretor.

“Em Brokeback Mountain, o personagem de Jake Gyllenhaal diz ao personagem de Heath Ledger que eles deveriam ir embora e trabalhar num rancho”, disse Almodóvar em videochamada. “Heath diz: ‘O que dois homens fariam no Oeste, trabalhando num rancho?’ De muitas maneiras, sinto que meu filme responde a essa pergunta”.

Almodóvar escreveu algumas páginas da cena principal três anos atrás, depois tirou o projeto da cabeça. “Às vezes escrevo só pelo prazer de escrever”, disse ele. “Não tinha nenhum propósito”. Mas a inspiração veio quando Anthony Vaccarello, diretor criativo da grife Saint Laurent, mencionou que acabara de produzir um curta-metragem para Gaspar Noé. Almodóvar se lembrou da sequência com os dois pistoleiros, acrescentou um prólogo para estabelecer o cenário e uma sequência de tiros, depois apresentou a Vaccarrello o roteiro de 31 minutos para Strange Way of Life.

“Claro, poderia ter virado um longa-metragem”, disse ele. “Mas acho que foi a duração perfeita para a história que quero contar”. E depois de fazer o curta-metragem A Voz Humana (2020) com Tilda Swinton, Almodóvar queria continuar escalando estrelas de língua inglesa. “Nunca quis fazer em espanhol”, disse Almodóvar. “Embora tenhamos nosso próprio faroeste, o faroeste espaguete, eu queria um faroeste clássico”.

Almodóvar logo procurou Pascal, cuja estrela estava começando a subir com as séries The Mandalorian e The Last of Us. O ator de 48 anos estava ansioso para assinar, tinha assistido ao primeiro filme de Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), ainda adolescente, com a família.

“Lembro que a sensação era como conhecer um novo parque de diversões”, disse Pascal por e-mail. “Um mundo inteiro de cores e brincadeiras, uma espécie de rebelião travessa, entrou na minha experiência”.

A outra estrela do filme também se entusiasmou. “Me senti muito honrado por ser um ator americano trabalhando com ele”, disse Hawke por telefone. “Muitas vezes, quando você está fazendo filmes americanos convencionais, sente essa terceira entidade na sala: você quer que o filme venda - você sente isso nas pessoas atrás do monitor. E o maravilhoso de trabalhar com Almodóvar é que você não precisa fazer ninguém feliz além de Pedro Almodóvar”.

O curta entrou em produção no verão passado em Almería, na Espanha, nos sets ao ar livre onde Sergio Leone filmou sua clássica trilogia de spaghetti westerns estrelada por Clint Eastwood (1964-66). “O passar desses 50 anos deu autenticidade ao lugar”, disse Almodóvar. Além de produzir o projeto, Vaccarello trabalhou como figurinista, cargo crucial nos filmes de Almodóvar.

“Trabalhei com alguns diretores maravilhosos, mas eles simplesmente não se interessam muito por figurino - é só, ‘Sim, o que você quiser vestir está bom’”, disse Hawke. “Já Almodóvar passa semanas decidindo que tom de verde é a parede atrás de você ou que cor é sua jaqueta e de que tecido ela é feita”.

Embora os filmes de Almodóvar também sejam notáveis pelo que acontece quando essas roupas são arrancadas, Strange Way of Life é surpreendentemente discreto, escurece a tela quando Hawke e Pascal se abraçam.

“A tensão sexual no meu filme acontece nos olhares, então, desde o início, decidi que não iria mostrar a cena sexual inteira”, disse Almodóvar. “Eles ficam muito mais nus na conversa que têm depois”.

Foi essa conversa que fez Almodóvar querer fazer o filme: depois de filmar Dor e Glória (2019), estrelado por Antonio Banderas como uma versão velada de seu diretor, Almodóvar se viu cada vez mais atraído por histórias sobre homens gays de meia-idade revendo a própria vida.

“Acho que essa decisão de contar histórias sobre homens mais velhos é, pelo menos em parte, um reflexo da minha idade”, disse Almodóvar. “Se tivesse escrito essas histórias quando tinha 25 anos, provavelmente teria escrito uma história sobre dois cowboys de 25 anos”.

A filmagem não foi fácil, Hawke admitiu: a produção teve de lutar contra uma onda de calor recorde ao longo de quinze dias no deserto, “e é muito difícil pensar em ideias sutis quando tudo o que seu corpo quer é dormir ou encontrar um ar condicionado”, disse. Mas, quando o projeto chegou ao fim, ele pôde dar um passo atrás e enxergar o todo.

“De repente, percebi que estava no deserto da Espanha, num antigo set de Sergio Leone, e Almodóvar estava me abraçando, agradecendo, aí pensei no meu amor pelo cinema, no desafio que foi fazer este filme, no meu desejo de continuar caçando experiências desse tipo”, disse Hawke. “E me senti melhor por ter vivido aquilo. Não sei como explicar nada além disso”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O pistoleiro de verde encara o xerife.

“Não me olhe assim”, diz o xerife, semicerrando os olhos.

“Como você quer que eu olhe para você?”, responde o pistoleiro, flertando.

Não seria um faroeste sem um duelo frente a frente, mas, quando Pedro Almodóvar está atrás da câmera, os olhares são ainda mais carregados que as pistolas. Em Strange Way of Life, novo curta-metragem que estreou no Festival de Cinema de Cannes na quarta-feira, 17, Ethan Hawke e Pedro Pascal estrelam como um homem da lei e um caubói que se reencontram 25 anos depois de um caso apaixonado. Mas será que a velha magia vai se reacender? Ou será que eles estão escondendo segundas intenções para o encontro?

Pedro Almodóvar antes da exibição de' Strange Way of Life' em Cannes. Foto: Valery Hache/AFP

De muitas maneiras, o projeto é uma guinada para Almodóvar: o autor de 73 anos, geralmente conhecido por filmes em espanhol sobre mulheres modernas que vivem em apartamentos lindíssimos, escalou dois atores que falam inglês para um curta que se passa no empoeirado Velho Oeste. Mas Almodóvar, que duas décadas atrás foi cortejado para dirigir o faroeste gay Brokeback Mountain e recusou, vê seu novo projeto como uma continuidade do filme de 2005, dirigido por Ang Lee, que acabou ganhando o prêmio de melhor diretor.

“Em Brokeback Mountain, o personagem de Jake Gyllenhaal diz ao personagem de Heath Ledger que eles deveriam ir embora e trabalhar num rancho”, disse Almodóvar em videochamada. “Heath diz: ‘O que dois homens fariam no Oeste, trabalhando num rancho?’ De muitas maneiras, sinto que meu filme responde a essa pergunta”.

Almodóvar escreveu algumas páginas da cena principal três anos atrás, depois tirou o projeto da cabeça. “Às vezes escrevo só pelo prazer de escrever”, disse ele. “Não tinha nenhum propósito”. Mas a inspiração veio quando Anthony Vaccarello, diretor criativo da grife Saint Laurent, mencionou que acabara de produzir um curta-metragem para Gaspar Noé. Almodóvar se lembrou da sequência com os dois pistoleiros, acrescentou um prólogo para estabelecer o cenário e uma sequência de tiros, depois apresentou a Vaccarrello o roteiro de 31 minutos para Strange Way of Life.

“Claro, poderia ter virado um longa-metragem”, disse ele. “Mas acho que foi a duração perfeita para a história que quero contar”. E depois de fazer o curta-metragem A Voz Humana (2020) com Tilda Swinton, Almodóvar queria continuar escalando estrelas de língua inglesa. “Nunca quis fazer em espanhol”, disse Almodóvar. “Embora tenhamos nosso próprio faroeste, o faroeste espaguete, eu queria um faroeste clássico”.

Almodóvar logo procurou Pascal, cuja estrela estava começando a subir com as séries The Mandalorian e The Last of Us. O ator de 48 anos estava ansioso para assinar, tinha assistido ao primeiro filme de Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), ainda adolescente, com a família.

“Lembro que a sensação era como conhecer um novo parque de diversões”, disse Pascal por e-mail. “Um mundo inteiro de cores e brincadeiras, uma espécie de rebelião travessa, entrou na minha experiência”.

A outra estrela do filme também se entusiasmou. “Me senti muito honrado por ser um ator americano trabalhando com ele”, disse Hawke por telefone. “Muitas vezes, quando você está fazendo filmes americanos convencionais, sente essa terceira entidade na sala: você quer que o filme venda - você sente isso nas pessoas atrás do monitor. E o maravilhoso de trabalhar com Almodóvar é que você não precisa fazer ninguém feliz além de Pedro Almodóvar”.

O curta entrou em produção no verão passado em Almería, na Espanha, nos sets ao ar livre onde Sergio Leone filmou sua clássica trilogia de spaghetti westerns estrelada por Clint Eastwood (1964-66). “O passar desses 50 anos deu autenticidade ao lugar”, disse Almodóvar. Além de produzir o projeto, Vaccarello trabalhou como figurinista, cargo crucial nos filmes de Almodóvar.

“Trabalhei com alguns diretores maravilhosos, mas eles simplesmente não se interessam muito por figurino - é só, ‘Sim, o que você quiser vestir está bom’”, disse Hawke. “Já Almodóvar passa semanas decidindo que tom de verde é a parede atrás de você ou que cor é sua jaqueta e de que tecido ela é feita”.

Embora os filmes de Almodóvar também sejam notáveis pelo que acontece quando essas roupas são arrancadas, Strange Way of Life é surpreendentemente discreto, escurece a tela quando Hawke e Pascal se abraçam.

“A tensão sexual no meu filme acontece nos olhares, então, desde o início, decidi que não iria mostrar a cena sexual inteira”, disse Almodóvar. “Eles ficam muito mais nus na conversa que têm depois”.

Foi essa conversa que fez Almodóvar querer fazer o filme: depois de filmar Dor e Glória (2019), estrelado por Antonio Banderas como uma versão velada de seu diretor, Almodóvar se viu cada vez mais atraído por histórias sobre homens gays de meia-idade revendo a própria vida.

“Acho que essa decisão de contar histórias sobre homens mais velhos é, pelo menos em parte, um reflexo da minha idade”, disse Almodóvar. “Se tivesse escrito essas histórias quando tinha 25 anos, provavelmente teria escrito uma história sobre dois cowboys de 25 anos”.

A filmagem não foi fácil, Hawke admitiu: a produção teve de lutar contra uma onda de calor recorde ao longo de quinze dias no deserto, “e é muito difícil pensar em ideias sutis quando tudo o que seu corpo quer é dormir ou encontrar um ar condicionado”, disse. Mas, quando o projeto chegou ao fim, ele pôde dar um passo atrás e enxergar o todo.

“De repente, percebi que estava no deserto da Espanha, num antigo set de Sergio Leone, e Almodóvar estava me abraçando, agradecendo, aí pensei no meu amor pelo cinema, no desafio que foi fazer este filme, no meu desejo de continuar caçando experiências desse tipo”, disse Hawke. “E me senti melhor por ter vivido aquilo. Não sei como explicar nada além disso”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O pistoleiro de verde encara o xerife.

“Não me olhe assim”, diz o xerife, semicerrando os olhos.

“Como você quer que eu olhe para você?”, responde o pistoleiro, flertando.

Não seria um faroeste sem um duelo frente a frente, mas, quando Pedro Almodóvar está atrás da câmera, os olhares são ainda mais carregados que as pistolas. Em Strange Way of Life, novo curta-metragem que estreou no Festival de Cinema de Cannes na quarta-feira, 17, Ethan Hawke e Pedro Pascal estrelam como um homem da lei e um caubói que se reencontram 25 anos depois de um caso apaixonado. Mas será que a velha magia vai se reacender? Ou será que eles estão escondendo segundas intenções para o encontro?

Pedro Almodóvar antes da exibição de' Strange Way of Life' em Cannes. Foto: Valery Hache/AFP

De muitas maneiras, o projeto é uma guinada para Almodóvar: o autor de 73 anos, geralmente conhecido por filmes em espanhol sobre mulheres modernas que vivem em apartamentos lindíssimos, escalou dois atores que falam inglês para um curta que se passa no empoeirado Velho Oeste. Mas Almodóvar, que duas décadas atrás foi cortejado para dirigir o faroeste gay Brokeback Mountain e recusou, vê seu novo projeto como uma continuidade do filme de 2005, dirigido por Ang Lee, que acabou ganhando o prêmio de melhor diretor.

“Em Brokeback Mountain, o personagem de Jake Gyllenhaal diz ao personagem de Heath Ledger que eles deveriam ir embora e trabalhar num rancho”, disse Almodóvar em videochamada. “Heath diz: ‘O que dois homens fariam no Oeste, trabalhando num rancho?’ De muitas maneiras, sinto que meu filme responde a essa pergunta”.

Almodóvar escreveu algumas páginas da cena principal três anos atrás, depois tirou o projeto da cabeça. “Às vezes escrevo só pelo prazer de escrever”, disse ele. “Não tinha nenhum propósito”. Mas a inspiração veio quando Anthony Vaccarello, diretor criativo da grife Saint Laurent, mencionou que acabara de produzir um curta-metragem para Gaspar Noé. Almodóvar se lembrou da sequência com os dois pistoleiros, acrescentou um prólogo para estabelecer o cenário e uma sequência de tiros, depois apresentou a Vaccarrello o roteiro de 31 minutos para Strange Way of Life.

“Claro, poderia ter virado um longa-metragem”, disse ele. “Mas acho que foi a duração perfeita para a história que quero contar”. E depois de fazer o curta-metragem A Voz Humana (2020) com Tilda Swinton, Almodóvar queria continuar escalando estrelas de língua inglesa. “Nunca quis fazer em espanhol”, disse Almodóvar. “Embora tenhamos nosso próprio faroeste, o faroeste espaguete, eu queria um faroeste clássico”.

Almodóvar logo procurou Pascal, cuja estrela estava começando a subir com as séries The Mandalorian e The Last of Us. O ator de 48 anos estava ansioso para assinar, tinha assistido ao primeiro filme de Almodóvar, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), ainda adolescente, com a família.

“Lembro que a sensação era como conhecer um novo parque de diversões”, disse Pascal por e-mail. “Um mundo inteiro de cores e brincadeiras, uma espécie de rebelião travessa, entrou na minha experiência”.

A outra estrela do filme também se entusiasmou. “Me senti muito honrado por ser um ator americano trabalhando com ele”, disse Hawke por telefone. “Muitas vezes, quando você está fazendo filmes americanos convencionais, sente essa terceira entidade na sala: você quer que o filme venda - você sente isso nas pessoas atrás do monitor. E o maravilhoso de trabalhar com Almodóvar é que você não precisa fazer ninguém feliz além de Pedro Almodóvar”.

O curta entrou em produção no verão passado em Almería, na Espanha, nos sets ao ar livre onde Sergio Leone filmou sua clássica trilogia de spaghetti westerns estrelada por Clint Eastwood (1964-66). “O passar desses 50 anos deu autenticidade ao lugar”, disse Almodóvar. Além de produzir o projeto, Vaccarello trabalhou como figurinista, cargo crucial nos filmes de Almodóvar.

“Trabalhei com alguns diretores maravilhosos, mas eles simplesmente não se interessam muito por figurino - é só, ‘Sim, o que você quiser vestir está bom’”, disse Hawke. “Já Almodóvar passa semanas decidindo que tom de verde é a parede atrás de você ou que cor é sua jaqueta e de que tecido ela é feita”.

Embora os filmes de Almodóvar também sejam notáveis pelo que acontece quando essas roupas são arrancadas, Strange Way of Life é surpreendentemente discreto, escurece a tela quando Hawke e Pascal se abraçam.

“A tensão sexual no meu filme acontece nos olhares, então, desde o início, decidi que não iria mostrar a cena sexual inteira”, disse Almodóvar. “Eles ficam muito mais nus na conversa que têm depois”.

Foi essa conversa que fez Almodóvar querer fazer o filme: depois de filmar Dor e Glória (2019), estrelado por Antonio Banderas como uma versão velada de seu diretor, Almodóvar se viu cada vez mais atraído por histórias sobre homens gays de meia-idade revendo a própria vida.

“Acho que essa decisão de contar histórias sobre homens mais velhos é, pelo menos em parte, um reflexo da minha idade”, disse Almodóvar. “Se tivesse escrito essas histórias quando tinha 25 anos, provavelmente teria escrito uma história sobre dois cowboys de 25 anos”.

A filmagem não foi fácil, Hawke admitiu: a produção teve de lutar contra uma onda de calor recorde ao longo de quinze dias no deserto, “e é muito difícil pensar em ideias sutis quando tudo o que seu corpo quer é dormir ou encontrar um ar condicionado”, disse. Mas, quando o projeto chegou ao fim, ele pôde dar um passo atrás e enxergar o todo.

“De repente, percebi que estava no deserto da Espanha, num antigo set de Sergio Leone, e Almodóvar estava me abraçando, agradecendo, aí pensei no meu amor pelo cinema, no desafio que foi fazer este filme, no meu desejo de continuar caçando experiências desse tipo”, disse Hawke. “E me senti melhor por ter vivido aquilo. Não sei como explicar nada além disso”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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