CANNES - Embora seja o principal representante do Brasil em Cannes - nosso homem na Palma de Ouro -, Kleber Mendonça Filho não é o único brasileiro em destaque na Croisette este ano. Há um curta nacional na Semana da Crítica, e o próprio curador da seção, Charles Tesson, refere-se a O Delírio É a Redenção dos Aflitos, de Fellipe Fernandes, como “um filme de surpreendente força poética”. Outro brasileiro, e de tradição, está em Cannes Classics. Filho de Glauber Rocha, Eryk Rocha mostra na seção de clássicos o documentário Cinema Novo.
Seu pai venceu o prêmio de direção com O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e a Palma de Ouro do curta com Di, nos anos 1960 e 70. Num comunicado oficial, Eryk já disse de sua alegria de voltar a Cannes, onde já exibiu seu curta conceitual Quimera. “É o momento pertinente para o nascimento desse filme, que traz a força, a poesia e a política desse movimento que inventou uma nova forma de fazer cinema no Brasil. É meu tributo a uma geração que imaginou o cinema inserido num projeto maior de País. Uma das matrizes que o filme quer revelar é a interrupção que o movimento sofreu com o golpe de 1964 e o trágico desdobramento do AI-5, em 1968. Apesar de serem contextos históricos diferentes, estamos vivenciando, hoje, no Brasil, um iminente risco de nova interrupção.”
Maior festival do mundo, Cannes é uma importante vitrine para a produção de autor, mas seu tapete vermelho não discrimina e grandes nomes do cinemão valem-se de suas luzes para fazer a divulgação de obras que se propõem a arrebentar nas bilheterias. É assim que Steven Spielberg vai fazer aqui o lançamento internacional de Big Fat Giant, que adaptou do clássico infantil de Roald Dahl, com Mark Rylance, seu ator em Ponte dos Espiões, vencedor do Oscar de coadjuvante. Jodie Foster, que há 40 anos fez história como estrela mirim de Taxi Driver - o longa de Martin Scorsese com Robert De Niro, que venceu a Palma de Ouro de 1975 -, mostra fora de concurso seu quarto longa como diretora. E vem com uma equipe de respeito, pois Money Monster é interpretado por Julia Roberts - será sua primeira vez na Croisette, acredite - e George Clooney.
Um belo nome do cinema de autor, o japonês Hirokazu Kore-eda, apresenta em Un Certain Regard seu novo longa, After the Storm/Depois da Tempestade. Outro japonês, Koji Fukada, também se abriga na seção - com Harmonium. A Quinzena dos Realizadores, desta vez, vira reduto dos italianos, ausentes da competição: o novo Marco Bellocchio, Tenha Bons Sonhos, e segue com Paolo Virzi, Loucos de Alegria, e Claudio Giovannese, Fiore.
A Quinzena terá o novo Pablo Larraín, Neruda, e o novo Alejandro Jodorowsky, Poesia Sem Fim. As sessões especiais prometem. Trazem desde um autor maldito como Paul Vecchiali, com Le Cancre, até Ritty Panh (Exílio) e o diretor do Chade Mahamat-Saleh Haroun (Hissem Habré, Une Trasgédie Tsachadienne), mas a joia dessa seleção é o novo Albert Serra, A Morte de Luís XIV, com Jean-Pierre Léaud. E, na Semana da Crítica, em que já existe o curta brasileiro, teremos curtas realizados por atrizes - En Moi, de Laetitia Casta, e Kitty, de Chloë Sevigny, mais um longa de Sandrine Kiberlain, Bonne Figure.
Há grande expectativa quanto à presidência do júri deste ano. Criador da série Mad Max, George Miller realizou os três episódios interpretados por Mel Gibson e, após um longo hiato, estourou no ano passado com o operístico Mad Max - Estrada da Fúria. Miller tem forte imaginação visual. Qual será seu gosto ao avaliar o cinema do mundo apresentado em Cannes? Quem vai levar a Palma de Ouro do júri de George Miller? O veterano diretor já disse que espera ser surpreendido. Em 2013, na presidência do júri, Spielberg não apenas premiou o radical La Vie d’Adele como fez história ao outorgar ao filme uma tríplice Palma de Ouro - para o diretor Abdellatif Kechiche e as atrizes Adele Exarchopoulos e Léa Seydoux. Teremos algo tão marcante com Miller? A resposta sai no dia 22.
Cartaz reverencia clássico de Godard Em 1963, contratado pelo produtor Carlo Ponti, Jean-Luc Godard fez seu filme mais 'clássico', O Desprezo. É uma livre adaptação do romance de Alberto Moravia. Um velho diretor, Fritz Lang, quer fazer uma versão da Odisseia com estátuas. Isso porque o homem moderno não é mais Ulisses, o que faz com que a mulher também não seja mais Penélope, a que espera. Ponti queria Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Godard fez o filme com Brigitte Bardot e Michel Piccoli. O cartaz do 69º Festival de Cannes homenageia esse monumento do cinema.