São números bastante expressivos - o Festival Varilux, que começa nesta quarta, 7, em São Paulo e quinta, 8, no Rio, vai se desenrolar durante duas semanas - até 21 - em 55 cidades de 21 Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal. Serão 19 filmes - 18 inéditos e um clássico restaurado. E, para garantir o glamour, uma delegação está chegando da França, formada por atores e diretores - entre outro, o rapper (e ator) Sadek, os diretores Noémie Saglio e Olivier Peyon.
Alguns filmes são tão novos que Rodin, de Jacques Doillon, com Vincent Lindon, fez sua estreia internacional no recente Festival de Cannes. Também em Cannes, mas no ano passado, estiveram Na Vertical, de Alain Guiraudie, e Um Instante de Amor, de Nicole Garcia. A programação é formada predominantemente por obras de ficção, mas traz um documentário de sucesso - Amanhã, codirigido por Melanie Laurent, a atriz de Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. E o clássico restaurado é Duas Garotas Românticas/Les Demoiselles de Rocheforet, de Jacques Demy, que este ano comemora seu cinquentenário.
Paris abriga, atualmente, nas Galerias Nacionais do Grand Palais, a exposição do centenário de Rodin. Completam-se, em 2017, 100 anos da morte do artista que tirou vida da pedra. Em Cannes, Jacques Doillon explicou que havia sido convidado para fazer um documentário. O projeto não saiu, mas ele pesquisou tanto que, de repente, se deu conta de estar a escrever frases, diálogos possíveis. Nasceu uma ficção. Doillon começa seu filme quando Rodin obtém reconhecimento com a encomenda da Porta do Inferno. Casado - sem papel - com Rose, com quem tem um filho, une-se à jovem Camille Claudel. Recebe outra encomenda - o Balzac, que será motivo de polêmica. Rodin em xeque - na arte e na vida.
Camille exige amor - de um homem que não consegue manifestar afeto. Vincent Lindon foi tão fundo no papel que Izia Higelin, que faz Camille, chegou a afirmar - “Ele poderia estar expondo no Grand Palais. Vincent aprendeu a esculpir e todo dia nos surpreendia com o que havia entrado pela madrugada fazendo.” É seu primeiro papel importante, e Izia conta. “Jacques conversou comigo durante três horas e, no final, me contratou sem nem ter testado meu trabalho. Ele não me conhecia, mas eu também nunca vira seus filmes.”
Alain Guiraudie fez sensação com Um Estranho no Lago. O novo filme é sobre esse outro estranho que se instala numa fazenda e tem relações (explícitas) com o velho dono do lugar e sua filha. Na Vertical/Rester Vertical. O diretor explica. “O homem é um animal vertical, e é o que define o respeito do lobo por ele. Quando o homem começa a se curvar, o lobo percebe sua fragilidade. E claro que a verticalidade tem uma dimensão sexual que me atrai.” Também em Cannes, a atriz e diretora Nicole Garcia disse que não teria feito Um Instante de Amor sem Marion Cotillard.
“Precisava da sua intensidade para criar a empatia com o público.” Paisagem rural, anos 1930. Casada sem amor, Marion vai para essa clínica, tratar o cálculo renal. Conhece outro paciente - Louis Garrel, com todo o seu perfil de herói romântico. A história adaptada de Milena Agus envolve... Fantástico? Espiritismo? “Para mim é só sentimento. O amor tudo pode”, diz a diretora.
DESTAQUES
'Amanhã', de Mélanie Laurent e Cyril Dion Se a humanidade corre o risco de desaparecer, como evitar? Qual são os caminhos para um mundo melhor?
'Frantz', de François Ozon Quem é o alemão que deposita flores no túmulo do noivo de Paula Beer? Ozon ama os triângulos
'O Reencontro', de Marion Provost Catherine Frot e a amante do pai, Catherine Deneuve. Mulher sábia é a que cuida, ou a que curte a vida?
'Uma Família de Dois', de Hugo Gélin Omar Sy cria a filha sozinho, mas a ex-mulher reaparece, disputando a guarda
Obra de 1967 volta restaurada e resgata Jacques Demy
Em 1992, no primeiro ano do repórter no Festival de Cannes, Agnès Varda mostrou seu documentário Les Demoiselles Ont Déjà 25 Ans. Há um culto a Jacques Demy. Varda, sua eterna viúva, é a oficiante. Nos anos 1960, alguns críticos viram na Palma de Ouro para Os Guarda-Chuvas do Amor a degradação do espírito nouvelle vague. O lirismo de Demy seria mentiroso. Como, se estava na cara de todo o mundo? Os Guarda-Chuvas podia ter canto e dança, mas certamente não era alienado, nem alienante.
Guerra da Argélia, consumismo, o desejo de segurança da classe média - estava tudo lá. Catherine Deneuve prometia a Nino Castelnuovo, que partia para a guerra - “Je vous attendrai toujous.” Vou te esperar sempre - mas não esperava. Na sequência, surgiu outro musical. Les Demoiselles de Rochefort - Duas Garotas Românticas. Catherine, de novo, e a irmã Françoise Dorleac, morta precocemente, num acidente de carro, em 26 de junho de 1967.
Agnès Varda voltou este ano a Cannes e ganhou o prêmio de documentário - L’Oeil d’Or, o Olho de Ouro - por Visages Villages, que correalizou com JR. Um dos mais belos filmes do festival, talvez não exatamente um documentário. Um ensaio poético, um docudrama - nas bordas, uma ficção, por que não? Varda e JR caem na estrada. Encontram pessoas, que ele fotografa. As fotos ampliadas viram intervenções nas paisagens.
Les Demoiselles, em 1992, faziam 25 anos. Em 2017 fazem 50 anos. Les Demoiselles ont déjà 50 ans. Na tela, continuam eternamente jovens. Catherine, Françoise, Madame Danielle Darrieux, que em maio completou seu centenário, e o musical. Canto e dança com Gene Kelly e George Chakiris. Duas Garotas Românticas (título brasileiro) é o clássico resgatado dessa edição do Festival Varilux. Decorrido meio século, houve o reconhecimento para Demy e La La Land, de Damien Chazelle, que ganhou o Oscar, é cria dele. O cinema, segundo Jacques Demy, é um sonho. Mas nos seus musicais e contos de fadas (o psicanalítico Pele de Asno), o sonhar é acordado. O que interessa é sempre a realidade. Redescobrir Demy, e as garotas românticas, será um dos prazeres desse festival.