Selecionado em terceiro lugar entre os dez melhores filmes do ano passado pelos críticos da revista Sight and Sound – o segundo foi Pequena Mamãe, de Céline Sciamma, e o primeiro, The Souvenir – Part II, de Joanna Hogg –, Drive My Car vem somar-se a outro grande filme de Ryûsuke Hamaguchi em cartaz no Brasil:Roda do Destino, 10.º na lista da revista. Ambos têm longas cenas de diálogos dentro de carros. À revista, Hamaguchi contou que pretendia filmar Drive My Car fora do Japão. Em Busan, talvez, na Coreia do Sul. Vários fatores, inclusive a covid-19, o impediram de levar adiante o plano. Ele teve de fazer o filme no Japão, mas não em Tóquio. Seria impossível filmar as cenas de carros na capital japonesa. Escolheu Hiroshima, não só pelo tráfego menos pesado, mas porque a cidade foi reconstruída após a destruição pela bomba, e Drive My Car é sobre reconstrução.
O ator e diretor que é o protagonista da história perdeu a mulher. Antes disso, o casal amargou a dor da morte de uma filha. Ele viaja a Hiroshima para ministrar uma oficina de teatro. Seleciona atores. A peça dentro do filme é Tio Vânia, de Chekhov. A organização do evento o obriga a usar um motorista. É uma motorista. O carro é vermelho. Destaca-se nas tomadas do alto. Baseado em Haruki Murakami, Drive My Car, como todo Hamaguchi, é sobre encontros e desencontros, sobre a roda do destino. As referências a Chekhov e personagens sofridos intensificam o pathos.
Drive My Car concorre aos quatro prêmios da Academia que Bong Joon-ho venceu há dois anos por Parasita – melhor filme, direção, roteiro e filme estrangeiro. Hamaguchi, como o repórter, prefere outro sul-coreano, Em Chamas, de Lee Chang-dong, adaptado de Murakami. Como ele diz, Em Chamas é mais Chang-dong do que Murakami, mas o que os conecta, como autores de cinema, é o desejo de se apropriar do escritor. A reconstrução – do afeto, das relações – está no centro de Drive My Car. O carro é personagem. O filme é maravilhoso.
COTAÇÃO: ÓTIMO