Filme ‘Tigre Branco’ é corrosivo ao criticar as castas e desigualdades sociais


Uma bomba da crítica social, anticapitalista até a medula e feita de sarcasmo e violência, chega à poderosa Netflix

Por Luiz Zanin Oricchio

Engraçado o mundo: até há pouco, a denúncia da extrema desigualdade social era considerada coisa da arte “de esquerda”, portanto fora de moda. Ultimamente, tem sido tema até de filmes de lançamento mundial, como foram os casos de Coringa e Parasita – este vencedor do Oscar. 

Cena de Tigre Branco Foto: SINGH TEJINDER/NETFLIX

Agora, para pasmo de muitos, uma bomba da crítica social, anticapitalista até a medula, feita de sarcasmo e violência, chega à poderosa Netflix. Trata-se do indiano O Tigre Branco, de Ramin Bahrani, que já figura entre os filmes mais vistos da plataforma global de streaming. 

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O personagem principal, Balram (Adarsh Gourav), conta sua própria história. Ele se diz um homem bem-sucedido, que se fez por si mesmo, self made man da mitologia norte-americana. Balram escreve uma carta ao primeiro-ministro chinês, e, nela, tenta explicar como conseguiu ascender socialmente numa sociedade de castas como a da Índia. 

Ele é o “tigre branco” do título. Um animal tão raro que existe apenas um exemplar a cada geração. Tão excepcional como um pobre nascido nos cafundós do país e de casta baixa chegar a ficar rico, como aconteceu com Balram. Portanto, a história será a de como ele chegou lá. Em sua explicação do sistema de castas, faz uma simplificação. Na verdade, só existiriam duas castas para valer: a dos ricos e a dos pobres. Passar da inferior para a superior é quase uma impossibilidade lógica. A não ser com o uso de certos expedientes. 

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Para chegar-se aos ricos é preciso primeiro aproximar-se deles na única condição possível, a de empregado. Esperto, Balram consegue se tornar motorista particular do mais jovem membro de um clã milionário, Ashok (Rajkumar Rao). Ele se torna o empregado-modelo, não se queixa dos horários abusivos a que é submetido, mora numa pocilga no porão e tolera todos os insultos da família.

Será o preço para ganhar a confiança de todos. E sobretudo do jovem casal, Ashok e Pinky (Priyanka Chopra, ex-Miss Índia) que tem também lá seus problemas. Eles vivem em Nova Délhi, mas têm a cabeça em Nova York, onde moraram e estudaram. São exemplares típicos das elites de países pobres hoje pudicamente chamados de “em desenvolvimento”. Não se reconhecem como indianos. Sob a aparente amizade com os empregados, escondem o desprezo pelos “inferiores”. Têm vergonha do país, mas não percebem que contribuem para seu atraso. 

Pela trajetória de Balram rumo ao sucesso, evidencia-se a distopia da sociedade indiana, com os ricos ostentando loucamente seus bens de luxo enquanto miseráveis se espalham pelas ruas de Nova Délhi e do interior. Fica também exposto o grosseiro materialismo dessa “elite”, cuja régua mede tudo pelo dinheiro e pelo sucesso. Como dentro dessa lógica os pobres não valem nada, dão-se ao luxo de tratá-los como objetos descartáveis. Quando não têm mais serventia, são abandonados à própria sorte. 

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Há um ponto nevrálgico na história quando a dondoca Pinky dirige seu carro bêbada e atropela uma pessoa. Será preciso encontrar um bode expiatório para assumir a culpa e evitar o escândalo. Por um bom punhado de rupias, é claro. Afinal, dinheiro há de sobra e os pobres estão aí para isso mesmo. 

Esse drama social se desenvolve em boa parte sob o signo do humor. Não um humor leve e sim o que busca no grotesco das situações algum motivo para o riso. Desta forma, não será um riso descompromissado, mas expressão de reconhecimento de uma situação absurda. Esse humor é cortado pela intrusão do real, sob formas às vezes bastante cruéis. São como tratamentos de choque, a chamar a atenção do espectador para o que está em jogo de verdade nessa história toda. 

O próprio narrador não nos deixa esquecer do que está em pauta, por isso o filme se torna às vezes didático e reiterativo. Está em mira nem tanto o egoísmo ou a maldade dos indivíduos em si, mas a estrutura econômica determinante que tudo seja desse jeito e não de outro. 

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A narração é feita por aquele que se deu bem, e esse ponto de vista faz toda a diferença para a eficácia da obra. Balram desvenda o mecanismo de funcionamento de uma sociedade e usa esse conhecimento para jogar o jogo segundo suas regras. O filme é corrosivo. 

Engraçado o mundo: até há pouco, a denúncia da extrema desigualdade social era considerada coisa da arte “de esquerda”, portanto fora de moda. Ultimamente, tem sido tema até de filmes de lançamento mundial, como foram os casos de Coringa e Parasita – este vencedor do Oscar. 

Cena de Tigre Branco Foto: SINGH TEJINDER/NETFLIX

Agora, para pasmo de muitos, uma bomba da crítica social, anticapitalista até a medula, feita de sarcasmo e violência, chega à poderosa Netflix. Trata-se do indiano O Tigre Branco, de Ramin Bahrani, que já figura entre os filmes mais vistos da plataforma global de streaming. 

O personagem principal, Balram (Adarsh Gourav), conta sua própria história. Ele se diz um homem bem-sucedido, que se fez por si mesmo, self made man da mitologia norte-americana. Balram escreve uma carta ao primeiro-ministro chinês, e, nela, tenta explicar como conseguiu ascender socialmente numa sociedade de castas como a da Índia. 

Ele é o “tigre branco” do título. Um animal tão raro que existe apenas um exemplar a cada geração. Tão excepcional como um pobre nascido nos cafundós do país e de casta baixa chegar a ficar rico, como aconteceu com Balram. Portanto, a história será a de como ele chegou lá. Em sua explicação do sistema de castas, faz uma simplificação. Na verdade, só existiriam duas castas para valer: a dos ricos e a dos pobres. Passar da inferior para a superior é quase uma impossibilidade lógica. A não ser com o uso de certos expedientes. 

Para chegar-se aos ricos é preciso primeiro aproximar-se deles na única condição possível, a de empregado. Esperto, Balram consegue se tornar motorista particular do mais jovem membro de um clã milionário, Ashok (Rajkumar Rao). Ele se torna o empregado-modelo, não se queixa dos horários abusivos a que é submetido, mora numa pocilga no porão e tolera todos os insultos da família.

Será o preço para ganhar a confiança de todos. E sobretudo do jovem casal, Ashok e Pinky (Priyanka Chopra, ex-Miss Índia) que tem também lá seus problemas. Eles vivem em Nova Délhi, mas têm a cabeça em Nova York, onde moraram e estudaram. São exemplares típicos das elites de países pobres hoje pudicamente chamados de “em desenvolvimento”. Não se reconhecem como indianos. Sob a aparente amizade com os empregados, escondem o desprezo pelos “inferiores”. Têm vergonha do país, mas não percebem que contribuem para seu atraso. 

Pela trajetória de Balram rumo ao sucesso, evidencia-se a distopia da sociedade indiana, com os ricos ostentando loucamente seus bens de luxo enquanto miseráveis se espalham pelas ruas de Nova Délhi e do interior. Fica também exposto o grosseiro materialismo dessa “elite”, cuja régua mede tudo pelo dinheiro e pelo sucesso. Como dentro dessa lógica os pobres não valem nada, dão-se ao luxo de tratá-los como objetos descartáveis. Quando não têm mais serventia, são abandonados à própria sorte. 

Há um ponto nevrálgico na história quando a dondoca Pinky dirige seu carro bêbada e atropela uma pessoa. Será preciso encontrar um bode expiatório para assumir a culpa e evitar o escândalo. Por um bom punhado de rupias, é claro. Afinal, dinheiro há de sobra e os pobres estão aí para isso mesmo. 

Esse drama social se desenvolve em boa parte sob o signo do humor. Não um humor leve e sim o que busca no grotesco das situações algum motivo para o riso. Desta forma, não será um riso descompromissado, mas expressão de reconhecimento de uma situação absurda. Esse humor é cortado pela intrusão do real, sob formas às vezes bastante cruéis. São como tratamentos de choque, a chamar a atenção do espectador para o que está em jogo de verdade nessa história toda. 

O próprio narrador não nos deixa esquecer do que está em pauta, por isso o filme se torna às vezes didático e reiterativo. Está em mira nem tanto o egoísmo ou a maldade dos indivíduos em si, mas a estrutura econômica determinante que tudo seja desse jeito e não de outro. 

A narração é feita por aquele que se deu bem, e esse ponto de vista faz toda a diferença para a eficácia da obra. Balram desvenda o mecanismo de funcionamento de uma sociedade e usa esse conhecimento para jogar o jogo segundo suas regras. O filme é corrosivo. 

Engraçado o mundo: até há pouco, a denúncia da extrema desigualdade social era considerada coisa da arte “de esquerda”, portanto fora de moda. Ultimamente, tem sido tema até de filmes de lançamento mundial, como foram os casos de Coringa e Parasita – este vencedor do Oscar. 

Cena de Tigre Branco Foto: SINGH TEJINDER/NETFLIX

Agora, para pasmo de muitos, uma bomba da crítica social, anticapitalista até a medula, feita de sarcasmo e violência, chega à poderosa Netflix. Trata-se do indiano O Tigre Branco, de Ramin Bahrani, que já figura entre os filmes mais vistos da plataforma global de streaming. 

O personagem principal, Balram (Adarsh Gourav), conta sua própria história. Ele se diz um homem bem-sucedido, que se fez por si mesmo, self made man da mitologia norte-americana. Balram escreve uma carta ao primeiro-ministro chinês, e, nela, tenta explicar como conseguiu ascender socialmente numa sociedade de castas como a da Índia. 

Ele é o “tigre branco” do título. Um animal tão raro que existe apenas um exemplar a cada geração. Tão excepcional como um pobre nascido nos cafundós do país e de casta baixa chegar a ficar rico, como aconteceu com Balram. Portanto, a história será a de como ele chegou lá. Em sua explicação do sistema de castas, faz uma simplificação. Na verdade, só existiriam duas castas para valer: a dos ricos e a dos pobres. Passar da inferior para a superior é quase uma impossibilidade lógica. A não ser com o uso de certos expedientes. 

Para chegar-se aos ricos é preciso primeiro aproximar-se deles na única condição possível, a de empregado. Esperto, Balram consegue se tornar motorista particular do mais jovem membro de um clã milionário, Ashok (Rajkumar Rao). Ele se torna o empregado-modelo, não se queixa dos horários abusivos a que é submetido, mora numa pocilga no porão e tolera todos os insultos da família.

Será o preço para ganhar a confiança de todos. E sobretudo do jovem casal, Ashok e Pinky (Priyanka Chopra, ex-Miss Índia) que tem também lá seus problemas. Eles vivem em Nova Délhi, mas têm a cabeça em Nova York, onde moraram e estudaram. São exemplares típicos das elites de países pobres hoje pudicamente chamados de “em desenvolvimento”. Não se reconhecem como indianos. Sob a aparente amizade com os empregados, escondem o desprezo pelos “inferiores”. Têm vergonha do país, mas não percebem que contribuem para seu atraso. 

Pela trajetória de Balram rumo ao sucesso, evidencia-se a distopia da sociedade indiana, com os ricos ostentando loucamente seus bens de luxo enquanto miseráveis se espalham pelas ruas de Nova Délhi e do interior. Fica também exposto o grosseiro materialismo dessa “elite”, cuja régua mede tudo pelo dinheiro e pelo sucesso. Como dentro dessa lógica os pobres não valem nada, dão-se ao luxo de tratá-los como objetos descartáveis. Quando não têm mais serventia, são abandonados à própria sorte. 

Há um ponto nevrálgico na história quando a dondoca Pinky dirige seu carro bêbada e atropela uma pessoa. Será preciso encontrar um bode expiatório para assumir a culpa e evitar o escândalo. Por um bom punhado de rupias, é claro. Afinal, dinheiro há de sobra e os pobres estão aí para isso mesmo. 

Esse drama social se desenvolve em boa parte sob o signo do humor. Não um humor leve e sim o que busca no grotesco das situações algum motivo para o riso. Desta forma, não será um riso descompromissado, mas expressão de reconhecimento de uma situação absurda. Esse humor é cortado pela intrusão do real, sob formas às vezes bastante cruéis. São como tratamentos de choque, a chamar a atenção do espectador para o que está em jogo de verdade nessa história toda. 

O próprio narrador não nos deixa esquecer do que está em pauta, por isso o filme se torna às vezes didático e reiterativo. Está em mira nem tanto o egoísmo ou a maldade dos indivíduos em si, mas a estrutura econômica determinante que tudo seja desse jeito e não de outro. 

A narração é feita por aquele que se deu bem, e esse ponto de vista faz toda a diferença para a eficácia da obra. Balram desvenda o mecanismo de funcionamento de uma sociedade e usa esse conhecimento para jogar o jogo segundo suas regras. O filme é corrosivo. 

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