Filme ‘Zama’ tem valor de manifesto latino para sua autora, Lucrecia Martel


A diretora argentina explica sua motivação profunda para fazer o longa adaptado do livro de Antonio Di Benedetto; estreia nesta quinta, 29

Por Luiz Carlos Merten

Lucrecia Martel admite estar apreensiva. Seu filme Zama fez 100 mil espectadores na Argentina – o que configura o sucesso, no caso de um projeto tão autoral –, teve ótimas críticas de língua inglesa, mas ela sabe que a prova dos nove vem agora, com a estreia no Brasil. Para um filme que nasceu com a vocação de ser ‘latino’, reflexão sobre o mundo colonial, as reações no País serão decisivas, ainda mais que Zama é argentino-brasileiro-espanhol.

Não é só a presença de Matheus Nachtergaele que identifica a brasilidade. De cara aparece o logo da Bananeira Filmes, empresa da brasileira Vânia Catani. Com outro logo, da produtora espanholas El Deseo, dos irmãos Pedro e Agustin Almodóvar, vem também a atriz Lola Dueñas. E o ator que faz o próprio Zama, Daniel Giménez Cacho, é mexicano, embora nascido em Madri. Sua carreira de ator e diretor é predominantemente desenrolada no México, com direito ao Ariel, o Oscar mexicano.

Tantas bandeiras evidenciam o óbvio – como é difícil fazer cinema de autor na América Latina. O longa anterior de Lucrecia, La Mujer sin Cabeza, é de 2008 – está completando dez anos. No intervalo, ela fez curtas, documentários, iniciou uma série, Argirópolis. Trabalhou num longa, adaptado de uma HQ popular na Argentina, mas o projeto, que consumiu anos, não se concretizou. Quase ocorreu o mesmo com Zama. Desde que descobriu, e se encantou, pelo livro de Antonio Di Benedetto, Lucrecia apelou para Vânia Catani para ajudá-la a viabilizar o projeto. Deram duro, mas juntando dinheiro daqui e dali, vários apoios, conseguiram.

continua após a publicidade
Cena do filme 'Zama', de Lucrecia Martel. Foto: Bananeira Filmes Foto:

“Se não tivesse sido assim, ainda estaria tentando”, diz Lucrecia. O filme não é só sobre o passado, ou a herança, colonial. É definidor da nossa identidade – histórica, estética, cultural. O Zama do título é Don Diego de Zama, um funcionário da Coroa espanhola na América Latina do século 17.

Zama passa o filme tentando voltar para casa, na Europa. Num determinado momento, o representante do rei lhe acena com uma possibilidade – se conseguir prender um criminoso que assola a província, Vicuña Porto, conseguirá sua carta de alforria, isso é, o direito de retornar. Toda essa caçada, que ocupa a parte final do relato, é infernal.

continua após a publicidade

Para o público acostumado com o cinema da diretora – O Pântano, La Niña Santa e A Mulher Sem Cabeça, e todos, pegando carona no lançamento de Zama, estão na retrospectiva que o IMS dedica a Lucrecia –, o filme mantém certas características. Lucrecia não faz um cinema narrativo, pelo menos no sentido tradicional.

+++ 'Zama' faz uma imersão na vivência do passado colonial

Zama opera mais num registro que se poderia definir como ‘glauberiano’, na descontinuidade. Ela reflete – “Me interessam os temas, não o estilo. Acho que, se um autor se prende a um estilo, termina por adequar a ele a sua visão de mundo, o que está se indagando, e isso termina por falsear a realidade. Para mim, o que deve orientar o estilo é o tema do filme.” E qual é o tema de Zama? A espera sem fim? 

continua após a publicidade

É possível identificar aí um parentesco com O Deserto dos Tártaros, filme cultuado que o italiano Valerio Zurlini adaptou do romance de Dino Buzzatti. Lucrecia concorda – “Os dois filmes têm coisas similares, e Vania (Catani) me fez ver o Zurlini, mas não posso dizer que foi uma influência.” No final, olha o spoiler, Zama está iniciando nova busca. O que lhe reserva o futuro? O que o futuro reserva para a América Latina? “Para mim, é importante que o índio, a América autóctone, primitiva, faça essa pergunta. Por meus filmes anteriores, muita gente me rotulou de ‘europeia’. A cultura argentina é cosmopolita, Buenos Aires é uma cidade europeia. Prefiro viver hoje em Salta para fugir dos rótulos. Em Salta, tenho a minha família, me atrai a comida e a presença indígena é muito forte.”

Pelo que diz Lucrecia, Zama, mais do que um belo filme, talvez tenha o valor de um manifesto para ela.

Lucrecia Martel admite estar apreensiva. Seu filme Zama fez 100 mil espectadores na Argentina – o que configura o sucesso, no caso de um projeto tão autoral –, teve ótimas críticas de língua inglesa, mas ela sabe que a prova dos nove vem agora, com a estreia no Brasil. Para um filme que nasceu com a vocação de ser ‘latino’, reflexão sobre o mundo colonial, as reações no País serão decisivas, ainda mais que Zama é argentino-brasileiro-espanhol.

Não é só a presença de Matheus Nachtergaele que identifica a brasilidade. De cara aparece o logo da Bananeira Filmes, empresa da brasileira Vânia Catani. Com outro logo, da produtora espanholas El Deseo, dos irmãos Pedro e Agustin Almodóvar, vem também a atriz Lola Dueñas. E o ator que faz o próprio Zama, Daniel Giménez Cacho, é mexicano, embora nascido em Madri. Sua carreira de ator e diretor é predominantemente desenrolada no México, com direito ao Ariel, o Oscar mexicano.

Tantas bandeiras evidenciam o óbvio – como é difícil fazer cinema de autor na América Latina. O longa anterior de Lucrecia, La Mujer sin Cabeza, é de 2008 – está completando dez anos. No intervalo, ela fez curtas, documentários, iniciou uma série, Argirópolis. Trabalhou num longa, adaptado de uma HQ popular na Argentina, mas o projeto, que consumiu anos, não se concretizou. Quase ocorreu o mesmo com Zama. Desde que descobriu, e se encantou, pelo livro de Antonio Di Benedetto, Lucrecia apelou para Vânia Catani para ajudá-la a viabilizar o projeto. Deram duro, mas juntando dinheiro daqui e dali, vários apoios, conseguiram.

Cena do filme 'Zama', de Lucrecia Martel. Foto: Bananeira Filmes Foto:

“Se não tivesse sido assim, ainda estaria tentando”, diz Lucrecia. O filme não é só sobre o passado, ou a herança, colonial. É definidor da nossa identidade – histórica, estética, cultural. O Zama do título é Don Diego de Zama, um funcionário da Coroa espanhola na América Latina do século 17.

Zama passa o filme tentando voltar para casa, na Europa. Num determinado momento, o representante do rei lhe acena com uma possibilidade – se conseguir prender um criminoso que assola a província, Vicuña Porto, conseguirá sua carta de alforria, isso é, o direito de retornar. Toda essa caçada, que ocupa a parte final do relato, é infernal.

Para o público acostumado com o cinema da diretora – O Pântano, La Niña Santa e A Mulher Sem Cabeça, e todos, pegando carona no lançamento de Zama, estão na retrospectiva que o IMS dedica a Lucrecia –, o filme mantém certas características. Lucrecia não faz um cinema narrativo, pelo menos no sentido tradicional.

+++ 'Zama' faz uma imersão na vivência do passado colonial

Zama opera mais num registro que se poderia definir como ‘glauberiano’, na descontinuidade. Ela reflete – “Me interessam os temas, não o estilo. Acho que, se um autor se prende a um estilo, termina por adequar a ele a sua visão de mundo, o que está se indagando, e isso termina por falsear a realidade. Para mim, o que deve orientar o estilo é o tema do filme.” E qual é o tema de Zama? A espera sem fim? 

É possível identificar aí um parentesco com O Deserto dos Tártaros, filme cultuado que o italiano Valerio Zurlini adaptou do romance de Dino Buzzatti. Lucrecia concorda – “Os dois filmes têm coisas similares, e Vania (Catani) me fez ver o Zurlini, mas não posso dizer que foi uma influência.” No final, olha o spoiler, Zama está iniciando nova busca. O que lhe reserva o futuro? O que o futuro reserva para a América Latina? “Para mim, é importante que o índio, a América autóctone, primitiva, faça essa pergunta. Por meus filmes anteriores, muita gente me rotulou de ‘europeia’. A cultura argentina é cosmopolita, Buenos Aires é uma cidade europeia. Prefiro viver hoje em Salta para fugir dos rótulos. Em Salta, tenho a minha família, me atrai a comida e a presença indígena é muito forte.”

Pelo que diz Lucrecia, Zama, mais do que um belo filme, talvez tenha o valor de um manifesto para ela.

Lucrecia Martel admite estar apreensiva. Seu filme Zama fez 100 mil espectadores na Argentina – o que configura o sucesso, no caso de um projeto tão autoral –, teve ótimas críticas de língua inglesa, mas ela sabe que a prova dos nove vem agora, com a estreia no Brasil. Para um filme que nasceu com a vocação de ser ‘latino’, reflexão sobre o mundo colonial, as reações no País serão decisivas, ainda mais que Zama é argentino-brasileiro-espanhol.

Não é só a presença de Matheus Nachtergaele que identifica a brasilidade. De cara aparece o logo da Bananeira Filmes, empresa da brasileira Vânia Catani. Com outro logo, da produtora espanholas El Deseo, dos irmãos Pedro e Agustin Almodóvar, vem também a atriz Lola Dueñas. E o ator que faz o próprio Zama, Daniel Giménez Cacho, é mexicano, embora nascido em Madri. Sua carreira de ator e diretor é predominantemente desenrolada no México, com direito ao Ariel, o Oscar mexicano.

Tantas bandeiras evidenciam o óbvio – como é difícil fazer cinema de autor na América Latina. O longa anterior de Lucrecia, La Mujer sin Cabeza, é de 2008 – está completando dez anos. No intervalo, ela fez curtas, documentários, iniciou uma série, Argirópolis. Trabalhou num longa, adaptado de uma HQ popular na Argentina, mas o projeto, que consumiu anos, não se concretizou. Quase ocorreu o mesmo com Zama. Desde que descobriu, e se encantou, pelo livro de Antonio Di Benedetto, Lucrecia apelou para Vânia Catani para ajudá-la a viabilizar o projeto. Deram duro, mas juntando dinheiro daqui e dali, vários apoios, conseguiram.

Cena do filme 'Zama', de Lucrecia Martel. Foto: Bananeira Filmes Foto:

“Se não tivesse sido assim, ainda estaria tentando”, diz Lucrecia. O filme não é só sobre o passado, ou a herança, colonial. É definidor da nossa identidade – histórica, estética, cultural. O Zama do título é Don Diego de Zama, um funcionário da Coroa espanhola na América Latina do século 17.

Zama passa o filme tentando voltar para casa, na Europa. Num determinado momento, o representante do rei lhe acena com uma possibilidade – se conseguir prender um criminoso que assola a província, Vicuña Porto, conseguirá sua carta de alforria, isso é, o direito de retornar. Toda essa caçada, que ocupa a parte final do relato, é infernal.

Para o público acostumado com o cinema da diretora – O Pântano, La Niña Santa e A Mulher Sem Cabeça, e todos, pegando carona no lançamento de Zama, estão na retrospectiva que o IMS dedica a Lucrecia –, o filme mantém certas características. Lucrecia não faz um cinema narrativo, pelo menos no sentido tradicional.

+++ 'Zama' faz uma imersão na vivência do passado colonial

Zama opera mais num registro que se poderia definir como ‘glauberiano’, na descontinuidade. Ela reflete – “Me interessam os temas, não o estilo. Acho que, se um autor se prende a um estilo, termina por adequar a ele a sua visão de mundo, o que está se indagando, e isso termina por falsear a realidade. Para mim, o que deve orientar o estilo é o tema do filme.” E qual é o tema de Zama? A espera sem fim? 

É possível identificar aí um parentesco com O Deserto dos Tártaros, filme cultuado que o italiano Valerio Zurlini adaptou do romance de Dino Buzzatti. Lucrecia concorda – “Os dois filmes têm coisas similares, e Vania (Catani) me fez ver o Zurlini, mas não posso dizer que foi uma influência.” No final, olha o spoiler, Zama está iniciando nova busca. O que lhe reserva o futuro? O que o futuro reserva para a América Latina? “Para mim, é importante que o índio, a América autóctone, primitiva, faça essa pergunta. Por meus filmes anteriores, muita gente me rotulou de ‘europeia’. A cultura argentina é cosmopolita, Buenos Aires é uma cidade europeia. Prefiro viver hoje em Salta para fugir dos rótulos. Em Salta, tenho a minha família, me atrai a comida e a presença indígena é muito forte.”

Pelo que diz Lucrecia, Zama, mais do que um belo filme, talvez tenha o valor de um manifesto para ela.

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.