O cineasta David Schurmann estava em Los Angeles quando produtores americanos chamaram o brasileiro para um papo. “Falaram que era um projeto que ia me interessar”, conta ao Estadão. Foi aí que o cineasta, um dos filhos da Família Schurmann, que ficou famosa por velejar ao redor do mundo, descobriu que estrangeiros tinham comprado os direitos da história de Seu João, pescador que fez amizade com um pinguim. Anos depois, o papo em Los Angeles virou filme com Meu Amigo Pinguim, que está em cartaz nos cinemas.
A história de Seu João com o pinguim, o Dindin, começou há 13 anos. Foi em 2011 que o animal apareceu pela primeira vez em Ilha Grande, no Rio. O pescador João Pereira de Souza fez amizade com o pinguim: cuidou e tratou dele como um filho. Naquele mesmo ano, o pinguim foi embora. Para sempre? Nada disso. Durante muitos anos, Dindin voltava para a casa de Seu João, como se fossem dois amigos se encontrando com data marcada.
“Eu já conhecia a história, que tinha viralizado no Brasil e aparecido na televisão. Quando os produtores me contaram que tinham comprado os direitos, não acreditei. Achei estranho que ninguém no Brasil se interessou em adquirir os direitos dessa história”, diz o diretor. “Aí logo percebi que aquele era o projeto que eu precisava naquele momento da minha vida.”
O filho do cineasta, afinal, estava com apenas 10 anos na época – e Pequeno Segredo, longa anterior de Schurmann, não era um filme para crianças. “Como contadores de histórias, nossas obras refletem os momentos da nossa vida”, diz o diretor. A partir daí, o brasileiro começou as tratativas. Segundo ele, eram três as demandas dos produtores: tinha que ser em inglês, protagonizado por um ator famoso mundialmente e gravado na Espanha.
“Sobre ser gravado na Espanha, logo falei que de jeito nenhum. Que não tinha como contar uma história tão brasileira assim na Europa. Eles mencionaram os incentivos fiscais na Espanha, mas eu insisti”, explica. “O cenário [em Ilha Grande] era único: a floresta Atlântica no fundo de uma praia. Você não vai encontrar isso na Espanha. E eu bati o pé. Após meses de negociação, conseguimos trazer a produção para o Brasil.”
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Do aquário para a tela
Acabaram gravando ali na região de Ilha Grande e em Ubatuba – nesta última cidade, aliás, o aquário cedeu um grupo de pinguins para atuar no filme como Dindin. “Eram 12 pinguins, que foram avaliados, separados de acordo com a personalidade e acompanhados pelo Fabián Gabelli, um especialista em comportamento animal”, diz o cineasta. “Os pinguins tinham prioridade no set. Eram matutinos e só trabalhavam durante o dia em horário bem limitado.”
Os outros dois termos dos produtores não foram revertidos. “Foi em inglês pela ideia de ser um filme pro mercado internacional. E não conseguimos pensar em um ator brasileiro, de renome internacional e que falasse em inglês, na casa dos 70 ou 75 anos.”
Jean Reno e o cinema familiar
O papel de Seu João acabou ficando nas mãos do francês Jean Reno, ator muito lembrado por O Profissional. Aqui, ele entrega um pescador solitário, atormentado pela dor de ter perdido um filho, enquanto encontra esperança nesse animal tão empolgado e expressivo.
“Conheci o Seu João logo antes de começarmos a filmar, em Angra dos Reis. Já tinha pesquisado bastante sobre ele, mas fiz perguntas que as reportagens não abordavam”, diz Schurmann. Parte da história do filho dele foi ficcionalizada: ele não morreu, foi para o Nordeste. E João ficou no Sul com uma nova esposa. “Eles ficaram sem se ver por quase 30 anos. Isso me tocou muito, porque meu filho tem 15 anos e imagino como deve ser isso.”
Jean Reno, curiosamente, não quis conhecer o Seu João antes da filmagem. “Ele tem um método diferente, prefere criar o personagem a partir do roteiro, sem ser influenciado pela pessoa real. Ele me disse que se decepcionou no passado ao conhecer pessoas reais e não queria imitá-las, mas criar o seu próprio personagem. Respeitei isso”, afirma. Ator e personagem se conheceram na pré-estreia do filme no Egyptian Theater, nos Estados Unidos. “Fizemos de tudo para ele estar conosco. E foi aplaudido por mais de 600 pessoas”, lembra o diretor.
No final, apesar dos termos, David se diz feliz com o resultado final: entende como uma história muito brasileira e que, apesar desses desvios internacionais, diz muito sobre o que é o Brasil. “Temos contado muitas histórias reais, mas geralmente de grandes celebridades, grandes crimes. Há um espaço muito bonito para histórias simples de brasileiros. E essa é uma história sobre a simplicidade da vida. Isso ressoa profundamente. No Brasil, temos muitas histórias assim, e acho importante levá-las para o mundo”, finaliza.