Hugh Grant já não é mais aquele que você conheceu; sarcástico, ator fala de carreira e família


Ao decidir sair da caixinha em que ele mesmo se colocou, de ator tipicamente britânico, tímido e charmoso, e que lhe rendeu fama, Grant mostrou sua versatilidade e talento; prestes a estrelar o terror religioso ‘Herege’, ele assume erros, fala dos filhos e revela o que o faz chorar

Por Sarah Lyall
Atualização:

NOVA YORK - Hugh Grant vem sofrendo de confusão de marca desde 1994, quando sua atuação em Quatro Casamentos e um Funeral o estabeleceu como um herói romântico essencialmente britânico, cheio de timidez e de charme. Mas sua recente série de personagens estranhos e, às vezes, assustadores, é tão forte que você começa a se perguntar se não estava o tempo todo se enganando sobre o tipo de homem que ele é.

Ele seria o primeiro a dizer que algo mais sombrio e complicado se esconde sob sua superfície afável.

“Na escola, tive um professor que costumava me chamar de lado e dizer: ‘Quem é o verdadeiro Hugh Grant? Porque acho que o que estamos vendo aqui talvez não seja sincero’”, disse Grant passeando pelo Central Park no mês passado. Ele estava comparando a si mesmo – ou, pelo menos, seu poder de persuasão – com o Mr. Reed, o vilão carismaticamente articulado que ele interpreta em Herege, filme de terror religioso que será lançado nos cinemas em 8 de novembro (no Brasil, a estreia será em 20 de novembro). “A capacidade de manipular e de seduzir – talvez eu tenha isso”.

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Aos 64 anos, Hugh Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira Foto: Dana Scruggs/NYT

Aos 64 anos, Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira, interpretando uma improvável galeria de malfeitores charmosos (The Undoing, A Very English Scandal), gângsteres decadentes (Magnatas do Crime), vigaristas sedentos de poder (Dungeons & Dragons: Honra Entre Ladrões) e atores desiludidos (Paddington 2 e A Batalha das Pop-Tarts), sem mencionar o pequeno Oompa-Loompa de Wonka. Aquela primeira versão de si mesmo, meio desajeitada, descabelada e do bem, nunca foi verdadeira, diz ele.

“Meu erro foi que, de repente, tive um sucesso enorme com Quatro Casamentos e aí pensei: ah, bem, se é disso que as pessoas gostam tanto, serei essa pessoa na vida real também”, disse ele. “Então dava entrevistas meio que gaguejando, e a culpa é minha por ter sido enfiado nessa caixinha. No fim, e com toda razão, as pessoas acabaram se cansando disso.”

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Grant tinha acabado de chegar de Toronto, onde tinha ocorrido a estreia de Herege. Em Nova York, o dia estava belíssimo e ele reencontrou o parque como se fosse um velho amigo, passando por alguns de seus pontos de referência favoritos: o relógio Delacorte, cujos animais de bronze marcavam a hora dançando, e a estátua de Balto, o heroico husky siberiano que posa imperiosamente no alto de sua rocha, não muito longe do zoológico infantil.

“Você notou que estamos sendo irresistivelmente atraídos para o Balto?” perguntou Grant, dando um tapinha na estátua. “Oi, Balto!” Aí ele acrescentou: “Já tive experiências com alguns huskies”.

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Ele mencionou um de seus primeiros papéis, numa minissérie de 1985 sobre a trágica expedição de Robert Falcon Scott à Antártica, em 1911. “Interpretei um cientista bastante patético cujo nome, bem apropriadamente, era Cherry-Garrard”, disse Grant. Ele tinha de conduzir uma matilha de huskies pela neve.

“Eu disse: ‘Vamos em frente’ em inuíte, mas aqueles malditos cães deram uma volta de 180 graus e me arrastaram para o gelo”, disse ele. “Eles estavam só rindo da minha cara.”

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Imersão no terror

Pode parecer estranho escalar Grant e seu talento britânico para contar histórias engraçadas e autodepreciativas num filme de terror. Entre outras coisas, ele tem pavor desse gênero e, recentemente, saiu de um filme em que tinha entrado por engano com seu irmão, banqueiro que mora em Nova York. (Nem peça para ele falar sobre Midsommar).

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Mas Scott Beck e Bryan Woods, que escreveram e dirigiram Herege, disseram numa entrevista conjunta por vídeo que a capacidade de Grant de subverter as expectativas fez dele o ator perfeito para o papel.

“É um ator que está revolucionando o motivo pelo qual era conhecido, reformulando tudo e surpreendendo seu público”, disse Beck.

A dupla, cujos créditos de roteiro incluem Um Lugar Silencioso, lembrou-se de ter visto Grant em Cloud Atlas (2012), no qual ele interpreta seis personagens, todos desprezíveis.

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“A primeira coisa que saiu da boca do Scott quando o filme acabou foi: ‘Hugh Grant’”, disse Woods. “Ficamos muito empolgados com aquela escolha estranha e desafiadora. E nos dez anos seguintes, para nós, ele virou o melhor ator para interpretar personagens ousados e sombrios.”

Grant cresceu no que ele chama de “pobreza com boas maneiras” de Londres, onde seu pai trabalhava no ramo de tapetes. Ele ganhou uma bolsa de estudos para Oxford e, em seguida, caiu por acaso, pelo menos segundo ele, na carreira de ator. Ele sempre exalou ambivalência em relação ao trabalho, mencionando com lamento seu romance abandonado pela metade e resmungando sobre gostar ou não da profissão. “Sei que não estou nisso por causa da beleza”, disse ele, rindo.

A ironia e afetações de rabugento às vezes colocam Hugh Grant em apuros durante entrevistas Foto: Dana Scruggs/NYT

Ele não gosta muito da máquina de Hollywood. Embora seja sempre hilário nas entrevistas (e deliciosamente atrevido na TV britânica), sua ironia e suas afetações de rabugento às vezes o colocam em apuros. Depois de um anódino fluxo de entusiasmo de seus colegas de Wonka numa coletiva de imprensa no ano passado, Grant se atrapalhou ao declarar: “Odiei tudo profundamente”. (Fora de contexto, parece terrível. Mas esse tipo de humor é normal na Grã-Bretanha, basta assistir aos filmes de Richard Curtis estrelados por Grant: Quatro Casamentos, Um Lugar Chamado Notting Hill e Simplesmente Amor).

“Você nunca sabe se ele está falando sério”, disse Chloe East, que interpreta uma das jovens missionárias mórmons de Herege, que foi filmado em Vancouver. “Ele é muito britânico. A gente perguntava: ‘Como foi seu fim de semana?’ e ele dizia: ‘Foi terrível, detesto Vancouver’. Aí você fica se perguntando se ele realmente teve um fim de semana terrível ou se é só um jeito de se expressar.”

Rigoroso e emotivo

Entre os outros atores, ele tem uma reputação de rigor.

“Essa história de ‘não gosto de atuar e preferiria ser contador’ é bobagem”, disse o ator britânico Hugh Bonneville, também conhecido como o Lorde Grantham de Downton Abbey, que apareceu com Grant em Notting Hill (1999) e novamente em Paddington 2 (2018). “Ele finge desinteresse pela profissão e minimiza suas habilidades, mas é um grande talento e trabalha duro no set.”

Bonneville relembrou a atuação de Grant nos créditos finais de Paddington 2, uma extravagância musical que foi feita no primeiro dia de filmagem e traz Grant vestido com uma atrevida calça de lã. (Ele interpreta Phoenix Buchanan, ator decadente e egoísta, no que para muitos é um de seus melhores papéis).

'Um Lugar Chamado Notting Hill', com Julia Roberts e Hugh Grant, deu projeção enorme ao ator britânico Foto: Columbia Pictures/Divulgação

“Exigiu muito empenho e também o consagrou como uma estrela de musicais”, disse Bonneville. Os fãs de Grant se lembram muito bem do videoclipe do ator no melhor estilo Wham! na comédia romântica Música e Letra (2007) e de sua dancinha Oompa-Loompa em Wonka. Numa cena particularmente arrepiante de Herege, ele canta um trecho de Creep, do Radiohead.

Sua abordagem geralmente conta com improvisações. As falas mais picantes proferidas por seu personagem, Daniel Cleaver, ao seduzir Bridget (Renée Zellweger) em O Diário de Bridget Jones (2001) – entre elas sua icônica reação “Olá, mamãe!” à calcinha de vó de Bridget – foram todas ideias de Grant. (Um quarto filme Bridget Jones, no qual Cleaver deixou de “passear pela Kings Road de olho nas garotas de saias”, como disse Grant, será lançado em fevereiro).

Sem dúvida, Grant também tem um pouco de Cleaver, o namorado tóxico – mas inebriante – que enlouquecia todo mundo de vinte e poucos anos. Questionada numa entrevista por vídeo sobre qual versão era mais próxima da realidade – o simpático Hugh em pessoa ou o canalha Daniel na tela – Zellweger deu risada.

“A gente precisa escolher? Não podemos ficar com os dois?”, disse ela. “São muitos Hughs, e não tenho menor ideia de qual é o mais verdadeiro. Qualquer um que ele queira ser.”

Forçados a fazer publicidade para seus projetos, muitos astros podem parecer totalmente fascinados pela conversa durante as entrevistas (afinal de contas, são atores), mas ficam imediatamente indiferentes se o assunto for outro que não eles mesmos. Grant, por outro lado, parece genuinamente curioso e interessado. Muito culto, hiperinteligente e sarcástico, ele tem aquele talento britânico de falar sem parar e, muitas vezes, de um jeito não muito sério, sobre praticamente qualquer coisa.

Discutimos, entre outros tópicos, religião e morte e política e suicídio assistido por médicos e o 11 de Setembro e a cidade de Nova York e se acreditávamos na vida após a morte (provavelmente não, embora ele tenha dito que certa vez viu um fantasma num castelo em Yorkshire). Estávamos passando para o assunto dos smartphones, que Grant acredita ser “o caldeirão do diabo”, quando ele avistou uma corredora ágil e de cabelos escuros mais adiante no parque.

“É a minha esposa?”, ele perguntou.

Não era, embora a esposa em questão, Anna Elisabet Eberstein, tenha viajado com ele para Nova York e seja, de fato, uma corredora ávida. Os dois se conheceram num bar em 2010. Grant, com quase 50 anos, ainda estava na fase de solteirão incorrigível e “bêbado fazia uns três anos”, disse ele; Eberstein, que é sueca, mas morava em Londres, estava de luto pelo fim de seu primeiro casamento.

O casamento deles foi realizado oito anos depois. “Não acredito que ela goste de mim”, disse Grant. “Mas é um casamento muito feliz.”

Entre os outros atores, Hugh Grant tem uma reputação de rigor. Foto: Dana Scruggs/NYT

Ao falar sobre a esposa e os filhos – eles têm três juntos e ele tem outros dois de um relacionamento anterior com a atriz Tinglan Hong – seu tom se suavizou e a ironia desapareceu. “Eles me deixaram absurdamente sentimental”, disse ele.

E chorão também.

Grant chorou quando viu Procurando Nemo. Ele chora quando assiste a A Noviça Rebelde. (“Toda vez que o ouço falar de A Noviça Rebelde, acho que é o Rosebud dele”, disse Beck). Ele chora ao ler em voz alta livros infantis, especialmente aqueles sobre pais e bebês animais.

“Você já ouviu falar de Stick Man?”, disse ele, referindo-se ao livro ilustrado de Julia Donaldson.

“Ele é um graveto”, explicou. “Ele tem que sair para fazer alguma coisa, e coisas terríveis acontecem com ele – cachorros o pegam e pessoas querem jogá-lo no fogo. E ele fica dizendo: ‘Não sou um graveto, sou o Homem Graveto, e tenho que voltar para meus filhos’”.

“Enfim, ele volta para casa, e todo mundo fica muito feliz”.

Grant pareceu meio envergonhado, mas também totalmente sincero. “Essa história sempre me faz chorar”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

NOVA YORK - Hugh Grant vem sofrendo de confusão de marca desde 1994, quando sua atuação em Quatro Casamentos e um Funeral o estabeleceu como um herói romântico essencialmente britânico, cheio de timidez e de charme. Mas sua recente série de personagens estranhos e, às vezes, assustadores, é tão forte que você começa a se perguntar se não estava o tempo todo se enganando sobre o tipo de homem que ele é.

Ele seria o primeiro a dizer que algo mais sombrio e complicado se esconde sob sua superfície afável.

“Na escola, tive um professor que costumava me chamar de lado e dizer: ‘Quem é o verdadeiro Hugh Grant? Porque acho que o que estamos vendo aqui talvez não seja sincero’”, disse Grant passeando pelo Central Park no mês passado. Ele estava comparando a si mesmo – ou, pelo menos, seu poder de persuasão – com o Mr. Reed, o vilão carismaticamente articulado que ele interpreta em Herege, filme de terror religioso que será lançado nos cinemas em 8 de novembro (no Brasil, a estreia será em 20 de novembro). “A capacidade de manipular e de seduzir – talvez eu tenha isso”.

Aos 64 anos, Hugh Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira Foto: Dana Scruggs/NYT

Aos 64 anos, Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira, interpretando uma improvável galeria de malfeitores charmosos (The Undoing, A Very English Scandal), gângsteres decadentes (Magnatas do Crime), vigaristas sedentos de poder (Dungeons & Dragons: Honra Entre Ladrões) e atores desiludidos (Paddington 2 e A Batalha das Pop-Tarts), sem mencionar o pequeno Oompa-Loompa de Wonka. Aquela primeira versão de si mesmo, meio desajeitada, descabelada e do bem, nunca foi verdadeira, diz ele.

“Meu erro foi que, de repente, tive um sucesso enorme com Quatro Casamentos e aí pensei: ah, bem, se é disso que as pessoas gostam tanto, serei essa pessoa na vida real também”, disse ele. “Então dava entrevistas meio que gaguejando, e a culpa é minha por ter sido enfiado nessa caixinha. No fim, e com toda razão, as pessoas acabaram se cansando disso.”

Grant tinha acabado de chegar de Toronto, onde tinha ocorrido a estreia de Herege. Em Nova York, o dia estava belíssimo e ele reencontrou o parque como se fosse um velho amigo, passando por alguns de seus pontos de referência favoritos: o relógio Delacorte, cujos animais de bronze marcavam a hora dançando, e a estátua de Balto, o heroico husky siberiano que posa imperiosamente no alto de sua rocha, não muito longe do zoológico infantil.

“Você notou que estamos sendo irresistivelmente atraídos para o Balto?” perguntou Grant, dando um tapinha na estátua. “Oi, Balto!” Aí ele acrescentou: “Já tive experiências com alguns huskies”.

Ele mencionou um de seus primeiros papéis, numa minissérie de 1985 sobre a trágica expedição de Robert Falcon Scott à Antártica, em 1911. “Interpretei um cientista bastante patético cujo nome, bem apropriadamente, era Cherry-Garrard”, disse Grant. Ele tinha de conduzir uma matilha de huskies pela neve.

“Eu disse: ‘Vamos em frente’ em inuíte, mas aqueles malditos cães deram uma volta de 180 graus e me arrastaram para o gelo”, disse ele. “Eles estavam só rindo da minha cara.”

Imersão no terror

Pode parecer estranho escalar Grant e seu talento britânico para contar histórias engraçadas e autodepreciativas num filme de terror. Entre outras coisas, ele tem pavor desse gênero e, recentemente, saiu de um filme em que tinha entrado por engano com seu irmão, banqueiro que mora em Nova York. (Nem peça para ele falar sobre Midsommar).

Mas Scott Beck e Bryan Woods, que escreveram e dirigiram Herege, disseram numa entrevista conjunta por vídeo que a capacidade de Grant de subverter as expectativas fez dele o ator perfeito para o papel.

“É um ator que está revolucionando o motivo pelo qual era conhecido, reformulando tudo e surpreendendo seu público”, disse Beck.

A dupla, cujos créditos de roteiro incluem Um Lugar Silencioso, lembrou-se de ter visto Grant em Cloud Atlas (2012), no qual ele interpreta seis personagens, todos desprezíveis.

“A primeira coisa que saiu da boca do Scott quando o filme acabou foi: ‘Hugh Grant’”, disse Woods. “Ficamos muito empolgados com aquela escolha estranha e desafiadora. E nos dez anos seguintes, para nós, ele virou o melhor ator para interpretar personagens ousados e sombrios.”

Grant cresceu no que ele chama de “pobreza com boas maneiras” de Londres, onde seu pai trabalhava no ramo de tapetes. Ele ganhou uma bolsa de estudos para Oxford e, em seguida, caiu por acaso, pelo menos segundo ele, na carreira de ator. Ele sempre exalou ambivalência em relação ao trabalho, mencionando com lamento seu romance abandonado pela metade e resmungando sobre gostar ou não da profissão. “Sei que não estou nisso por causa da beleza”, disse ele, rindo.

A ironia e afetações de rabugento às vezes colocam Hugh Grant em apuros durante entrevistas Foto: Dana Scruggs/NYT

Ele não gosta muito da máquina de Hollywood. Embora seja sempre hilário nas entrevistas (e deliciosamente atrevido na TV britânica), sua ironia e suas afetações de rabugento às vezes o colocam em apuros. Depois de um anódino fluxo de entusiasmo de seus colegas de Wonka numa coletiva de imprensa no ano passado, Grant se atrapalhou ao declarar: “Odiei tudo profundamente”. (Fora de contexto, parece terrível. Mas esse tipo de humor é normal na Grã-Bretanha, basta assistir aos filmes de Richard Curtis estrelados por Grant: Quatro Casamentos, Um Lugar Chamado Notting Hill e Simplesmente Amor).

“Você nunca sabe se ele está falando sério”, disse Chloe East, que interpreta uma das jovens missionárias mórmons de Herege, que foi filmado em Vancouver. “Ele é muito britânico. A gente perguntava: ‘Como foi seu fim de semana?’ e ele dizia: ‘Foi terrível, detesto Vancouver’. Aí você fica se perguntando se ele realmente teve um fim de semana terrível ou se é só um jeito de se expressar.”

Rigoroso e emotivo

Entre os outros atores, ele tem uma reputação de rigor.

“Essa história de ‘não gosto de atuar e preferiria ser contador’ é bobagem”, disse o ator britânico Hugh Bonneville, também conhecido como o Lorde Grantham de Downton Abbey, que apareceu com Grant em Notting Hill (1999) e novamente em Paddington 2 (2018). “Ele finge desinteresse pela profissão e minimiza suas habilidades, mas é um grande talento e trabalha duro no set.”

Bonneville relembrou a atuação de Grant nos créditos finais de Paddington 2, uma extravagância musical que foi feita no primeiro dia de filmagem e traz Grant vestido com uma atrevida calça de lã. (Ele interpreta Phoenix Buchanan, ator decadente e egoísta, no que para muitos é um de seus melhores papéis).

'Um Lugar Chamado Notting Hill', com Julia Roberts e Hugh Grant, deu projeção enorme ao ator britânico Foto: Columbia Pictures/Divulgação

“Exigiu muito empenho e também o consagrou como uma estrela de musicais”, disse Bonneville. Os fãs de Grant se lembram muito bem do videoclipe do ator no melhor estilo Wham! na comédia romântica Música e Letra (2007) e de sua dancinha Oompa-Loompa em Wonka. Numa cena particularmente arrepiante de Herege, ele canta um trecho de Creep, do Radiohead.

Sua abordagem geralmente conta com improvisações. As falas mais picantes proferidas por seu personagem, Daniel Cleaver, ao seduzir Bridget (Renée Zellweger) em O Diário de Bridget Jones (2001) – entre elas sua icônica reação “Olá, mamãe!” à calcinha de vó de Bridget – foram todas ideias de Grant. (Um quarto filme Bridget Jones, no qual Cleaver deixou de “passear pela Kings Road de olho nas garotas de saias”, como disse Grant, será lançado em fevereiro).

Sem dúvida, Grant também tem um pouco de Cleaver, o namorado tóxico – mas inebriante – que enlouquecia todo mundo de vinte e poucos anos. Questionada numa entrevista por vídeo sobre qual versão era mais próxima da realidade – o simpático Hugh em pessoa ou o canalha Daniel na tela – Zellweger deu risada.

“A gente precisa escolher? Não podemos ficar com os dois?”, disse ela. “São muitos Hughs, e não tenho menor ideia de qual é o mais verdadeiro. Qualquer um que ele queira ser.”

Forçados a fazer publicidade para seus projetos, muitos astros podem parecer totalmente fascinados pela conversa durante as entrevistas (afinal de contas, são atores), mas ficam imediatamente indiferentes se o assunto for outro que não eles mesmos. Grant, por outro lado, parece genuinamente curioso e interessado. Muito culto, hiperinteligente e sarcástico, ele tem aquele talento britânico de falar sem parar e, muitas vezes, de um jeito não muito sério, sobre praticamente qualquer coisa.

Discutimos, entre outros tópicos, religião e morte e política e suicídio assistido por médicos e o 11 de Setembro e a cidade de Nova York e se acreditávamos na vida após a morte (provavelmente não, embora ele tenha dito que certa vez viu um fantasma num castelo em Yorkshire). Estávamos passando para o assunto dos smartphones, que Grant acredita ser “o caldeirão do diabo”, quando ele avistou uma corredora ágil e de cabelos escuros mais adiante no parque.

“É a minha esposa?”, ele perguntou.

Não era, embora a esposa em questão, Anna Elisabet Eberstein, tenha viajado com ele para Nova York e seja, de fato, uma corredora ávida. Os dois se conheceram num bar em 2010. Grant, com quase 50 anos, ainda estava na fase de solteirão incorrigível e “bêbado fazia uns três anos”, disse ele; Eberstein, que é sueca, mas morava em Londres, estava de luto pelo fim de seu primeiro casamento.

O casamento deles foi realizado oito anos depois. “Não acredito que ela goste de mim”, disse Grant. “Mas é um casamento muito feliz.”

Entre os outros atores, Hugh Grant tem uma reputação de rigor. Foto: Dana Scruggs/NYT

Ao falar sobre a esposa e os filhos – eles têm três juntos e ele tem outros dois de um relacionamento anterior com a atriz Tinglan Hong – seu tom se suavizou e a ironia desapareceu. “Eles me deixaram absurdamente sentimental”, disse ele.

E chorão também.

Grant chorou quando viu Procurando Nemo. Ele chora quando assiste a A Noviça Rebelde. (“Toda vez que o ouço falar de A Noviça Rebelde, acho que é o Rosebud dele”, disse Beck). Ele chora ao ler em voz alta livros infantis, especialmente aqueles sobre pais e bebês animais.

“Você já ouviu falar de Stick Man?”, disse ele, referindo-se ao livro ilustrado de Julia Donaldson.

“Ele é um graveto”, explicou. “Ele tem que sair para fazer alguma coisa, e coisas terríveis acontecem com ele – cachorros o pegam e pessoas querem jogá-lo no fogo. E ele fica dizendo: ‘Não sou um graveto, sou o Homem Graveto, e tenho que voltar para meus filhos’”.

“Enfim, ele volta para casa, e todo mundo fica muito feliz”.

Grant pareceu meio envergonhado, mas também totalmente sincero. “Essa história sempre me faz chorar”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

NOVA YORK - Hugh Grant vem sofrendo de confusão de marca desde 1994, quando sua atuação em Quatro Casamentos e um Funeral o estabeleceu como um herói romântico essencialmente britânico, cheio de timidez e de charme. Mas sua recente série de personagens estranhos e, às vezes, assustadores, é tão forte que você começa a se perguntar se não estava o tempo todo se enganando sobre o tipo de homem que ele é.

Ele seria o primeiro a dizer que algo mais sombrio e complicado se esconde sob sua superfície afável.

“Na escola, tive um professor que costumava me chamar de lado e dizer: ‘Quem é o verdadeiro Hugh Grant? Porque acho que o que estamos vendo aqui talvez não seja sincero’”, disse Grant passeando pelo Central Park no mês passado. Ele estava comparando a si mesmo – ou, pelo menos, seu poder de persuasão – com o Mr. Reed, o vilão carismaticamente articulado que ele interpreta em Herege, filme de terror religioso que será lançado nos cinemas em 8 de novembro (no Brasil, a estreia será em 20 de novembro). “A capacidade de manipular e de seduzir – talvez eu tenha isso”.

Aos 64 anos, Hugh Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira Foto: Dana Scruggs/NYT

Aos 64 anos, Grant está curtindo o que ele chama de “a era do show de horrores” de sua carreira, interpretando uma improvável galeria de malfeitores charmosos (The Undoing, A Very English Scandal), gângsteres decadentes (Magnatas do Crime), vigaristas sedentos de poder (Dungeons & Dragons: Honra Entre Ladrões) e atores desiludidos (Paddington 2 e A Batalha das Pop-Tarts), sem mencionar o pequeno Oompa-Loompa de Wonka. Aquela primeira versão de si mesmo, meio desajeitada, descabelada e do bem, nunca foi verdadeira, diz ele.

“Meu erro foi que, de repente, tive um sucesso enorme com Quatro Casamentos e aí pensei: ah, bem, se é disso que as pessoas gostam tanto, serei essa pessoa na vida real também”, disse ele. “Então dava entrevistas meio que gaguejando, e a culpa é minha por ter sido enfiado nessa caixinha. No fim, e com toda razão, as pessoas acabaram se cansando disso.”

Grant tinha acabado de chegar de Toronto, onde tinha ocorrido a estreia de Herege. Em Nova York, o dia estava belíssimo e ele reencontrou o parque como se fosse um velho amigo, passando por alguns de seus pontos de referência favoritos: o relógio Delacorte, cujos animais de bronze marcavam a hora dançando, e a estátua de Balto, o heroico husky siberiano que posa imperiosamente no alto de sua rocha, não muito longe do zoológico infantil.

“Você notou que estamos sendo irresistivelmente atraídos para o Balto?” perguntou Grant, dando um tapinha na estátua. “Oi, Balto!” Aí ele acrescentou: “Já tive experiências com alguns huskies”.

Ele mencionou um de seus primeiros papéis, numa minissérie de 1985 sobre a trágica expedição de Robert Falcon Scott à Antártica, em 1911. “Interpretei um cientista bastante patético cujo nome, bem apropriadamente, era Cherry-Garrard”, disse Grant. Ele tinha de conduzir uma matilha de huskies pela neve.

“Eu disse: ‘Vamos em frente’ em inuíte, mas aqueles malditos cães deram uma volta de 180 graus e me arrastaram para o gelo”, disse ele. “Eles estavam só rindo da minha cara.”

Imersão no terror

Pode parecer estranho escalar Grant e seu talento britânico para contar histórias engraçadas e autodepreciativas num filme de terror. Entre outras coisas, ele tem pavor desse gênero e, recentemente, saiu de um filme em que tinha entrado por engano com seu irmão, banqueiro que mora em Nova York. (Nem peça para ele falar sobre Midsommar).

Mas Scott Beck e Bryan Woods, que escreveram e dirigiram Herege, disseram numa entrevista conjunta por vídeo que a capacidade de Grant de subverter as expectativas fez dele o ator perfeito para o papel.

“É um ator que está revolucionando o motivo pelo qual era conhecido, reformulando tudo e surpreendendo seu público”, disse Beck.

A dupla, cujos créditos de roteiro incluem Um Lugar Silencioso, lembrou-se de ter visto Grant em Cloud Atlas (2012), no qual ele interpreta seis personagens, todos desprezíveis.

“A primeira coisa que saiu da boca do Scott quando o filme acabou foi: ‘Hugh Grant’”, disse Woods. “Ficamos muito empolgados com aquela escolha estranha e desafiadora. E nos dez anos seguintes, para nós, ele virou o melhor ator para interpretar personagens ousados e sombrios.”

Grant cresceu no que ele chama de “pobreza com boas maneiras” de Londres, onde seu pai trabalhava no ramo de tapetes. Ele ganhou uma bolsa de estudos para Oxford e, em seguida, caiu por acaso, pelo menos segundo ele, na carreira de ator. Ele sempre exalou ambivalência em relação ao trabalho, mencionando com lamento seu romance abandonado pela metade e resmungando sobre gostar ou não da profissão. “Sei que não estou nisso por causa da beleza”, disse ele, rindo.

A ironia e afetações de rabugento às vezes colocam Hugh Grant em apuros durante entrevistas Foto: Dana Scruggs/NYT

Ele não gosta muito da máquina de Hollywood. Embora seja sempre hilário nas entrevistas (e deliciosamente atrevido na TV britânica), sua ironia e suas afetações de rabugento às vezes o colocam em apuros. Depois de um anódino fluxo de entusiasmo de seus colegas de Wonka numa coletiva de imprensa no ano passado, Grant se atrapalhou ao declarar: “Odiei tudo profundamente”. (Fora de contexto, parece terrível. Mas esse tipo de humor é normal na Grã-Bretanha, basta assistir aos filmes de Richard Curtis estrelados por Grant: Quatro Casamentos, Um Lugar Chamado Notting Hill e Simplesmente Amor).

“Você nunca sabe se ele está falando sério”, disse Chloe East, que interpreta uma das jovens missionárias mórmons de Herege, que foi filmado em Vancouver. “Ele é muito britânico. A gente perguntava: ‘Como foi seu fim de semana?’ e ele dizia: ‘Foi terrível, detesto Vancouver’. Aí você fica se perguntando se ele realmente teve um fim de semana terrível ou se é só um jeito de se expressar.”

Rigoroso e emotivo

Entre os outros atores, ele tem uma reputação de rigor.

“Essa história de ‘não gosto de atuar e preferiria ser contador’ é bobagem”, disse o ator britânico Hugh Bonneville, também conhecido como o Lorde Grantham de Downton Abbey, que apareceu com Grant em Notting Hill (1999) e novamente em Paddington 2 (2018). “Ele finge desinteresse pela profissão e minimiza suas habilidades, mas é um grande talento e trabalha duro no set.”

Bonneville relembrou a atuação de Grant nos créditos finais de Paddington 2, uma extravagância musical que foi feita no primeiro dia de filmagem e traz Grant vestido com uma atrevida calça de lã. (Ele interpreta Phoenix Buchanan, ator decadente e egoísta, no que para muitos é um de seus melhores papéis).

'Um Lugar Chamado Notting Hill', com Julia Roberts e Hugh Grant, deu projeção enorme ao ator britânico Foto: Columbia Pictures/Divulgação

“Exigiu muito empenho e também o consagrou como uma estrela de musicais”, disse Bonneville. Os fãs de Grant se lembram muito bem do videoclipe do ator no melhor estilo Wham! na comédia romântica Música e Letra (2007) e de sua dancinha Oompa-Loompa em Wonka. Numa cena particularmente arrepiante de Herege, ele canta um trecho de Creep, do Radiohead.

Sua abordagem geralmente conta com improvisações. As falas mais picantes proferidas por seu personagem, Daniel Cleaver, ao seduzir Bridget (Renée Zellweger) em O Diário de Bridget Jones (2001) – entre elas sua icônica reação “Olá, mamãe!” à calcinha de vó de Bridget – foram todas ideias de Grant. (Um quarto filme Bridget Jones, no qual Cleaver deixou de “passear pela Kings Road de olho nas garotas de saias”, como disse Grant, será lançado em fevereiro).

Sem dúvida, Grant também tem um pouco de Cleaver, o namorado tóxico – mas inebriante – que enlouquecia todo mundo de vinte e poucos anos. Questionada numa entrevista por vídeo sobre qual versão era mais próxima da realidade – o simpático Hugh em pessoa ou o canalha Daniel na tela – Zellweger deu risada.

“A gente precisa escolher? Não podemos ficar com os dois?”, disse ela. “São muitos Hughs, e não tenho menor ideia de qual é o mais verdadeiro. Qualquer um que ele queira ser.”

Forçados a fazer publicidade para seus projetos, muitos astros podem parecer totalmente fascinados pela conversa durante as entrevistas (afinal de contas, são atores), mas ficam imediatamente indiferentes se o assunto for outro que não eles mesmos. Grant, por outro lado, parece genuinamente curioso e interessado. Muito culto, hiperinteligente e sarcástico, ele tem aquele talento britânico de falar sem parar e, muitas vezes, de um jeito não muito sério, sobre praticamente qualquer coisa.

Discutimos, entre outros tópicos, religião e morte e política e suicídio assistido por médicos e o 11 de Setembro e a cidade de Nova York e se acreditávamos na vida após a morte (provavelmente não, embora ele tenha dito que certa vez viu um fantasma num castelo em Yorkshire). Estávamos passando para o assunto dos smartphones, que Grant acredita ser “o caldeirão do diabo”, quando ele avistou uma corredora ágil e de cabelos escuros mais adiante no parque.

“É a minha esposa?”, ele perguntou.

Não era, embora a esposa em questão, Anna Elisabet Eberstein, tenha viajado com ele para Nova York e seja, de fato, uma corredora ávida. Os dois se conheceram num bar em 2010. Grant, com quase 50 anos, ainda estava na fase de solteirão incorrigível e “bêbado fazia uns três anos”, disse ele; Eberstein, que é sueca, mas morava em Londres, estava de luto pelo fim de seu primeiro casamento.

O casamento deles foi realizado oito anos depois. “Não acredito que ela goste de mim”, disse Grant. “Mas é um casamento muito feliz.”

Entre os outros atores, Hugh Grant tem uma reputação de rigor. Foto: Dana Scruggs/NYT

Ao falar sobre a esposa e os filhos – eles têm três juntos e ele tem outros dois de um relacionamento anterior com a atriz Tinglan Hong – seu tom se suavizou e a ironia desapareceu. “Eles me deixaram absurdamente sentimental”, disse ele.

E chorão também.

Grant chorou quando viu Procurando Nemo. Ele chora quando assiste a A Noviça Rebelde. (“Toda vez que o ouço falar de A Noviça Rebelde, acho que é o Rosebud dele”, disse Beck). Ele chora ao ler em voz alta livros infantis, especialmente aqueles sobre pais e bebês animais.

“Você já ouviu falar de Stick Man?”, disse ele, referindo-se ao livro ilustrado de Julia Donaldson.

“Ele é um graveto”, explicou. “Ele tem que sair para fazer alguma coisa, e coisas terríveis acontecem com ele – cachorros o pegam e pessoas querem jogá-lo no fogo. E ele fica dizendo: ‘Não sou um graveto, sou o Homem Graveto, e tenho que voltar para meus filhos’”.

“Enfim, ele volta para casa, e todo mundo fica muito feliz”.

Grant pareceu meio envergonhado, mas também totalmente sincero. “Essa história sempre me faz chorar”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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