IndieLisboa: festival traz filmes de brasileiros que registram o incômodo de ser imigrante


Nove títulos nacionais estão na seleção de um dos maiores eventos de cinema de Portugal

Por Bárbara Bergamaschi
Atualização:

Começa nesta quinta, 27, hoje o IndieLisboa, um dos maiores festivais de cinema português, que chega à sua 20ª edição com nove títulos brasileiros na seleção. O número de brasileiros têm se intensificado nos últimos cinco anos, com nomes como Gustavo Vinagre, Juliana Antunes, André Novais Oliveira e Adirley Queirós conquistando prêmios. O Indie também tem incentivado as produções do Brasil por meio do Fundo de Apoio ao Cinema. No ano de 2020, Gabriela Giffoni, Felipe Bragança e Leonardo Mouramateus foram contemplados. “Nós temos orgulho de incentivar jovens talentos brasileiros”, declara Miguel Valverde, 52, diretor artístico do festival.

O efeito deste apoio se reflete na programação de 2023 que testemunha a constituição de um grupo de brasileiros vivendo em terras lusitanas. “Está a surgir uma espécie de gênero híbrido que tem a ver com a vivência da cidade de Lisboa”, destaca Valverde. “São filmes que refletem essa dupla origem entre Brasil e Portugal, de uma comunidade cada vez mais crescente!”, completa.

O cineasta brasileiro Ian Capille, que participa do festival IndieLisboa com o curta O Rio e Seu Labirinto. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi
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Um destes exemplos é o curta O Rio e Seu Labirinto, do carioca Ian Capillé, 32, que mora em Lisboa há sete anos. Ian transpõe a Baía de Guanabara para o Rio Tejo, transformando Niterói e Almada em cidades espelhadas. O filme é também um documento do cotidiano destes jovens que tentam um lugar ao sol, ou melhor, ao céu de Lisboa (para citar Wim Wenders). Em sua produtora, na beira do Tejo, Ian confessa que viveu experiências de xenofobia: “Há uma antipatia em relação ao brasileiro, já ouvi o ‘volta para a sua terra!’”. Mas não gosta de generalizar: “meus filmes têm produtores portugueses que acreditam muito no cinema que fazemos aqui”. Para ele, o fato de poder participar da competitiva nacional é também um ato político “São mais de 200 mil brasileiros (números oficiais) em Portugal, os estrangeiros já são quase 10% da população, os imigrantes são parte constituinte da vida portuguesa”, diz.

As temáticas do duplo e da ponte atlântica estão também presentes no novo filme de Leonardo Mouramateus, 32, fortalezense, que mora em Portugal há nove anos. A Vida São Dois Dias, que estreia mundialmente no Indie, é uma sátira “a la” Oswald de Andrade que narra a história de dois gêmeos portugueses com personalidades opostas. Em Lisboa, na lanchonete Pão de Açúcar, em um salão decorado com paisagens cariocas, entre uma “imperial” e outra (como os lisboetas chamam o chopp), Mouramateus conta sobre sua vida como imigrante. “Sempre me senti meio fora do lugar no Brasil sendo do Ceará, em Portugal sinto que eu pude trabalhar melhor esse sentimento”, revela. Entretanto, seus filmes causam um estranhamento: “Filmando em Portugal fico em um entre-lugar, quando querem que eu seja ‘só mais um latino-americano’”, diz. Os dois cineastas são parte da onda migratória de artistas que emigraram (e ficaram) devido ao clima desfavorável à cultura que imperava no país. De repente, diz Ian, “já não havia mais Brasil para onde voltar”.

Nascido em Fortaleza, cineasta mora em Portugal há nove anos. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi
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Já a realizadora brasiliense Ana Vaz, 37, que está com É Noite na América na competitiva internacional, relata o mesmo desconforto: “Mesmo morando em Paris há anos, nunca me senti tão imigrante como em Portugal”, enfatiza. “Você logo descobre que fala outra língua, o ‘brasileiro’”, diz. “Somos corpos ‘estranhos’, que aterrorizam e fascinam, trazendo à tona tudo que está recalcado há 500 anos”, acrescenta. “Os brasileiros são um segundo ‘terramoto’, define, referindo-se ao sismo que destruiu Lisboa em 1755. Em seu novo filme, Ana aborda outros corpos que voltam para os territórios de seus colonizadores: os animais que fogem do cerrado devido ao agronegócio e invadem a modernista Brasília.

Valverde concorda que os brasileiros têm causado impacto: “Diferente do público português que é muito comportado, o público brasileiro é ativo e engajado, as sessões têm uma energia inclassificável.” Valverde também relata que ir ao Festival de Tiradentes mudou práticas dentro do Indie. “Fui transmitindo para minha equipe coisas que ocorreram no Brasil, mas que aqui em Portugal ainda não eram discutidas”, conta. “De fato os brasileiros aceleram as discussões que precisam ser feitas.”

Outros selecionados mas que não moram em Portugal, veem o festival com esperança renovada. Amanda Devulsky, 32, outra realizadora candanga na competição internacional, apresenta seu primeiro longa. Vermelho Bruto é composto por material de arquivo doméstico de quatro mães na redemocratização no Brasil. O projeto também passou antes por Portugal, no laboratório Arché no DocLisboa. “A surpresa do Arché foi ver que os estrangeiros podem criar relações com a vivência do Distrito Federal”, disse Amanda. Já o realizador paulista negro, Rodrigo Ribeiro Andrade, apresenta seu novo filme SOLMATALUA. Rodrigo ressalta que Portugal sempre o acolheu bem. “É uma experiência interessante poder apresentar em países europeus obras que trazem questões raciais, considerando todo histórico de violência de mais de 300 anos de exploração. Tratar disso é incontornável.”

Começa nesta quinta, 27, hoje o IndieLisboa, um dos maiores festivais de cinema português, que chega à sua 20ª edição com nove títulos brasileiros na seleção. O número de brasileiros têm se intensificado nos últimos cinco anos, com nomes como Gustavo Vinagre, Juliana Antunes, André Novais Oliveira e Adirley Queirós conquistando prêmios. O Indie também tem incentivado as produções do Brasil por meio do Fundo de Apoio ao Cinema. No ano de 2020, Gabriela Giffoni, Felipe Bragança e Leonardo Mouramateus foram contemplados. “Nós temos orgulho de incentivar jovens talentos brasileiros”, declara Miguel Valverde, 52, diretor artístico do festival.

O efeito deste apoio se reflete na programação de 2023 que testemunha a constituição de um grupo de brasileiros vivendo em terras lusitanas. “Está a surgir uma espécie de gênero híbrido que tem a ver com a vivência da cidade de Lisboa”, destaca Valverde. “São filmes que refletem essa dupla origem entre Brasil e Portugal, de uma comunidade cada vez mais crescente!”, completa.

O cineasta brasileiro Ian Capille, que participa do festival IndieLisboa com o curta O Rio e Seu Labirinto. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi

Um destes exemplos é o curta O Rio e Seu Labirinto, do carioca Ian Capillé, 32, que mora em Lisboa há sete anos. Ian transpõe a Baía de Guanabara para o Rio Tejo, transformando Niterói e Almada em cidades espelhadas. O filme é também um documento do cotidiano destes jovens que tentam um lugar ao sol, ou melhor, ao céu de Lisboa (para citar Wim Wenders). Em sua produtora, na beira do Tejo, Ian confessa que viveu experiências de xenofobia: “Há uma antipatia em relação ao brasileiro, já ouvi o ‘volta para a sua terra!’”. Mas não gosta de generalizar: “meus filmes têm produtores portugueses que acreditam muito no cinema que fazemos aqui”. Para ele, o fato de poder participar da competitiva nacional é também um ato político “São mais de 200 mil brasileiros (números oficiais) em Portugal, os estrangeiros já são quase 10% da população, os imigrantes são parte constituinte da vida portuguesa”, diz.

As temáticas do duplo e da ponte atlântica estão também presentes no novo filme de Leonardo Mouramateus, 32, fortalezense, que mora em Portugal há nove anos. A Vida São Dois Dias, que estreia mundialmente no Indie, é uma sátira “a la” Oswald de Andrade que narra a história de dois gêmeos portugueses com personalidades opostas. Em Lisboa, na lanchonete Pão de Açúcar, em um salão decorado com paisagens cariocas, entre uma “imperial” e outra (como os lisboetas chamam o chopp), Mouramateus conta sobre sua vida como imigrante. “Sempre me senti meio fora do lugar no Brasil sendo do Ceará, em Portugal sinto que eu pude trabalhar melhor esse sentimento”, revela. Entretanto, seus filmes causam um estranhamento: “Filmando em Portugal fico em um entre-lugar, quando querem que eu seja ‘só mais um latino-americano’”, diz. Os dois cineastas são parte da onda migratória de artistas que emigraram (e ficaram) devido ao clima desfavorável à cultura que imperava no país. De repente, diz Ian, “já não havia mais Brasil para onde voltar”.

Nascido em Fortaleza, cineasta mora em Portugal há nove anos. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi

Já a realizadora brasiliense Ana Vaz, 37, que está com É Noite na América na competitiva internacional, relata o mesmo desconforto: “Mesmo morando em Paris há anos, nunca me senti tão imigrante como em Portugal”, enfatiza. “Você logo descobre que fala outra língua, o ‘brasileiro’”, diz. “Somos corpos ‘estranhos’, que aterrorizam e fascinam, trazendo à tona tudo que está recalcado há 500 anos”, acrescenta. “Os brasileiros são um segundo ‘terramoto’, define, referindo-se ao sismo que destruiu Lisboa em 1755. Em seu novo filme, Ana aborda outros corpos que voltam para os territórios de seus colonizadores: os animais que fogem do cerrado devido ao agronegócio e invadem a modernista Brasília.

Valverde concorda que os brasileiros têm causado impacto: “Diferente do público português que é muito comportado, o público brasileiro é ativo e engajado, as sessões têm uma energia inclassificável.” Valverde também relata que ir ao Festival de Tiradentes mudou práticas dentro do Indie. “Fui transmitindo para minha equipe coisas que ocorreram no Brasil, mas que aqui em Portugal ainda não eram discutidas”, conta. “De fato os brasileiros aceleram as discussões que precisam ser feitas.”

Outros selecionados mas que não moram em Portugal, veem o festival com esperança renovada. Amanda Devulsky, 32, outra realizadora candanga na competição internacional, apresenta seu primeiro longa. Vermelho Bruto é composto por material de arquivo doméstico de quatro mães na redemocratização no Brasil. O projeto também passou antes por Portugal, no laboratório Arché no DocLisboa. “A surpresa do Arché foi ver que os estrangeiros podem criar relações com a vivência do Distrito Federal”, disse Amanda. Já o realizador paulista negro, Rodrigo Ribeiro Andrade, apresenta seu novo filme SOLMATALUA. Rodrigo ressalta que Portugal sempre o acolheu bem. “É uma experiência interessante poder apresentar em países europeus obras que trazem questões raciais, considerando todo histórico de violência de mais de 300 anos de exploração. Tratar disso é incontornável.”

Começa nesta quinta, 27, hoje o IndieLisboa, um dos maiores festivais de cinema português, que chega à sua 20ª edição com nove títulos brasileiros na seleção. O número de brasileiros têm se intensificado nos últimos cinco anos, com nomes como Gustavo Vinagre, Juliana Antunes, André Novais Oliveira e Adirley Queirós conquistando prêmios. O Indie também tem incentivado as produções do Brasil por meio do Fundo de Apoio ao Cinema. No ano de 2020, Gabriela Giffoni, Felipe Bragança e Leonardo Mouramateus foram contemplados. “Nós temos orgulho de incentivar jovens talentos brasileiros”, declara Miguel Valverde, 52, diretor artístico do festival.

O efeito deste apoio se reflete na programação de 2023 que testemunha a constituição de um grupo de brasileiros vivendo em terras lusitanas. “Está a surgir uma espécie de gênero híbrido que tem a ver com a vivência da cidade de Lisboa”, destaca Valverde. “São filmes que refletem essa dupla origem entre Brasil e Portugal, de uma comunidade cada vez mais crescente!”, completa.

O cineasta brasileiro Ian Capille, que participa do festival IndieLisboa com o curta O Rio e Seu Labirinto. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi

Um destes exemplos é o curta O Rio e Seu Labirinto, do carioca Ian Capillé, 32, que mora em Lisboa há sete anos. Ian transpõe a Baía de Guanabara para o Rio Tejo, transformando Niterói e Almada em cidades espelhadas. O filme é também um documento do cotidiano destes jovens que tentam um lugar ao sol, ou melhor, ao céu de Lisboa (para citar Wim Wenders). Em sua produtora, na beira do Tejo, Ian confessa que viveu experiências de xenofobia: “Há uma antipatia em relação ao brasileiro, já ouvi o ‘volta para a sua terra!’”. Mas não gosta de generalizar: “meus filmes têm produtores portugueses que acreditam muito no cinema que fazemos aqui”. Para ele, o fato de poder participar da competitiva nacional é também um ato político “São mais de 200 mil brasileiros (números oficiais) em Portugal, os estrangeiros já são quase 10% da população, os imigrantes são parte constituinte da vida portuguesa”, diz.

As temáticas do duplo e da ponte atlântica estão também presentes no novo filme de Leonardo Mouramateus, 32, fortalezense, que mora em Portugal há nove anos. A Vida São Dois Dias, que estreia mundialmente no Indie, é uma sátira “a la” Oswald de Andrade que narra a história de dois gêmeos portugueses com personalidades opostas. Em Lisboa, na lanchonete Pão de Açúcar, em um salão decorado com paisagens cariocas, entre uma “imperial” e outra (como os lisboetas chamam o chopp), Mouramateus conta sobre sua vida como imigrante. “Sempre me senti meio fora do lugar no Brasil sendo do Ceará, em Portugal sinto que eu pude trabalhar melhor esse sentimento”, revela. Entretanto, seus filmes causam um estranhamento: “Filmando em Portugal fico em um entre-lugar, quando querem que eu seja ‘só mais um latino-americano’”, diz. Os dois cineastas são parte da onda migratória de artistas que emigraram (e ficaram) devido ao clima desfavorável à cultura que imperava no país. De repente, diz Ian, “já não havia mais Brasil para onde voltar”.

Nascido em Fortaleza, cineasta mora em Portugal há nove anos. Foto Barbara Bergamaschi Foto: Barbara Bergamaschi

Já a realizadora brasiliense Ana Vaz, 37, que está com É Noite na América na competitiva internacional, relata o mesmo desconforto: “Mesmo morando em Paris há anos, nunca me senti tão imigrante como em Portugal”, enfatiza. “Você logo descobre que fala outra língua, o ‘brasileiro’”, diz. “Somos corpos ‘estranhos’, que aterrorizam e fascinam, trazendo à tona tudo que está recalcado há 500 anos”, acrescenta. “Os brasileiros são um segundo ‘terramoto’, define, referindo-se ao sismo que destruiu Lisboa em 1755. Em seu novo filme, Ana aborda outros corpos que voltam para os territórios de seus colonizadores: os animais que fogem do cerrado devido ao agronegócio e invadem a modernista Brasília.

Valverde concorda que os brasileiros têm causado impacto: “Diferente do público português que é muito comportado, o público brasileiro é ativo e engajado, as sessões têm uma energia inclassificável.” Valverde também relata que ir ao Festival de Tiradentes mudou práticas dentro do Indie. “Fui transmitindo para minha equipe coisas que ocorreram no Brasil, mas que aqui em Portugal ainda não eram discutidas”, conta. “De fato os brasileiros aceleram as discussões que precisam ser feitas.”

Outros selecionados mas que não moram em Portugal, veem o festival com esperança renovada. Amanda Devulsky, 32, outra realizadora candanga na competição internacional, apresenta seu primeiro longa. Vermelho Bruto é composto por material de arquivo doméstico de quatro mães na redemocratização no Brasil. O projeto também passou antes por Portugal, no laboratório Arché no DocLisboa. “A surpresa do Arché foi ver que os estrangeiros podem criar relações com a vivência do Distrito Federal”, disse Amanda. Já o realizador paulista negro, Rodrigo Ribeiro Andrade, apresenta seu novo filme SOLMATALUA. Rodrigo ressalta que Portugal sempre o acolheu bem. “É uma experiência interessante poder apresentar em países europeus obras que trazem questões raciais, considerando todo histórico de violência de mais de 300 anos de exploração. Tratar disso é incontornável.”

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