Injustiçado pelo Oscar e tocante, ‘Todos Nós Desconhecidos’ mostra poder do amor mesmo após a morte


No drama estrelado por Andrew Scott e Paul Mescal, sobre não ditos e segundas chances, um escritor reencontra os pais que morreram quando ele era criança; filme está em cartaz no cinema

Por Mariane Morisawa

Quem não daria tudo para ver mais uma vez uma pessoa amada que partiu para sempre? Em Todos Nós Desconhecidos, em cartaz nos cinemas brasileiros, Adam, personagem de Andrew Scott (Sherlock, Fleabag), tem exatamente essa chance. O ator, que foi indicado ao Globo de Ouro e faz, aqui, uma das melhores performances de 2023, é mais um dos injustiçados do Oscar deste ano cheio de bons filmes e atuações .

Todos Nós Desconhecidos, dirigido por Andrew Haigh (45 Anos, Looking), é baseado no romance Strangers, do japonês Taichi Yamada. Ao fazer a adaptação, o cineasta e roteirista inglês quis tornar a história criada pelo escritor mais próxima e pessoal.

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“Eu quero me expressar na tela, mas também acredito que, quanto mais específico, mais universal”, disse Haigh em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Embora não seja autobiográfico, o longa é extremamente pessoal para mim.”

No filme, Adam é um roteirista com bloqueio criativo vivendo em um edifício praticamente vazio em Londres. É curioso como a obra, escrita durante a pandemia, reflete esse tempo de isolamento, mesmo sem que se veja uma máscara na tela.

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Certo dia, ele resolve voltar à sua casa de infância, nos arredores da cidade, e reencontra os pais, interpretados por Claire Foy (a primeira rainha Elizabeth de The Crown) e Jamie Bell (Rocketman). Mas como isso é possível, se os dois morreram quando o protagonista tinha 11 anos de idade?

“A ideia de encontrar seus pais novamente muito após sua partida me pareceu fascinante para tratar de família, de amor, das dores de seu passado”, disse Haigh. “Meu trabalho era tornar isso algo que fizesse sentido para mim e culturalmente para a Inglaterra, onde o filme se passa.”

O diretor deixa de lado a história de fantasma literal do livro para buscar a emoção do momento, sem tentar explicar o que está acontecendo. O reencontro com o pai e a mãe pode ser um mergulho na memória, um fruto da imaginação – Adam, afinal, é escritor –, ou um fantasma figurado. A atmosfera lembra não exatamente um sonho, mas aquele momento logo antes de cair no sono, ou imediatamente após despertar.

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Paul Mescal e Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Chris Harris/Searchlight Pictures/Divulgação

Adam tem hoje 40 e tantos anos, a mesma idade de seus pais quando eles se foram em um acidente de carro. O que pode soar estranho no papel ganha vida no filme pela delicadeza da construção e a performance dos três atores. E, no fundo, não somos sempre crianças quando estamos com nossos pais? Esse reencontro também traz a crueldade acidental nas famílias – aquela palavra torta, aquela ação não-realizada, deixando um rastro de mágoas e dor. Quem não daria tudo para voltar atrás e falar sobre isso?

Depois desse encontro, o solitário Adam volta para seu apartamento e consegue finalmente abrir a porta para Harry, que é jovem, charmoso e aparentemente seu único vizinho, interpretado pelo queridinho do momento, Paul Mescal (indicado ao Oscar de melhor ator no ano passado por Aftersun, outro filme emocionante que lida com luto, memória e relação de pais e filhos).

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Essa foi outra aproximação de Haigh da sua própria vida. No livro, era uma vizinha. O diretor é um homem gay e sentiu necessidade de mostrar esse romance profundo, íntimo e sexual sob um ponto de vista pessoal. “Eu sempre quis falar de como é ser queer em uma família heterossexual”, disse o diretor.

“Mas, para mim, esta é uma história sobre entender a natureza do amor e como o amor romântico está relacionado ao amor familiar”. Por isso, não é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma pessoa que se fechou para o mundo, pois precisou lidar com a perda desde muito cedo.

Extremamente pessoal

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Todos Nós Desconhecidos é tão próximo para Haigh que ele rodou as cenas dos pais de Adam na casa onde cresceu. Andrew Scott contou que foi uma tremenda responsabilidade. “Mas eu senti imediatamente que sabia como interpretar o personagem”, disse o ator, que também é gay. “Nossas conversas desde o princípio giraram em torno do ‘não atuar’”, completou ele, referindo-se à sua interpretação sutil e contida.

Apesar de não ter ficado órfão cedo, o diretor estava lidando com o declínio da saúde mental de seu pai por causa da demência. Em dado momento, Haigh pensou que precisaria ter novamente com seu pai a conversa que Adam tem com o pai e a mãe, em que ele conta ser gay – algo que o personagem nunca teve oportunidade de fazer, dada a morte precoce de ambos.

Cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação
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No caso de Haigh, por causa da doença, seu pai esqueceu que o filho é homossexual e perguntou se ele era casado. Quando o cineasta respondeu apenas que estava bem, sem dizer mais nada, o pai respondeu: “Bom, contanto que você tenha encontrado o amor”.

A bela resposta se casa perfeitamente com o que Haigh queria para Todos Nós Desconhecidos, um filme sobre o poder do amor conquistado e perdido, seja de pais, filhos, amigos, parentes, amantes. E sobre como, se tivéssemos a chance, todos gostaríamos de ver novamente alguém que partiu, talvez para dizer algo não-dito, como Adam, ou para matar a saudade, para sentir o conforto daquela presença.

Nós perdemos tanto na vida. Pessoas que morrem, amigos e amantes que nos deixam. Mas o amor permanece real, vivo, só que há muitas coisas não-ditas.

Andrew Haigh, diretor de 'Todos Nós Desconhecidos'

E é por apelar a sentimentos tão universais, mesmo sendo tão específico, que Todos Nós Desconhecidos vem emocionando plateias. “Todos temos um relacionamento com nossos pais, com filhos, temos lutos, mesmo que não seja pela morte. As pessoas se enxergam neste filme”, disse Andrew Scott.

Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

“Há algo profundamente humano em ir além da lógica, trazer pessoas de volta na nossa imaginação, nos apaixonarmos por alguém na nossa cabeça. O longa vai a esse lugar de conexão, mas há espinhos pelo caminho, que não te deixam mesmo após o final.”

Todos Nós Desconhecidos oferece algo que é difícil de ter na realidade: uma segunda chance, uma oportunidade de voltar atrás e refazer ou desfazer algo. Haigh reconectou-se com gente de seu passado após fazer o longa. E é possível que quem assiste sinta a mesma vontade.

Quem não daria tudo para ver mais uma vez uma pessoa amada que partiu para sempre? Em Todos Nós Desconhecidos, em cartaz nos cinemas brasileiros, Adam, personagem de Andrew Scott (Sherlock, Fleabag), tem exatamente essa chance. O ator, que foi indicado ao Globo de Ouro e faz, aqui, uma das melhores performances de 2023, é mais um dos injustiçados do Oscar deste ano cheio de bons filmes e atuações .

Todos Nós Desconhecidos, dirigido por Andrew Haigh (45 Anos, Looking), é baseado no romance Strangers, do japonês Taichi Yamada. Ao fazer a adaptação, o cineasta e roteirista inglês quis tornar a história criada pelo escritor mais próxima e pessoal.

“Eu quero me expressar na tela, mas também acredito que, quanto mais específico, mais universal”, disse Haigh em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Embora não seja autobiográfico, o longa é extremamente pessoal para mim.”

No filme, Adam é um roteirista com bloqueio criativo vivendo em um edifício praticamente vazio em Londres. É curioso como a obra, escrita durante a pandemia, reflete esse tempo de isolamento, mesmo sem que se veja uma máscara na tela.

Certo dia, ele resolve voltar à sua casa de infância, nos arredores da cidade, e reencontra os pais, interpretados por Claire Foy (a primeira rainha Elizabeth de The Crown) e Jamie Bell (Rocketman). Mas como isso é possível, se os dois morreram quando o protagonista tinha 11 anos de idade?

“A ideia de encontrar seus pais novamente muito após sua partida me pareceu fascinante para tratar de família, de amor, das dores de seu passado”, disse Haigh. “Meu trabalho era tornar isso algo que fizesse sentido para mim e culturalmente para a Inglaterra, onde o filme se passa.”

O diretor deixa de lado a história de fantasma literal do livro para buscar a emoção do momento, sem tentar explicar o que está acontecendo. O reencontro com o pai e a mãe pode ser um mergulho na memória, um fruto da imaginação – Adam, afinal, é escritor –, ou um fantasma figurado. A atmosfera lembra não exatamente um sonho, mas aquele momento logo antes de cair no sono, ou imediatamente após despertar.

Paul Mescal e Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Chris Harris/Searchlight Pictures/Divulgação

Adam tem hoje 40 e tantos anos, a mesma idade de seus pais quando eles se foram em um acidente de carro. O que pode soar estranho no papel ganha vida no filme pela delicadeza da construção e a performance dos três atores. E, no fundo, não somos sempre crianças quando estamos com nossos pais? Esse reencontro também traz a crueldade acidental nas famílias – aquela palavra torta, aquela ação não-realizada, deixando um rastro de mágoas e dor. Quem não daria tudo para voltar atrás e falar sobre isso?

Depois desse encontro, o solitário Adam volta para seu apartamento e consegue finalmente abrir a porta para Harry, que é jovem, charmoso e aparentemente seu único vizinho, interpretado pelo queridinho do momento, Paul Mescal (indicado ao Oscar de melhor ator no ano passado por Aftersun, outro filme emocionante que lida com luto, memória e relação de pais e filhos).

Essa foi outra aproximação de Haigh da sua própria vida. No livro, era uma vizinha. O diretor é um homem gay e sentiu necessidade de mostrar esse romance profundo, íntimo e sexual sob um ponto de vista pessoal. “Eu sempre quis falar de como é ser queer em uma família heterossexual”, disse o diretor.

“Mas, para mim, esta é uma história sobre entender a natureza do amor e como o amor romântico está relacionado ao amor familiar”. Por isso, não é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma pessoa que se fechou para o mundo, pois precisou lidar com a perda desde muito cedo.

Extremamente pessoal

Todos Nós Desconhecidos é tão próximo para Haigh que ele rodou as cenas dos pais de Adam na casa onde cresceu. Andrew Scott contou que foi uma tremenda responsabilidade. “Mas eu senti imediatamente que sabia como interpretar o personagem”, disse o ator, que também é gay. “Nossas conversas desde o princípio giraram em torno do ‘não atuar’”, completou ele, referindo-se à sua interpretação sutil e contida.

Apesar de não ter ficado órfão cedo, o diretor estava lidando com o declínio da saúde mental de seu pai por causa da demência. Em dado momento, Haigh pensou que precisaria ter novamente com seu pai a conversa que Adam tem com o pai e a mãe, em que ele conta ser gay – algo que o personagem nunca teve oportunidade de fazer, dada a morte precoce de ambos.

Cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

No caso de Haigh, por causa da doença, seu pai esqueceu que o filho é homossexual e perguntou se ele era casado. Quando o cineasta respondeu apenas que estava bem, sem dizer mais nada, o pai respondeu: “Bom, contanto que você tenha encontrado o amor”.

A bela resposta se casa perfeitamente com o que Haigh queria para Todos Nós Desconhecidos, um filme sobre o poder do amor conquistado e perdido, seja de pais, filhos, amigos, parentes, amantes. E sobre como, se tivéssemos a chance, todos gostaríamos de ver novamente alguém que partiu, talvez para dizer algo não-dito, como Adam, ou para matar a saudade, para sentir o conforto daquela presença.

Nós perdemos tanto na vida. Pessoas que morrem, amigos e amantes que nos deixam. Mas o amor permanece real, vivo, só que há muitas coisas não-ditas.

Andrew Haigh, diretor de 'Todos Nós Desconhecidos'

E é por apelar a sentimentos tão universais, mesmo sendo tão específico, que Todos Nós Desconhecidos vem emocionando plateias. “Todos temos um relacionamento com nossos pais, com filhos, temos lutos, mesmo que não seja pela morte. As pessoas se enxergam neste filme”, disse Andrew Scott.

Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

“Há algo profundamente humano em ir além da lógica, trazer pessoas de volta na nossa imaginação, nos apaixonarmos por alguém na nossa cabeça. O longa vai a esse lugar de conexão, mas há espinhos pelo caminho, que não te deixam mesmo após o final.”

Todos Nós Desconhecidos oferece algo que é difícil de ter na realidade: uma segunda chance, uma oportunidade de voltar atrás e refazer ou desfazer algo. Haigh reconectou-se com gente de seu passado após fazer o longa. E é possível que quem assiste sinta a mesma vontade.

Quem não daria tudo para ver mais uma vez uma pessoa amada que partiu para sempre? Em Todos Nós Desconhecidos, em cartaz nos cinemas brasileiros, Adam, personagem de Andrew Scott (Sherlock, Fleabag), tem exatamente essa chance. O ator, que foi indicado ao Globo de Ouro e faz, aqui, uma das melhores performances de 2023, é mais um dos injustiçados do Oscar deste ano cheio de bons filmes e atuações .

Todos Nós Desconhecidos, dirigido por Andrew Haigh (45 Anos, Looking), é baseado no romance Strangers, do japonês Taichi Yamada. Ao fazer a adaptação, o cineasta e roteirista inglês quis tornar a história criada pelo escritor mais próxima e pessoal.

“Eu quero me expressar na tela, mas também acredito que, quanto mais específico, mais universal”, disse Haigh em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Embora não seja autobiográfico, o longa é extremamente pessoal para mim.”

No filme, Adam é um roteirista com bloqueio criativo vivendo em um edifício praticamente vazio em Londres. É curioso como a obra, escrita durante a pandemia, reflete esse tempo de isolamento, mesmo sem que se veja uma máscara na tela.

Certo dia, ele resolve voltar à sua casa de infância, nos arredores da cidade, e reencontra os pais, interpretados por Claire Foy (a primeira rainha Elizabeth de The Crown) e Jamie Bell (Rocketman). Mas como isso é possível, se os dois morreram quando o protagonista tinha 11 anos de idade?

“A ideia de encontrar seus pais novamente muito após sua partida me pareceu fascinante para tratar de família, de amor, das dores de seu passado”, disse Haigh. “Meu trabalho era tornar isso algo que fizesse sentido para mim e culturalmente para a Inglaterra, onde o filme se passa.”

O diretor deixa de lado a história de fantasma literal do livro para buscar a emoção do momento, sem tentar explicar o que está acontecendo. O reencontro com o pai e a mãe pode ser um mergulho na memória, um fruto da imaginação – Adam, afinal, é escritor –, ou um fantasma figurado. A atmosfera lembra não exatamente um sonho, mas aquele momento logo antes de cair no sono, ou imediatamente após despertar.

Paul Mescal e Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Chris Harris/Searchlight Pictures/Divulgação

Adam tem hoje 40 e tantos anos, a mesma idade de seus pais quando eles se foram em um acidente de carro. O que pode soar estranho no papel ganha vida no filme pela delicadeza da construção e a performance dos três atores. E, no fundo, não somos sempre crianças quando estamos com nossos pais? Esse reencontro também traz a crueldade acidental nas famílias – aquela palavra torta, aquela ação não-realizada, deixando um rastro de mágoas e dor. Quem não daria tudo para voltar atrás e falar sobre isso?

Depois desse encontro, o solitário Adam volta para seu apartamento e consegue finalmente abrir a porta para Harry, que é jovem, charmoso e aparentemente seu único vizinho, interpretado pelo queridinho do momento, Paul Mescal (indicado ao Oscar de melhor ator no ano passado por Aftersun, outro filme emocionante que lida com luto, memória e relação de pais e filhos).

Essa foi outra aproximação de Haigh da sua própria vida. No livro, era uma vizinha. O diretor é um homem gay e sentiu necessidade de mostrar esse romance profundo, íntimo e sexual sob um ponto de vista pessoal. “Eu sempre quis falar de como é ser queer em uma família heterossexual”, disse o diretor.

“Mas, para mim, esta é uma história sobre entender a natureza do amor e como o amor romântico está relacionado ao amor familiar”. Por isso, não é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma pessoa que se fechou para o mundo, pois precisou lidar com a perda desde muito cedo.

Extremamente pessoal

Todos Nós Desconhecidos é tão próximo para Haigh que ele rodou as cenas dos pais de Adam na casa onde cresceu. Andrew Scott contou que foi uma tremenda responsabilidade. “Mas eu senti imediatamente que sabia como interpretar o personagem”, disse o ator, que também é gay. “Nossas conversas desde o princípio giraram em torno do ‘não atuar’”, completou ele, referindo-se à sua interpretação sutil e contida.

Apesar de não ter ficado órfão cedo, o diretor estava lidando com o declínio da saúde mental de seu pai por causa da demência. Em dado momento, Haigh pensou que precisaria ter novamente com seu pai a conversa que Adam tem com o pai e a mãe, em que ele conta ser gay – algo que o personagem nunca teve oportunidade de fazer, dada a morte precoce de ambos.

Cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

No caso de Haigh, por causa da doença, seu pai esqueceu que o filho é homossexual e perguntou se ele era casado. Quando o cineasta respondeu apenas que estava bem, sem dizer mais nada, o pai respondeu: “Bom, contanto que você tenha encontrado o amor”.

A bela resposta se casa perfeitamente com o que Haigh queria para Todos Nós Desconhecidos, um filme sobre o poder do amor conquistado e perdido, seja de pais, filhos, amigos, parentes, amantes. E sobre como, se tivéssemos a chance, todos gostaríamos de ver novamente alguém que partiu, talvez para dizer algo não-dito, como Adam, ou para matar a saudade, para sentir o conforto daquela presença.

Nós perdemos tanto na vida. Pessoas que morrem, amigos e amantes que nos deixam. Mas o amor permanece real, vivo, só que há muitas coisas não-ditas.

Andrew Haigh, diretor de 'Todos Nós Desconhecidos'

E é por apelar a sentimentos tão universais, mesmo sendo tão específico, que Todos Nós Desconhecidos vem emocionando plateias. “Todos temos um relacionamento com nossos pais, com filhos, temos lutos, mesmo que não seja pela morte. As pessoas se enxergam neste filme”, disse Andrew Scott.

Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

“Há algo profundamente humano em ir além da lógica, trazer pessoas de volta na nossa imaginação, nos apaixonarmos por alguém na nossa cabeça. O longa vai a esse lugar de conexão, mas há espinhos pelo caminho, que não te deixam mesmo após o final.”

Todos Nós Desconhecidos oferece algo que é difícil de ter na realidade: uma segunda chance, uma oportunidade de voltar atrás e refazer ou desfazer algo. Haigh reconectou-se com gente de seu passado após fazer o longa. E é possível que quem assiste sinta a mesma vontade.

Quem não daria tudo para ver mais uma vez uma pessoa amada que partiu para sempre? Em Todos Nós Desconhecidos, em cartaz nos cinemas brasileiros, Adam, personagem de Andrew Scott (Sherlock, Fleabag), tem exatamente essa chance. O ator, que foi indicado ao Globo de Ouro e faz, aqui, uma das melhores performances de 2023, é mais um dos injustiçados do Oscar deste ano cheio de bons filmes e atuações .

Todos Nós Desconhecidos, dirigido por Andrew Haigh (45 Anos, Looking), é baseado no romance Strangers, do japonês Taichi Yamada. Ao fazer a adaptação, o cineasta e roteirista inglês quis tornar a história criada pelo escritor mais próxima e pessoal.

“Eu quero me expressar na tela, mas também acredito que, quanto mais específico, mais universal”, disse Haigh em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Embora não seja autobiográfico, o longa é extremamente pessoal para mim.”

No filme, Adam é um roteirista com bloqueio criativo vivendo em um edifício praticamente vazio em Londres. É curioso como a obra, escrita durante a pandemia, reflete esse tempo de isolamento, mesmo sem que se veja uma máscara na tela.

Certo dia, ele resolve voltar à sua casa de infância, nos arredores da cidade, e reencontra os pais, interpretados por Claire Foy (a primeira rainha Elizabeth de The Crown) e Jamie Bell (Rocketman). Mas como isso é possível, se os dois morreram quando o protagonista tinha 11 anos de idade?

“A ideia de encontrar seus pais novamente muito após sua partida me pareceu fascinante para tratar de família, de amor, das dores de seu passado”, disse Haigh. “Meu trabalho era tornar isso algo que fizesse sentido para mim e culturalmente para a Inglaterra, onde o filme se passa.”

O diretor deixa de lado a história de fantasma literal do livro para buscar a emoção do momento, sem tentar explicar o que está acontecendo. O reencontro com o pai e a mãe pode ser um mergulho na memória, um fruto da imaginação – Adam, afinal, é escritor –, ou um fantasma figurado. A atmosfera lembra não exatamente um sonho, mas aquele momento logo antes de cair no sono, ou imediatamente após despertar.

Paul Mescal e Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Chris Harris/Searchlight Pictures/Divulgação

Adam tem hoje 40 e tantos anos, a mesma idade de seus pais quando eles se foram em um acidente de carro. O que pode soar estranho no papel ganha vida no filme pela delicadeza da construção e a performance dos três atores. E, no fundo, não somos sempre crianças quando estamos com nossos pais? Esse reencontro também traz a crueldade acidental nas famílias – aquela palavra torta, aquela ação não-realizada, deixando um rastro de mágoas e dor. Quem não daria tudo para voltar atrás e falar sobre isso?

Depois desse encontro, o solitário Adam volta para seu apartamento e consegue finalmente abrir a porta para Harry, que é jovem, charmoso e aparentemente seu único vizinho, interpretado pelo queridinho do momento, Paul Mescal (indicado ao Oscar de melhor ator no ano passado por Aftersun, outro filme emocionante que lida com luto, memória e relação de pais e filhos).

Essa foi outra aproximação de Haigh da sua própria vida. No livro, era uma vizinha. O diretor é um homem gay e sentiu necessidade de mostrar esse romance profundo, íntimo e sexual sob um ponto de vista pessoal. “Eu sempre quis falar de como é ser queer em uma família heterossexual”, disse o diretor.

“Mas, para mim, esta é uma história sobre entender a natureza do amor e como o amor romântico está relacionado ao amor familiar”. Por isso, não é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma pessoa que se fechou para o mundo, pois precisou lidar com a perda desde muito cedo.

Extremamente pessoal

Todos Nós Desconhecidos é tão próximo para Haigh que ele rodou as cenas dos pais de Adam na casa onde cresceu. Andrew Scott contou que foi uma tremenda responsabilidade. “Mas eu senti imediatamente que sabia como interpretar o personagem”, disse o ator, que também é gay. “Nossas conversas desde o princípio giraram em torno do ‘não atuar’”, completou ele, referindo-se à sua interpretação sutil e contida.

Apesar de não ter ficado órfão cedo, o diretor estava lidando com o declínio da saúde mental de seu pai por causa da demência. Em dado momento, Haigh pensou que precisaria ter novamente com seu pai a conversa que Adam tem com o pai e a mãe, em que ele conta ser gay – algo que o personagem nunca teve oportunidade de fazer, dada a morte precoce de ambos.

Cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

No caso de Haigh, por causa da doença, seu pai esqueceu que o filho é homossexual e perguntou se ele era casado. Quando o cineasta respondeu apenas que estava bem, sem dizer mais nada, o pai respondeu: “Bom, contanto que você tenha encontrado o amor”.

A bela resposta se casa perfeitamente com o que Haigh queria para Todos Nós Desconhecidos, um filme sobre o poder do amor conquistado e perdido, seja de pais, filhos, amigos, parentes, amantes. E sobre como, se tivéssemos a chance, todos gostaríamos de ver novamente alguém que partiu, talvez para dizer algo não-dito, como Adam, ou para matar a saudade, para sentir o conforto daquela presença.

Nós perdemos tanto na vida. Pessoas que morrem, amigos e amantes que nos deixam. Mas o amor permanece real, vivo, só que há muitas coisas não-ditas.

Andrew Haigh, diretor de 'Todos Nós Desconhecidos'

E é por apelar a sentimentos tão universais, mesmo sendo tão específico, que Todos Nós Desconhecidos vem emocionando plateias. “Todos temos um relacionamento com nossos pais, com filhos, temos lutos, mesmo que não seja pela morte. As pessoas se enxergam neste filme”, disse Andrew Scott.

Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

“Há algo profundamente humano em ir além da lógica, trazer pessoas de volta na nossa imaginação, nos apaixonarmos por alguém na nossa cabeça. O longa vai a esse lugar de conexão, mas há espinhos pelo caminho, que não te deixam mesmo após o final.”

Todos Nós Desconhecidos oferece algo que é difícil de ter na realidade: uma segunda chance, uma oportunidade de voltar atrás e refazer ou desfazer algo. Haigh reconectou-se com gente de seu passado após fazer o longa. E é possível que quem assiste sinta a mesma vontade.

Quem não daria tudo para ver mais uma vez uma pessoa amada que partiu para sempre? Em Todos Nós Desconhecidos, em cartaz nos cinemas brasileiros, Adam, personagem de Andrew Scott (Sherlock, Fleabag), tem exatamente essa chance. O ator, que foi indicado ao Globo de Ouro e faz, aqui, uma das melhores performances de 2023, é mais um dos injustiçados do Oscar deste ano cheio de bons filmes e atuações .

Todos Nós Desconhecidos, dirigido por Andrew Haigh (45 Anos, Looking), é baseado no romance Strangers, do japonês Taichi Yamada. Ao fazer a adaptação, o cineasta e roteirista inglês quis tornar a história criada pelo escritor mais próxima e pessoal.

“Eu quero me expressar na tela, mas também acredito que, quanto mais específico, mais universal”, disse Haigh em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Embora não seja autobiográfico, o longa é extremamente pessoal para mim.”

No filme, Adam é um roteirista com bloqueio criativo vivendo em um edifício praticamente vazio em Londres. É curioso como a obra, escrita durante a pandemia, reflete esse tempo de isolamento, mesmo sem que se veja uma máscara na tela.

Certo dia, ele resolve voltar à sua casa de infância, nos arredores da cidade, e reencontra os pais, interpretados por Claire Foy (a primeira rainha Elizabeth de The Crown) e Jamie Bell (Rocketman). Mas como isso é possível, se os dois morreram quando o protagonista tinha 11 anos de idade?

“A ideia de encontrar seus pais novamente muito após sua partida me pareceu fascinante para tratar de família, de amor, das dores de seu passado”, disse Haigh. “Meu trabalho era tornar isso algo que fizesse sentido para mim e culturalmente para a Inglaterra, onde o filme se passa.”

O diretor deixa de lado a história de fantasma literal do livro para buscar a emoção do momento, sem tentar explicar o que está acontecendo. O reencontro com o pai e a mãe pode ser um mergulho na memória, um fruto da imaginação – Adam, afinal, é escritor –, ou um fantasma figurado. A atmosfera lembra não exatamente um sonho, mas aquele momento logo antes de cair no sono, ou imediatamente após despertar.

Paul Mescal e Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Chris Harris/Searchlight Pictures/Divulgação

Adam tem hoje 40 e tantos anos, a mesma idade de seus pais quando eles se foram em um acidente de carro. O que pode soar estranho no papel ganha vida no filme pela delicadeza da construção e a performance dos três atores. E, no fundo, não somos sempre crianças quando estamos com nossos pais? Esse reencontro também traz a crueldade acidental nas famílias – aquela palavra torta, aquela ação não-realizada, deixando um rastro de mágoas e dor. Quem não daria tudo para voltar atrás e falar sobre isso?

Depois desse encontro, o solitário Adam volta para seu apartamento e consegue finalmente abrir a porta para Harry, que é jovem, charmoso e aparentemente seu único vizinho, interpretado pelo queridinho do momento, Paul Mescal (indicado ao Oscar de melhor ator no ano passado por Aftersun, outro filme emocionante que lida com luto, memória e relação de pais e filhos).

Essa foi outra aproximação de Haigh da sua própria vida. No livro, era uma vizinha. O diretor é um homem gay e sentiu necessidade de mostrar esse romance profundo, íntimo e sexual sob um ponto de vista pessoal. “Eu sempre quis falar de como é ser queer em uma família heterossexual”, disse o diretor.

“Mas, para mim, esta é uma história sobre entender a natureza do amor e como o amor romântico está relacionado ao amor familiar”. Por isso, não é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma pessoa que se fechou para o mundo, pois precisou lidar com a perda desde muito cedo.

Extremamente pessoal

Todos Nós Desconhecidos é tão próximo para Haigh que ele rodou as cenas dos pais de Adam na casa onde cresceu. Andrew Scott contou que foi uma tremenda responsabilidade. “Mas eu senti imediatamente que sabia como interpretar o personagem”, disse o ator, que também é gay. “Nossas conversas desde o princípio giraram em torno do ‘não atuar’”, completou ele, referindo-se à sua interpretação sutil e contida.

Apesar de não ter ficado órfão cedo, o diretor estava lidando com o declínio da saúde mental de seu pai por causa da demência. Em dado momento, Haigh pensou que precisaria ter novamente com seu pai a conversa que Adam tem com o pai e a mãe, em que ele conta ser gay – algo que o personagem nunca teve oportunidade de fazer, dada a morte precoce de ambos.

Cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

No caso de Haigh, por causa da doença, seu pai esqueceu que o filho é homossexual e perguntou se ele era casado. Quando o cineasta respondeu apenas que estava bem, sem dizer mais nada, o pai respondeu: “Bom, contanto que você tenha encontrado o amor”.

A bela resposta se casa perfeitamente com o que Haigh queria para Todos Nós Desconhecidos, um filme sobre o poder do amor conquistado e perdido, seja de pais, filhos, amigos, parentes, amantes. E sobre como, se tivéssemos a chance, todos gostaríamos de ver novamente alguém que partiu, talvez para dizer algo não-dito, como Adam, ou para matar a saudade, para sentir o conforto daquela presença.

Nós perdemos tanto na vida. Pessoas que morrem, amigos e amantes que nos deixam. Mas o amor permanece real, vivo, só que há muitas coisas não-ditas.

Andrew Haigh, diretor de 'Todos Nós Desconhecidos'

E é por apelar a sentimentos tão universais, mesmo sendo tão específico, que Todos Nós Desconhecidos vem emocionando plateias. “Todos temos um relacionamento com nossos pais, com filhos, temos lutos, mesmo que não seja pela morte. As pessoas se enxergam neste filme”, disse Andrew Scott.

Andrew Scott em cena de 'Todos Nós Desconhecidos'. Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

“Há algo profundamente humano em ir além da lógica, trazer pessoas de volta na nossa imaginação, nos apaixonarmos por alguém na nossa cabeça. O longa vai a esse lugar de conexão, mas há espinhos pelo caminho, que não te deixam mesmo após o final.”

Todos Nós Desconhecidos oferece algo que é difícil de ter na realidade: uma segunda chance, uma oportunidade de voltar atrás e refazer ou desfazer algo. Haigh reconectou-se com gente de seu passado após fazer o longa. E é possível que quem assiste sinta a mesma vontade.

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