Joaquin Phoenix estrela novo filme de Woody Allen


Com fama de difícil em Hollywood, ator interpreta professor de filosofia em 'O Homem Irracional', que estreia em 27 de agosto

Por Lorraine Ali

Joaquin Phoenix acabava de reivindicar sua primeira vítima do dia, ou pelo menos foi o que pareceu quando o entrevistador furioso saiu do quarto de hotel do ator. “Como foi?”, perguntou a assessora de imprensa que coordenava a cobertura do novo filme de Woody Allen, O Homem Irracional, em que Phoenix interpreta o papel principal. O longa estreia no Brasil no dia 27 de agosto. “Como você acha que foi?”, respondeu rispidamente o entrevistador, atirando gravador e prancheta na mochila. “É Joaquin Phoenix.”

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Phoenix, 40, nunca é um sujeito fácil – tanto pessoalmente quanto na tela. O mesmo comportamento reticente e enigmático que o faz parecer um refém no tapete vermelho o torna o intérprete natural para os papéis complexos, difíceis de interpretar que acabariam com a maioria dos seus colegas de Hollywood. Minutos depois de irritar seu último entrevistador, Phoenix me recebeu com um grande abraço exagerado: a saudação mais usada em Hollywood, mas perturbadora vinda dele.

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“Você não mudou de jeito nenhum!” falou efusivamente, referindo-se à nossa última entrevista, mais de 15 anos antes. Não disse que ele é imprevisível? “Tá bom, estou brincando”, emendou já sem representar, deixando de lado o comportamento artificialmente animado e passando para uma compostura mais familiar nele. “Não lembro da nossa entrevista. Ela me lembrou”, disse, indicando sua assessora de muitos anos. “Mas deve ter sido difícil, não foi?”

No filme intitulado muito a propósito O Homem Irracional, Phoenix é um professor de filosofia consumido, que já viveu inúmeras tragédias e portanto está cansado de saber que a vida não lhe trará muitas alegrias daqui em diante. De dia, Abe bebe e recita Kierkegaard, de noite bebe e dorme com uma aluna muito mais jovem (aliás, um enredo que atualmente se tornou uma dinâmica escrupulosamente familiar em muitos filmes de Allen). Mas nem a companhia da apaixonada Jill (Emma Stone) não basta para ele voltar a sentir de verdade. Abe está em busca de algo que empreste valor à sua vida, mesmo que isto signifique tomá-la de alguém.

“Tive muita sorte porque recentemente só tenho feito filmes – com exceção de um – em que senti que tinha de interpretar aquele papel”, disse Phoenix referindo-se aos papéis extravagantes que desempenhou desde que retornou da pausa em sua atuação que ele próprio se impôs, há alguns anos. “Não foi algo como: ‘Quero fazer este filme’. Foi mesmo: ‘Vou fazer qualquer coisa por este papel. Vou brigar com todo mundo. Me dê uma chance’. Quero aprofundar mais esta experiência, e ler não é o bastante. Quero ampliar esta sensação e ver toda a sua amplitude, até onde ela pode ir.”

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É com esta paixão que o menino ator que deu vida a incontáveis almas torturadas nos últimos 20 anos, como o infeliz jovem assassino em Um Sonho Sem Limites, o enigmático e controvertido Johnny Cash de Johnny e June e o escritor solitário que se apaixona pelo sistema operacional do computador em Ela. “Qualquer coisa que você der para ele fazer ou dizer torna-se interessante por causa desta complexidade que ele projeta naturalmente”, observou Allen a respeito do ator. “Há o tempo todo alguma coisa acontecendo nele.”

Phoenix afirma que não há um método pronto para os papéis que ele escolhe – ou para o papel que lhe é destinado. “Acho que na minha carreira tenho tido uma grande sorte. Eu sou disponível, e os outros caras não são. Como se eu dissesse: ‘Graças a Deus, Christian Bale não está trabalhando’ ou ‘Graças a Deus, Leonardo está empenhado em alguma outra coisa’.”

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Com seus tênis Converse meio gastos, jeans e camiseta, Phoenix parece dizer: “Estou à vontade”, embora ele se mostre cauteloso em olhar diretamente as pessoas nos olhos. Entretanto, quanto mais falamos sobre Allen, mais ele se anima.

“Sempre o admirei muito, mas não acho que as pessoas apreciem Woody como ator”, afirma Phoenix, e enumera rapidamente os títulos de vários filmes de Allen antes de se referir a uma cena particularmente difícil em A Última Noite de Boris Grushenko. “A maioria dos atores interpretaria aquela cena com uma expressão de pesar, tentando quase dizer: ‘Olhe, eu sou um personagem simpático’. Ele a representou de maneira sincera e direta. ‘Eu me sinto culpado por tentar fazer com que você entenda. É o que eu mais odeio na interpretação – minha interpretação’.”

Ironicamente, Phoenix é aquele raro talento que transmite muitas coisas sem falar uma palavra. Ao mesmo tempo, ele leva o público a procurar adivinhar o que há por baixo daquela aparência conturbada. É uma combinação desgastante (a entrevista com Letterman), mas também intrigante a ponto de conferir uma longevidade única à sua carreira. Evidentemente, Phoenix não percebe isto. E por que perceberia? Ele diz que raramente vê os filmes em que atua. “Não faz muito tempo, estava passando rapidamente pelos canais de cinema e havia um filme (em que eu estava) que não tinha visto”, contou. “Fiquei assistindo, e era um lixo. Foi como se estivesse trabalhando. Vi tanta representação, fiquei realmente constrangido com aquilo.”

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O primeiro e último filme que ele viu do começo ao fim nos últimos dez anos é The Master de 2012, e somente porque o diretor Paul Thomas Anderson lhe disse: “Crie coragem!”, lembra Phoenix com uma risada. “Fiquei arrasado, disse a mim mesmo: ‘Tá bom, você está certo, eu deveria assistir e deixar de ser um covarde e depois comentar apenas: ‘Aquilo funcionou ou não funcionou’. Criei só um pouco de coragem”, disse dando de ombros. “E então não tive a coragem de ir até o fim e desliguei.”

Phoenix nasceu em Porto Rico, depois mudou-se para a América do Sul com a família, que pertencia ao grupo religioso dos Filhos de Deus. Seus pais deixaram o grupo no final dos anos 1970 e foram para a Califórnia com as crianças para que os filhos atuassem no cinema. Lá ele começou a trabalhar em pequenos papéis com seus irmãos River, Rain, Summer e Liberty (</IP>certa vez Joaquin usou o nome de Leaf).

Os papéis de Phoenix nos filmes infantis incluem Aventura no Espaço e Minha Família, de Ron Howard. Mas foi seu irmão mais velho River quem abriu o caminho em filmes como Fica Comigo e Garotos de Programa. Adolescente, Joaquin estava com River quando este morreu de overdose em 1993. O chamado de emergência de Joaquin repercutiu enormemente na imprensa nas semanas que se seguiram, assinalando o início de sua tensa relação com a mídia e a fama.

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Seu sucesso crucial ocorreu em Um Sonho Sem Limites, de 1995, quando Phoenix interpretou um adolescente chapado da classe trabalhadora seduzido pela moça do tempo da TV (Nicole Kidman). A partir dali, ele se tornou um ator aclamado em sucessos como Gladiador, e Johnny e June.

Mas foi o seu comportamento numa entrevista com David Letterman, em 2009, que revelou outro aspecto do ator. Ele ficou enrolando respostas desconexas por trás de óculos de sol e uma barba desgrenhada de Unabomber (posteriormente Phoenix disse que estava representando para o falso documentário I’m Still Here, dirigido por seu cunhado Casey Affleck).

Phoenix tornou-se o alvo de piadas nos programas vespertinos antes de um breve afastamento das câmeras, embora afirme que para ele foi um momento de ruptura. “Esta é definitivamente uma das cinco principais experiências – ou talvez a melhor – que tive como ator”, ele disse. “Aprendi a me desligar, em parte porque não havia tempo para uma escolha. Eu estava ali ao vivo naquele momento, mas as outras pessoas não sabiam que era para um filme. Foi uma experiência libertadora. Ela me ajudou a parar de tomar tantas decisões conscientes.”

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Entretanto, planejamento e deliberação influíram enormemente na opção de Phoenix pelo seu papel de Abe em O Homem Irracional. Ele não é um substituto de Allen, como outros atores principais do diretor foram claramente. “Havia trechinhos de diálogos em que era um esforço para mim não usar a mesma tonalidade dele”, disse. “Além disso, sou extremamente familiarizado com Woody. É quase uma tentação fazer aquilo. Cresci imitando-o com meus irmãos e irmãs. Há certo ritmo em seu diálogo que torna muito fácil assumir aquela maneira de falar tão peculiar ele. Só que não achei que serviria para o filme. Fiz uma coisa diferente.”

Phoenix sabe que o público provavelmente procurará captar algum vislumbre de sua personalidade real no papel de Abe. Mas agora, ele se acostumou. “Não sei por que as pessoas tentam me analisar através dos meus papéis... ou talvez eu tente”, ele disse. “Vi atuações em que me pego pensando: ‘O que será que aquele infeliz ator passou’. O que quer que o público pense, isto é com ele, mas eu não vou ficar por perto para ouvir.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Joaquin Phoenix acabava de reivindicar sua primeira vítima do dia, ou pelo menos foi o que pareceu quando o entrevistador furioso saiu do quarto de hotel do ator. “Como foi?”, perguntou a assessora de imprensa que coordenava a cobertura do novo filme de Woody Allen, O Homem Irracional, em que Phoenix interpreta o papel principal. O longa estreia no Brasil no dia 27 de agosto. “Como você acha que foi?”, respondeu rispidamente o entrevistador, atirando gravador e prancheta na mochila. “É Joaquin Phoenix.”

reference

Phoenix, 40, nunca é um sujeito fácil – tanto pessoalmente quanto na tela. O mesmo comportamento reticente e enigmático que o faz parecer um refém no tapete vermelho o torna o intérprete natural para os papéis complexos, difíceis de interpretar que acabariam com a maioria dos seus colegas de Hollywood. Minutos depois de irritar seu último entrevistador, Phoenix me recebeu com um grande abraço exagerado: a saudação mais usada em Hollywood, mas perturbadora vinda dele.

“Você não mudou de jeito nenhum!” falou efusivamente, referindo-se à nossa última entrevista, mais de 15 anos antes. Não disse que ele é imprevisível? “Tá bom, estou brincando”, emendou já sem representar, deixando de lado o comportamento artificialmente animado e passando para uma compostura mais familiar nele. “Não lembro da nossa entrevista. Ela me lembrou”, disse, indicando sua assessora de muitos anos. “Mas deve ter sido difícil, não foi?”

No filme intitulado muito a propósito O Homem Irracional, Phoenix é um professor de filosofia consumido, que já viveu inúmeras tragédias e portanto está cansado de saber que a vida não lhe trará muitas alegrias daqui em diante. De dia, Abe bebe e recita Kierkegaard, de noite bebe e dorme com uma aluna muito mais jovem (aliás, um enredo que atualmente se tornou uma dinâmica escrupulosamente familiar em muitos filmes de Allen). Mas nem a companhia da apaixonada Jill (Emma Stone) não basta para ele voltar a sentir de verdade. Abe está em busca de algo que empreste valor à sua vida, mesmo que isto signifique tomá-la de alguém.

“Tive muita sorte porque recentemente só tenho feito filmes – com exceção de um – em que senti que tinha de interpretar aquele papel”, disse Phoenix referindo-se aos papéis extravagantes que desempenhou desde que retornou da pausa em sua atuação que ele próprio se impôs, há alguns anos. “Não foi algo como: ‘Quero fazer este filme’. Foi mesmo: ‘Vou fazer qualquer coisa por este papel. Vou brigar com todo mundo. Me dê uma chance’. Quero aprofundar mais esta experiência, e ler não é o bastante. Quero ampliar esta sensação e ver toda a sua amplitude, até onde ela pode ir.”

É com esta paixão que o menino ator que deu vida a incontáveis almas torturadas nos últimos 20 anos, como o infeliz jovem assassino em Um Sonho Sem Limites, o enigmático e controvertido Johnny Cash de Johnny e June e o escritor solitário que se apaixona pelo sistema operacional do computador em Ela. “Qualquer coisa que você der para ele fazer ou dizer torna-se interessante por causa desta complexidade que ele projeta naturalmente”, observou Allen a respeito do ator. “Há o tempo todo alguma coisa acontecendo nele.”

Phoenix afirma que não há um método pronto para os papéis que ele escolhe – ou para o papel que lhe é destinado. “Acho que na minha carreira tenho tido uma grande sorte. Eu sou disponível, e os outros caras não são. Como se eu dissesse: ‘Graças a Deus, Christian Bale não está trabalhando’ ou ‘Graças a Deus, Leonardo está empenhado em alguma outra coisa’.”

Com seus tênis Converse meio gastos, jeans e camiseta, Phoenix parece dizer: “Estou à vontade”, embora ele se mostre cauteloso em olhar diretamente as pessoas nos olhos. Entretanto, quanto mais falamos sobre Allen, mais ele se anima.

“Sempre o admirei muito, mas não acho que as pessoas apreciem Woody como ator”, afirma Phoenix, e enumera rapidamente os títulos de vários filmes de Allen antes de se referir a uma cena particularmente difícil em A Última Noite de Boris Grushenko. “A maioria dos atores interpretaria aquela cena com uma expressão de pesar, tentando quase dizer: ‘Olhe, eu sou um personagem simpático’. Ele a representou de maneira sincera e direta. ‘Eu me sinto culpado por tentar fazer com que você entenda. É o que eu mais odeio na interpretação – minha interpretação’.”

Ironicamente, Phoenix é aquele raro talento que transmite muitas coisas sem falar uma palavra. Ao mesmo tempo, ele leva o público a procurar adivinhar o que há por baixo daquela aparência conturbada. É uma combinação desgastante (a entrevista com Letterman), mas também intrigante a ponto de conferir uma longevidade única à sua carreira. Evidentemente, Phoenix não percebe isto. E por que perceberia? Ele diz que raramente vê os filmes em que atua. “Não faz muito tempo, estava passando rapidamente pelos canais de cinema e havia um filme (em que eu estava) que não tinha visto”, contou. “Fiquei assistindo, e era um lixo. Foi como se estivesse trabalhando. Vi tanta representação, fiquei realmente constrangido com aquilo.”

O primeiro e último filme que ele viu do começo ao fim nos últimos dez anos é The Master de 2012, e somente porque o diretor Paul Thomas Anderson lhe disse: “Crie coragem!”, lembra Phoenix com uma risada. “Fiquei arrasado, disse a mim mesmo: ‘Tá bom, você está certo, eu deveria assistir e deixar de ser um covarde e depois comentar apenas: ‘Aquilo funcionou ou não funcionou’. Criei só um pouco de coragem”, disse dando de ombros. “E então não tive a coragem de ir até o fim e desliguei.”

Phoenix nasceu em Porto Rico, depois mudou-se para a América do Sul com a família, que pertencia ao grupo religioso dos Filhos de Deus. Seus pais deixaram o grupo no final dos anos 1970 e foram para a Califórnia com as crianças para que os filhos atuassem no cinema. Lá ele começou a trabalhar em pequenos papéis com seus irmãos River, Rain, Summer e Liberty (</IP>certa vez Joaquin usou o nome de Leaf).

Os papéis de Phoenix nos filmes infantis incluem Aventura no Espaço e Minha Família, de Ron Howard. Mas foi seu irmão mais velho River quem abriu o caminho em filmes como Fica Comigo e Garotos de Programa. Adolescente, Joaquin estava com River quando este morreu de overdose em 1993. O chamado de emergência de Joaquin repercutiu enormemente na imprensa nas semanas que se seguiram, assinalando o início de sua tensa relação com a mídia e a fama.

Seu sucesso crucial ocorreu em Um Sonho Sem Limites, de 1995, quando Phoenix interpretou um adolescente chapado da classe trabalhadora seduzido pela moça do tempo da TV (Nicole Kidman). A partir dali, ele se tornou um ator aclamado em sucessos como Gladiador, e Johnny e June.

Mas foi o seu comportamento numa entrevista com David Letterman, em 2009, que revelou outro aspecto do ator. Ele ficou enrolando respostas desconexas por trás de óculos de sol e uma barba desgrenhada de Unabomber (posteriormente Phoenix disse que estava representando para o falso documentário I’m Still Here, dirigido por seu cunhado Casey Affleck).

Phoenix tornou-se o alvo de piadas nos programas vespertinos antes de um breve afastamento das câmeras, embora afirme que para ele foi um momento de ruptura. “Esta é definitivamente uma das cinco principais experiências – ou talvez a melhor – que tive como ator”, ele disse. “Aprendi a me desligar, em parte porque não havia tempo para uma escolha. Eu estava ali ao vivo naquele momento, mas as outras pessoas não sabiam que era para um filme. Foi uma experiência libertadora. Ela me ajudou a parar de tomar tantas decisões conscientes.”

Entretanto, planejamento e deliberação influíram enormemente na opção de Phoenix pelo seu papel de Abe em O Homem Irracional. Ele não é um substituto de Allen, como outros atores principais do diretor foram claramente. “Havia trechinhos de diálogos em que era um esforço para mim não usar a mesma tonalidade dele”, disse. “Além disso, sou extremamente familiarizado com Woody. É quase uma tentação fazer aquilo. Cresci imitando-o com meus irmãos e irmãs. Há certo ritmo em seu diálogo que torna muito fácil assumir aquela maneira de falar tão peculiar ele. Só que não achei que serviria para o filme. Fiz uma coisa diferente.”

Phoenix sabe que o público provavelmente procurará captar algum vislumbre de sua personalidade real no papel de Abe. Mas agora, ele se acostumou. “Não sei por que as pessoas tentam me analisar através dos meus papéis... ou talvez eu tente”, ele disse. “Vi atuações em que me pego pensando: ‘O que será que aquele infeliz ator passou’. O que quer que o público pense, isto é com ele, mas eu não vou ficar por perto para ouvir.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Joaquin Phoenix acabava de reivindicar sua primeira vítima do dia, ou pelo menos foi o que pareceu quando o entrevistador furioso saiu do quarto de hotel do ator. “Como foi?”, perguntou a assessora de imprensa que coordenava a cobertura do novo filme de Woody Allen, O Homem Irracional, em que Phoenix interpreta o papel principal. O longa estreia no Brasil no dia 27 de agosto. “Como você acha que foi?”, respondeu rispidamente o entrevistador, atirando gravador e prancheta na mochila. “É Joaquin Phoenix.”

reference

Phoenix, 40, nunca é um sujeito fácil – tanto pessoalmente quanto na tela. O mesmo comportamento reticente e enigmático que o faz parecer um refém no tapete vermelho o torna o intérprete natural para os papéis complexos, difíceis de interpretar que acabariam com a maioria dos seus colegas de Hollywood. Minutos depois de irritar seu último entrevistador, Phoenix me recebeu com um grande abraço exagerado: a saudação mais usada em Hollywood, mas perturbadora vinda dele.

“Você não mudou de jeito nenhum!” falou efusivamente, referindo-se à nossa última entrevista, mais de 15 anos antes. Não disse que ele é imprevisível? “Tá bom, estou brincando”, emendou já sem representar, deixando de lado o comportamento artificialmente animado e passando para uma compostura mais familiar nele. “Não lembro da nossa entrevista. Ela me lembrou”, disse, indicando sua assessora de muitos anos. “Mas deve ter sido difícil, não foi?”

No filme intitulado muito a propósito O Homem Irracional, Phoenix é um professor de filosofia consumido, que já viveu inúmeras tragédias e portanto está cansado de saber que a vida não lhe trará muitas alegrias daqui em diante. De dia, Abe bebe e recita Kierkegaard, de noite bebe e dorme com uma aluna muito mais jovem (aliás, um enredo que atualmente se tornou uma dinâmica escrupulosamente familiar em muitos filmes de Allen). Mas nem a companhia da apaixonada Jill (Emma Stone) não basta para ele voltar a sentir de verdade. Abe está em busca de algo que empreste valor à sua vida, mesmo que isto signifique tomá-la de alguém.

“Tive muita sorte porque recentemente só tenho feito filmes – com exceção de um – em que senti que tinha de interpretar aquele papel”, disse Phoenix referindo-se aos papéis extravagantes que desempenhou desde que retornou da pausa em sua atuação que ele próprio se impôs, há alguns anos. “Não foi algo como: ‘Quero fazer este filme’. Foi mesmo: ‘Vou fazer qualquer coisa por este papel. Vou brigar com todo mundo. Me dê uma chance’. Quero aprofundar mais esta experiência, e ler não é o bastante. Quero ampliar esta sensação e ver toda a sua amplitude, até onde ela pode ir.”

É com esta paixão que o menino ator que deu vida a incontáveis almas torturadas nos últimos 20 anos, como o infeliz jovem assassino em Um Sonho Sem Limites, o enigmático e controvertido Johnny Cash de Johnny e June e o escritor solitário que se apaixona pelo sistema operacional do computador em Ela. “Qualquer coisa que você der para ele fazer ou dizer torna-se interessante por causa desta complexidade que ele projeta naturalmente”, observou Allen a respeito do ator. “Há o tempo todo alguma coisa acontecendo nele.”

Phoenix afirma que não há um método pronto para os papéis que ele escolhe – ou para o papel que lhe é destinado. “Acho que na minha carreira tenho tido uma grande sorte. Eu sou disponível, e os outros caras não são. Como se eu dissesse: ‘Graças a Deus, Christian Bale não está trabalhando’ ou ‘Graças a Deus, Leonardo está empenhado em alguma outra coisa’.”

Com seus tênis Converse meio gastos, jeans e camiseta, Phoenix parece dizer: “Estou à vontade”, embora ele se mostre cauteloso em olhar diretamente as pessoas nos olhos. Entretanto, quanto mais falamos sobre Allen, mais ele se anima.

“Sempre o admirei muito, mas não acho que as pessoas apreciem Woody como ator”, afirma Phoenix, e enumera rapidamente os títulos de vários filmes de Allen antes de se referir a uma cena particularmente difícil em A Última Noite de Boris Grushenko. “A maioria dos atores interpretaria aquela cena com uma expressão de pesar, tentando quase dizer: ‘Olhe, eu sou um personagem simpático’. Ele a representou de maneira sincera e direta. ‘Eu me sinto culpado por tentar fazer com que você entenda. É o que eu mais odeio na interpretação – minha interpretação’.”

Ironicamente, Phoenix é aquele raro talento que transmite muitas coisas sem falar uma palavra. Ao mesmo tempo, ele leva o público a procurar adivinhar o que há por baixo daquela aparência conturbada. É uma combinação desgastante (a entrevista com Letterman), mas também intrigante a ponto de conferir uma longevidade única à sua carreira. Evidentemente, Phoenix não percebe isto. E por que perceberia? Ele diz que raramente vê os filmes em que atua. “Não faz muito tempo, estava passando rapidamente pelos canais de cinema e havia um filme (em que eu estava) que não tinha visto”, contou. “Fiquei assistindo, e era um lixo. Foi como se estivesse trabalhando. Vi tanta representação, fiquei realmente constrangido com aquilo.”

O primeiro e último filme que ele viu do começo ao fim nos últimos dez anos é The Master de 2012, e somente porque o diretor Paul Thomas Anderson lhe disse: “Crie coragem!”, lembra Phoenix com uma risada. “Fiquei arrasado, disse a mim mesmo: ‘Tá bom, você está certo, eu deveria assistir e deixar de ser um covarde e depois comentar apenas: ‘Aquilo funcionou ou não funcionou’. Criei só um pouco de coragem”, disse dando de ombros. “E então não tive a coragem de ir até o fim e desliguei.”

Phoenix nasceu em Porto Rico, depois mudou-se para a América do Sul com a família, que pertencia ao grupo religioso dos Filhos de Deus. Seus pais deixaram o grupo no final dos anos 1970 e foram para a Califórnia com as crianças para que os filhos atuassem no cinema. Lá ele começou a trabalhar em pequenos papéis com seus irmãos River, Rain, Summer e Liberty (</IP>certa vez Joaquin usou o nome de Leaf).

Os papéis de Phoenix nos filmes infantis incluem Aventura no Espaço e Minha Família, de Ron Howard. Mas foi seu irmão mais velho River quem abriu o caminho em filmes como Fica Comigo e Garotos de Programa. Adolescente, Joaquin estava com River quando este morreu de overdose em 1993. O chamado de emergência de Joaquin repercutiu enormemente na imprensa nas semanas que se seguiram, assinalando o início de sua tensa relação com a mídia e a fama.

Seu sucesso crucial ocorreu em Um Sonho Sem Limites, de 1995, quando Phoenix interpretou um adolescente chapado da classe trabalhadora seduzido pela moça do tempo da TV (Nicole Kidman). A partir dali, ele se tornou um ator aclamado em sucessos como Gladiador, e Johnny e June.

Mas foi o seu comportamento numa entrevista com David Letterman, em 2009, que revelou outro aspecto do ator. Ele ficou enrolando respostas desconexas por trás de óculos de sol e uma barba desgrenhada de Unabomber (posteriormente Phoenix disse que estava representando para o falso documentário I’m Still Here, dirigido por seu cunhado Casey Affleck).

Phoenix tornou-se o alvo de piadas nos programas vespertinos antes de um breve afastamento das câmeras, embora afirme que para ele foi um momento de ruptura. “Esta é definitivamente uma das cinco principais experiências – ou talvez a melhor – que tive como ator”, ele disse. “Aprendi a me desligar, em parte porque não havia tempo para uma escolha. Eu estava ali ao vivo naquele momento, mas as outras pessoas não sabiam que era para um filme. Foi uma experiência libertadora. Ela me ajudou a parar de tomar tantas decisões conscientes.”

Entretanto, planejamento e deliberação influíram enormemente na opção de Phoenix pelo seu papel de Abe em O Homem Irracional. Ele não é um substituto de Allen, como outros atores principais do diretor foram claramente. “Havia trechinhos de diálogos em que era um esforço para mim não usar a mesma tonalidade dele”, disse. “Além disso, sou extremamente familiarizado com Woody. É quase uma tentação fazer aquilo. Cresci imitando-o com meus irmãos e irmãs. Há certo ritmo em seu diálogo que torna muito fácil assumir aquela maneira de falar tão peculiar ele. Só que não achei que serviria para o filme. Fiz uma coisa diferente.”

Phoenix sabe que o público provavelmente procurará captar algum vislumbre de sua personalidade real no papel de Abe. Mas agora, ele se acostumou. “Não sei por que as pessoas tentam me analisar através dos meus papéis... ou talvez eu tente”, ele disse. “Vi atuações em que me pego pensando: ‘O que será que aquele infeliz ator passou’. O que quer que o público pense, isto é com ele, mas eu não vou ficar por perto para ouvir.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Joaquin Phoenix acabava de reivindicar sua primeira vítima do dia, ou pelo menos foi o que pareceu quando o entrevistador furioso saiu do quarto de hotel do ator. “Como foi?”, perguntou a assessora de imprensa que coordenava a cobertura do novo filme de Woody Allen, O Homem Irracional, em que Phoenix interpreta o papel principal. O longa estreia no Brasil no dia 27 de agosto. “Como você acha que foi?”, respondeu rispidamente o entrevistador, atirando gravador e prancheta na mochila. “É Joaquin Phoenix.”

reference

Phoenix, 40, nunca é um sujeito fácil – tanto pessoalmente quanto na tela. O mesmo comportamento reticente e enigmático que o faz parecer um refém no tapete vermelho o torna o intérprete natural para os papéis complexos, difíceis de interpretar que acabariam com a maioria dos seus colegas de Hollywood. Minutos depois de irritar seu último entrevistador, Phoenix me recebeu com um grande abraço exagerado: a saudação mais usada em Hollywood, mas perturbadora vinda dele.

“Você não mudou de jeito nenhum!” falou efusivamente, referindo-se à nossa última entrevista, mais de 15 anos antes. Não disse que ele é imprevisível? “Tá bom, estou brincando”, emendou já sem representar, deixando de lado o comportamento artificialmente animado e passando para uma compostura mais familiar nele. “Não lembro da nossa entrevista. Ela me lembrou”, disse, indicando sua assessora de muitos anos. “Mas deve ter sido difícil, não foi?”

No filme intitulado muito a propósito O Homem Irracional, Phoenix é um professor de filosofia consumido, que já viveu inúmeras tragédias e portanto está cansado de saber que a vida não lhe trará muitas alegrias daqui em diante. De dia, Abe bebe e recita Kierkegaard, de noite bebe e dorme com uma aluna muito mais jovem (aliás, um enredo que atualmente se tornou uma dinâmica escrupulosamente familiar em muitos filmes de Allen). Mas nem a companhia da apaixonada Jill (Emma Stone) não basta para ele voltar a sentir de verdade. Abe está em busca de algo que empreste valor à sua vida, mesmo que isto signifique tomá-la de alguém.

“Tive muita sorte porque recentemente só tenho feito filmes – com exceção de um – em que senti que tinha de interpretar aquele papel”, disse Phoenix referindo-se aos papéis extravagantes que desempenhou desde que retornou da pausa em sua atuação que ele próprio se impôs, há alguns anos. “Não foi algo como: ‘Quero fazer este filme’. Foi mesmo: ‘Vou fazer qualquer coisa por este papel. Vou brigar com todo mundo. Me dê uma chance’. Quero aprofundar mais esta experiência, e ler não é o bastante. Quero ampliar esta sensação e ver toda a sua amplitude, até onde ela pode ir.”

É com esta paixão que o menino ator que deu vida a incontáveis almas torturadas nos últimos 20 anos, como o infeliz jovem assassino em Um Sonho Sem Limites, o enigmático e controvertido Johnny Cash de Johnny e June e o escritor solitário que se apaixona pelo sistema operacional do computador em Ela. “Qualquer coisa que você der para ele fazer ou dizer torna-se interessante por causa desta complexidade que ele projeta naturalmente”, observou Allen a respeito do ator. “Há o tempo todo alguma coisa acontecendo nele.”

Phoenix afirma que não há um método pronto para os papéis que ele escolhe – ou para o papel que lhe é destinado. “Acho que na minha carreira tenho tido uma grande sorte. Eu sou disponível, e os outros caras não são. Como se eu dissesse: ‘Graças a Deus, Christian Bale não está trabalhando’ ou ‘Graças a Deus, Leonardo está empenhado em alguma outra coisa’.”

Com seus tênis Converse meio gastos, jeans e camiseta, Phoenix parece dizer: “Estou à vontade”, embora ele se mostre cauteloso em olhar diretamente as pessoas nos olhos. Entretanto, quanto mais falamos sobre Allen, mais ele se anima.

“Sempre o admirei muito, mas não acho que as pessoas apreciem Woody como ator”, afirma Phoenix, e enumera rapidamente os títulos de vários filmes de Allen antes de se referir a uma cena particularmente difícil em A Última Noite de Boris Grushenko. “A maioria dos atores interpretaria aquela cena com uma expressão de pesar, tentando quase dizer: ‘Olhe, eu sou um personagem simpático’. Ele a representou de maneira sincera e direta. ‘Eu me sinto culpado por tentar fazer com que você entenda. É o que eu mais odeio na interpretação – minha interpretação’.”

Ironicamente, Phoenix é aquele raro talento que transmite muitas coisas sem falar uma palavra. Ao mesmo tempo, ele leva o público a procurar adivinhar o que há por baixo daquela aparência conturbada. É uma combinação desgastante (a entrevista com Letterman), mas também intrigante a ponto de conferir uma longevidade única à sua carreira. Evidentemente, Phoenix não percebe isto. E por que perceberia? Ele diz que raramente vê os filmes em que atua. “Não faz muito tempo, estava passando rapidamente pelos canais de cinema e havia um filme (em que eu estava) que não tinha visto”, contou. “Fiquei assistindo, e era um lixo. Foi como se estivesse trabalhando. Vi tanta representação, fiquei realmente constrangido com aquilo.”

O primeiro e último filme que ele viu do começo ao fim nos últimos dez anos é The Master de 2012, e somente porque o diretor Paul Thomas Anderson lhe disse: “Crie coragem!”, lembra Phoenix com uma risada. “Fiquei arrasado, disse a mim mesmo: ‘Tá bom, você está certo, eu deveria assistir e deixar de ser um covarde e depois comentar apenas: ‘Aquilo funcionou ou não funcionou’. Criei só um pouco de coragem”, disse dando de ombros. “E então não tive a coragem de ir até o fim e desliguei.”

Phoenix nasceu em Porto Rico, depois mudou-se para a América do Sul com a família, que pertencia ao grupo religioso dos Filhos de Deus. Seus pais deixaram o grupo no final dos anos 1970 e foram para a Califórnia com as crianças para que os filhos atuassem no cinema. Lá ele começou a trabalhar em pequenos papéis com seus irmãos River, Rain, Summer e Liberty (</IP>certa vez Joaquin usou o nome de Leaf).

Os papéis de Phoenix nos filmes infantis incluem Aventura no Espaço e Minha Família, de Ron Howard. Mas foi seu irmão mais velho River quem abriu o caminho em filmes como Fica Comigo e Garotos de Programa. Adolescente, Joaquin estava com River quando este morreu de overdose em 1993. O chamado de emergência de Joaquin repercutiu enormemente na imprensa nas semanas que se seguiram, assinalando o início de sua tensa relação com a mídia e a fama.

Seu sucesso crucial ocorreu em Um Sonho Sem Limites, de 1995, quando Phoenix interpretou um adolescente chapado da classe trabalhadora seduzido pela moça do tempo da TV (Nicole Kidman). A partir dali, ele se tornou um ator aclamado em sucessos como Gladiador, e Johnny e June.

Mas foi o seu comportamento numa entrevista com David Letterman, em 2009, que revelou outro aspecto do ator. Ele ficou enrolando respostas desconexas por trás de óculos de sol e uma barba desgrenhada de Unabomber (posteriormente Phoenix disse que estava representando para o falso documentário I’m Still Here, dirigido por seu cunhado Casey Affleck).

Phoenix tornou-se o alvo de piadas nos programas vespertinos antes de um breve afastamento das câmeras, embora afirme que para ele foi um momento de ruptura. “Esta é definitivamente uma das cinco principais experiências – ou talvez a melhor – que tive como ator”, ele disse. “Aprendi a me desligar, em parte porque não havia tempo para uma escolha. Eu estava ali ao vivo naquele momento, mas as outras pessoas não sabiam que era para um filme. Foi uma experiência libertadora. Ela me ajudou a parar de tomar tantas decisões conscientes.”

Entretanto, planejamento e deliberação influíram enormemente na opção de Phoenix pelo seu papel de Abe em O Homem Irracional. Ele não é um substituto de Allen, como outros atores principais do diretor foram claramente. “Havia trechinhos de diálogos em que era um esforço para mim não usar a mesma tonalidade dele”, disse. “Além disso, sou extremamente familiarizado com Woody. É quase uma tentação fazer aquilo. Cresci imitando-o com meus irmãos e irmãs. Há certo ritmo em seu diálogo que torna muito fácil assumir aquela maneira de falar tão peculiar ele. Só que não achei que serviria para o filme. Fiz uma coisa diferente.”

Phoenix sabe que o público provavelmente procurará captar algum vislumbre de sua personalidade real no papel de Abe. Mas agora, ele se acostumou. “Não sei por que as pessoas tentam me analisar através dos meus papéis... ou talvez eu tente”, ele disse. “Vi atuações em que me pego pensando: ‘O que será que aquele infeliz ator passou’. O que quer que o público pense, isto é com ele, mas eu não vou ficar por perto para ouvir.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Joaquin Phoenix acabava de reivindicar sua primeira vítima do dia, ou pelo menos foi o que pareceu quando o entrevistador furioso saiu do quarto de hotel do ator. “Como foi?”, perguntou a assessora de imprensa que coordenava a cobertura do novo filme de Woody Allen, O Homem Irracional, em que Phoenix interpreta o papel principal. O longa estreia no Brasil no dia 27 de agosto. “Como você acha que foi?”, respondeu rispidamente o entrevistador, atirando gravador e prancheta na mochila. “É Joaquin Phoenix.”

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Phoenix, 40, nunca é um sujeito fácil – tanto pessoalmente quanto na tela. O mesmo comportamento reticente e enigmático que o faz parecer um refém no tapete vermelho o torna o intérprete natural para os papéis complexos, difíceis de interpretar que acabariam com a maioria dos seus colegas de Hollywood. Minutos depois de irritar seu último entrevistador, Phoenix me recebeu com um grande abraço exagerado: a saudação mais usada em Hollywood, mas perturbadora vinda dele.

“Você não mudou de jeito nenhum!” falou efusivamente, referindo-se à nossa última entrevista, mais de 15 anos antes. Não disse que ele é imprevisível? “Tá bom, estou brincando”, emendou já sem representar, deixando de lado o comportamento artificialmente animado e passando para uma compostura mais familiar nele. “Não lembro da nossa entrevista. Ela me lembrou”, disse, indicando sua assessora de muitos anos. “Mas deve ter sido difícil, não foi?”

No filme intitulado muito a propósito O Homem Irracional, Phoenix é um professor de filosofia consumido, que já viveu inúmeras tragédias e portanto está cansado de saber que a vida não lhe trará muitas alegrias daqui em diante. De dia, Abe bebe e recita Kierkegaard, de noite bebe e dorme com uma aluna muito mais jovem (aliás, um enredo que atualmente se tornou uma dinâmica escrupulosamente familiar em muitos filmes de Allen). Mas nem a companhia da apaixonada Jill (Emma Stone) não basta para ele voltar a sentir de verdade. Abe está em busca de algo que empreste valor à sua vida, mesmo que isto signifique tomá-la de alguém.

“Tive muita sorte porque recentemente só tenho feito filmes – com exceção de um – em que senti que tinha de interpretar aquele papel”, disse Phoenix referindo-se aos papéis extravagantes que desempenhou desde que retornou da pausa em sua atuação que ele próprio se impôs, há alguns anos. “Não foi algo como: ‘Quero fazer este filme’. Foi mesmo: ‘Vou fazer qualquer coisa por este papel. Vou brigar com todo mundo. Me dê uma chance’. Quero aprofundar mais esta experiência, e ler não é o bastante. Quero ampliar esta sensação e ver toda a sua amplitude, até onde ela pode ir.”

É com esta paixão que o menino ator que deu vida a incontáveis almas torturadas nos últimos 20 anos, como o infeliz jovem assassino em Um Sonho Sem Limites, o enigmático e controvertido Johnny Cash de Johnny e June e o escritor solitário que se apaixona pelo sistema operacional do computador em Ela. “Qualquer coisa que você der para ele fazer ou dizer torna-se interessante por causa desta complexidade que ele projeta naturalmente”, observou Allen a respeito do ator. “Há o tempo todo alguma coisa acontecendo nele.”

Phoenix afirma que não há um método pronto para os papéis que ele escolhe – ou para o papel que lhe é destinado. “Acho que na minha carreira tenho tido uma grande sorte. Eu sou disponível, e os outros caras não são. Como se eu dissesse: ‘Graças a Deus, Christian Bale não está trabalhando’ ou ‘Graças a Deus, Leonardo está empenhado em alguma outra coisa’.”

Com seus tênis Converse meio gastos, jeans e camiseta, Phoenix parece dizer: “Estou à vontade”, embora ele se mostre cauteloso em olhar diretamente as pessoas nos olhos. Entretanto, quanto mais falamos sobre Allen, mais ele se anima.

“Sempre o admirei muito, mas não acho que as pessoas apreciem Woody como ator”, afirma Phoenix, e enumera rapidamente os títulos de vários filmes de Allen antes de se referir a uma cena particularmente difícil em A Última Noite de Boris Grushenko. “A maioria dos atores interpretaria aquela cena com uma expressão de pesar, tentando quase dizer: ‘Olhe, eu sou um personagem simpático’. Ele a representou de maneira sincera e direta. ‘Eu me sinto culpado por tentar fazer com que você entenda. É o que eu mais odeio na interpretação – minha interpretação’.”

Ironicamente, Phoenix é aquele raro talento que transmite muitas coisas sem falar uma palavra. Ao mesmo tempo, ele leva o público a procurar adivinhar o que há por baixo daquela aparência conturbada. É uma combinação desgastante (a entrevista com Letterman), mas também intrigante a ponto de conferir uma longevidade única à sua carreira. Evidentemente, Phoenix não percebe isto. E por que perceberia? Ele diz que raramente vê os filmes em que atua. “Não faz muito tempo, estava passando rapidamente pelos canais de cinema e havia um filme (em que eu estava) que não tinha visto”, contou. “Fiquei assistindo, e era um lixo. Foi como se estivesse trabalhando. Vi tanta representação, fiquei realmente constrangido com aquilo.”

O primeiro e último filme que ele viu do começo ao fim nos últimos dez anos é The Master de 2012, e somente porque o diretor Paul Thomas Anderson lhe disse: “Crie coragem!”, lembra Phoenix com uma risada. “Fiquei arrasado, disse a mim mesmo: ‘Tá bom, você está certo, eu deveria assistir e deixar de ser um covarde e depois comentar apenas: ‘Aquilo funcionou ou não funcionou’. Criei só um pouco de coragem”, disse dando de ombros. “E então não tive a coragem de ir até o fim e desliguei.”

Phoenix nasceu em Porto Rico, depois mudou-se para a América do Sul com a família, que pertencia ao grupo religioso dos Filhos de Deus. Seus pais deixaram o grupo no final dos anos 1970 e foram para a Califórnia com as crianças para que os filhos atuassem no cinema. Lá ele começou a trabalhar em pequenos papéis com seus irmãos River, Rain, Summer e Liberty (</IP>certa vez Joaquin usou o nome de Leaf).

Os papéis de Phoenix nos filmes infantis incluem Aventura no Espaço e Minha Família, de Ron Howard. Mas foi seu irmão mais velho River quem abriu o caminho em filmes como Fica Comigo e Garotos de Programa. Adolescente, Joaquin estava com River quando este morreu de overdose em 1993. O chamado de emergência de Joaquin repercutiu enormemente na imprensa nas semanas que se seguiram, assinalando o início de sua tensa relação com a mídia e a fama.

Seu sucesso crucial ocorreu em Um Sonho Sem Limites, de 1995, quando Phoenix interpretou um adolescente chapado da classe trabalhadora seduzido pela moça do tempo da TV (Nicole Kidman). A partir dali, ele se tornou um ator aclamado em sucessos como Gladiador, e Johnny e June.

Mas foi o seu comportamento numa entrevista com David Letterman, em 2009, que revelou outro aspecto do ator. Ele ficou enrolando respostas desconexas por trás de óculos de sol e uma barba desgrenhada de Unabomber (posteriormente Phoenix disse que estava representando para o falso documentário I’m Still Here, dirigido por seu cunhado Casey Affleck).

Phoenix tornou-se o alvo de piadas nos programas vespertinos antes de um breve afastamento das câmeras, embora afirme que para ele foi um momento de ruptura. “Esta é definitivamente uma das cinco principais experiências – ou talvez a melhor – que tive como ator”, ele disse. “Aprendi a me desligar, em parte porque não havia tempo para uma escolha. Eu estava ali ao vivo naquele momento, mas as outras pessoas não sabiam que era para um filme. Foi uma experiência libertadora. Ela me ajudou a parar de tomar tantas decisões conscientes.”

Entretanto, planejamento e deliberação influíram enormemente na opção de Phoenix pelo seu papel de Abe em O Homem Irracional. Ele não é um substituto de Allen, como outros atores principais do diretor foram claramente. “Havia trechinhos de diálogos em que era um esforço para mim não usar a mesma tonalidade dele”, disse. “Além disso, sou extremamente familiarizado com Woody. É quase uma tentação fazer aquilo. Cresci imitando-o com meus irmãos e irmãs. Há certo ritmo em seu diálogo que torna muito fácil assumir aquela maneira de falar tão peculiar ele. Só que não achei que serviria para o filme. Fiz uma coisa diferente.”

Phoenix sabe que o público provavelmente procurará captar algum vislumbre de sua personalidade real no papel de Abe. Mas agora, ele se acostumou. “Não sei por que as pessoas tentam me analisar através dos meus papéis... ou talvez eu tente”, ele disse. “Vi atuações em que me pego pensando: ‘O que será que aquele infeliz ator passou’. O que quer que o público pense, isto é com ele, mas eu não vou ficar por perto para ouvir.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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