Jorge Furtado descobre uma vida riquíssima em ‘Quem É Primavera das Neves’


Ao investigar Primavera das Neves, diretor, que também trabalha nas séries 'Mister Brau' e 'Sob Pressão', prova que toda vida é rica

Por Luiz Carlos Merten

Tudo começou com um nome, tão estranho que contém em si mesmo uma contradição (em termos). Primavera das Neves. Jorge Furtado descobriu o nome, como pertencente a uma tradutora. Lançou a pergunta no blog de sua produtora, a Casa de Cinema de Porto Alegre. Três anos depois, ele conseguiu mais informações na hemeroteca da Biblioteca Nacional. Voltou a publicar no blog da Casa de Cinema. Achei! E desta vez, obteve resposta. Uma amiga de Primavera, Eulalie Ligneul, iniciou um contato com ela por meio das redes sociais. Jorge descobriu mais uma amiga, a artista plástica Annabella Geiger. Aprofundando sua pesquisa, ele descobriu uma personagem riquíssima.

A jovem Primavera.Nenhuma imagem em movimento, mas 20 fotos que contam história Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Jorge Furtado tem essa ideia que muitas vezes, ou sempre, funciona como bússola para ele. “Toda vida é única, dá filme.” E outra – “A função do jornalismo é produzir memória.” Com parcos elementos – não encontrou nenhuma imagem em movimento da biografada, apenas fotos, em torno de 20 – fez o filme Quem É Primavera das Neves. O que começou como interrogação no blog, virou afirmação no cinema. O filme passou no É Tudo Verdade e estreia nesta quinta, 15, em várias capitais – “São Paulo, Rio, Porto Alegre. Não só capitais, onde tem o Circuito Itaú de Adhemar Oliveira”, informa o diretor, numa entrevista por telefone, do Rio.

continua após a publicidade

Ele se divide entre Porto e Rio. Nome de ponta na Globo, Furtado trabalha atualmente nas séries Mister Brau e Sob Pressão, derivada do filme (ótimo) de Andrucha Waddington. “Estou desenvolvendo outros projetos” – para TV e cinema. Acostumado a trabalhar, no cinema, com textos próprios, Furtado se prepara para dirigir, em novembro – “A preparação começa em outubro” – a adaptação de uma peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha – Rasga Coração. “Chega a ser humilhante”, Furtado reflete. “É uma das maiores peças da história do teatro brasileiro, com Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, o Macunaíma de Antunes Filho e mais duas ou três. É coisa de contar nos dedos.” Furtado destaca a riqueza da estrutura e dos diálogos – e quem fala é um dos maiores dialoguistas do cinema e da TV no Brasil.

Marco Ricca será o protagonista e, a partir dessa definição, Furtado monta o restante do elenco. Rasga Coração foi escrita por Vianninha em 1972. Dois anos depois, venceu o Prêmio Nacional da Dramaturgia. Eram os anos duros da ditadura. O protagonista – Manguari – é um funcionário público, militante do Partido Comunista, o PC. Mais que desiludido, Manguari está decepcionado com a política. O filho, que não aguenta mais o marasmo, participa do movimento de ocupação das escolas. “O texto é da maior atualidade, como reflexo do Brasil. Tenho de filmar logo, porque, face ao que ocorre na política nacional, temo que essa atualidade vai ficar cada vez mais premente.”

É curioso como Primavera das Neves, que começou “quase aleatório”, como define o autor – o filme foi escrito por Furtado com o filho, Pedro –, terminou ganhando proporção. Furtado adora esses desafios. Um tema pequeno – uma vida em segredo – que, de repente, engloba um mundo. “Primavera nasceu na Europa, filha de mãe sufragista e pai salazarista. Não gostava de política, mas sua vida foi definida por ela (a política).” Primavera viveu sob três ditaduras – em Portugal (Salazar), na Espanha (Franco) e no Brasil (os militares). Seu ex-marido – o ‘viúvo’, embora tenha se casado de novo – foi um militar que, em Portugal, participou da tentativa de deposição do salazarismo. Cercada pela política, Primavera dedicou-se à literatura. Virou tradutora.

continua após a publicidade
O diretor.Com Mariana Lima, que lê traduções e poemas da biografada Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Traduziu mais de 80 livros, de autores tão diversos quanto Daniel Defoe, Lewis Carroll, Vladimir Nabokov, Bioy Casares e muitos outros. Dominava seis línguas. Furtado a compara a Emily Dickinson, a grande poeta norte-americana, biografada por Terence Davies num filme belíssimo – que Furtado ainda não viu. Como Emily, Primavera viveu quase em segredo. Emily quase não publicou em vida. A antologia de seus poemas, organizada postumamente, chama-se Não Sou Ninguém. “Primavera traduziu uma biografia de Emily, incluindo os poemas, que traduziu em verso livre, um trabalho brilhante que, para mim, supera o de Augusto de Campos”, avalia Furtado. 

É a pergunta necessária – por que Furtado faz esses filmes miúras? Pela própria natureza de filmes como O Mercado de Notícias e Quem É Primavera das Neves, são obras que não aspiram a um público de milhões. Enquanto conversa com o repórter pelo telefone, Jorge recebe os números da audiência do episódio de Mister Brau exibido na noite de terça-feira, 13. O programa com Lázaro Ramos e Taís Araújo – neste dia, teve participação de Fernanda Montenegro – teve 24 pontos de média em todo o Brasil, o que significa que foi visto por cerca de 24 milhões de pessoas. “É um programa que faz muito sucesso com as crianças, então pode-se dizer que atinge o menino e a menina do Rio Grande do Sul à Amazônia.”

continua após a publicidade

Muita gente – e então por que o filme pequeno? “Cada projeto tem seu tamanho, seu formato”, diz o diretor. “Primavera das Neves passou, por enquanto, só no festival de documentários É Tudo Verdade. Foi visto por pouquíssima gente, mas com atenção total. Com Mister Brau, o tom é de comédia. Estamos falando para muita gente, é preciso ser interessante para todo mundo. Mas os temas são sérios, relevantes – racismo, preconceito. Em Primavera, o tom é outro, mas na atenção das pessoas você vê que estão se ligando.

O filme fala de ditadura, de resistência. Talvez desperte em alguém o desejo de ler esse Nabokov, ou a Alice (no País das Maravilhas) de Carroll, que é tão conhecido através do cinema.”

Mariana Lima intervém, lendo as cartas e traduções de Primavera das Neves. “Admiro sua presença, sua voz. Mariana é maravilhosa”, diz o diretor. O que norteia Furtado – o que norteou Primavera – talvez seja uma frase de Sara/Glauce Rocha para Paulo Martins/Jardel Filho em Terra em Transe. Na obra-prima de Glauber Rocha – que completa 50 anos em 2017 –, a revolucionária diz ao poeta, que vive dividido (entre o ditador Diaz e o demagogo Vieira). “A política e a poesia são demais para uma só pessoa.” Primavera das Neves escolheu a poesia e a vantagem de trabalhar com o audiovisual, para Furtado, é que, no macro e no micro, na TV e no cinema, ele toca, por momentos, essa aspiração difícil, mas não impossível – a poesia e a política. Seu projeto, digno de Vianninha, talvez seja rasgar o coração do público com essas vidas tão distintas, mas que valem a pena. Todas. No caso de Primavera, ele produziu memória. Hoje, você já encontra mais de 27 mil tópicos sobre ela na internet.

Tudo começou com um nome, tão estranho que contém em si mesmo uma contradição (em termos). Primavera das Neves. Jorge Furtado descobriu o nome, como pertencente a uma tradutora. Lançou a pergunta no blog de sua produtora, a Casa de Cinema de Porto Alegre. Três anos depois, ele conseguiu mais informações na hemeroteca da Biblioteca Nacional. Voltou a publicar no blog da Casa de Cinema. Achei! E desta vez, obteve resposta. Uma amiga de Primavera, Eulalie Ligneul, iniciou um contato com ela por meio das redes sociais. Jorge descobriu mais uma amiga, a artista plástica Annabella Geiger. Aprofundando sua pesquisa, ele descobriu uma personagem riquíssima.

A jovem Primavera.Nenhuma imagem em movimento, mas 20 fotos que contam história Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Jorge Furtado tem essa ideia que muitas vezes, ou sempre, funciona como bússola para ele. “Toda vida é única, dá filme.” E outra – “A função do jornalismo é produzir memória.” Com parcos elementos – não encontrou nenhuma imagem em movimento da biografada, apenas fotos, em torno de 20 – fez o filme Quem É Primavera das Neves. O que começou como interrogação no blog, virou afirmação no cinema. O filme passou no É Tudo Verdade e estreia nesta quinta, 15, em várias capitais – “São Paulo, Rio, Porto Alegre. Não só capitais, onde tem o Circuito Itaú de Adhemar Oliveira”, informa o diretor, numa entrevista por telefone, do Rio.

Ele se divide entre Porto e Rio. Nome de ponta na Globo, Furtado trabalha atualmente nas séries Mister Brau e Sob Pressão, derivada do filme (ótimo) de Andrucha Waddington. “Estou desenvolvendo outros projetos” – para TV e cinema. Acostumado a trabalhar, no cinema, com textos próprios, Furtado se prepara para dirigir, em novembro – “A preparação começa em outubro” – a adaptação de uma peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha – Rasga Coração. “Chega a ser humilhante”, Furtado reflete. “É uma das maiores peças da história do teatro brasileiro, com Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, o Macunaíma de Antunes Filho e mais duas ou três. É coisa de contar nos dedos.” Furtado destaca a riqueza da estrutura e dos diálogos – e quem fala é um dos maiores dialoguistas do cinema e da TV no Brasil.

Marco Ricca será o protagonista e, a partir dessa definição, Furtado monta o restante do elenco. Rasga Coração foi escrita por Vianninha em 1972. Dois anos depois, venceu o Prêmio Nacional da Dramaturgia. Eram os anos duros da ditadura. O protagonista – Manguari – é um funcionário público, militante do Partido Comunista, o PC. Mais que desiludido, Manguari está decepcionado com a política. O filho, que não aguenta mais o marasmo, participa do movimento de ocupação das escolas. “O texto é da maior atualidade, como reflexo do Brasil. Tenho de filmar logo, porque, face ao que ocorre na política nacional, temo que essa atualidade vai ficar cada vez mais premente.”

É curioso como Primavera das Neves, que começou “quase aleatório”, como define o autor – o filme foi escrito por Furtado com o filho, Pedro –, terminou ganhando proporção. Furtado adora esses desafios. Um tema pequeno – uma vida em segredo – que, de repente, engloba um mundo. “Primavera nasceu na Europa, filha de mãe sufragista e pai salazarista. Não gostava de política, mas sua vida foi definida por ela (a política).” Primavera viveu sob três ditaduras – em Portugal (Salazar), na Espanha (Franco) e no Brasil (os militares). Seu ex-marido – o ‘viúvo’, embora tenha se casado de novo – foi um militar que, em Portugal, participou da tentativa de deposição do salazarismo. Cercada pela política, Primavera dedicou-se à literatura. Virou tradutora.

O diretor.Com Mariana Lima, que lê traduções e poemas da biografada Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Traduziu mais de 80 livros, de autores tão diversos quanto Daniel Defoe, Lewis Carroll, Vladimir Nabokov, Bioy Casares e muitos outros. Dominava seis línguas. Furtado a compara a Emily Dickinson, a grande poeta norte-americana, biografada por Terence Davies num filme belíssimo – que Furtado ainda não viu. Como Emily, Primavera viveu quase em segredo. Emily quase não publicou em vida. A antologia de seus poemas, organizada postumamente, chama-se Não Sou Ninguém. “Primavera traduziu uma biografia de Emily, incluindo os poemas, que traduziu em verso livre, um trabalho brilhante que, para mim, supera o de Augusto de Campos”, avalia Furtado. 

É a pergunta necessária – por que Furtado faz esses filmes miúras? Pela própria natureza de filmes como O Mercado de Notícias e Quem É Primavera das Neves, são obras que não aspiram a um público de milhões. Enquanto conversa com o repórter pelo telefone, Jorge recebe os números da audiência do episódio de Mister Brau exibido na noite de terça-feira, 13. O programa com Lázaro Ramos e Taís Araújo – neste dia, teve participação de Fernanda Montenegro – teve 24 pontos de média em todo o Brasil, o que significa que foi visto por cerca de 24 milhões de pessoas. “É um programa que faz muito sucesso com as crianças, então pode-se dizer que atinge o menino e a menina do Rio Grande do Sul à Amazônia.”

Muita gente – e então por que o filme pequeno? “Cada projeto tem seu tamanho, seu formato”, diz o diretor. “Primavera das Neves passou, por enquanto, só no festival de documentários É Tudo Verdade. Foi visto por pouquíssima gente, mas com atenção total. Com Mister Brau, o tom é de comédia. Estamos falando para muita gente, é preciso ser interessante para todo mundo. Mas os temas são sérios, relevantes – racismo, preconceito. Em Primavera, o tom é outro, mas na atenção das pessoas você vê que estão se ligando.

O filme fala de ditadura, de resistência. Talvez desperte em alguém o desejo de ler esse Nabokov, ou a Alice (no País das Maravilhas) de Carroll, que é tão conhecido através do cinema.”

Mariana Lima intervém, lendo as cartas e traduções de Primavera das Neves. “Admiro sua presença, sua voz. Mariana é maravilhosa”, diz o diretor. O que norteia Furtado – o que norteou Primavera – talvez seja uma frase de Sara/Glauce Rocha para Paulo Martins/Jardel Filho em Terra em Transe. Na obra-prima de Glauber Rocha – que completa 50 anos em 2017 –, a revolucionária diz ao poeta, que vive dividido (entre o ditador Diaz e o demagogo Vieira). “A política e a poesia são demais para uma só pessoa.” Primavera das Neves escolheu a poesia e a vantagem de trabalhar com o audiovisual, para Furtado, é que, no macro e no micro, na TV e no cinema, ele toca, por momentos, essa aspiração difícil, mas não impossível – a poesia e a política. Seu projeto, digno de Vianninha, talvez seja rasgar o coração do público com essas vidas tão distintas, mas que valem a pena. Todas. No caso de Primavera, ele produziu memória. Hoje, você já encontra mais de 27 mil tópicos sobre ela na internet.

Tudo começou com um nome, tão estranho que contém em si mesmo uma contradição (em termos). Primavera das Neves. Jorge Furtado descobriu o nome, como pertencente a uma tradutora. Lançou a pergunta no blog de sua produtora, a Casa de Cinema de Porto Alegre. Três anos depois, ele conseguiu mais informações na hemeroteca da Biblioteca Nacional. Voltou a publicar no blog da Casa de Cinema. Achei! E desta vez, obteve resposta. Uma amiga de Primavera, Eulalie Ligneul, iniciou um contato com ela por meio das redes sociais. Jorge descobriu mais uma amiga, a artista plástica Annabella Geiger. Aprofundando sua pesquisa, ele descobriu uma personagem riquíssima.

A jovem Primavera.Nenhuma imagem em movimento, mas 20 fotos que contam história Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Jorge Furtado tem essa ideia que muitas vezes, ou sempre, funciona como bússola para ele. “Toda vida é única, dá filme.” E outra – “A função do jornalismo é produzir memória.” Com parcos elementos – não encontrou nenhuma imagem em movimento da biografada, apenas fotos, em torno de 20 – fez o filme Quem É Primavera das Neves. O que começou como interrogação no blog, virou afirmação no cinema. O filme passou no É Tudo Verdade e estreia nesta quinta, 15, em várias capitais – “São Paulo, Rio, Porto Alegre. Não só capitais, onde tem o Circuito Itaú de Adhemar Oliveira”, informa o diretor, numa entrevista por telefone, do Rio.

Ele se divide entre Porto e Rio. Nome de ponta na Globo, Furtado trabalha atualmente nas séries Mister Brau e Sob Pressão, derivada do filme (ótimo) de Andrucha Waddington. “Estou desenvolvendo outros projetos” – para TV e cinema. Acostumado a trabalhar, no cinema, com textos próprios, Furtado se prepara para dirigir, em novembro – “A preparação começa em outubro” – a adaptação de uma peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha – Rasga Coração. “Chega a ser humilhante”, Furtado reflete. “É uma das maiores peças da história do teatro brasileiro, com Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, o Macunaíma de Antunes Filho e mais duas ou três. É coisa de contar nos dedos.” Furtado destaca a riqueza da estrutura e dos diálogos – e quem fala é um dos maiores dialoguistas do cinema e da TV no Brasil.

Marco Ricca será o protagonista e, a partir dessa definição, Furtado monta o restante do elenco. Rasga Coração foi escrita por Vianninha em 1972. Dois anos depois, venceu o Prêmio Nacional da Dramaturgia. Eram os anos duros da ditadura. O protagonista – Manguari – é um funcionário público, militante do Partido Comunista, o PC. Mais que desiludido, Manguari está decepcionado com a política. O filho, que não aguenta mais o marasmo, participa do movimento de ocupação das escolas. “O texto é da maior atualidade, como reflexo do Brasil. Tenho de filmar logo, porque, face ao que ocorre na política nacional, temo que essa atualidade vai ficar cada vez mais premente.”

É curioso como Primavera das Neves, que começou “quase aleatório”, como define o autor – o filme foi escrito por Furtado com o filho, Pedro –, terminou ganhando proporção. Furtado adora esses desafios. Um tema pequeno – uma vida em segredo – que, de repente, engloba um mundo. “Primavera nasceu na Europa, filha de mãe sufragista e pai salazarista. Não gostava de política, mas sua vida foi definida por ela (a política).” Primavera viveu sob três ditaduras – em Portugal (Salazar), na Espanha (Franco) e no Brasil (os militares). Seu ex-marido – o ‘viúvo’, embora tenha se casado de novo – foi um militar que, em Portugal, participou da tentativa de deposição do salazarismo. Cercada pela política, Primavera dedicou-se à literatura. Virou tradutora.

O diretor.Com Mariana Lima, que lê traduções e poemas da biografada Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Traduziu mais de 80 livros, de autores tão diversos quanto Daniel Defoe, Lewis Carroll, Vladimir Nabokov, Bioy Casares e muitos outros. Dominava seis línguas. Furtado a compara a Emily Dickinson, a grande poeta norte-americana, biografada por Terence Davies num filme belíssimo – que Furtado ainda não viu. Como Emily, Primavera viveu quase em segredo. Emily quase não publicou em vida. A antologia de seus poemas, organizada postumamente, chama-se Não Sou Ninguém. “Primavera traduziu uma biografia de Emily, incluindo os poemas, que traduziu em verso livre, um trabalho brilhante que, para mim, supera o de Augusto de Campos”, avalia Furtado. 

É a pergunta necessária – por que Furtado faz esses filmes miúras? Pela própria natureza de filmes como O Mercado de Notícias e Quem É Primavera das Neves, são obras que não aspiram a um público de milhões. Enquanto conversa com o repórter pelo telefone, Jorge recebe os números da audiência do episódio de Mister Brau exibido na noite de terça-feira, 13. O programa com Lázaro Ramos e Taís Araújo – neste dia, teve participação de Fernanda Montenegro – teve 24 pontos de média em todo o Brasil, o que significa que foi visto por cerca de 24 milhões de pessoas. “É um programa que faz muito sucesso com as crianças, então pode-se dizer que atinge o menino e a menina do Rio Grande do Sul à Amazônia.”

Muita gente – e então por que o filme pequeno? “Cada projeto tem seu tamanho, seu formato”, diz o diretor. “Primavera das Neves passou, por enquanto, só no festival de documentários É Tudo Verdade. Foi visto por pouquíssima gente, mas com atenção total. Com Mister Brau, o tom é de comédia. Estamos falando para muita gente, é preciso ser interessante para todo mundo. Mas os temas são sérios, relevantes – racismo, preconceito. Em Primavera, o tom é outro, mas na atenção das pessoas você vê que estão se ligando.

O filme fala de ditadura, de resistência. Talvez desperte em alguém o desejo de ler esse Nabokov, ou a Alice (no País das Maravilhas) de Carroll, que é tão conhecido através do cinema.”

Mariana Lima intervém, lendo as cartas e traduções de Primavera das Neves. “Admiro sua presença, sua voz. Mariana é maravilhosa”, diz o diretor. O que norteia Furtado – o que norteou Primavera – talvez seja uma frase de Sara/Glauce Rocha para Paulo Martins/Jardel Filho em Terra em Transe. Na obra-prima de Glauber Rocha – que completa 50 anos em 2017 –, a revolucionária diz ao poeta, que vive dividido (entre o ditador Diaz e o demagogo Vieira). “A política e a poesia são demais para uma só pessoa.” Primavera das Neves escolheu a poesia e a vantagem de trabalhar com o audiovisual, para Furtado, é que, no macro e no micro, na TV e no cinema, ele toca, por momentos, essa aspiração difícil, mas não impossível – a poesia e a política. Seu projeto, digno de Vianninha, talvez seja rasgar o coração do público com essas vidas tão distintas, mas que valem a pena. Todas. No caso de Primavera, ele produziu memória. Hoje, você já encontra mais de 27 mil tópicos sobre ela na internet.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.