Jovens da Geração Z viram fãs de filmes nacionais mais velhos que eles graças a edits no TikTok


‘Estadão’ conversou com quem produz e com pesquisadores de cinema para entender por que esse conteúdo faz sucesso e se realmente pode impulsionar produções brasileiras; entenda

Por Julia Queiroz
Atualização:

Um compilado de imagens e trechos de uma produção, em cortes de apenas poucos segundos, com transições rápidas e uma música ou áudio do momento ao fundo. Essa é uma descrição básica de um edit, tipo de vídeo que domina as profundezas do TikTok e logo se espalha para plataformas como X (antigo Twitter) e Instagram.

Esses conteúdos talvez já sejam conhecidos por quem passa bastante tempo nessas redes sociais. Feitos por fãs apaixonados, eles podem divulgar seriados, longas e artistas de todos os tipos. Essa produção, no entanto, tem chamado a atenção pela capacidade de atrair jovens e adolescentes para um nicho que muito pode se beneficiar do interesse desse público: o do cinema e da televisão nacional, em especial de produções antigas.

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No TikTok, vídeos com a hashtag #cinemanacional acumulam mais de 530 milhões de visualizações, enquanto os de #cinemabrasileiro possuem 273 milhões. Os primeiros vídeos, além de trechos de produções, são edits de filmes como Carandiru: O Filme (2003), Cidade de Deus (2002), Gabriela (1983) e Eu Sei Que Vou Te Amar (1986). Veja um exemplo:

Um dos casos que mais chamou a atenção recentemente foi o da minissérie Hilda Furacão, de 1998, estrelada por Ana Paula Arósio e Rodrigo Santoro. No final de 2023, edits da produção viralizaram de tal maneira - no TikTok, são mais de 220 milhões de visualizações em vídeos sobre a série - que impulsionaram o alcance da produção no streaming.

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Ao Estadão, o Globoplay, que disponibiliza a série para assinantes desde junho de 2021, informou que a plataforma registrou aumento no consumo diário de 150% em dezembro de 2023 comparado com o de novembro do mesmo ano. Já até o dia 6 de janeiro, a média era 600% maior que os seis primeiros dias de novembro - a empresa não informa os números de plays, apenas a porcentagem de crescimento.

Wanderley Teixeira, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas e crítico de cinema, aponta que os edits são a ramificação de um tipo de produção que já existe desde os anos 1990 e 2000, mesmo que em diferentes formatos.

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Nestas décadas, quando o avanço da internet se aliou ao lançamento de grandes franquias como Matrix e Harry Potter, fãs passaram a criar vídeos a partir dessas obras e compartilhá-los em plataformas como YouTube e o então Twitter.

“Isso antecede o próprio TikTok e vem muito desse momento em que a gente vive em que as pessoas têm recursos para expressar seu afeto por essas obras a partir de uma produção que se apropria de cenas e imagens desses produtos”, diz.

O filme 'Gabriela', de 1983, estrelado por Sonia Braga, foi um dos longos que ganhou edits nas redes sociais. Foto: Metro-Goldwyn-Mayer/United International Pictures/Divulgação
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Daiana Sigiliano, doutoranda em Comunicação e pesquisadora de ficção seriada contemporânea e redes sociais, lembra que, agora, os edits são compartilhados e acessados em redes sociais “pautadas por um volume ininterrupto de informação”.

“O que a gente observa, de modo geral, é que esses vídeos realizam a curadoria de conteúdos, seja a partir dos melhores momentos de um reality show que está no ar, seja na seleção das cenas de um casal LGBT+ de uma telenovela ou da sequência mais polêmica de um filme”, explica.

Além disso, ela explica que os edits - em especial quando falamos do nicho do cinema nacional - também fazem uso da nostalgia, “que está presente em outros segmentos já há alguns anos, de recuperar acervos, obras do passado, mas com a estética contemporânea das plataformas digitais”.

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Essa nostalgia parte muito de um público que não era nem nascido quando o filme ou minissérie foram lançados originalmente.

Daiana Sigiliano

Quem faz?

A reportagem conversou com Fernando (nome fictício que será usado para preservar a identidade da fonte, que preferiu não ser identificada), administrador do perfil @rt_brasyw00d, do TikTok, que já publicou mais de 175 edits desde março de 2023. Com 15 anos de idade, ele diz que criou a conta, que acumula 30 mil seguidores e 1,5 milhão de curtidas, justamente com o intuitivo de divulgar produções nacionais.

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Edits para mim são uma forma de mostrar apreço por determinada obra ou alguma parte dela através de uma montagem, mas que também gera interesse.

Fernando, administrador do perfil @rt_brasyw00d, no TikTok

“Meu perfil começou a crescer de fato logo após a postagem de um edit de um filme nordestino independente de comédia romântica chamado Ai Que Vida (2008), que já era conhecido por muitos da minha região. Foi um edit simples, jamais imaginaria que conseguiria alcançar tanta gente a ponto de outras pessoas começarem a se inspirar e editá-lo também”, lembra.

Ele afirma que não recebe nenhum retorno financeiro pela conta no TikTok (”o fato de que mais brasileiros estão buscando por filmes e séries nacionais por influência do meu perfil já soa como um retorno”) e que já recebeu alertas por direitos autorais, “mas não é frequente”.

“Para editar, procuro pelo filme ou episódio de determinada série completo e dele retiro as cenas que serão usadas. Não sei ao certo quanto tempo leva para ficar pronto, mas nunca passa de um dia, isso eu garanto”, explica.

Ele costuma ver como os edits geram interesse do público com o feedback dos seguidores: “Geralmente perguntam pelo nome, vão atrás de assistir, querem mais recomendações, acho ótimo”.

E o cinema... cresce mesmo?

Para Daiana Sigiliano, mesmo que os edits de filmes e séries nacionais representem apenas um nicho da internet, eles podem impulsionar o consumo dessas produções. “Esse processo de influência no consumo de conteúdos midiáticos a partir da curadoria e viralização de edits e threads pode ser observado não só no audiovisual, mas na literatura quando, por exemplo, as livrarias incluem a sessão ‘TikTok’ nas prateleiras”, compara.

Leia mais - booktok

Já Wanderley Teixeira aponta que é difícil classificar o impacto dos edits sem realizar uma análise de comparação com o consumo da produção nacional, mas que a capacidade desses vídeos de conversar e atrair os jovens já é benéfica.

Um dos maiores problemas que a gente tem enfrentado nos últimos anos, sobretudo no cinema nacional, é a questão do público. Criar uma cultura em que as pessoas se interessem de fato por assistir filmes brasileiros. Se essa cultura digital que a gente vive, em que o público mais jovem está muito imerso, de alguma forma contribuir para isso, acho uma maravilha.

Wanderley Teixeira

Além disso, vale o questionamento: esse estímulo ajuda apenas a resgatar produções antigas ou também pode impulsionar lançamentos recentes? Afinal, conferir o acervo de um serviço de streaming não é o mesmo que assistir a um filme em uma sala de cinema.

“Acredito que esse processo de propagação de conteúdos midiáticos, que acaba gerando uma ‘onda’ de consumo por parte do público, é reflexo não só do ambiente digital, mas desse novo modo de consumo contemporâneo - consumo esse que é pautado pela produção do público e pela viralização nas redes sociais”, diz Daiana.

Nesse sentido, ela diz que os edits podem sim incluir diferentes segmentos e cita exemplos como o resgate de filmes como Eu Sei que Vou te Amar (1986) ou um lançamento atual como Saltburn (2023), da britânica Emerald Fennel - exemplo também citado por Wandeley -, que recebeu uma enxurrada de edits no TikTok (são quase 5 bilhões de visualizações na hashtag) e é, há semanas, um dos filmes mais vistos do Prime Video.

Fernando vai além e cita produções nacionais que, para ele, tiveram sucesso com a ajuda das redes sociais e do público mais jovem: Raquel 1:1 (que saiu nos cinemas e agora está disponível para aluguel), Os Outros (Globoplay) e Cangaço Novo (Prime Video).

“Para mim, é de grande importância ter conhecimento, saber o que foi produzido, o que está sendo produzido e (por que não) o que ainda será produzido, até por que nosso histórico no cinema e televisão não terminou nos anos 1970 e 1980″, afirma.

Um compilado de imagens e trechos de uma produção, em cortes de apenas poucos segundos, com transições rápidas e uma música ou áudio do momento ao fundo. Essa é uma descrição básica de um edit, tipo de vídeo que domina as profundezas do TikTok e logo se espalha para plataformas como X (antigo Twitter) e Instagram.

Esses conteúdos talvez já sejam conhecidos por quem passa bastante tempo nessas redes sociais. Feitos por fãs apaixonados, eles podem divulgar seriados, longas e artistas de todos os tipos. Essa produção, no entanto, tem chamado a atenção pela capacidade de atrair jovens e adolescentes para um nicho que muito pode se beneficiar do interesse desse público: o do cinema e da televisão nacional, em especial de produções antigas.

No TikTok, vídeos com a hashtag #cinemanacional acumulam mais de 530 milhões de visualizações, enquanto os de #cinemabrasileiro possuem 273 milhões. Os primeiros vídeos, além de trechos de produções, são edits de filmes como Carandiru: O Filme (2003), Cidade de Deus (2002), Gabriela (1983) e Eu Sei Que Vou Te Amar (1986). Veja um exemplo:

Um dos casos que mais chamou a atenção recentemente foi o da minissérie Hilda Furacão, de 1998, estrelada por Ana Paula Arósio e Rodrigo Santoro. No final de 2023, edits da produção viralizaram de tal maneira - no TikTok, são mais de 220 milhões de visualizações em vídeos sobre a série - que impulsionaram o alcance da produção no streaming.

Ao Estadão, o Globoplay, que disponibiliza a série para assinantes desde junho de 2021, informou que a plataforma registrou aumento no consumo diário de 150% em dezembro de 2023 comparado com o de novembro do mesmo ano. Já até o dia 6 de janeiro, a média era 600% maior que os seis primeiros dias de novembro - a empresa não informa os números de plays, apenas a porcentagem de crescimento.

Wanderley Teixeira, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas e crítico de cinema, aponta que os edits são a ramificação de um tipo de produção que já existe desde os anos 1990 e 2000, mesmo que em diferentes formatos.

Nestas décadas, quando o avanço da internet se aliou ao lançamento de grandes franquias como Matrix e Harry Potter, fãs passaram a criar vídeos a partir dessas obras e compartilhá-los em plataformas como YouTube e o então Twitter.

“Isso antecede o próprio TikTok e vem muito desse momento em que a gente vive em que as pessoas têm recursos para expressar seu afeto por essas obras a partir de uma produção que se apropria de cenas e imagens desses produtos”, diz.

O filme 'Gabriela', de 1983, estrelado por Sonia Braga, foi um dos longos que ganhou edits nas redes sociais. Foto: Metro-Goldwyn-Mayer/United International Pictures/Divulgação

Daiana Sigiliano, doutoranda em Comunicação e pesquisadora de ficção seriada contemporânea e redes sociais, lembra que, agora, os edits são compartilhados e acessados em redes sociais “pautadas por um volume ininterrupto de informação”.

“O que a gente observa, de modo geral, é que esses vídeos realizam a curadoria de conteúdos, seja a partir dos melhores momentos de um reality show que está no ar, seja na seleção das cenas de um casal LGBT+ de uma telenovela ou da sequência mais polêmica de um filme”, explica.

Além disso, ela explica que os edits - em especial quando falamos do nicho do cinema nacional - também fazem uso da nostalgia, “que está presente em outros segmentos já há alguns anos, de recuperar acervos, obras do passado, mas com a estética contemporânea das plataformas digitais”.

Essa nostalgia parte muito de um público que não era nem nascido quando o filme ou minissérie foram lançados originalmente.

Daiana Sigiliano

Quem faz?

A reportagem conversou com Fernando (nome fictício que será usado para preservar a identidade da fonte, que preferiu não ser identificada), administrador do perfil @rt_brasyw00d, do TikTok, que já publicou mais de 175 edits desde março de 2023. Com 15 anos de idade, ele diz que criou a conta, que acumula 30 mil seguidores e 1,5 milhão de curtidas, justamente com o intuitivo de divulgar produções nacionais.

Edits para mim são uma forma de mostrar apreço por determinada obra ou alguma parte dela através de uma montagem, mas que também gera interesse.

Fernando, administrador do perfil @rt_brasyw00d, no TikTok

“Meu perfil começou a crescer de fato logo após a postagem de um edit de um filme nordestino independente de comédia romântica chamado Ai Que Vida (2008), que já era conhecido por muitos da minha região. Foi um edit simples, jamais imaginaria que conseguiria alcançar tanta gente a ponto de outras pessoas começarem a se inspirar e editá-lo também”, lembra.

Ele afirma que não recebe nenhum retorno financeiro pela conta no TikTok (”o fato de que mais brasileiros estão buscando por filmes e séries nacionais por influência do meu perfil já soa como um retorno”) e que já recebeu alertas por direitos autorais, “mas não é frequente”.

“Para editar, procuro pelo filme ou episódio de determinada série completo e dele retiro as cenas que serão usadas. Não sei ao certo quanto tempo leva para ficar pronto, mas nunca passa de um dia, isso eu garanto”, explica.

Ele costuma ver como os edits geram interesse do público com o feedback dos seguidores: “Geralmente perguntam pelo nome, vão atrás de assistir, querem mais recomendações, acho ótimo”.

E o cinema... cresce mesmo?

Para Daiana Sigiliano, mesmo que os edits de filmes e séries nacionais representem apenas um nicho da internet, eles podem impulsionar o consumo dessas produções. “Esse processo de influência no consumo de conteúdos midiáticos a partir da curadoria e viralização de edits e threads pode ser observado não só no audiovisual, mas na literatura quando, por exemplo, as livrarias incluem a sessão ‘TikTok’ nas prateleiras”, compara.

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Já Wanderley Teixeira aponta que é difícil classificar o impacto dos edits sem realizar uma análise de comparação com o consumo da produção nacional, mas que a capacidade desses vídeos de conversar e atrair os jovens já é benéfica.

Um dos maiores problemas que a gente tem enfrentado nos últimos anos, sobretudo no cinema nacional, é a questão do público. Criar uma cultura em que as pessoas se interessem de fato por assistir filmes brasileiros. Se essa cultura digital que a gente vive, em que o público mais jovem está muito imerso, de alguma forma contribuir para isso, acho uma maravilha.

Wanderley Teixeira

Além disso, vale o questionamento: esse estímulo ajuda apenas a resgatar produções antigas ou também pode impulsionar lançamentos recentes? Afinal, conferir o acervo de um serviço de streaming não é o mesmo que assistir a um filme em uma sala de cinema.

“Acredito que esse processo de propagação de conteúdos midiáticos, que acaba gerando uma ‘onda’ de consumo por parte do público, é reflexo não só do ambiente digital, mas desse novo modo de consumo contemporâneo - consumo esse que é pautado pela produção do público e pela viralização nas redes sociais”, diz Daiana.

Nesse sentido, ela diz que os edits podem sim incluir diferentes segmentos e cita exemplos como o resgate de filmes como Eu Sei que Vou te Amar (1986) ou um lançamento atual como Saltburn (2023), da britânica Emerald Fennel - exemplo também citado por Wandeley -, que recebeu uma enxurrada de edits no TikTok (são quase 5 bilhões de visualizações na hashtag) e é, há semanas, um dos filmes mais vistos do Prime Video.

Fernando vai além e cita produções nacionais que, para ele, tiveram sucesso com a ajuda das redes sociais e do público mais jovem: Raquel 1:1 (que saiu nos cinemas e agora está disponível para aluguel), Os Outros (Globoplay) e Cangaço Novo (Prime Video).

“Para mim, é de grande importância ter conhecimento, saber o que foi produzido, o que está sendo produzido e (por que não) o que ainda será produzido, até por que nosso histórico no cinema e televisão não terminou nos anos 1970 e 1980″, afirma.

Um compilado de imagens e trechos de uma produção, em cortes de apenas poucos segundos, com transições rápidas e uma música ou áudio do momento ao fundo. Essa é uma descrição básica de um edit, tipo de vídeo que domina as profundezas do TikTok e logo se espalha para plataformas como X (antigo Twitter) e Instagram.

Esses conteúdos talvez já sejam conhecidos por quem passa bastante tempo nessas redes sociais. Feitos por fãs apaixonados, eles podem divulgar seriados, longas e artistas de todos os tipos. Essa produção, no entanto, tem chamado a atenção pela capacidade de atrair jovens e adolescentes para um nicho que muito pode se beneficiar do interesse desse público: o do cinema e da televisão nacional, em especial de produções antigas.

No TikTok, vídeos com a hashtag #cinemanacional acumulam mais de 530 milhões de visualizações, enquanto os de #cinemabrasileiro possuem 273 milhões. Os primeiros vídeos, além de trechos de produções, são edits de filmes como Carandiru: O Filme (2003), Cidade de Deus (2002), Gabriela (1983) e Eu Sei Que Vou Te Amar (1986). Veja um exemplo:

Um dos casos que mais chamou a atenção recentemente foi o da minissérie Hilda Furacão, de 1998, estrelada por Ana Paula Arósio e Rodrigo Santoro. No final de 2023, edits da produção viralizaram de tal maneira - no TikTok, são mais de 220 milhões de visualizações em vídeos sobre a série - que impulsionaram o alcance da produção no streaming.

Ao Estadão, o Globoplay, que disponibiliza a série para assinantes desde junho de 2021, informou que a plataforma registrou aumento no consumo diário de 150% em dezembro de 2023 comparado com o de novembro do mesmo ano. Já até o dia 6 de janeiro, a média era 600% maior que os seis primeiros dias de novembro - a empresa não informa os números de plays, apenas a porcentagem de crescimento.

Wanderley Teixeira, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas e crítico de cinema, aponta que os edits são a ramificação de um tipo de produção que já existe desde os anos 1990 e 2000, mesmo que em diferentes formatos.

Nestas décadas, quando o avanço da internet se aliou ao lançamento de grandes franquias como Matrix e Harry Potter, fãs passaram a criar vídeos a partir dessas obras e compartilhá-los em plataformas como YouTube e o então Twitter.

“Isso antecede o próprio TikTok e vem muito desse momento em que a gente vive em que as pessoas têm recursos para expressar seu afeto por essas obras a partir de uma produção que se apropria de cenas e imagens desses produtos”, diz.

O filme 'Gabriela', de 1983, estrelado por Sonia Braga, foi um dos longos que ganhou edits nas redes sociais. Foto: Metro-Goldwyn-Mayer/United International Pictures/Divulgação

Daiana Sigiliano, doutoranda em Comunicação e pesquisadora de ficção seriada contemporânea e redes sociais, lembra que, agora, os edits são compartilhados e acessados em redes sociais “pautadas por um volume ininterrupto de informação”.

“O que a gente observa, de modo geral, é que esses vídeos realizam a curadoria de conteúdos, seja a partir dos melhores momentos de um reality show que está no ar, seja na seleção das cenas de um casal LGBT+ de uma telenovela ou da sequência mais polêmica de um filme”, explica.

Além disso, ela explica que os edits - em especial quando falamos do nicho do cinema nacional - também fazem uso da nostalgia, “que está presente em outros segmentos já há alguns anos, de recuperar acervos, obras do passado, mas com a estética contemporânea das plataformas digitais”.

Essa nostalgia parte muito de um público que não era nem nascido quando o filme ou minissérie foram lançados originalmente.

Daiana Sigiliano

Quem faz?

A reportagem conversou com Fernando (nome fictício que será usado para preservar a identidade da fonte, que preferiu não ser identificada), administrador do perfil @rt_brasyw00d, do TikTok, que já publicou mais de 175 edits desde março de 2023. Com 15 anos de idade, ele diz que criou a conta, que acumula 30 mil seguidores e 1,5 milhão de curtidas, justamente com o intuitivo de divulgar produções nacionais.

Edits para mim são uma forma de mostrar apreço por determinada obra ou alguma parte dela através de uma montagem, mas que também gera interesse.

Fernando, administrador do perfil @rt_brasyw00d, no TikTok

“Meu perfil começou a crescer de fato logo após a postagem de um edit de um filme nordestino independente de comédia romântica chamado Ai Que Vida (2008), que já era conhecido por muitos da minha região. Foi um edit simples, jamais imaginaria que conseguiria alcançar tanta gente a ponto de outras pessoas começarem a se inspirar e editá-lo também”, lembra.

Ele afirma que não recebe nenhum retorno financeiro pela conta no TikTok (”o fato de que mais brasileiros estão buscando por filmes e séries nacionais por influência do meu perfil já soa como um retorno”) e que já recebeu alertas por direitos autorais, “mas não é frequente”.

“Para editar, procuro pelo filme ou episódio de determinada série completo e dele retiro as cenas que serão usadas. Não sei ao certo quanto tempo leva para ficar pronto, mas nunca passa de um dia, isso eu garanto”, explica.

Ele costuma ver como os edits geram interesse do público com o feedback dos seguidores: “Geralmente perguntam pelo nome, vão atrás de assistir, querem mais recomendações, acho ótimo”.

E o cinema... cresce mesmo?

Para Daiana Sigiliano, mesmo que os edits de filmes e séries nacionais representem apenas um nicho da internet, eles podem impulsionar o consumo dessas produções. “Esse processo de influência no consumo de conteúdos midiáticos a partir da curadoria e viralização de edits e threads pode ser observado não só no audiovisual, mas na literatura quando, por exemplo, as livrarias incluem a sessão ‘TikTok’ nas prateleiras”, compara.

Leia mais - booktok

Já Wanderley Teixeira aponta que é difícil classificar o impacto dos edits sem realizar uma análise de comparação com o consumo da produção nacional, mas que a capacidade desses vídeos de conversar e atrair os jovens já é benéfica.

Um dos maiores problemas que a gente tem enfrentado nos últimos anos, sobretudo no cinema nacional, é a questão do público. Criar uma cultura em que as pessoas se interessem de fato por assistir filmes brasileiros. Se essa cultura digital que a gente vive, em que o público mais jovem está muito imerso, de alguma forma contribuir para isso, acho uma maravilha.

Wanderley Teixeira

Além disso, vale o questionamento: esse estímulo ajuda apenas a resgatar produções antigas ou também pode impulsionar lançamentos recentes? Afinal, conferir o acervo de um serviço de streaming não é o mesmo que assistir a um filme em uma sala de cinema.

“Acredito que esse processo de propagação de conteúdos midiáticos, que acaba gerando uma ‘onda’ de consumo por parte do público, é reflexo não só do ambiente digital, mas desse novo modo de consumo contemporâneo - consumo esse que é pautado pela produção do público e pela viralização nas redes sociais”, diz Daiana.

Nesse sentido, ela diz que os edits podem sim incluir diferentes segmentos e cita exemplos como o resgate de filmes como Eu Sei que Vou te Amar (1986) ou um lançamento atual como Saltburn (2023), da britânica Emerald Fennel - exemplo também citado por Wandeley -, que recebeu uma enxurrada de edits no TikTok (são quase 5 bilhões de visualizações na hashtag) e é, há semanas, um dos filmes mais vistos do Prime Video.

Fernando vai além e cita produções nacionais que, para ele, tiveram sucesso com a ajuda das redes sociais e do público mais jovem: Raquel 1:1 (que saiu nos cinemas e agora está disponível para aluguel), Os Outros (Globoplay) e Cangaço Novo (Prime Video).

“Para mim, é de grande importância ter conhecimento, saber o que foi produzido, o que está sendo produzido e (por que não) o que ainda será produzido, até por que nosso histórico no cinema e televisão não terminou nos anos 1970 e 1980″, afirma.

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