Lilia Cabral tinha 37 anos – nasceu no bairro paulistano da Lapa, em 1957 – quando recebeu do autor Manoel Carlos o que considera um grande presente. Em 1995, apesar da expressiva carreira no teatro, TV e cinema, ela nunca tivera uma personagem como a Sheila de História de Amor para chegar, com aquela intensidade, ao coração do público.
“Já havia feito a secretária Adeíde de Vale Tudo e a beata Amorzinho de Tieta, mas foi com a Sheila que percebi em definitivo a força das novelas para atingir o público. Sheila era neurótica, obsessiva, mas mexia muito com as mulheres. Encontrei uma personagem para explorar e o público passou a me ver com outros olhos”, conta a atriz. Apesar disso, passaram-se mais 13 anos até que, aos 50, Lilia fizesse a sua primeira protagonista.
Foi a Grizelda da Silva Pereira de Fina Estampa, novela de Aguinaldo Silva. A personagem ganhou o público como Pereirão. “Se depois de Sheila eu me achasse pronta para ser protagonista, teria, talvez, me decepcionado. Mas segui por mais de dez anos fazendo personagens que acho que foram crescendo comigo. Com a Grizelda, estava pronta, e não era só eu que pensava assim. Todo mundo sabia que era minha primeira protagonista e me deu o maior apoio – no elenco, distante das câmeras.”
No cinema, a trajetória não foi diferente. Começou com um pequeno papel, a secretária de Dias Melhores Virão, de Cacá Digues, até superar a marca do milhão de espectadores como a Mercedes de O Divã, de José Alvarenga Jr., onde, você deve lembrar-se, brilhava num papel ainda menor – mas que ele valorizava extraordinariamente, um certo Paulo Gustavo.
Com a franquia Minha Mãe É Uma Peça, Paulo virou o maior fenômeno de bilheteria do cinema brasileiro. O 3, com mais de 11 milhões de espectadores, ostenta o título de maior bilheteria nacional. Em maio de 2021, quando já estava mais do que claro que a pandemia não era só uma gripezinha, Paulo morreu, deixando órfãos seus milhões de seguidores e fãs. O público continuou rindo – na TV.
Dos cinemas, o espectador brasileiro tem-se mantido distante, exceto para prestigiar os blockbusters de Hollywood. Essa relação poderá mudar nas próximas semanas, e meses. Lilia estrela uma nova comédia divertidíssima, Tire 5 Cartas (em 14 de setembro), e em 14 de setembro chega às telas o grande vencedor de Gramado Mussum, o Filmis, que assinala a estreia na direção de longas do ator Sílvio Guindane. Se nenhum desses dois filmes arrebentar na bilheteria algo de muito sério estará ocorrendo na relação do brasileiro com seu cinema.
Lilia conversa com o Estadão pelo telefone. Novo filme, nova novela. O repórter, como preparativo para a entrevista, assistiu a dois capítulos de Fuzuê. Personagem meio sem graça, não é Lilia? Ela dá uma gostosa risada.
“Não se preocupe, nós estamos em que número? Capítulo 13, ou 14? No 18, começa a virada da Bebel. Fuzuê traz uma nova proposta para o horário. Não se baseia numa trama familiar, embora a tenha, claro, mas é principalmente uma comédia de caça ao tesouro. Destina-se aos jovens, e eles aderiram. Pelo que sei, nesse começo Fuzuê está tendo mais audiência que Vai na Fé, no mesmo período. E a Bebel vai crescer na trama. Vou ter uma relação com o Nero (Edson Celulari). Daqui a pouco a novela estará falando sobre romance na terceira idade, o amor na faixa dos 60 anos. Você vai gostar”, garante.
E o filme?
Quem fala primeiro é o diretor Diego Freitas. “O coprodutor Joaquim Haickel – tem outro crédito para Elisa Tolomwelli – é maranhense. Me chamou para fazer um filme ambientado no Maranhão, valorizando suas paisagens e o elemento humano local. Já havia uma sinopse, mas fui dando meus pitacos e construímos essa linda história”.
Fátima, a personagem de Lilia, saiu do Maranhão para tentar ser cantora no Rio. “Até as cenas supostamente passadas no Rio foram filmadas no Maranhão”, conta o diretor. “A Fátima não realiza o sonho de ser cantora, mas vira taróloga e vive um grande amor com o Lindoval (Stepan Nercessian), clone de Sidney Magal”, Lilia resume.
Uma herança inesperada leva a personagem de volta a São Luís. Reencontra a irmã, com quem não se dá nada bem. O que Fátima não sabe é que agora está levando uma pedra preciosa, uma joia valiosíssima. É caçada por criminosos. E sofre uma grande perda.
“A Fátima é uma 171 que vai passar por um processo de transformação. Faço essa protagonista, mas como espectadora quero acrescentar que Tire 5 Cartas é o tipo de filme que gosto de ver. Tem realismo fantástico, efeitos, romance, trama policial, humor, drama. Tem tudo!”, diz Lilia.
171? Dora, a Fernanda Montenegro em Central do Brasil, também era. Também mudava na relação com Josué, o garoto, para que o diretor Walter Salles falasse da construção da ética no Brasil dos miseráveis.
“Não fica claro se a Bebel continua 171, mas ela com certeza vira uma pessoa melhor, mais preocupada com os outros. Supera o luto, abre-se para um novo amor. É uma mulher brasileira, guerreira, como a Griselda, como eu”, reflete Lilia. “E acho que o público vai adorar as participações da maranhense Alcione e de Sidney Magal.”
Para Lilia, o grande prêmio a que Tire 5 Cartas pode aspirar é lotar os cinemas, levar o público de volta às salas. Prêmios – troféus – ela tem todos. No Brasil recebeu o Shell, o Mambembe, vários Troféus Imprensa, APCA/Associação Paulista de Críticos de Artes, o Grande Otelo/Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, foi indicada para o Emmy Internacional.
Ser atriz foi sempre um projeto de vida. Nem tudo foram flores. Lilia já enfrentou problemas de depressão, teve síndrome de pânico. Foi mãe aos 40 anos, após sofrer abortos espontâneos. Recentemente, alguns necrológios, por ocasião da morte de Aracy Balabanian, citaram o comportamento da atriz, que teria feito abortos para se dedicar só à carreira. “Foi chocante. Eu não crítico ninguém, respeito as escolhas dos outros. Queria muito ser mãe e realizei meu desejo com a Giulia. Sempre soube que aprenderia com ela, e a Giulia realmente me ensinou muita coisa”, conta.
Mãe coruja, a Lilia? Com certeza. Giulia Bertolli compartilha o elenco de Tire 5 Cartas com a mãe. “Já fiz análise e hoje tenho maturidade para estabelecer minhas prioridades. Tudo é importante. A família, a profissão, os afetos. Tento sempre equilibrar as coisas. E sou afetiva. Gosto de gente, de viver cercada de familiares, de amigos. Acredito muito no respeito mútuo. A gente vive num mundo que pode ser muito injusto, muito cruel. Respeito é necessário. Respeito quem me respeita.”