Nas páginas do jornal americano The Seattle Times, um anúncio chamou atenção dos leitores no mês de junho deste ano. Uma folha inteira da publicação foi dedicada a símbolos estranhos, dignos de um código cifrado do assassino serial Zodíaco, que continham uma sinistra mensagem secreta. Ao decodificar o código, era possível ler um texto com passagens bíblicas e referências ao demônio e ao apocalipse. Ao final da página, uma assinatura simples, mas aterrorizante: “impresso a pedido de Longlegs”.
A publicação não se tratava do comunicado de um criminoso, mas sim de parte da campanha de marketing do longa “Longlegs - Vínculo Mortal”. O filme, que estreia no Brasil nesta quinta-feira, dia 29 de agosto, conta a história da agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe) e sua investigação sobre brutais assassinatos que ocorrem no estado de Oregon, nos Estados Unidos.
Por trás dos crimes, uma figura misteriosa que se autointitula Longlegs (Nicolas Cage). Após a matança, o assassino assina cartas codificadas e as deixa nas cenas do crime para zombar da polícia. Somente Harker parece ser capaz de decifrar as mensagens do criminoso, mas há algo de sinistro e familiar na ligação entre policial e assassino.
O longa, dirigido por Oz Perkins, foi lançado nos Estados Unidos no dia 12 de julho e já faturou mais de 100 milhões de dólares ao redor do mundo. O sucesso do filme, que custou cerca de 10 milhões de dólares para ser produzido, pode ser atribuído em boa parte a campanha de marketing inovadora e extremamente viral da distribuidora Neon.
Além da mensagem codificada publicada no The Seattle Times, a distribuidora também promoveu outras ações que capturaram a atenção da internet e fizeram com que o filme se tornasse um dos assuntos mais comentados entre fãs de terror. Em um outdoor em Los Angeles, um número de telefone foi exposto. Ao lado dele, uma imagem inquietante que mostra somente os olhos de Nicolas Cage, irreconhecível no papel. Ao ligar para esse número, era possível ouvir a voz do ator interpretando o assassino e falando frases ameaçadoras e sombrias para os ouvintes.
Em outra ação, um website que compila todas as vítimas de Longlegs foi montado e publicado na internet. A página aparenta ter saído da década de 90, período em que o filme se passa, e conta com informações das vítimas, fotos dos crimes e uma linha temporal do caso. Para os mais dedicados, é possível baixar alguns arquivos protegidos por senha que dão mais informações sobre os assassinatos. Para acessá-los, é necessário encontrar e decodificar a senha em meio aos símbolos presentes no site.
As ações de marketing chamaram atenção do público, que começou a se organizar para tentar desvendar o mistério que circundava o filme. Some isso aos trailers enigmáticos, que pouco revelam a história do longa, e a presença de Nicolas Cage, ator reconhecido por seus papéis esquisitos, e a fama de Longlegs ganhou vida própria. Apesar da campanha de marketing ser focada nos Estados Unidos, as peças de publicidade foram compartilhadas nos perfis oficiais do filme nas redes sociais, o que atraiu uma audiência internacional.
Uma das pessoas conquistadas pelo mistério do longa foi Lucas Santos, 23. O analista de produto conheceu o filme por meio do X, o antigo Twitter, e se encantou com “todo o mistério que envolvia o teaser”. Para ele, a “escolha de não revelarem nada da história e só divulgarem a atmosfera da obra” foi essencial para chamar sua atenção. “Foi incrível traduzir as cifras e ir descobrindo aos poucos os detalhes da história”, afirmou Santos, que se dedicou a decifrar os enigmas de Longlegs com amigos. “O fato de tanta gente discutir esses códigos e teorizar sobre o filme só deixou tudo mais divertido”.
“A Neon apostou na curiosidade e no potencial de engajamento dos cinéfilos e fãs de terror, aproveitando os elementos do filme para instigar o mistério e gerar curiosidade com conteúdos e ativações não óbvias”, disse Cassiano Quirino, Diretor de Marketing da Diamond Films. No Brasil, o longa está sendo distribuído pela empresa. “O suspense criado pela campanha instigou o público a falar sobre o filme, criando teorias e trocando experiências sobre as suas percepções. Todo esse ambiente gerou um território muito fértil para a campanha desafiar as pessoas”, afirmou.
Em solo nacional, Longlegs não deixou anúncios em páginas de jornais, mas isso não significa que os fãs brasileiros não se depararam com os códigos do misterioso assassino. De acordo com Cassiano Quirino, a estratégia de divulgação no Brasil engajou a audiência nacional de “maneira instigante, evitando materiais óbvios ou com respostas prontas”.
Como resultado, diversos códigos foram publicados em postagens nas redes sociais. Um site brasileiro também foi criado, o www.diamondfilms.com.br/codigolonglegs, capaz de traduzir e cifrar mensagens nos códigos do criminoso ficcional. “Foi uma experiência divertida e criativa brincar com mensagens codificadas, e o desenvolvimento de uma landing page dedicada permitiu que o público mergulhasse nesse mistério”, diz Cassiano Quirino. “Isso resultou em um maior engajamento com nossas ativações”.
O que é um ARG?
Entre as discussões sobre a campanha de marketing do longa, um termo foi utilizado constantemente para descrever a estratégia da Neon: o ARG. A sigla vem do inglês e significa Alternate Reality Game, ou Jogo de Realidade Alternativa em bom português. Um ARG nada mais é do que um jogo eletrônico que mistura elementos da vida real com elementos de um universo ficcional, criando um universo interativo que pode ser investigado e compartilhado com outras pessoas.
“O primeiro grande ARG acontece em 1999, com o filme ‘A Bruxa de Blair’. Na época, os produtores do longa criaram algumas estratégias para tornar a obra, um terror de baixo orçamento, um sucesso de bilheteria”, afirma Nathan Cirino, professor de Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
O filme, gravado em primeira pessoa, foi vendido como uma experiência real. Os atores, além de usarem seus nomes verdadeiros na narrativa ficcional, também “desapareceram” no período em que a divulgação do terror ocorria. Com isso, confundia-se o que era real e o que não era. Para muitos espectadores, assistir “A Bruxa de Blair” era testemunhar os últimos momentos aterrorizantes de um grupo de jovens. “O objetivo do ARG é conectar pessoas e criar grupos”, diz o professor. “O jogo se inicia com uma premissa de algo que você precisa investigar. É uma desculpa para que as pessoas comentem sobre uma realidade alternativa onde o universo do filme se expande”.
A estratégia de marketing dominou os anos 2000, aparecendo na divulgação de filmes e séries como “A.I. - Inteligência Artificial” (2001), “Lost” (2004 - 2010) e “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008). “No ARG, os fãs compartilham informações, muitas vezes vivendo aquilo como se fosse uma realidade alternativa. É a expansão de uma narrativa central em outras plataformas”. Para o professor, o apelo do jogo está em cercar a audiência do filme com mais material sobre aquele universo, fazendo com que o público consuma ainda mais a mídia principal.
“Quando fãs se reúnem, eles tendem a se multiplicar”, diz Nathan Cirino. Para ele, um dos grandes truques do ARG é criar conteúdos investigativos que não podem ser solucionados por todas as pessoas ao mesmo tempo. Com isso, caso o público queira entender o mistério do jogo, terá de compartilhar informações uns com os outros. “Você pode começar a jogar um ARG sem ser fã da obra, mas é natural que acabe virando. O filme, eventualmente, pode até ser ruim. Mas você já viveu tanto naquele universo, que acaba por valorizar a experiência.”
“O cinema pop de hoje busca sensações. Ele não é mais voltado somente para narrativas, mas também para o 3D, para a cadeira que treme, para mais velocidade, mais cor, mais violência... Quando você faz um ARG, você brinca com essa experiência, com as sensações que o público tem com aquela história. É a gamificação da experiência do cinema”, afirma Nathan Cirino. “Vivemos em uma geração interativa, onde tudo é clicável e navegável. O ARG é assim, é a forma do cinema se adaptar a essa novidade, pois ele não consegue ser interativo por conta de sua estrutura enquanto arte.”
O fator ‘Nicolas Cage’
Além da campanha de marketing pouco convencional, outro fator que chamou atenção do público foi a presença — ou ausência — de Nicolas Cage na divulgação do filme. O ator, que interpreta o vilão do longa, mal aparece nas imagens e vídeo de promoção. E, quando aparece, é sempre de forma obscura, sem revelar grandes detalhes sobre sua caracterização. O elemento mais presente de Cage na campanha é sua voz, que indica uma performance monstruosa e assustadora.
Nas redes sociais, a Neon divulgou o momento em que a atriz Maika Monroe se deparou pela primeira vez com a caracterização de Cage como Longlegs. No vídeo, podemos ouvir o batimento cardíaco da artista, que supostamente foi gravado durante a interação entre os atores, acelerando. Ainda segundo a distribuidora americana, os batimentos cardíacos de Monroe chegaram a 170 por segundo, um valor bastante elevado. “Quando entrei e vi Nicolas Cage como Longlegs, foi uma experiência visceral que nunca esquecerei,” afirmou a atriz durante a divulgação do longa.
Para o norueguês Mathias Clasen, professor da Universidade de Aarhus e estudioso do terror na ficção, a estratégia de não mostrar o monstro do filme é uma decisão inteligente. “A ideia de pegar o seu principal ativo no terror, o monstro, e mantê-lo escondido é uma forma muito astuta de explorar a curiosidade do público”, afirmou Clasen. “Você precisa que a audiência queira saber o que pode ser tão assustador”.
O pesquisador lembra que o marketing de “Atividade Paranormal” (2007), outro filme de terror que ficou famoso após uma campanha viral nas redes, utilizou uma estratégia similar. “O trailer do longa não mostrava muito sobre o filme em si. O que ele fazia era mostrar a reação do público aos sustos. Isso se tornou o ponto forte da divulgação”, relembra Clasen.
Para a produção dos comerciais, os responsáveis convidaram pessoas para assistir ao filme antes da estreia e filmaram a platéia do cinema em que o longa foi exibido, exibindo as reações no trailer. Dessa forma, é possível ver o público se assutando, chorando, fechando os olhos e gritando. “O trailer dizia: se você quer ficar tão assustado quanto essas pessoas, você tem de ver o filme”, diz o pesquisador.