‘Maestro’: Bradley Cooper mira no Oscar, cai em armadilha e faz filme raso sobre Leonard Bernstein


Diretor, que é também o protagonista, escolhe focar nos dramas pessoais de Leonard Bernstein e perde a chance de explorar a complexidade do pianista, maestro e compositor de ‘West Side Story’

Por Luiz Zanin Oricchio

Na abertura de Maestro, filme dirigido e estrelado por Bradley Cooper, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, lê-se a frase: a obra de arte não serve para dar respostas mas para estimular perguntas. Muito justo, em especial se o tema do filme em questão é um homem famoso e controverso, como Leonard Bernstein (1918-1990).

No entanto, em seu segundo trabalho de direção (o primeiro é Nasce uma Estrela), Cooper escolhe o caminho mais pelas certezas que pelas dúvidas. Não se vê qualquer sombra de mistério a encantar essa versão biográfica da vida do grande compositor, maestro e pianista norte-americano.

O espectador o vê primeiro na velhice, dando uma entrevista sobre sua trajetória. Em seguida, passa a um flashback que começa em sua juventude de pianista talentoso e vai se encaminhar para uma carreira de sucesso, talvez culminando como compositor da música que irá revolucionar os musicais norte-americanos em West Side Story, conhecido no Brasil como Amor, Sublime Amor. Cooper opta por filmar a parte da juventude em preto e branco e a da maturidade em cores.

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O cerne da história, porém, é o relacionamento de Bernstein com a jovem atriz Felicia Montealegre (Carrey Mulligan). O casal terá dois filhos, Jamie e Alexander. Há aí uma zona de tensão porque Bernstein era bissexual, e tinha relacionamento com homens, o que ocasiona disputas entre o casal. O filme não esconde essa condição, embora seja pudico no tratamento das imagens. Num confronto entre marido e mulher, motivado especificamente por uma questão sexual, opta por não trazer nada de explícito, o que poderia ser até uma virtude em nossos tempos brutais. Mas neste projeto soa apenas como timidez.

Carey Mulligan, no papel de Felicia Montealegre, e Bradley Cooper como Leonard Bernstein, em cena de Maestro Foto: Jason McDonald/Netflix

De qualquer forma, há um sutil tratamento visual na assunção de sua orientação sexual que se expõe no tipo de vestuário empregado ao longo do tempo e também no gestual do personagem. Essa linha de direção é boa e aposta na capacidade do espectador detectar sutilezas sem que tudo lhe seja atirado na cara e repisado de maneira didática.

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Há também mudanças de tom nas diferentes fases da vida do compositor. A juventude se dá num ritmo ágil, em aparência para mimetizar esse período em que tudo são promessas, quando se tem “a vida pela frente”, como se costuma dizer. Cooper, no entanto, leva essa leveza ao extremo, transformando-a numa impressão de frivolidade. As cenas são conduzidas como num filme musical, os diálogos são (sempre) recheados de gracinhas ou ditos espirituosos.

Na fase adulta e velhice, quando as promessas se tornam realidades, mas também aparecem as contradições, o tom passa a mais mais grave. As disputas surgem e tomam forma, em especial numa longa discussão de relação entre Bernstein e Felicia, sequência que evita o plano-contraplano e parece inspirada em Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman.

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No entanto, essa sequência em que tudo, ou quase tudo, é dito é única dentro do filme. Em geral, as palavras ficam no nível do subentendido. Mesmo quando Bernstein resolve explicar à filha porque ela não deve dar ouvidos a rumores sobre a conduta sexual do pai: “tudo é apenas inveja”, resume.

Armadilhas das cinebiografias

Enfim, centrar a obra nas questões pessoais do personagem é um direito do autor de uma cinebiografia. Mas também é nosso direito ver as limitações dessa opção. Acontece que Leonard Bernstein não passou à história da música em razão dessas questões afetivas, sexuais e familiares. Passou à história como alguém que deu outra dimensão aos musicais com West Side Story, e também por suas composições, por seu talento de pianista e por ser o primeiro regente norte-americano a conseguir fama internacional no clube fechado da música erudita. Dessas dimensões pouco fica sabendo quem assiste ao filme.

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'Maestro' é a cinebiografia do compositor, pianista e maestro Leonard Bernstein Foto: Jason McDonald/Netflix

Essa, aliás, é uma armadilha recorrente das cinebiografias. Os personagens escolhidos costumam ser pessoas notáveis por suas realizações em campos diversos como política, arte, ciência, etc. No entanto, em geral, os filmes que se dedicam a eles, em especial quando são produções de grande ambição comercial, costumam trazer tudo para o campo pessoal. Como um aceno ao público, dizendo a cada espectador que essa pessoa tão famosa no fundo é gente como qualquer um de nós, com os mesmos sonhos, percalços e fraquezas de todo comum mortal. Tudo aquilo que, apesar das limitações humanas, fizeram de extraordinário, e que no final justifica o fato de serem personagens de uma obra cinematográfica, acaba passando em segundo plano.

As exceções são poucas - para citar apenas uma recente, Oppenheimer, de Christopher Nolan, põe sua lente tanto no homem como no físico que foi um dos criadores da bomba atômica e viveu impasses éticos até o fim da vida.

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Dito isso, convém acrescentar que Maestro não é um mau filme. Pelo contrário, pode ser divertido se você não levar tudo a sério e até emocionante em certas sequências. Há sutilezas, como no uso da música de Mahler, que também é alusivo à bissexualidade.

Só não se pode dizer que Maestro seja profundo. Parece formatado para chegar ao Oscar em várias categorias, e talvez atinja esse objetivo. No entanto, deixa a impressão de ter perdido a chance de explorar mais a complexidade de um grande personagem.

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Como assistir a Maestro

O filme terá mais uma exibição na Mostra de Cinema de São Paulo nesta quarta-feira, 1º, às 17h40, no Cine Sesc. Maestro estreia na Netflix no dia 7 de dezembro.

Na abertura de Maestro, filme dirigido e estrelado por Bradley Cooper, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, lê-se a frase: a obra de arte não serve para dar respostas mas para estimular perguntas. Muito justo, em especial se o tema do filme em questão é um homem famoso e controverso, como Leonard Bernstein (1918-1990).

No entanto, em seu segundo trabalho de direção (o primeiro é Nasce uma Estrela), Cooper escolhe o caminho mais pelas certezas que pelas dúvidas. Não se vê qualquer sombra de mistério a encantar essa versão biográfica da vida do grande compositor, maestro e pianista norte-americano.

O espectador o vê primeiro na velhice, dando uma entrevista sobre sua trajetória. Em seguida, passa a um flashback que começa em sua juventude de pianista talentoso e vai se encaminhar para uma carreira de sucesso, talvez culminando como compositor da música que irá revolucionar os musicais norte-americanos em West Side Story, conhecido no Brasil como Amor, Sublime Amor. Cooper opta por filmar a parte da juventude em preto e branco e a da maturidade em cores.

O cerne da história, porém, é o relacionamento de Bernstein com a jovem atriz Felicia Montealegre (Carrey Mulligan). O casal terá dois filhos, Jamie e Alexander. Há aí uma zona de tensão porque Bernstein era bissexual, e tinha relacionamento com homens, o que ocasiona disputas entre o casal. O filme não esconde essa condição, embora seja pudico no tratamento das imagens. Num confronto entre marido e mulher, motivado especificamente por uma questão sexual, opta por não trazer nada de explícito, o que poderia ser até uma virtude em nossos tempos brutais. Mas neste projeto soa apenas como timidez.

Carey Mulligan, no papel de Felicia Montealegre, e Bradley Cooper como Leonard Bernstein, em cena de Maestro Foto: Jason McDonald/Netflix

De qualquer forma, há um sutil tratamento visual na assunção de sua orientação sexual que se expõe no tipo de vestuário empregado ao longo do tempo e também no gestual do personagem. Essa linha de direção é boa e aposta na capacidade do espectador detectar sutilezas sem que tudo lhe seja atirado na cara e repisado de maneira didática.

Há também mudanças de tom nas diferentes fases da vida do compositor. A juventude se dá num ritmo ágil, em aparência para mimetizar esse período em que tudo são promessas, quando se tem “a vida pela frente”, como se costuma dizer. Cooper, no entanto, leva essa leveza ao extremo, transformando-a numa impressão de frivolidade. As cenas são conduzidas como num filme musical, os diálogos são (sempre) recheados de gracinhas ou ditos espirituosos.

Na fase adulta e velhice, quando as promessas se tornam realidades, mas também aparecem as contradições, o tom passa a mais mais grave. As disputas surgem e tomam forma, em especial numa longa discussão de relação entre Bernstein e Felicia, sequência que evita o plano-contraplano e parece inspirada em Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman.

No entanto, essa sequência em que tudo, ou quase tudo, é dito é única dentro do filme. Em geral, as palavras ficam no nível do subentendido. Mesmo quando Bernstein resolve explicar à filha porque ela não deve dar ouvidos a rumores sobre a conduta sexual do pai: “tudo é apenas inveja”, resume.

Armadilhas das cinebiografias

Enfim, centrar a obra nas questões pessoais do personagem é um direito do autor de uma cinebiografia. Mas também é nosso direito ver as limitações dessa opção. Acontece que Leonard Bernstein não passou à história da música em razão dessas questões afetivas, sexuais e familiares. Passou à história como alguém que deu outra dimensão aos musicais com West Side Story, e também por suas composições, por seu talento de pianista e por ser o primeiro regente norte-americano a conseguir fama internacional no clube fechado da música erudita. Dessas dimensões pouco fica sabendo quem assiste ao filme.

'Maestro' é a cinebiografia do compositor, pianista e maestro Leonard Bernstein Foto: Jason McDonald/Netflix

Essa, aliás, é uma armadilha recorrente das cinebiografias. Os personagens escolhidos costumam ser pessoas notáveis por suas realizações em campos diversos como política, arte, ciência, etc. No entanto, em geral, os filmes que se dedicam a eles, em especial quando são produções de grande ambição comercial, costumam trazer tudo para o campo pessoal. Como um aceno ao público, dizendo a cada espectador que essa pessoa tão famosa no fundo é gente como qualquer um de nós, com os mesmos sonhos, percalços e fraquezas de todo comum mortal. Tudo aquilo que, apesar das limitações humanas, fizeram de extraordinário, e que no final justifica o fato de serem personagens de uma obra cinematográfica, acaba passando em segundo plano.

As exceções são poucas - para citar apenas uma recente, Oppenheimer, de Christopher Nolan, põe sua lente tanto no homem como no físico que foi um dos criadores da bomba atômica e viveu impasses éticos até o fim da vida.

Dito isso, convém acrescentar que Maestro não é um mau filme. Pelo contrário, pode ser divertido se você não levar tudo a sério e até emocionante em certas sequências. Há sutilezas, como no uso da música de Mahler, que também é alusivo à bissexualidade.

Só não se pode dizer que Maestro seja profundo. Parece formatado para chegar ao Oscar em várias categorias, e talvez atinja esse objetivo. No entanto, deixa a impressão de ter perdido a chance de explorar mais a complexidade de um grande personagem.

Como assistir a Maestro

O filme terá mais uma exibição na Mostra de Cinema de São Paulo nesta quarta-feira, 1º, às 17h40, no Cine Sesc. Maestro estreia na Netflix no dia 7 de dezembro.

Na abertura de Maestro, filme dirigido e estrelado por Bradley Cooper, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, lê-se a frase: a obra de arte não serve para dar respostas mas para estimular perguntas. Muito justo, em especial se o tema do filme em questão é um homem famoso e controverso, como Leonard Bernstein (1918-1990).

No entanto, em seu segundo trabalho de direção (o primeiro é Nasce uma Estrela), Cooper escolhe o caminho mais pelas certezas que pelas dúvidas. Não se vê qualquer sombra de mistério a encantar essa versão biográfica da vida do grande compositor, maestro e pianista norte-americano.

O espectador o vê primeiro na velhice, dando uma entrevista sobre sua trajetória. Em seguida, passa a um flashback que começa em sua juventude de pianista talentoso e vai se encaminhar para uma carreira de sucesso, talvez culminando como compositor da música que irá revolucionar os musicais norte-americanos em West Side Story, conhecido no Brasil como Amor, Sublime Amor. Cooper opta por filmar a parte da juventude em preto e branco e a da maturidade em cores.

O cerne da história, porém, é o relacionamento de Bernstein com a jovem atriz Felicia Montealegre (Carrey Mulligan). O casal terá dois filhos, Jamie e Alexander. Há aí uma zona de tensão porque Bernstein era bissexual, e tinha relacionamento com homens, o que ocasiona disputas entre o casal. O filme não esconde essa condição, embora seja pudico no tratamento das imagens. Num confronto entre marido e mulher, motivado especificamente por uma questão sexual, opta por não trazer nada de explícito, o que poderia ser até uma virtude em nossos tempos brutais. Mas neste projeto soa apenas como timidez.

Carey Mulligan, no papel de Felicia Montealegre, e Bradley Cooper como Leonard Bernstein, em cena de Maestro Foto: Jason McDonald/Netflix

De qualquer forma, há um sutil tratamento visual na assunção de sua orientação sexual que se expõe no tipo de vestuário empregado ao longo do tempo e também no gestual do personagem. Essa linha de direção é boa e aposta na capacidade do espectador detectar sutilezas sem que tudo lhe seja atirado na cara e repisado de maneira didática.

Há também mudanças de tom nas diferentes fases da vida do compositor. A juventude se dá num ritmo ágil, em aparência para mimetizar esse período em que tudo são promessas, quando se tem “a vida pela frente”, como se costuma dizer. Cooper, no entanto, leva essa leveza ao extremo, transformando-a numa impressão de frivolidade. As cenas são conduzidas como num filme musical, os diálogos são (sempre) recheados de gracinhas ou ditos espirituosos.

Na fase adulta e velhice, quando as promessas se tornam realidades, mas também aparecem as contradições, o tom passa a mais mais grave. As disputas surgem e tomam forma, em especial numa longa discussão de relação entre Bernstein e Felicia, sequência que evita o plano-contraplano e parece inspirada em Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman.

No entanto, essa sequência em que tudo, ou quase tudo, é dito é única dentro do filme. Em geral, as palavras ficam no nível do subentendido. Mesmo quando Bernstein resolve explicar à filha porque ela não deve dar ouvidos a rumores sobre a conduta sexual do pai: “tudo é apenas inveja”, resume.

Armadilhas das cinebiografias

Enfim, centrar a obra nas questões pessoais do personagem é um direito do autor de uma cinebiografia. Mas também é nosso direito ver as limitações dessa opção. Acontece que Leonard Bernstein não passou à história da música em razão dessas questões afetivas, sexuais e familiares. Passou à história como alguém que deu outra dimensão aos musicais com West Side Story, e também por suas composições, por seu talento de pianista e por ser o primeiro regente norte-americano a conseguir fama internacional no clube fechado da música erudita. Dessas dimensões pouco fica sabendo quem assiste ao filme.

'Maestro' é a cinebiografia do compositor, pianista e maestro Leonard Bernstein Foto: Jason McDonald/Netflix

Essa, aliás, é uma armadilha recorrente das cinebiografias. Os personagens escolhidos costumam ser pessoas notáveis por suas realizações em campos diversos como política, arte, ciência, etc. No entanto, em geral, os filmes que se dedicam a eles, em especial quando são produções de grande ambição comercial, costumam trazer tudo para o campo pessoal. Como um aceno ao público, dizendo a cada espectador que essa pessoa tão famosa no fundo é gente como qualquer um de nós, com os mesmos sonhos, percalços e fraquezas de todo comum mortal. Tudo aquilo que, apesar das limitações humanas, fizeram de extraordinário, e que no final justifica o fato de serem personagens de uma obra cinematográfica, acaba passando em segundo plano.

As exceções são poucas - para citar apenas uma recente, Oppenheimer, de Christopher Nolan, põe sua lente tanto no homem como no físico que foi um dos criadores da bomba atômica e viveu impasses éticos até o fim da vida.

Dito isso, convém acrescentar que Maestro não é um mau filme. Pelo contrário, pode ser divertido se você não levar tudo a sério e até emocionante em certas sequências. Há sutilezas, como no uso da música de Mahler, que também é alusivo à bissexualidade.

Só não se pode dizer que Maestro seja profundo. Parece formatado para chegar ao Oscar em várias categorias, e talvez atinja esse objetivo. No entanto, deixa a impressão de ter perdido a chance de explorar mais a complexidade de um grande personagem.

Como assistir a Maestro

O filme terá mais uma exibição na Mostra de Cinema de São Paulo nesta quarta-feira, 1º, às 17h40, no Cine Sesc. Maestro estreia na Netflix no dia 7 de dezembro.

Na abertura de Maestro, filme dirigido e estrelado por Bradley Cooper, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, lê-se a frase: a obra de arte não serve para dar respostas mas para estimular perguntas. Muito justo, em especial se o tema do filme em questão é um homem famoso e controverso, como Leonard Bernstein (1918-1990).

No entanto, em seu segundo trabalho de direção (o primeiro é Nasce uma Estrela), Cooper escolhe o caminho mais pelas certezas que pelas dúvidas. Não se vê qualquer sombra de mistério a encantar essa versão biográfica da vida do grande compositor, maestro e pianista norte-americano.

O espectador o vê primeiro na velhice, dando uma entrevista sobre sua trajetória. Em seguida, passa a um flashback que começa em sua juventude de pianista talentoso e vai se encaminhar para uma carreira de sucesso, talvez culminando como compositor da música que irá revolucionar os musicais norte-americanos em West Side Story, conhecido no Brasil como Amor, Sublime Amor. Cooper opta por filmar a parte da juventude em preto e branco e a da maturidade em cores.

O cerne da história, porém, é o relacionamento de Bernstein com a jovem atriz Felicia Montealegre (Carrey Mulligan). O casal terá dois filhos, Jamie e Alexander. Há aí uma zona de tensão porque Bernstein era bissexual, e tinha relacionamento com homens, o que ocasiona disputas entre o casal. O filme não esconde essa condição, embora seja pudico no tratamento das imagens. Num confronto entre marido e mulher, motivado especificamente por uma questão sexual, opta por não trazer nada de explícito, o que poderia ser até uma virtude em nossos tempos brutais. Mas neste projeto soa apenas como timidez.

Carey Mulligan, no papel de Felicia Montealegre, e Bradley Cooper como Leonard Bernstein, em cena de Maestro Foto: Jason McDonald/Netflix

De qualquer forma, há um sutil tratamento visual na assunção de sua orientação sexual que se expõe no tipo de vestuário empregado ao longo do tempo e também no gestual do personagem. Essa linha de direção é boa e aposta na capacidade do espectador detectar sutilezas sem que tudo lhe seja atirado na cara e repisado de maneira didática.

Há também mudanças de tom nas diferentes fases da vida do compositor. A juventude se dá num ritmo ágil, em aparência para mimetizar esse período em que tudo são promessas, quando se tem “a vida pela frente”, como se costuma dizer. Cooper, no entanto, leva essa leveza ao extremo, transformando-a numa impressão de frivolidade. As cenas são conduzidas como num filme musical, os diálogos são (sempre) recheados de gracinhas ou ditos espirituosos.

Na fase adulta e velhice, quando as promessas se tornam realidades, mas também aparecem as contradições, o tom passa a mais mais grave. As disputas surgem e tomam forma, em especial numa longa discussão de relação entre Bernstein e Felicia, sequência que evita o plano-contraplano e parece inspirada em Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman.

No entanto, essa sequência em que tudo, ou quase tudo, é dito é única dentro do filme. Em geral, as palavras ficam no nível do subentendido. Mesmo quando Bernstein resolve explicar à filha porque ela não deve dar ouvidos a rumores sobre a conduta sexual do pai: “tudo é apenas inveja”, resume.

Armadilhas das cinebiografias

Enfim, centrar a obra nas questões pessoais do personagem é um direito do autor de uma cinebiografia. Mas também é nosso direito ver as limitações dessa opção. Acontece que Leonard Bernstein não passou à história da música em razão dessas questões afetivas, sexuais e familiares. Passou à história como alguém que deu outra dimensão aos musicais com West Side Story, e também por suas composições, por seu talento de pianista e por ser o primeiro regente norte-americano a conseguir fama internacional no clube fechado da música erudita. Dessas dimensões pouco fica sabendo quem assiste ao filme.

'Maestro' é a cinebiografia do compositor, pianista e maestro Leonard Bernstein Foto: Jason McDonald/Netflix

Essa, aliás, é uma armadilha recorrente das cinebiografias. Os personagens escolhidos costumam ser pessoas notáveis por suas realizações em campos diversos como política, arte, ciência, etc. No entanto, em geral, os filmes que se dedicam a eles, em especial quando são produções de grande ambição comercial, costumam trazer tudo para o campo pessoal. Como um aceno ao público, dizendo a cada espectador que essa pessoa tão famosa no fundo é gente como qualquer um de nós, com os mesmos sonhos, percalços e fraquezas de todo comum mortal. Tudo aquilo que, apesar das limitações humanas, fizeram de extraordinário, e que no final justifica o fato de serem personagens de uma obra cinematográfica, acaba passando em segundo plano.

As exceções são poucas - para citar apenas uma recente, Oppenheimer, de Christopher Nolan, põe sua lente tanto no homem como no físico que foi um dos criadores da bomba atômica e viveu impasses éticos até o fim da vida.

Dito isso, convém acrescentar que Maestro não é um mau filme. Pelo contrário, pode ser divertido se você não levar tudo a sério e até emocionante em certas sequências. Há sutilezas, como no uso da música de Mahler, que também é alusivo à bissexualidade.

Só não se pode dizer que Maestro seja profundo. Parece formatado para chegar ao Oscar em várias categorias, e talvez atinja esse objetivo. No entanto, deixa a impressão de ter perdido a chance de explorar mais a complexidade de um grande personagem.

Como assistir a Maestro

O filme terá mais uma exibição na Mostra de Cinema de São Paulo nesta quarta-feira, 1º, às 17h40, no Cine Sesc. Maestro estreia na Netflix no dia 7 de dezembro.

Na abertura de Maestro, filme dirigido e estrelado por Bradley Cooper, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, lê-se a frase: a obra de arte não serve para dar respostas mas para estimular perguntas. Muito justo, em especial se o tema do filme em questão é um homem famoso e controverso, como Leonard Bernstein (1918-1990).

No entanto, em seu segundo trabalho de direção (o primeiro é Nasce uma Estrela), Cooper escolhe o caminho mais pelas certezas que pelas dúvidas. Não se vê qualquer sombra de mistério a encantar essa versão biográfica da vida do grande compositor, maestro e pianista norte-americano.

O espectador o vê primeiro na velhice, dando uma entrevista sobre sua trajetória. Em seguida, passa a um flashback que começa em sua juventude de pianista talentoso e vai se encaminhar para uma carreira de sucesso, talvez culminando como compositor da música que irá revolucionar os musicais norte-americanos em West Side Story, conhecido no Brasil como Amor, Sublime Amor. Cooper opta por filmar a parte da juventude em preto e branco e a da maturidade em cores.

O cerne da história, porém, é o relacionamento de Bernstein com a jovem atriz Felicia Montealegre (Carrey Mulligan). O casal terá dois filhos, Jamie e Alexander. Há aí uma zona de tensão porque Bernstein era bissexual, e tinha relacionamento com homens, o que ocasiona disputas entre o casal. O filme não esconde essa condição, embora seja pudico no tratamento das imagens. Num confronto entre marido e mulher, motivado especificamente por uma questão sexual, opta por não trazer nada de explícito, o que poderia ser até uma virtude em nossos tempos brutais. Mas neste projeto soa apenas como timidez.

Carey Mulligan, no papel de Felicia Montealegre, e Bradley Cooper como Leonard Bernstein, em cena de Maestro Foto: Jason McDonald/Netflix

De qualquer forma, há um sutil tratamento visual na assunção de sua orientação sexual que se expõe no tipo de vestuário empregado ao longo do tempo e também no gestual do personagem. Essa linha de direção é boa e aposta na capacidade do espectador detectar sutilezas sem que tudo lhe seja atirado na cara e repisado de maneira didática.

Há também mudanças de tom nas diferentes fases da vida do compositor. A juventude se dá num ritmo ágil, em aparência para mimetizar esse período em que tudo são promessas, quando se tem “a vida pela frente”, como se costuma dizer. Cooper, no entanto, leva essa leveza ao extremo, transformando-a numa impressão de frivolidade. As cenas são conduzidas como num filme musical, os diálogos são (sempre) recheados de gracinhas ou ditos espirituosos.

Na fase adulta e velhice, quando as promessas se tornam realidades, mas também aparecem as contradições, o tom passa a mais mais grave. As disputas surgem e tomam forma, em especial numa longa discussão de relação entre Bernstein e Felicia, sequência que evita o plano-contraplano e parece inspirada em Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman.

No entanto, essa sequência em que tudo, ou quase tudo, é dito é única dentro do filme. Em geral, as palavras ficam no nível do subentendido. Mesmo quando Bernstein resolve explicar à filha porque ela não deve dar ouvidos a rumores sobre a conduta sexual do pai: “tudo é apenas inveja”, resume.

Armadilhas das cinebiografias

Enfim, centrar a obra nas questões pessoais do personagem é um direito do autor de uma cinebiografia. Mas também é nosso direito ver as limitações dessa opção. Acontece que Leonard Bernstein não passou à história da música em razão dessas questões afetivas, sexuais e familiares. Passou à história como alguém que deu outra dimensão aos musicais com West Side Story, e também por suas composições, por seu talento de pianista e por ser o primeiro regente norte-americano a conseguir fama internacional no clube fechado da música erudita. Dessas dimensões pouco fica sabendo quem assiste ao filme.

'Maestro' é a cinebiografia do compositor, pianista e maestro Leonard Bernstein Foto: Jason McDonald/Netflix

Essa, aliás, é uma armadilha recorrente das cinebiografias. Os personagens escolhidos costumam ser pessoas notáveis por suas realizações em campos diversos como política, arte, ciência, etc. No entanto, em geral, os filmes que se dedicam a eles, em especial quando são produções de grande ambição comercial, costumam trazer tudo para o campo pessoal. Como um aceno ao público, dizendo a cada espectador que essa pessoa tão famosa no fundo é gente como qualquer um de nós, com os mesmos sonhos, percalços e fraquezas de todo comum mortal. Tudo aquilo que, apesar das limitações humanas, fizeram de extraordinário, e que no final justifica o fato de serem personagens de uma obra cinematográfica, acaba passando em segundo plano.

As exceções são poucas - para citar apenas uma recente, Oppenheimer, de Christopher Nolan, põe sua lente tanto no homem como no físico que foi um dos criadores da bomba atômica e viveu impasses éticos até o fim da vida.

Dito isso, convém acrescentar que Maestro não é um mau filme. Pelo contrário, pode ser divertido se você não levar tudo a sério e até emocionante em certas sequências. Há sutilezas, como no uso da música de Mahler, que também é alusivo à bissexualidade.

Só não se pode dizer que Maestro seja profundo. Parece formatado para chegar ao Oscar em várias categorias, e talvez atinja esse objetivo. No entanto, deixa a impressão de ter perdido a chance de explorar mais a complexidade de um grande personagem.

Como assistir a Maestro

O filme terá mais uma exibição na Mostra de Cinema de São Paulo nesta quarta-feira, 1º, às 17h40, no Cine Sesc. Maestro estreia na Netflix no dia 7 de dezembro.

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