É tão normal e corriqueiro que estúdios aproveitem suas franquias de sucesso até a última gota, que causa certo estranhamento quando percebemos que Jogos Vorazes ficou restrito aos quatro filmes com Jennifer Lawrence. Agora, oito anos após o último lançamento, chega o primeiro “reaproveitamento” da saga: Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, longa-metragem que estreia nos cinemas brasileiros já nesta quarta-feira, 15.
Dirigido novamente por Francis Lawrence, que comandou todos outros filmes da saga, o longa-metragem tem uma história que se passa cerca de 60 anos antes dos eventos protagonizados por Katniss Everdeen. O que surge na tela, na verdade, é a juventude do futuro presidente Snow – interpretado magistralmente nos quatro primeiros filmes por Donald Sutherland e, nesta nova produção, igualmente bem por Tom Blyth (Billy the Kid).
Desnecessário e divertido
Ou seja: de verdade, sem firulas, é um filme que não tem motivo algum para existir. É como Rogue One, Universidade Monstros e tantas outras prequelas que existem por aí. É, basicamente, um filme para construir um universo prévio, brincar com as emoções daqueles fãs mais empolgados e, claro, aproveitar a marca para faturar. Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, felizmente, faz tudo isso e ainda consegue ser bom.
Francis Lawrence, afinal, consegue manter a essência do ambiente que conhecemos da saga (os personagens extravagantes, os questionamentos sociais e a violência daquele tempo) juntamente com personagens cativantes do texto de Suzanne Collins e cenas de tirar o fôlego. Arrisco dizer que a sequência dos “jogos” que dão título ao filme é a melhor de toda a franquia, com uma violência anárquica que destoa dos outros e dá mais emoção.
Um filme que mais acerta do que erra
Há dois pontos centrais, porém, que conseguem colocar o filme em outro patamar de blockbuster. O primeiro é o roteiro, escrito por Michael Lesslie e Michael Arndt. Ainda que tenha fraquezas no terceiro ato, fazendo o filme despencar de ritmo, o texto consegue fazer algo raro de se ver no cinema comercial: entrega complexidade à personalidade dos personagens. Tirando Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), todos os outros transitam entre o mal e o bem, o cinismo e a honestidade, as boas e más intenções.
Naturalmente, nada disso é jogado: Dr. Volumnia Gaul (Viola Davis, irreconhecível) comete atrocidades, mas ao mesmo tempo parece cair em cascas de banana propositalmente para ajudar determinada pessoa; Dean Highbottom (Peter Dinklage) parece ser uma pessoa execrável, mas mostra seus motivos no final; e Snow, é claro, tem tudo para ser o mocinho, mas logo dá o pulo para o lado sombrio. O roteiro ainda nos faz questionar exatamente o que causou essa mudança, sem nunca entregar uma resposta clara, óbvia e cansativa.
Outro ponto positivo recai na questão de como a maioria das atuações é consistente. O trio Dinklage (Game of Thrones), Davis (O Esquadrão Suicida) e Blyth já é o bastante para causar asco e graça de uma cena para a outra, mantendo a qualidade das atuações que vimos nos quatro filmes originais. Essa troca de emoções é saudável para o cinema.
O único tropeço surge em Zegler, com tudo que a envolve. A futura Branca de Neve não só está muito mal em cena com uma artificialidade exagerada, nada envolvente, como suas cenas são as mais deslocadas da narrativa. São várias e várias as sequências musicais com Lucy Gray, que acabam quebrando o ritmo. Pode até ser algo que está no livro de Collins, mas não funciona na tela. A artificialidade cresce e Grey logo se torna chatíssima.
Apesar disso, Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é um bom exemplo de como aproveitar as histórias de uma franquia, mesmo que desnecessariamente, mas com qualidade. É um filme que ao longo de suas 2h40, sabe como passear por emoções e mostrar que o mundo distópico de Panem tem muito a mostrar. E dá uma sensação curiosa de quero mais, algo raríssimo (talvez inédito?) em um filme que insiste em voltar no tempo.