Mônica Martelli chega ao teatro – o Procópio Ferreira, na Rua Augusta –, na sexta, 21, à noite, queixando-se de dor. “Estou com dor de estômago, arrepios.” E agora? “Meu médico vai me ver amanhã no início da tarde.” E o espetáculo, daqui a pouco? “Querido, o show não pode parar. Vou fazer, né?” No camarim, enquanto conversa com o repórter, a fiel camareira providencia tudo o que Mônica precisa – água de coco, um sanduíche, café com leite. Ela chegou do Rio, direto do aeroporto. Mal teve tempo de deixar a mala em casa. Cabelo escorrido, sem maquiagem. A camareira faz seu serviço enquanto ela fala, fala. Ocorre um upgrade. A Mônica exuberante, glamourosa substitui a desanimada. Essa mulher é fogo.
Foram anos de esforço, tentativas. Ela era muito alta – um problema. “Um cara, para contracenar comigo, tem de ter mais de 1,80 m, que é a minha altura. Pensa que é fácil?” Quando começou, só havia dois papéis para mulheres, no humor – a feia e a bonita. “E a gorda, a negra, aquele preconceito todo.” Mônica desesperava-se. A mãe, que foi vereadora em Macaé, no estado do Rio, dizia – “Minha filha, se você tem algo a dizer, e tem, não espere oportunidade. Faça as coisas acontecerem. Pegue um caixote, suba no meio da praça e comece a falar. Sempre vai ter gente para ouvir. Se for bom, vai ter muuuiitta gente.” Mamãe sabia do que falava. Primeira mulher eleita para a Câmara na região, era tão boa de oratória que a casa enchia às quintas, só de gente que queria vê-la discursar.
Seguindo o exemplo da mãe – e de Simone de Beauvoir, ‘ídola’ das duas –, Mônica encarnou uma personagem, deu voz às mulheres separadas de mais de 40 anos. Atualmente, está com 50. O sucesso de Os Homens São de Marte e é pra Lá Que Eu Vou foi estrondoso. Teatro, cinema – 1,8 milhão de espectadores. Tem espaço cativo na TV, no Saia Justa. Lota o Procópio Ferreira com o monólogo Minha Vida em Marte e o filme, coestrelado por Paulo Gustavo e dirigido pela irmã, Susana Garcia, chega nesta terça-feira, 25 – em pleno Natal – a 800 salas de todo o País.
Novo sucesso? Pode apostar que sim. Seu nome é trabalho. “A coisa sai tão natural que as pessoas pensam que é tudo improvisado. Não é! Humor é timing, e você pode perder a piada se for rápida demais, se demorar demais. Se, se, se... Os gestos, no palco e na tela, têm toda uma coreografia. As pessoas morrem de rir, principalmente as mulheres, quando eu digo na peça que fazer sexo é como executar uma coreografia. Agora, vira! De quatro!” E ela explica. “Na fase de preparação do roteiro, Paulo (Gustavo) e eu ficávamos discutindo as cenas, criando em cima e a Susana anotando tudo. A gente começou bem antes, uns oito meses antes de filmar, para chegar aos gestos exatas. E aí as pessoas veem Paulo e eu batendo aquela bola, pensam que flui sem esforço. Tem trabalho. Muito trabalho.”
Susana não dá mole com a irmã (nem com Paulo Gustavo). “Quando a gente acha que a cena está perfeita, ela pede para repetir, porque pode melhorar. Mas, às vezes, tudo acontece de cara. Sabe a cena do restaurante, no ‘rooftop’, em Nova York? Saiu de primeira.”
Humoristas dizem que estão sempre com as antenas ligadas, captando o ridículo alheio. Mônica não é diferente, mas seu humor tem muito de autobiográfico. “São 25 anos de análise, falando compulsivamente com a terapeuta. Minhas separações, meus amores. É preciso distanciamento para transformar em humor. É preciso reflexão.” Paulo e Susana têm essa mesma ideia. “De forma leve, divertida, a gente consegue falar de coisas importantes.” Feminismo? “Com certeza. Sou filha do pós-feminismo. A vida é processo. A gente avança dois, três passos e recua um, dois. Mas nisso tudo existem coisas no feminismo que não têm volta. As mulheres têm hoje mais consciência do seu papel, dos seus direitos. E cada vez mais dão-se conta de que a independência está ligada à emancipação financeira. Se eu pago minhas contas, homem nenhum vai dizer o que tenho de fazer.” Só o amigo gay vivido por Paulo Gustavo.
“A gente tem origens semelhantes. Começamos dando duro, na cara e na coragem. Somos grandes amigos. Paulo é o ombro amigo no qual choro minhas mágoas. Nessa coisa de separação, às vezes bate uma incerteza e eu ligo pra ele: ‘Ah, mas ele é bacana.’ E o Paulo bate pesado – ‘Bacana, o quê?’ Desmonta o cara. No filme tem a cena típica dessa atitude dele, quando a Fernanda vacila e o Anibal vem como um trator, projetando as fotos e não deixando pedra sobre pedra no relacionamento.” Termina sendo um filme sobre a amizade. “Nosso happy end é da Fernanda com o Anibal. Mulher não tem de precisar de homem para ser feliz.” Em termos, né? Mônica está de namorado novo, tem uns dois, três meses. E ele não se intimida com o poder dela? “Se intimidasse a gente nem tinha começado. O cara, comigo, tem de ter autoconfiança.” Ela diz que é maravilhoso estar amando. “A vida fica muito melhor.” Nem por isso perde a capacidade crítica. “Digo pra ele que já tem um monte de coisa que posso escrever para a futura peça.” Quando será? “Xiii, ainda tenho de excursionar pelo Brasil com o Minha Vida em Marte, levá-la para Portugal. Só lá para 2020.”
E a Fernanda? “Dela não me separo. Na ficção, quero ser Fernanda para sempre.” E a crítica? “Fui premiada com Os Homens São de Marte, o filme, o que é uma coisa raríssima. É como se humor não merecesse prêmio. Guel Arraes diz uma coisa legal – ‘Como premiar quem nos faz rir?’ É gratificante ter reconhecimento, e não só do público”.