Opinião|‘Motel Destino’, neo-noir erótico de Karim Aïnouz aplaudido em Cannes, é filme à flor da pele


Longa brasileiro com Fábio Assunção chega aos cinemas nesta quinta, 22, depois de competir pela Palma de Ouro e de abrir o Festival de Gramado; leia a crítica

Por Luiz Zanin Oricchio

Motel Destino, filme de Karim Aïnouz, tem feito sucesso por onde passa (12 minutos de aplausos em Cannes), e é uma espécie de neo-noir erótico. Depois de abrir o Festival de Gramado, fora de concurso, estreia nesta quinta-feira, 22, no circuito comercial.

Mescla as duas características mencionadas. Do noir, traz o clima denso de um crime ensaiado por um casal de amantes para matar o terceiro vértice, indesejado, o marido oficial. Do thriller erótico, guarda cenas de sexo mais do que quentes. A mistura funciona com a conhecida eficiência cinematográfica de um diretor de obras como Madame Satã, O Céu de Suely e Uma Vida Invisível, entre outras.

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A história passa-se em grande parte num motel em Beberibe, município litorâneo distante cerca de 80 km de Fortaleza. Numa beira de estrada, sob sol inclemente, vive o casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha), proprietários do estabelecimento. Ao duo se junta o terceiro vértice, o recém-chegado Heraldo (Iago Xavier), com problemas com uma organização criminosa de Fortaleza e procurando refúgio para salvar o couro.

Encontra mais do que buscava. Tudo se passa à flor da pele, literalmente. Do tórrido envolvimento sexual de Dayana com o rapaz inexperiente ao ambiente onde a paixão acontece. Ou seja, num motel sujo, deprimente, iluminado pela luz do neon, e com a trilha sonora permanente de gemidos da clientela. Gritos e sussurros de prazer, noite e dia, dia e noite, uma coisa de enlouquecer. Passa-se, de fato, na fronteira da sanidade.

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A busca de Aïnouz levou-o a uma obra sensorial, que visa mergulhar quem a assiste numa uma experiência mais à flor da pele que propriamente intelectual - embora essas categorias não sejam necessariamente excludentes. Sente-se e pensa-se, um verbo não elimina o outro. Mas a verdade é que a tentativa é atrair o público para a voragem daquela paixão mais pela via dos sentidos que da razão.

Para isso, contribuem uma série de fatores - a fotografia frenética (de Hélène Louvart), um trabalho de som excepcional e a entrega total do trio protagonista, do duo amoroso (Iago e Nathaly) a um Fábio Assunção que abdica de sua condição de galã para encarnar um personagem de caráter dúbio, bastante degradado pelo tipo de vida que leva. Sente-se o calor e o suor dos corpos. E sente-se o ambiente. Em determinada cena, quando a personagem feminina vaga pelos imensos corredores do motel, a sensação é estar dentro de um filme de terror, como O Iluminado, clássico de Stanley Kubrick baseado em Stephen King. Só faltam a neve e os fantasmas das irmãs gêmeas à espera dos incautos no fim do corredor.

A matriz da história encontra-se no breve - e célebre - romance noir de James Cain, The Postman Always Rings Twice, de 1934, adaptado várias vezes para o cinema. A começar por Luchino Visconti com seu Obsessão (1942), os dois O Destino Bate à Porta (Tay Garnett, 1946; Bob Rafelson, 1981), até Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan (1982), e o nosso Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni (1962), história de Lúcio Cardoso, porém também inspirada na de Cain. Como se vê, James Cain é uma fonte literária forte para o cinema de tendência noir.

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'Motel Destino', de Karim Aïnouz, chega aos cinemas brasileiros em 22 de agosto. Foto: Pandora Filmes/Divulgação

O esquema inicial de todas as adaptações é sempre o mesmo: a mulher jovem, casada com o marido em geral mais velho e abrutalhado. Ela arranja um amante e tenta convencê-lo a se livrar do marido para ficarem juntos e manterem a propriedade que os sustenta. O esquema pode ser este, mas cada diretor o adapta seguindo suas próprias tendências e instinto cinematográfico.

No caso de Karim, esse é apenas um ponto de partida. Interessa-o menos o enredo e mais o pacto sensorial que sela com seu elenco e, este, com o espectador. Não se trata de uma obra perfeita, porém com imensas qualidades. Pode-se objetar o recurso ex-machina com que a trama se resolve, mas não se consegue ficar indiferente a uma história de amor terminal, mesclada à cobiça humana, que nem por isso exclui a paixão. Num momento em que o cinema brasileiro parece travado pelo moralismo contemporâneo, este filme dá ao sexo seu justo valor e peso na existência humana. Para ver e rever.

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Motel Destino, filme de Karim Aïnouz, tem feito sucesso por onde passa (12 minutos de aplausos em Cannes), e é uma espécie de neo-noir erótico. Depois de abrir o Festival de Gramado, fora de concurso, estreia nesta quinta-feira, 22, no circuito comercial.

Mescla as duas características mencionadas. Do noir, traz o clima denso de um crime ensaiado por um casal de amantes para matar o terceiro vértice, indesejado, o marido oficial. Do thriller erótico, guarda cenas de sexo mais do que quentes. A mistura funciona com a conhecida eficiência cinematográfica de um diretor de obras como Madame Satã, O Céu de Suely e Uma Vida Invisível, entre outras.

A história passa-se em grande parte num motel em Beberibe, município litorâneo distante cerca de 80 km de Fortaleza. Numa beira de estrada, sob sol inclemente, vive o casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha), proprietários do estabelecimento. Ao duo se junta o terceiro vértice, o recém-chegado Heraldo (Iago Xavier), com problemas com uma organização criminosa de Fortaleza e procurando refúgio para salvar o couro.

Encontra mais do que buscava. Tudo se passa à flor da pele, literalmente. Do tórrido envolvimento sexual de Dayana com o rapaz inexperiente ao ambiente onde a paixão acontece. Ou seja, num motel sujo, deprimente, iluminado pela luz do neon, e com a trilha sonora permanente de gemidos da clientela. Gritos e sussurros de prazer, noite e dia, dia e noite, uma coisa de enlouquecer. Passa-se, de fato, na fronteira da sanidade.

A busca de Aïnouz levou-o a uma obra sensorial, que visa mergulhar quem a assiste numa uma experiência mais à flor da pele que propriamente intelectual - embora essas categorias não sejam necessariamente excludentes. Sente-se e pensa-se, um verbo não elimina o outro. Mas a verdade é que a tentativa é atrair o público para a voragem daquela paixão mais pela via dos sentidos que da razão.

Para isso, contribuem uma série de fatores - a fotografia frenética (de Hélène Louvart), um trabalho de som excepcional e a entrega total do trio protagonista, do duo amoroso (Iago e Nathaly) a um Fábio Assunção que abdica de sua condição de galã para encarnar um personagem de caráter dúbio, bastante degradado pelo tipo de vida que leva. Sente-se o calor e o suor dos corpos. E sente-se o ambiente. Em determinada cena, quando a personagem feminina vaga pelos imensos corredores do motel, a sensação é estar dentro de um filme de terror, como O Iluminado, clássico de Stanley Kubrick baseado em Stephen King. Só faltam a neve e os fantasmas das irmãs gêmeas à espera dos incautos no fim do corredor.

A matriz da história encontra-se no breve - e célebre - romance noir de James Cain, The Postman Always Rings Twice, de 1934, adaptado várias vezes para o cinema. A começar por Luchino Visconti com seu Obsessão (1942), os dois O Destino Bate à Porta (Tay Garnett, 1946; Bob Rafelson, 1981), até Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan (1982), e o nosso Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni (1962), história de Lúcio Cardoso, porém também inspirada na de Cain. Como se vê, James Cain é uma fonte literária forte para o cinema de tendência noir.

'Motel Destino', de Karim Aïnouz, chega aos cinemas brasileiros em 22 de agosto. Foto: Pandora Filmes/Divulgação

O esquema inicial de todas as adaptações é sempre o mesmo: a mulher jovem, casada com o marido em geral mais velho e abrutalhado. Ela arranja um amante e tenta convencê-lo a se livrar do marido para ficarem juntos e manterem a propriedade que os sustenta. O esquema pode ser este, mas cada diretor o adapta seguindo suas próprias tendências e instinto cinematográfico.

No caso de Karim, esse é apenas um ponto de partida. Interessa-o menos o enredo e mais o pacto sensorial que sela com seu elenco e, este, com o espectador. Não se trata de uma obra perfeita, porém com imensas qualidades. Pode-se objetar o recurso ex-machina com que a trama se resolve, mas não se consegue ficar indiferente a uma história de amor terminal, mesclada à cobiça humana, que nem por isso exclui a paixão. Num momento em que o cinema brasileiro parece travado pelo moralismo contemporâneo, este filme dá ao sexo seu justo valor e peso na existência humana. Para ver e rever.

Motel Destino, filme de Karim Aïnouz, tem feito sucesso por onde passa (12 minutos de aplausos em Cannes), e é uma espécie de neo-noir erótico. Depois de abrir o Festival de Gramado, fora de concurso, estreia nesta quinta-feira, 22, no circuito comercial.

Mescla as duas características mencionadas. Do noir, traz o clima denso de um crime ensaiado por um casal de amantes para matar o terceiro vértice, indesejado, o marido oficial. Do thriller erótico, guarda cenas de sexo mais do que quentes. A mistura funciona com a conhecida eficiência cinematográfica de um diretor de obras como Madame Satã, O Céu de Suely e Uma Vida Invisível, entre outras.

A história passa-se em grande parte num motel em Beberibe, município litorâneo distante cerca de 80 km de Fortaleza. Numa beira de estrada, sob sol inclemente, vive o casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha), proprietários do estabelecimento. Ao duo se junta o terceiro vértice, o recém-chegado Heraldo (Iago Xavier), com problemas com uma organização criminosa de Fortaleza e procurando refúgio para salvar o couro.

Encontra mais do que buscava. Tudo se passa à flor da pele, literalmente. Do tórrido envolvimento sexual de Dayana com o rapaz inexperiente ao ambiente onde a paixão acontece. Ou seja, num motel sujo, deprimente, iluminado pela luz do neon, e com a trilha sonora permanente de gemidos da clientela. Gritos e sussurros de prazer, noite e dia, dia e noite, uma coisa de enlouquecer. Passa-se, de fato, na fronteira da sanidade.

A busca de Aïnouz levou-o a uma obra sensorial, que visa mergulhar quem a assiste numa uma experiência mais à flor da pele que propriamente intelectual - embora essas categorias não sejam necessariamente excludentes. Sente-se e pensa-se, um verbo não elimina o outro. Mas a verdade é que a tentativa é atrair o público para a voragem daquela paixão mais pela via dos sentidos que da razão.

Para isso, contribuem uma série de fatores - a fotografia frenética (de Hélène Louvart), um trabalho de som excepcional e a entrega total do trio protagonista, do duo amoroso (Iago e Nathaly) a um Fábio Assunção que abdica de sua condição de galã para encarnar um personagem de caráter dúbio, bastante degradado pelo tipo de vida que leva. Sente-se o calor e o suor dos corpos. E sente-se o ambiente. Em determinada cena, quando a personagem feminina vaga pelos imensos corredores do motel, a sensação é estar dentro de um filme de terror, como O Iluminado, clássico de Stanley Kubrick baseado em Stephen King. Só faltam a neve e os fantasmas das irmãs gêmeas à espera dos incautos no fim do corredor.

A matriz da história encontra-se no breve - e célebre - romance noir de James Cain, The Postman Always Rings Twice, de 1934, adaptado várias vezes para o cinema. A começar por Luchino Visconti com seu Obsessão (1942), os dois O Destino Bate à Porta (Tay Garnett, 1946; Bob Rafelson, 1981), até Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan (1982), e o nosso Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni (1962), história de Lúcio Cardoso, porém também inspirada na de Cain. Como se vê, James Cain é uma fonte literária forte para o cinema de tendência noir.

'Motel Destino', de Karim Aïnouz, chega aos cinemas brasileiros em 22 de agosto. Foto: Pandora Filmes/Divulgação

O esquema inicial de todas as adaptações é sempre o mesmo: a mulher jovem, casada com o marido em geral mais velho e abrutalhado. Ela arranja um amante e tenta convencê-lo a se livrar do marido para ficarem juntos e manterem a propriedade que os sustenta. O esquema pode ser este, mas cada diretor o adapta seguindo suas próprias tendências e instinto cinematográfico.

No caso de Karim, esse é apenas um ponto de partida. Interessa-o menos o enredo e mais o pacto sensorial que sela com seu elenco e, este, com o espectador. Não se trata de uma obra perfeita, porém com imensas qualidades. Pode-se objetar o recurso ex-machina com que a trama se resolve, mas não se consegue ficar indiferente a uma história de amor terminal, mesclada à cobiça humana, que nem por isso exclui a paixão. Num momento em que o cinema brasileiro parece travado pelo moralismo contemporâneo, este filme dá ao sexo seu justo valor e peso na existência humana. Para ver e rever.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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