The New York Times - “Não é salsa, nem flamenco, meu irmão. Você conhece... naatu?”
Este desafio amigável dá início ao número ‘Naatu Naatu’ no blockbuster indiano RRR. A música foi indicada ao Oscar de melhor canção original – a primeira vez para uma produção indiana, apesar do renome mundial de sua indústria musical. Quinze anos atrás, o hitmaker indiano A.R. Rahman ganhou tanto pela música quanto pela trilha sonora de Quem Quer Ser um Milionário, mas era uma produção britânica do diretor Danny Boyle. RRR é um sucesso local que saiu direto do sul da Índia e do centro de cinema em língua télugo conhecido como Tollywood. O filme está disponível na Netflix.
Situado na Índia colonial dos anos 1920, RRR, dirigido por S.S. Rajamouli, coloca um guerreiro tribal, Bheem (N.T. Rama Rao Jr., conhecido como Jr. NTR), contra um oficial indiano da polícia britânica, Ram (Ram Charan), que recebe a missão de encontrá-lo. Mas os dois se tornam amigos e, na sequência “Naatu Naatu”, enfrentam um valentão britânico que quer expulsá-los de uma festa. (Ambientada contra o rosa e o azul do Palácio Mariinsky, a sequência foi filmada em Kiev, na Ucrânia, antes da invasão russa).
A maratona de dança que se segue encantou milhões de espectadores nas salas de cinema e centenas de milhões no YouTube.
Parte da energia da cena vem de uma sensação vertiginosa de competição. Rajamouli concebeu ‘Naatu Naatu’ como uma espécie de sequência de luta: um confronto entre a dinâmica dupla indiana e os pomposos colonizadores, com passinhos em vez de socos. Bheem e Ram dançam com o coração, sorrindo na frente das encantadas damas britânicas, o que lança o valentão, Jake (Eduard Buhac), numa dança ridiculamente raivosa.
Jr. NTR e Charan formam uma equipe hipnotizante, dançando em sincronia lado a lado, enquanto legiões de moças e rapazes em trajes formais tentam acompanhá-los.
“Rajamouli me falou que seus estilos tinham que combinar um com o outro”, disse o coreógrafo do filme, Prem Rakshith, falando em inglês com um tradutor disponível durante uma videochamada. “Tinha que ser difícil, mas todo mundo tinha que fazer igual”.
Para fazer o passinho de verdade, Rakshith escolheu uma coreografia conhecida como passo de gancho, com muitos movimentos de ziguezague para braços e pernas. É divertido assistir e (como atestam os TikToks) imitar. “Queria que todo mundo entendesse o passo do gancho e gostasse de dançá-lo”, disse Rakshith.
O número musical dá uma sensação selvagem e incontrolável, como as cenas de ação do filme. (Apesar do ritmo alucinante e da sincronização, nenhuma das danças foi artificialmente acelerada ou alterada digitalmente, de acordo com o editor do filme, Sreekar Prasad.) Rakshith acrescentou floreios coloridos – um giro sincronizado da cabeça e dos pés e movimentos de suspensórios elásticos – que transformam Bheem e Ram em pura alegria. O suspensório foi uma inovação do coreógrafo.
Como faixa, Naatu Naatu também é um sucesso. Os ritmos pulsantes da bateria e do refrão são contagiantes e parecem mais orgânicos do que muitas batidas sintéticas. Numa videochamada, M.M. Keeravani, o compositor da música, comparou o som com as batidas tradicionais das canções folclóricas celebradas nas aldeias. “É por isso que esta fórmula de compasso e batida em particular foram selecionadas para a música”, disse ele, referindo-se ao ritmo alegre 6/8.
O som rústico também ganha vida na instrumentação. Na gravação de Naatu Naatu, Keeravani usou duffs, um tambor de pele indiana que se segura com as mãos. “O duff dá um som pungente, ressonante e muito nítido”, disse ele.
Oito duffs foram usados para as batidas, apoiados por tímpanos e outras percussões de um sintetizador e bandolins para a melodia, junto com outros elementos processados. Conforme a maratona de dança vai atingindo um tom febril, as batidas e os vocais crescem como um transe, com a ajuda de um efeito de eco pulsante.
Embora a música seja um sucesso de dança, Keeravani é mais conhecido na Índia por baladas melosas e trabalhos mais clássicos numa carreira que data dos anos 1990, de acordo com Narendra Kusnur, crítico musical do Hindustan Times.
“Keeravani fez alguns filmes fantásticos. Esta foi uma pausa para ele, um reconhecimento que devia ter acontecido há muito tempo”, disse Kusnur em entrevista.
Mas o compositor (que trabalhou em todos os filmes de Rajamouli, seu primo) prontamente atribui o grande sucesso de ‘Naatu Naatu’ à coreografia de Rakshith. “Esperava algumas pisadas no chão, mas nunca imaginei aquele passinho sincronizado. Foi incrível”, disse Keeravani.
Ele divide a indicação ao Oscar (e já tem um Globo de Ouro) com o compositor Chandrabose, cujas letras, segundo ele, dão à música “uma batida inerente”. Falando por vídeo, Chandrabose lembrou que Rajamouli havia enfatizado a vibração positiva da cena ao descrevê-la pela primeira vez.
“Cante sobre você mesmo, sobre sua força, sua luta, o que você quiser. A única regra é: não critique as pessoas”, Chandrabose contou que Rajamouli disse a ele.
Mas uma pergunta permanece: o que é naatu?
“Naatu significa cru e rústico”, disse Chandrabose. Ele cresceu numa pequena aldeia em Telangana, estado de língua télugo cuja capital, Hyderabad, é a sede de Tollywood. “Tudo o que escrevi na música é das memórias da minha infância, da minha vida e dos meus pais. É por isso que criei tudo muito rápido”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU