‘O Aprendiz’: Os bastidores do filme que incomodou Donald Trump, causou polêmica e chega aos cinemas


O diretor Ali Abbasi e os atores Sebastian Stan e Jeremy Strong (que vivem Trump e Roy Cohn) revelam detalhes do longa que causou alvoroço em Cannes e foi até ameaçado com um processo pelo ex-presidente dos EUA

Por Jake Coyle
Atualização:

Poucos filmes deste ano ganharam tantas manchetes quanto O Aprendiz.

O filme de Ali Abbasi sobre um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) sob a tutela do cruel advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) causou alvoroço no Festival de Cinema de Cannes, foi ameaçado com um processo jurídico pela campanha de Trump e viu suas chances de lançamento diminuírem até uma distribuidora, a Briarcliff Entertainment, se dispor a colocá-lo nos cinemas.

Antes da chegada de O Aprendiz aos cinemas nesta semana, a Associated Press conversou com Abbasi, Stan, Strong e o roteirista Gabe Sherman sobre como esse filme tão improvável foi criado e como eles esperam que seja recebido no contexto das eleições de novembro.

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A montagem de O Aprendiz

Sherman: Fiquei impressionado com uma coisa que as pessoas que trabalharam para Trump desde os anos 1980 me disseram: Durante a campanha ele usou muitas das estratégias que tinha aprendido com seu mentor, Roy Cohn. A ideia me veio num piscar de olhos. O filme é sobre isso. Donald era o aprendiz de Roy. Vamos fazer uma história de origem, uma história de mentor-aprendiz sobre como esse relacionamento botou Donald no caminho para virar presidente.

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Abbasi: Donald e Ivana nunca foram tratados como seres humanos. Ou eles são tratados muito mal ou extremamente bem – é como se fosse uma coisa mitológica. A única maneira de quebrar esse mito é desconstruí-lo. E acho que uma visão humanística é a melhor maneira de desconstruir esse mito.

Sebastian Stan como Donald Trump em 'O Aprendiz', que está entre as estreias da semana. Foto: Diamond Films/Divulgação

Stan: Eu fui na onda. E foi uma aventura, porque não foi um filme que surgiu com muita facilidade. É um filme que eu já conhecia desde um tempo. Conheci Ali em 2019. E aí pensei: Se isso não vai acontecer, não vai acontecer porque não é para acontecer mesmo. Não vai ser por minha causa, porque estou com medo. Não tinha muita concorrência.

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Abbasi: No meio daquela loucura, eu sempre soube que esse cara (Stan) estava lá. Para um cineasta, ter esse tipo de aliado e soldado é realmente essencial.

Sherman: Sebastian estava totalmente destemido. Muitos outros atores recusaram o papel porque não queriam interpretar Trump.

Strong: Conheci Ali em Telluride anos atrás. Eu tinha visto Border e Holy Spider. Ele é uma espécie de cineasta lynchiano. Como ele mesmo diz, ele gosta de cavalgar o dragão. Mas acho que a verdadeira resposta é que Roy Cohn talvez seja a pessoa mais fascinante que já estudei, interroguei e tentei habitar.

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Stan: Sempre vi o filme como uma história de origem. E também como uma ideologia que parece ter se consolidado nos anos 1980. Volto às minhas raízes e à forma como fui apresentado a este país, muito mais do que ao meu interesse particular por ele em si. O que se destacou para mim no roteiro e na história foi o sonho americano e a ideologia de vencer a todo custo.

Abbasi: Para mim, a melhor comparação para (Trump) é Barry Lyndon. Quando pensamos em Barry Lyndon, não pensamos nele como um cara bom ou ruim. Ele tem essa ambivalência e essa capacidade extraordinária de se adaptar. Ele quer ser alguém. Ele não sabe realmente o quê ou por quê. Ele só quer subir na vida.

Capturando a complexidade (com bolas de queijo)

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Strong: Cohn é uma figura complicada, cuja sombra se estende até 2024 e esta eleição histórica. Eu era fascinado por Cohn e seus paradoxos. Ele era amado tanto quanto era insultado. Ele tinha um quarto cheio de sapos de pelúcia. Em termos de estudo sociológico e antropológico, acho que ele é um personagem completamente fascinante. Meus julgamentos devem ficar de lado. Mas foi como olhar para o coração da escuridão.

Stan: Não acho que nenhum de nós esteja acima disso. Não acho que nenhum de nós tenha nascido perfeito ou que não seja moralmente questionável. A vida é muito, muito mais confusa e complicada do que isso. Acho que a única maneira de aprendermos é por meio da empatia. Temos que proteger a empatia e continuar a nutri-la. E acho que uma forma de nutrir a empatia é mostrar o que pode ser exatamente oposto a ela.

Abbasi: Tenho ouvido muito isso: Vamos fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra Civil – basta voltar no tempo. Dizem que um filme sobre a Guerra Civil é uma boa metáfora para o modo como nossa sociedade está agora. Eu penso diferente: Nossa sociedade é extremamente empolgante, complexa, complicada, tem enormes problemas e oportunidades. Por que não abordar tudo isso? Temos uma responsabilidade (palavrão).

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Da esquerda para a direita: Sebastian Stan, o diretor Ali Abbasi, Maria Bakalova e Jeremy Strong. Foto: Victoria Will/Invision/AP

Strong: Houve momentos em que eu estava falando sobre Succession e pensei naquela frase atribuída a Emerson: “Toda instituição é a sombra de um homem”. E eu pensava nisso em termos de Logan Roy, mas também posso pensar nisso em termos de Roy Cohn. Posso traçar uma linha entre esses dois, com certeza. No filme, Rupert Murdoch está numa festa na casa de Roy na 68th Street, e Roy e Rupert fizeram muitos negócios juntos. De certa forma, sou um Zelig nesses assuntos.

Abbasi: Tinha dias em que eu pensava: “Por que Jeremy não está olhando para mim? Será que ele me odeia?” Ah, ele está no personagem.

Stan: Tem uma cena no filme em que Roy está falando alguma coisa e Donald está comendo bolinhas de queijo. Como Ali era o diretor, a gente nunca sabia onde a câmera estaria de tomada em tomada. Então fizemos muitas e muitas tomadas. Grande parte do filme foi improvisada. Devo ter comido umas trinta bolinhas de queijo naquela noite. Na manhã seguinte, acordei e, lamento dizer, mas passei umas horas no banheiro. Estava com muita dor. Não conseguia sair do banheiro. Foi tipo: Sim, acho que isso é uma atuação do Método.

Em busca de uma distribuidora

Abbasi: Estou um pouco chocado. Sempre soube que os Estados Unidos não são um lugar perfeito. Mas sempre me disseram uma coisa: esta é a terra da liberdade. Esta é a terra da liberdade de expressão. Aqui você pode dizer o que quiser. Não foi o que aconteceu comigo. O que encontrei foram cálculos de negócios.

Strong: O filme foi quase efetivamente banido, e acho isso, por si só, muito assustador e um prenúncio de coisas sombrias. Mas, acima de tudo, é um filme. Não é um ato político ou um evento político. É um filme.

Stan: É importante que qualquer coisa criativa, seja um livro, um filme ou uma pintura, faça perguntas. A obra deve tentar falar sobre coisas difíceis. Acho que temos que continuar fazendo isso. Se chegar o momento em que fique impossível ter qualquer tipo de conversa sobre qualquer coisa, acho que todos nós perderemos. Acho mesmo. Acho que o objetivo de tudo isso é entender o que aconteceu e o que está acontecendo. Mas só tem um jeito de fazer isso, que é jogar luz sobre as coisas.

Abbasi: O que aconteceu é honestamente desanimador. O medo e a ansiedade. Não tenho certeza se vem do medo de um processo judicial ou do fato de que o filme não é uma sequência, não é um remake. Eu achava que as pessoas iriam dizer: Isso é ousado, mas é divertido.

Sherman: Um belo dia, parecia que o acordo seria fechado e lançaríamos o filme. No dia seguinte, tudo desmoronava. Havia essa incerteza constante, não sabíamos se nosso financiador, a Kinematics, concordaria com os termos. Reservei as passagens para Telluride sem saber se conseguiríamos exibir o filme no festival.

Abbasi: Minha regra geral é: se todo mundo está feliz, então tem alguma coisa errada. Não tenho medo de controvérsias. Não é aí que me sinto motivado. Mas também sei que isso aconteceria. O tipo de filme de que gosto tem personalidade, como as pessoas. Algumas pessoas são simpáticas, educadas e neutras, mas esse não é o tipo de pessoa de que geralmente nos lembramos. As pessoas podem ser mal-humoradas ou desbocadas e você se lembra delas. Quero ser uma dessas pessoas de quem você se lembra, em termos de filmes.

Strong: Acho que o filme vai mudar a opinião das pessoas? Não sei. Acho que vai ajudar qualquer pessoa a ter uma ótima compreensão das origens de onde estamos agora? Acho que sim. Acho que vai mover infinitesimalmente a agulha numa direção que espero que seja a nossa? Acho que sim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Poucos filmes deste ano ganharam tantas manchetes quanto O Aprendiz.

O filme de Ali Abbasi sobre um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) sob a tutela do cruel advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) causou alvoroço no Festival de Cinema de Cannes, foi ameaçado com um processo jurídico pela campanha de Trump e viu suas chances de lançamento diminuírem até uma distribuidora, a Briarcliff Entertainment, se dispor a colocá-lo nos cinemas.

Antes da chegada de O Aprendiz aos cinemas nesta semana, a Associated Press conversou com Abbasi, Stan, Strong e o roteirista Gabe Sherman sobre como esse filme tão improvável foi criado e como eles esperam que seja recebido no contexto das eleições de novembro.

A montagem de O Aprendiz

Sherman: Fiquei impressionado com uma coisa que as pessoas que trabalharam para Trump desde os anos 1980 me disseram: Durante a campanha ele usou muitas das estratégias que tinha aprendido com seu mentor, Roy Cohn. A ideia me veio num piscar de olhos. O filme é sobre isso. Donald era o aprendiz de Roy. Vamos fazer uma história de origem, uma história de mentor-aprendiz sobre como esse relacionamento botou Donald no caminho para virar presidente.

Abbasi: Donald e Ivana nunca foram tratados como seres humanos. Ou eles são tratados muito mal ou extremamente bem – é como se fosse uma coisa mitológica. A única maneira de quebrar esse mito é desconstruí-lo. E acho que uma visão humanística é a melhor maneira de desconstruir esse mito.

Sebastian Stan como Donald Trump em 'O Aprendiz', que está entre as estreias da semana. Foto: Diamond Films/Divulgação

Stan: Eu fui na onda. E foi uma aventura, porque não foi um filme que surgiu com muita facilidade. É um filme que eu já conhecia desde um tempo. Conheci Ali em 2019. E aí pensei: Se isso não vai acontecer, não vai acontecer porque não é para acontecer mesmo. Não vai ser por minha causa, porque estou com medo. Não tinha muita concorrência.

Abbasi: No meio daquela loucura, eu sempre soube que esse cara (Stan) estava lá. Para um cineasta, ter esse tipo de aliado e soldado é realmente essencial.

Sherman: Sebastian estava totalmente destemido. Muitos outros atores recusaram o papel porque não queriam interpretar Trump.

Strong: Conheci Ali em Telluride anos atrás. Eu tinha visto Border e Holy Spider. Ele é uma espécie de cineasta lynchiano. Como ele mesmo diz, ele gosta de cavalgar o dragão. Mas acho que a verdadeira resposta é que Roy Cohn talvez seja a pessoa mais fascinante que já estudei, interroguei e tentei habitar.

Stan: Sempre vi o filme como uma história de origem. E também como uma ideologia que parece ter se consolidado nos anos 1980. Volto às minhas raízes e à forma como fui apresentado a este país, muito mais do que ao meu interesse particular por ele em si. O que se destacou para mim no roteiro e na história foi o sonho americano e a ideologia de vencer a todo custo.

Abbasi: Para mim, a melhor comparação para (Trump) é Barry Lyndon. Quando pensamos em Barry Lyndon, não pensamos nele como um cara bom ou ruim. Ele tem essa ambivalência e essa capacidade extraordinária de se adaptar. Ele quer ser alguém. Ele não sabe realmente o quê ou por quê. Ele só quer subir na vida.

Capturando a complexidade (com bolas de queijo)

Strong: Cohn é uma figura complicada, cuja sombra se estende até 2024 e esta eleição histórica. Eu era fascinado por Cohn e seus paradoxos. Ele era amado tanto quanto era insultado. Ele tinha um quarto cheio de sapos de pelúcia. Em termos de estudo sociológico e antropológico, acho que ele é um personagem completamente fascinante. Meus julgamentos devem ficar de lado. Mas foi como olhar para o coração da escuridão.

Stan: Não acho que nenhum de nós esteja acima disso. Não acho que nenhum de nós tenha nascido perfeito ou que não seja moralmente questionável. A vida é muito, muito mais confusa e complicada do que isso. Acho que a única maneira de aprendermos é por meio da empatia. Temos que proteger a empatia e continuar a nutri-la. E acho que uma forma de nutrir a empatia é mostrar o que pode ser exatamente oposto a ela.

Abbasi: Tenho ouvido muito isso: Vamos fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra Civil – basta voltar no tempo. Dizem que um filme sobre a Guerra Civil é uma boa metáfora para o modo como nossa sociedade está agora. Eu penso diferente: Nossa sociedade é extremamente empolgante, complexa, complicada, tem enormes problemas e oportunidades. Por que não abordar tudo isso? Temos uma responsabilidade (palavrão).

Da esquerda para a direita: Sebastian Stan, o diretor Ali Abbasi, Maria Bakalova e Jeremy Strong. Foto: Victoria Will/Invision/AP

Strong: Houve momentos em que eu estava falando sobre Succession e pensei naquela frase atribuída a Emerson: “Toda instituição é a sombra de um homem”. E eu pensava nisso em termos de Logan Roy, mas também posso pensar nisso em termos de Roy Cohn. Posso traçar uma linha entre esses dois, com certeza. No filme, Rupert Murdoch está numa festa na casa de Roy na 68th Street, e Roy e Rupert fizeram muitos negócios juntos. De certa forma, sou um Zelig nesses assuntos.

Abbasi: Tinha dias em que eu pensava: “Por que Jeremy não está olhando para mim? Será que ele me odeia?” Ah, ele está no personagem.

Stan: Tem uma cena no filme em que Roy está falando alguma coisa e Donald está comendo bolinhas de queijo. Como Ali era o diretor, a gente nunca sabia onde a câmera estaria de tomada em tomada. Então fizemos muitas e muitas tomadas. Grande parte do filme foi improvisada. Devo ter comido umas trinta bolinhas de queijo naquela noite. Na manhã seguinte, acordei e, lamento dizer, mas passei umas horas no banheiro. Estava com muita dor. Não conseguia sair do banheiro. Foi tipo: Sim, acho que isso é uma atuação do Método.

Em busca de uma distribuidora

Abbasi: Estou um pouco chocado. Sempre soube que os Estados Unidos não são um lugar perfeito. Mas sempre me disseram uma coisa: esta é a terra da liberdade. Esta é a terra da liberdade de expressão. Aqui você pode dizer o que quiser. Não foi o que aconteceu comigo. O que encontrei foram cálculos de negócios.

Strong: O filme foi quase efetivamente banido, e acho isso, por si só, muito assustador e um prenúncio de coisas sombrias. Mas, acima de tudo, é um filme. Não é um ato político ou um evento político. É um filme.

Stan: É importante que qualquer coisa criativa, seja um livro, um filme ou uma pintura, faça perguntas. A obra deve tentar falar sobre coisas difíceis. Acho que temos que continuar fazendo isso. Se chegar o momento em que fique impossível ter qualquer tipo de conversa sobre qualquer coisa, acho que todos nós perderemos. Acho mesmo. Acho que o objetivo de tudo isso é entender o que aconteceu e o que está acontecendo. Mas só tem um jeito de fazer isso, que é jogar luz sobre as coisas.

Abbasi: O que aconteceu é honestamente desanimador. O medo e a ansiedade. Não tenho certeza se vem do medo de um processo judicial ou do fato de que o filme não é uma sequência, não é um remake. Eu achava que as pessoas iriam dizer: Isso é ousado, mas é divertido.

Sherman: Um belo dia, parecia que o acordo seria fechado e lançaríamos o filme. No dia seguinte, tudo desmoronava. Havia essa incerteza constante, não sabíamos se nosso financiador, a Kinematics, concordaria com os termos. Reservei as passagens para Telluride sem saber se conseguiríamos exibir o filme no festival.

Abbasi: Minha regra geral é: se todo mundo está feliz, então tem alguma coisa errada. Não tenho medo de controvérsias. Não é aí que me sinto motivado. Mas também sei que isso aconteceria. O tipo de filme de que gosto tem personalidade, como as pessoas. Algumas pessoas são simpáticas, educadas e neutras, mas esse não é o tipo de pessoa de que geralmente nos lembramos. As pessoas podem ser mal-humoradas ou desbocadas e você se lembra delas. Quero ser uma dessas pessoas de quem você se lembra, em termos de filmes.

Strong: Acho que o filme vai mudar a opinião das pessoas? Não sei. Acho que vai ajudar qualquer pessoa a ter uma ótima compreensão das origens de onde estamos agora? Acho que sim. Acho que vai mover infinitesimalmente a agulha numa direção que espero que seja a nossa? Acho que sim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Poucos filmes deste ano ganharam tantas manchetes quanto O Aprendiz.

O filme de Ali Abbasi sobre um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) sob a tutela do cruel advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) causou alvoroço no Festival de Cinema de Cannes, foi ameaçado com um processo jurídico pela campanha de Trump e viu suas chances de lançamento diminuírem até uma distribuidora, a Briarcliff Entertainment, se dispor a colocá-lo nos cinemas.

Antes da chegada de O Aprendiz aos cinemas nesta semana, a Associated Press conversou com Abbasi, Stan, Strong e o roteirista Gabe Sherman sobre como esse filme tão improvável foi criado e como eles esperam que seja recebido no contexto das eleições de novembro.

A montagem de O Aprendiz

Sherman: Fiquei impressionado com uma coisa que as pessoas que trabalharam para Trump desde os anos 1980 me disseram: Durante a campanha ele usou muitas das estratégias que tinha aprendido com seu mentor, Roy Cohn. A ideia me veio num piscar de olhos. O filme é sobre isso. Donald era o aprendiz de Roy. Vamos fazer uma história de origem, uma história de mentor-aprendiz sobre como esse relacionamento botou Donald no caminho para virar presidente.

Abbasi: Donald e Ivana nunca foram tratados como seres humanos. Ou eles são tratados muito mal ou extremamente bem – é como se fosse uma coisa mitológica. A única maneira de quebrar esse mito é desconstruí-lo. E acho que uma visão humanística é a melhor maneira de desconstruir esse mito.

Sebastian Stan como Donald Trump em 'O Aprendiz', que está entre as estreias da semana. Foto: Diamond Films/Divulgação

Stan: Eu fui na onda. E foi uma aventura, porque não foi um filme que surgiu com muita facilidade. É um filme que eu já conhecia desde um tempo. Conheci Ali em 2019. E aí pensei: Se isso não vai acontecer, não vai acontecer porque não é para acontecer mesmo. Não vai ser por minha causa, porque estou com medo. Não tinha muita concorrência.

Abbasi: No meio daquela loucura, eu sempre soube que esse cara (Stan) estava lá. Para um cineasta, ter esse tipo de aliado e soldado é realmente essencial.

Sherman: Sebastian estava totalmente destemido. Muitos outros atores recusaram o papel porque não queriam interpretar Trump.

Strong: Conheci Ali em Telluride anos atrás. Eu tinha visto Border e Holy Spider. Ele é uma espécie de cineasta lynchiano. Como ele mesmo diz, ele gosta de cavalgar o dragão. Mas acho que a verdadeira resposta é que Roy Cohn talvez seja a pessoa mais fascinante que já estudei, interroguei e tentei habitar.

Stan: Sempre vi o filme como uma história de origem. E também como uma ideologia que parece ter se consolidado nos anos 1980. Volto às minhas raízes e à forma como fui apresentado a este país, muito mais do que ao meu interesse particular por ele em si. O que se destacou para mim no roteiro e na história foi o sonho americano e a ideologia de vencer a todo custo.

Abbasi: Para mim, a melhor comparação para (Trump) é Barry Lyndon. Quando pensamos em Barry Lyndon, não pensamos nele como um cara bom ou ruim. Ele tem essa ambivalência e essa capacidade extraordinária de se adaptar. Ele quer ser alguém. Ele não sabe realmente o quê ou por quê. Ele só quer subir na vida.

Capturando a complexidade (com bolas de queijo)

Strong: Cohn é uma figura complicada, cuja sombra se estende até 2024 e esta eleição histórica. Eu era fascinado por Cohn e seus paradoxos. Ele era amado tanto quanto era insultado. Ele tinha um quarto cheio de sapos de pelúcia. Em termos de estudo sociológico e antropológico, acho que ele é um personagem completamente fascinante. Meus julgamentos devem ficar de lado. Mas foi como olhar para o coração da escuridão.

Stan: Não acho que nenhum de nós esteja acima disso. Não acho que nenhum de nós tenha nascido perfeito ou que não seja moralmente questionável. A vida é muito, muito mais confusa e complicada do que isso. Acho que a única maneira de aprendermos é por meio da empatia. Temos que proteger a empatia e continuar a nutri-la. E acho que uma forma de nutrir a empatia é mostrar o que pode ser exatamente oposto a ela.

Abbasi: Tenho ouvido muito isso: Vamos fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra Civil – basta voltar no tempo. Dizem que um filme sobre a Guerra Civil é uma boa metáfora para o modo como nossa sociedade está agora. Eu penso diferente: Nossa sociedade é extremamente empolgante, complexa, complicada, tem enormes problemas e oportunidades. Por que não abordar tudo isso? Temos uma responsabilidade (palavrão).

Da esquerda para a direita: Sebastian Stan, o diretor Ali Abbasi, Maria Bakalova e Jeremy Strong. Foto: Victoria Will/Invision/AP

Strong: Houve momentos em que eu estava falando sobre Succession e pensei naquela frase atribuída a Emerson: “Toda instituição é a sombra de um homem”. E eu pensava nisso em termos de Logan Roy, mas também posso pensar nisso em termos de Roy Cohn. Posso traçar uma linha entre esses dois, com certeza. No filme, Rupert Murdoch está numa festa na casa de Roy na 68th Street, e Roy e Rupert fizeram muitos negócios juntos. De certa forma, sou um Zelig nesses assuntos.

Abbasi: Tinha dias em que eu pensava: “Por que Jeremy não está olhando para mim? Será que ele me odeia?” Ah, ele está no personagem.

Stan: Tem uma cena no filme em que Roy está falando alguma coisa e Donald está comendo bolinhas de queijo. Como Ali era o diretor, a gente nunca sabia onde a câmera estaria de tomada em tomada. Então fizemos muitas e muitas tomadas. Grande parte do filme foi improvisada. Devo ter comido umas trinta bolinhas de queijo naquela noite. Na manhã seguinte, acordei e, lamento dizer, mas passei umas horas no banheiro. Estava com muita dor. Não conseguia sair do banheiro. Foi tipo: Sim, acho que isso é uma atuação do Método.

Em busca de uma distribuidora

Abbasi: Estou um pouco chocado. Sempre soube que os Estados Unidos não são um lugar perfeito. Mas sempre me disseram uma coisa: esta é a terra da liberdade. Esta é a terra da liberdade de expressão. Aqui você pode dizer o que quiser. Não foi o que aconteceu comigo. O que encontrei foram cálculos de negócios.

Strong: O filme foi quase efetivamente banido, e acho isso, por si só, muito assustador e um prenúncio de coisas sombrias. Mas, acima de tudo, é um filme. Não é um ato político ou um evento político. É um filme.

Stan: É importante que qualquer coisa criativa, seja um livro, um filme ou uma pintura, faça perguntas. A obra deve tentar falar sobre coisas difíceis. Acho que temos que continuar fazendo isso. Se chegar o momento em que fique impossível ter qualquer tipo de conversa sobre qualquer coisa, acho que todos nós perderemos. Acho mesmo. Acho que o objetivo de tudo isso é entender o que aconteceu e o que está acontecendo. Mas só tem um jeito de fazer isso, que é jogar luz sobre as coisas.

Abbasi: O que aconteceu é honestamente desanimador. O medo e a ansiedade. Não tenho certeza se vem do medo de um processo judicial ou do fato de que o filme não é uma sequência, não é um remake. Eu achava que as pessoas iriam dizer: Isso é ousado, mas é divertido.

Sherman: Um belo dia, parecia que o acordo seria fechado e lançaríamos o filme. No dia seguinte, tudo desmoronava. Havia essa incerteza constante, não sabíamos se nosso financiador, a Kinematics, concordaria com os termos. Reservei as passagens para Telluride sem saber se conseguiríamos exibir o filme no festival.

Abbasi: Minha regra geral é: se todo mundo está feliz, então tem alguma coisa errada. Não tenho medo de controvérsias. Não é aí que me sinto motivado. Mas também sei que isso aconteceria. O tipo de filme de que gosto tem personalidade, como as pessoas. Algumas pessoas são simpáticas, educadas e neutras, mas esse não é o tipo de pessoa de que geralmente nos lembramos. As pessoas podem ser mal-humoradas ou desbocadas e você se lembra delas. Quero ser uma dessas pessoas de quem você se lembra, em termos de filmes.

Strong: Acho que o filme vai mudar a opinião das pessoas? Não sei. Acho que vai ajudar qualquer pessoa a ter uma ótima compreensão das origens de onde estamos agora? Acho que sim. Acho que vai mover infinitesimalmente a agulha numa direção que espero que seja a nossa? Acho que sim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Poucos filmes deste ano ganharam tantas manchetes quanto O Aprendiz.

O filme de Ali Abbasi sobre um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) sob a tutela do cruel advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) causou alvoroço no Festival de Cinema de Cannes, foi ameaçado com um processo jurídico pela campanha de Trump e viu suas chances de lançamento diminuírem até uma distribuidora, a Briarcliff Entertainment, se dispor a colocá-lo nos cinemas.

Antes da chegada de O Aprendiz aos cinemas nesta semana, a Associated Press conversou com Abbasi, Stan, Strong e o roteirista Gabe Sherman sobre como esse filme tão improvável foi criado e como eles esperam que seja recebido no contexto das eleições de novembro.

A montagem de O Aprendiz

Sherman: Fiquei impressionado com uma coisa que as pessoas que trabalharam para Trump desde os anos 1980 me disseram: Durante a campanha ele usou muitas das estratégias que tinha aprendido com seu mentor, Roy Cohn. A ideia me veio num piscar de olhos. O filme é sobre isso. Donald era o aprendiz de Roy. Vamos fazer uma história de origem, uma história de mentor-aprendiz sobre como esse relacionamento botou Donald no caminho para virar presidente.

Abbasi: Donald e Ivana nunca foram tratados como seres humanos. Ou eles são tratados muito mal ou extremamente bem – é como se fosse uma coisa mitológica. A única maneira de quebrar esse mito é desconstruí-lo. E acho que uma visão humanística é a melhor maneira de desconstruir esse mito.

Sebastian Stan como Donald Trump em 'O Aprendiz', que está entre as estreias da semana. Foto: Diamond Films/Divulgação

Stan: Eu fui na onda. E foi uma aventura, porque não foi um filme que surgiu com muita facilidade. É um filme que eu já conhecia desde um tempo. Conheci Ali em 2019. E aí pensei: Se isso não vai acontecer, não vai acontecer porque não é para acontecer mesmo. Não vai ser por minha causa, porque estou com medo. Não tinha muita concorrência.

Abbasi: No meio daquela loucura, eu sempre soube que esse cara (Stan) estava lá. Para um cineasta, ter esse tipo de aliado e soldado é realmente essencial.

Sherman: Sebastian estava totalmente destemido. Muitos outros atores recusaram o papel porque não queriam interpretar Trump.

Strong: Conheci Ali em Telluride anos atrás. Eu tinha visto Border e Holy Spider. Ele é uma espécie de cineasta lynchiano. Como ele mesmo diz, ele gosta de cavalgar o dragão. Mas acho que a verdadeira resposta é que Roy Cohn talvez seja a pessoa mais fascinante que já estudei, interroguei e tentei habitar.

Stan: Sempre vi o filme como uma história de origem. E também como uma ideologia que parece ter se consolidado nos anos 1980. Volto às minhas raízes e à forma como fui apresentado a este país, muito mais do que ao meu interesse particular por ele em si. O que se destacou para mim no roteiro e na história foi o sonho americano e a ideologia de vencer a todo custo.

Abbasi: Para mim, a melhor comparação para (Trump) é Barry Lyndon. Quando pensamos em Barry Lyndon, não pensamos nele como um cara bom ou ruim. Ele tem essa ambivalência e essa capacidade extraordinária de se adaptar. Ele quer ser alguém. Ele não sabe realmente o quê ou por quê. Ele só quer subir na vida.

Capturando a complexidade (com bolas de queijo)

Strong: Cohn é uma figura complicada, cuja sombra se estende até 2024 e esta eleição histórica. Eu era fascinado por Cohn e seus paradoxos. Ele era amado tanto quanto era insultado. Ele tinha um quarto cheio de sapos de pelúcia. Em termos de estudo sociológico e antropológico, acho que ele é um personagem completamente fascinante. Meus julgamentos devem ficar de lado. Mas foi como olhar para o coração da escuridão.

Stan: Não acho que nenhum de nós esteja acima disso. Não acho que nenhum de nós tenha nascido perfeito ou que não seja moralmente questionável. A vida é muito, muito mais confusa e complicada do que isso. Acho que a única maneira de aprendermos é por meio da empatia. Temos que proteger a empatia e continuar a nutri-la. E acho que uma forma de nutrir a empatia é mostrar o que pode ser exatamente oposto a ela.

Abbasi: Tenho ouvido muito isso: Vamos fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra Civil – basta voltar no tempo. Dizem que um filme sobre a Guerra Civil é uma boa metáfora para o modo como nossa sociedade está agora. Eu penso diferente: Nossa sociedade é extremamente empolgante, complexa, complicada, tem enormes problemas e oportunidades. Por que não abordar tudo isso? Temos uma responsabilidade (palavrão).

Da esquerda para a direita: Sebastian Stan, o diretor Ali Abbasi, Maria Bakalova e Jeremy Strong. Foto: Victoria Will/Invision/AP

Strong: Houve momentos em que eu estava falando sobre Succession e pensei naquela frase atribuída a Emerson: “Toda instituição é a sombra de um homem”. E eu pensava nisso em termos de Logan Roy, mas também posso pensar nisso em termos de Roy Cohn. Posso traçar uma linha entre esses dois, com certeza. No filme, Rupert Murdoch está numa festa na casa de Roy na 68th Street, e Roy e Rupert fizeram muitos negócios juntos. De certa forma, sou um Zelig nesses assuntos.

Abbasi: Tinha dias em que eu pensava: “Por que Jeremy não está olhando para mim? Será que ele me odeia?” Ah, ele está no personagem.

Stan: Tem uma cena no filme em que Roy está falando alguma coisa e Donald está comendo bolinhas de queijo. Como Ali era o diretor, a gente nunca sabia onde a câmera estaria de tomada em tomada. Então fizemos muitas e muitas tomadas. Grande parte do filme foi improvisada. Devo ter comido umas trinta bolinhas de queijo naquela noite. Na manhã seguinte, acordei e, lamento dizer, mas passei umas horas no banheiro. Estava com muita dor. Não conseguia sair do banheiro. Foi tipo: Sim, acho que isso é uma atuação do Método.

Em busca de uma distribuidora

Abbasi: Estou um pouco chocado. Sempre soube que os Estados Unidos não são um lugar perfeito. Mas sempre me disseram uma coisa: esta é a terra da liberdade. Esta é a terra da liberdade de expressão. Aqui você pode dizer o que quiser. Não foi o que aconteceu comigo. O que encontrei foram cálculos de negócios.

Strong: O filme foi quase efetivamente banido, e acho isso, por si só, muito assustador e um prenúncio de coisas sombrias. Mas, acima de tudo, é um filme. Não é um ato político ou um evento político. É um filme.

Stan: É importante que qualquer coisa criativa, seja um livro, um filme ou uma pintura, faça perguntas. A obra deve tentar falar sobre coisas difíceis. Acho que temos que continuar fazendo isso. Se chegar o momento em que fique impossível ter qualquer tipo de conversa sobre qualquer coisa, acho que todos nós perderemos. Acho mesmo. Acho que o objetivo de tudo isso é entender o que aconteceu e o que está acontecendo. Mas só tem um jeito de fazer isso, que é jogar luz sobre as coisas.

Abbasi: O que aconteceu é honestamente desanimador. O medo e a ansiedade. Não tenho certeza se vem do medo de um processo judicial ou do fato de que o filme não é uma sequência, não é um remake. Eu achava que as pessoas iriam dizer: Isso é ousado, mas é divertido.

Sherman: Um belo dia, parecia que o acordo seria fechado e lançaríamos o filme. No dia seguinte, tudo desmoronava. Havia essa incerteza constante, não sabíamos se nosso financiador, a Kinematics, concordaria com os termos. Reservei as passagens para Telluride sem saber se conseguiríamos exibir o filme no festival.

Abbasi: Minha regra geral é: se todo mundo está feliz, então tem alguma coisa errada. Não tenho medo de controvérsias. Não é aí que me sinto motivado. Mas também sei que isso aconteceria. O tipo de filme de que gosto tem personalidade, como as pessoas. Algumas pessoas são simpáticas, educadas e neutras, mas esse não é o tipo de pessoa de que geralmente nos lembramos. As pessoas podem ser mal-humoradas ou desbocadas e você se lembra delas. Quero ser uma dessas pessoas de quem você se lembra, em termos de filmes.

Strong: Acho que o filme vai mudar a opinião das pessoas? Não sei. Acho que vai ajudar qualquer pessoa a ter uma ótima compreensão das origens de onde estamos agora? Acho que sim. Acho que vai mover infinitesimalmente a agulha numa direção que espero que seja a nossa? Acho que sim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Poucos filmes deste ano ganharam tantas manchetes quanto O Aprendiz.

O filme de Ali Abbasi sobre um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) sob a tutela do cruel advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) causou alvoroço no Festival de Cinema de Cannes, foi ameaçado com um processo jurídico pela campanha de Trump e viu suas chances de lançamento diminuírem até uma distribuidora, a Briarcliff Entertainment, se dispor a colocá-lo nos cinemas.

Antes da chegada de O Aprendiz aos cinemas nesta semana, a Associated Press conversou com Abbasi, Stan, Strong e o roteirista Gabe Sherman sobre como esse filme tão improvável foi criado e como eles esperam que seja recebido no contexto das eleições de novembro.

A montagem de O Aprendiz

Sherman: Fiquei impressionado com uma coisa que as pessoas que trabalharam para Trump desde os anos 1980 me disseram: Durante a campanha ele usou muitas das estratégias que tinha aprendido com seu mentor, Roy Cohn. A ideia me veio num piscar de olhos. O filme é sobre isso. Donald era o aprendiz de Roy. Vamos fazer uma história de origem, uma história de mentor-aprendiz sobre como esse relacionamento botou Donald no caminho para virar presidente.

Abbasi: Donald e Ivana nunca foram tratados como seres humanos. Ou eles são tratados muito mal ou extremamente bem – é como se fosse uma coisa mitológica. A única maneira de quebrar esse mito é desconstruí-lo. E acho que uma visão humanística é a melhor maneira de desconstruir esse mito.

Sebastian Stan como Donald Trump em 'O Aprendiz', que está entre as estreias da semana. Foto: Diamond Films/Divulgação

Stan: Eu fui na onda. E foi uma aventura, porque não foi um filme que surgiu com muita facilidade. É um filme que eu já conhecia desde um tempo. Conheci Ali em 2019. E aí pensei: Se isso não vai acontecer, não vai acontecer porque não é para acontecer mesmo. Não vai ser por minha causa, porque estou com medo. Não tinha muita concorrência.

Abbasi: No meio daquela loucura, eu sempre soube que esse cara (Stan) estava lá. Para um cineasta, ter esse tipo de aliado e soldado é realmente essencial.

Sherman: Sebastian estava totalmente destemido. Muitos outros atores recusaram o papel porque não queriam interpretar Trump.

Strong: Conheci Ali em Telluride anos atrás. Eu tinha visto Border e Holy Spider. Ele é uma espécie de cineasta lynchiano. Como ele mesmo diz, ele gosta de cavalgar o dragão. Mas acho que a verdadeira resposta é que Roy Cohn talvez seja a pessoa mais fascinante que já estudei, interroguei e tentei habitar.

Stan: Sempre vi o filme como uma história de origem. E também como uma ideologia que parece ter se consolidado nos anos 1980. Volto às minhas raízes e à forma como fui apresentado a este país, muito mais do que ao meu interesse particular por ele em si. O que se destacou para mim no roteiro e na história foi o sonho americano e a ideologia de vencer a todo custo.

Abbasi: Para mim, a melhor comparação para (Trump) é Barry Lyndon. Quando pensamos em Barry Lyndon, não pensamos nele como um cara bom ou ruim. Ele tem essa ambivalência e essa capacidade extraordinária de se adaptar. Ele quer ser alguém. Ele não sabe realmente o quê ou por quê. Ele só quer subir na vida.

Capturando a complexidade (com bolas de queijo)

Strong: Cohn é uma figura complicada, cuja sombra se estende até 2024 e esta eleição histórica. Eu era fascinado por Cohn e seus paradoxos. Ele era amado tanto quanto era insultado. Ele tinha um quarto cheio de sapos de pelúcia. Em termos de estudo sociológico e antropológico, acho que ele é um personagem completamente fascinante. Meus julgamentos devem ficar de lado. Mas foi como olhar para o coração da escuridão.

Stan: Não acho que nenhum de nós esteja acima disso. Não acho que nenhum de nós tenha nascido perfeito ou que não seja moralmente questionável. A vida é muito, muito mais confusa e complicada do que isso. Acho que a única maneira de aprendermos é por meio da empatia. Temos que proteger a empatia e continuar a nutri-la. E acho que uma forma de nutrir a empatia é mostrar o que pode ser exatamente oposto a ela.

Abbasi: Tenho ouvido muito isso: Vamos fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra Civil – basta voltar no tempo. Dizem que um filme sobre a Guerra Civil é uma boa metáfora para o modo como nossa sociedade está agora. Eu penso diferente: Nossa sociedade é extremamente empolgante, complexa, complicada, tem enormes problemas e oportunidades. Por que não abordar tudo isso? Temos uma responsabilidade (palavrão).

Da esquerda para a direita: Sebastian Stan, o diretor Ali Abbasi, Maria Bakalova e Jeremy Strong. Foto: Victoria Will/Invision/AP

Strong: Houve momentos em que eu estava falando sobre Succession e pensei naquela frase atribuída a Emerson: “Toda instituição é a sombra de um homem”. E eu pensava nisso em termos de Logan Roy, mas também posso pensar nisso em termos de Roy Cohn. Posso traçar uma linha entre esses dois, com certeza. No filme, Rupert Murdoch está numa festa na casa de Roy na 68th Street, e Roy e Rupert fizeram muitos negócios juntos. De certa forma, sou um Zelig nesses assuntos.

Abbasi: Tinha dias em que eu pensava: “Por que Jeremy não está olhando para mim? Será que ele me odeia?” Ah, ele está no personagem.

Stan: Tem uma cena no filme em que Roy está falando alguma coisa e Donald está comendo bolinhas de queijo. Como Ali era o diretor, a gente nunca sabia onde a câmera estaria de tomada em tomada. Então fizemos muitas e muitas tomadas. Grande parte do filme foi improvisada. Devo ter comido umas trinta bolinhas de queijo naquela noite. Na manhã seguinte, acordei e, lamento dizer, mas passei umas horas no banheiro. Estava com muita dor. Não conseguia sair do banheiro. Foi tipo: Sim, acho que isso é uma atuação do Método.

Em busca de uma distribuidora

Abbasi: Estou um pouco chocado. Sempre soube que os Estados Unidos não são um lugar perfeito. Mas sempre me disseram uma coisa: esta é a terra da liberdade. Esta é a terra da liberdade de expressão. Aqui você pode dizer o que quiser. Não foi o que aconteceu comigo. O que encontrei foram cálculos de negócios.

Strong: O filme foi quase efetivamente banido, e acho isso, por si só, muito assustador e um prenúncio de coisas sombrias. Mas, acima de tudo, é um filme. Não é um ato político ou um evento político. É um filme.

Stan: É importante que qualquer coisa criativa, seja um livro, um filme ou uma pintura, faça perguntas. A obra deve tentar falar sobre coisas difíceis. Acho que temos que continuar fazendo isso. Se chegar o momento em que fique impossível ter qualquer tipo de conversa sobre qualquer coisa, acho que todos nós perderemos. Acho mesmo. Acho que o objetivo de tudo isso é entender o que aconteceu e o que está acontecendo. Mas só tem um jeito de fazer isso, que é jogar luz sobre as coisas.

Abbasi: O que aconteceu é honestamente desanimador. O medo e a ansiedade. Não tenho certeza se vem do medo de um processo judicial ou do fato de que o filme não é uma sequência, não é um remake. Eu achava que as pessoas iriam dizer: Isso é ousado, mas é divertido.

Sherman: Um belo dia, parecia que o acordo seria fechado e lançaríamos o filme. No dia seguinte, tudo desmoronava. Havia essa incerteza constante, não sabíamos se nosso financiador, a Kinematics, concordaria com os termos. Reservei as passagens para Telluride sem saber se conseguiríamos exibir o filme no festival.

Abbasi: Minha regra geral é: se todo mundo está feliz, então tem alguma coisa errada. Não tenho medo de controvérsias. Não é aí que me sinto motivado. Mas também sei que isso aconteceria. O tipo de filme de que gosto tem personalidade, como as pessoas. Algumas pessoas são simpáticas, educadas e neutras, mas esse não é o tipo de pessoa de que geralmente nos lembramos. As pessoas podem ser mal-humoradas ou desbocadas e você se lembra delas. Quero ser uma dessas pessoas de quem você se lembra, em termos de filmes.

Strong: Acho que o filme vai mudar a opinião das pessoas? Não sei. Acho que vai ajudar qualquer pessoa a ter uma ótima compreensão das origens de onde estamos agora? Acho que sim. Acho que vai mover infinitesimalmente a agulha numa direção que espero que seja a nossa? Acho que sim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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