O que falta para o Brasil sair do zero a zero no Oscar? Especialistas respondem


Às vésperas da maior festa do cinema, produtores e profissionais da área analisam erros passados, reclamam de falta de apoio e sugerem ações para fortalecer futuras candidaturas brasileiras ao Oscar

Por Flávio Pinto
Atualização:

É provável que Barbie e Oppenheimer saiam vitoriosos na 96ª entrega do Oscar, que acontece neste domingo, dia 10. Embora seja esperado o triunfo de produções que representam instituições poderosas dos Estados Unidos, o prêmio está perdendo a cara de festa feita por e para Hollywood. Nos últimos anos, com a chegada de membros mais diversos à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), títulos sul-coreanos, franceses e mexicanos conquistaram vitórias em categorias que vão além do prêmio de filme estrangeiro. Esse processo de internacionalização do evento, no entanto, ainda não gerou frutos para o cinema brasileiro.

A entrega do Oscar de 2024 acontece neste domingo, dia 10 Foto: MAXSHOT_PL/Adobe Stock

O Brasil nunca conquistou um Oscar. Aliás, há pelo menos quatro anos, o País sequer é lembrado pela premiação. A última vez que cruzamos o tapete vermelho foi em 2020, ano em que Democracia em Vertigem, de Petra Costa, foi indicado a Melhor Documentário - e perdeu para Indústria Americana.

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Em contraste, os anos 1990 foram mais generosos com o cinema nacional. No período, recebemos três – das nossas quatro – indicações à categoria de Melhor Filme Internacional, com O Quatrilho (1996), O Que É Isso, Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999). “Naquele período, o cinema nacional adotava uma linguagem mais consonante com os padrões que a Academia costumava premiar”, recorda César Castanha, crítico de cinema e pesquisador.

Isso não significa que a produção nacional perdeu valor. Pelo contrário. Desde a década de 2010, o Brasil vem sendo premiado em festivais como Cannes e Berlim. O problema é que a qualidade não é o único critério que consagra um filme no Oscar: é preciso muito trabalho nos bastidores.

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Falha nossa?

Para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional, uma produção deve ser selecionada como a representante oficial de seu país, que escolhe apenas um título. No Brasil, atualmente, a escolha fica a cargo da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA). O processo adotado pela associação é democrático e estruturado, mas apresenta falhas.

Cena de 'Marte Um', filme que representou o Brasil no Oscar de 2023. Foto: Divulgação/Filmes de Plástico
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“Falta estratégia por trás das escolhas. Não basta apontar um filme bonito ou repleto de ‘brasilidades’. É fundamental avaliar seu potencial de visibilidade e apoio no exterior”, destaca Waldemar Dalenogare, membro da organização.

Ele também sugere uma redução no número de votantes – atualmente, são 25 membros por ano - profissionais do cinema, entre críticos e realizadores. “Dessa forma, poderíamos fazer uma escolha mais criteriosa. É ingenuidade achar que o Oscar vai olhar somente para a qualidade de uma produção”.

Destacar um filme em meio a dezenas de candidatos é um desafio significativo. Em 2023, por exemplo, 88 títulos internacionais foram submetidos para o Oscar. Nesse cenário competitivo, surge o que é considerado o ponto frágil do Brasil: o sistema não oficial imposto pela indústria cinematográfica, que valoriza a exposição guiada por campanhas publicitárias milionárias.

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Hoje, para ser lembrado pelos votantes, é necessário que um filme ganhe exibições especiais para votantes, anúncios em páginas de revistas especializadas, aparições em mesas redondas e outros. Todos esses passos, no entanto, demandam grandes investimentos financeiros – ou conexões sólidas, como ressalta Juliana Sakae, relações públicas das campanhas para o Oscar dos filmes Deserto Particular e Babenco.

Cena do filme 'Deserto Particular', de Aly Muritiba, que ficou fora da disputa de Melhor Filme Internacional em 2023 Foto: Divulgação/Grafo Audiovisual

“Diferentemente dos Estados Unidos, Itália, Polônia e outros países, o Brasil carece de uma rede de apoio para seus candidatos ao prêmio”, afirma Juliana. “Falta que as instituições governamentais reconheçam a importância do prêmio para nossa cultura, e que as instituições tenham um preparo para receber os candidatos.”

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Quem sentiu na pele as dificuldades de fazer a campanha em busca da indicação foi Thiago Macedo, produtor de Marte Um, representante brasileiro no Oscar de 2023. “Quando você recebe a notícia da seleção, parece que o peso do mundo cai sobre seus ombros”, relembra. “A Academia Brasileira me informou sobre a escolha por meio de um e-mail protocolar. Foi o único movimento deles. Tive mais ajuda falando com produtores de filmes selecionados pelo Brasil em outros anos, que me indicaram nomes e contatos lá fora.”

Diogo Capriotti, produtor de Deserto Particular, longa escolhido pela comissão em 2022, conta que se sentiu preterido pela Academia Brasileira durante o processo de candidatura do filme. “Eles deveriam dar mais suporte para a produção escolhida, oferecer o contato de pessoas que também passaram pelo mesmo processo, otimizar passos que precisamos fazer e até mesmo ajudar na campanha. Não me refiro a uma ajuda financeira, mas de suporte e estrutura”, diz.

Segundo Renata Almeida Magalhães, presidente da ABCAA, no entanto, não é papel da instituição a assessoria para a campanha. Entretanto, ela ressalta que o órgão oferece ações que beneficiam os produtores, como uma sessão gratuita para votantes em Los Angeles – como aconteceu em 2023. “O produtor é quem deve ir atrás de um divulgador, pois ele precisa falar com seus pares e entender qual agente ou empresa poderia trabalhar melhor com o seu filme”, acrescenta.

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Quanto ao apoio financeiro, a presidente destaca que a organização é independente e sustentada por seus sócios. “Se esse filme vai se comunicar nos Estados Unidos, é preciso entender qual é o caminho que se deve usar dentro dos recursos que ele tem para melhor chegar nesse lugar. A Academia Brasileira de Cinema não tem esse lugar e não tem dinheiro”, destaca.

Muitos custos

Obstáculos financeiros também surgiram na campanha de Marte Um. “Profissionais da indústria me informaram que uma campanha competitiva de um filme internacional precisava estar na casa dos seis dígitos. E em dólares. Os valores assustam”, revela Macedo. No entanto, a equipe da Filmes de Plástico, produtora do longa, obteve apoio de instituições como Instituto Ibirapitanga, Instituto Guimarães Rosa, Galo da Manhã, Centro Universitário UNA e da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Para a candidatura de Marte Um, Ancine ofereceu um apoio de R$ 200 mil. “Mas é um valor baixo considerando a desvalorização da nossa moeda. Então tive que buscar apoio com outros órgãos,” avalia Thiago Macedo. Ao Estadão, a Agência informou que o valor do apoio que dá já foi corrigido em mais de três vezes desde o início do programa de apoio à candidatura.

Em 2008, época em que Última Parada 174 recebeu o primeiro suporte do órgão, o valor oferecido à campanha do filme dirigido por Bruno Barreto foi de R$ 150 mil. Este ano, Retratos Fantasmas, documentário de Kleber Mendonça Filho selecionado como entrada para o Comitê Internacional do Oscar, ganhou o maior aporte do programa até então, de R$ 460 mil.

“Mas não necessariamente o problema é dinheiro. Tudo bem que um simples anúncio em uma revista dos Estados Unidos pode chegar à casa dos US$ 40 mil. Mas quando se tem o apoio de estrutura para entender qual é o melhor caminho para percorrer e quando os recursos chegam rápido até você, é mais fácil”, aponta Thiago.

Cena do filme 'Central do Brasil', indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Montenegro), em 1999 Foto: Divulgação/RioFilme

“No caso do Brasil, seria interessante o escolhido ter o espaço de um ano inteiro para buscar apoio das instituições, encontrar distribuidor, passar por festivais internacional, e tentar ganhar tração. Porém, na realidade, só temos alguns meses”, explica a relações públicas Juliana Sakae. “Se um filme não tem tempo suficiente para fazer uma campanha, é importante ter dinheiro, ou vice-versa”.

Durante os anos 1990, todos os nossos filmes que chegaram à lista de Melhor Filme Internacional (à época Melhor Filme Estrangeiro) contaram com distribuição ou estratégias de campanha. O Quatrilho, por exemplo, ganhou distribuição internacional da Pandora Pictures e foi apadrinhado por Steven Spielberg. O Que é Isso, Companheiro? e Cidade de Deus foram apoiados pela Miramax, uma das distribuidoras mais influentes em termos de publicidade para o Oscar.

Central do Brasil, além de ter vencido o Urso de Ouro no Festival de Berlim, se beneficiou com o aporte de US$ 1 milhão da Sony Pictures Classics.

E quais foram os filmes indicados pelo Brasil?

Mesmo com um pouco de dificuldade, o Brasil já apareceu entre os indicados da maior premiação do cinema – e em categorias muito importantes.

  • O Pagador de Promessas (1963): Melhor Filme Internacional
  • Raoni (1979): Melhor Documentário
  • O Quatrilho (1996): Melhor Filme Internacional
  • O Que é Isso, Companheiro? (1998): Melhor Filme Internacional
  • Central do Brasil (1999): Melhor Atriz (Fernanda Montenegro) e Melhor Filme Internacional
  • Uma História de Futebol (2001): Melhor Curta-Metragem
  • Cidade de Deus (2004): Melhor Direção (Fernando Meirelles), Melhor Roteiro Adaptado (Bráulio Mantovani), Melhor Edição (Daniel Rezende) e Melhor Fotografia
  • Lixo Extraordinário (2011): Melhor Documentário
  • O Sal da Terra (2016): Melhor Documentário
  • O Menino e o Mundo (2016): Melhor Filme de Animação
  • Democracia em Vertigem (2020): Melhor Documentário

Além disso, outros brasileiros foram indicados por obras estrangeiras:

  • Ary Barroso em Melhor Canção em 1945, com o filme Brazil;
  • Tetê Vasconcellos em Melhor Documentário em 1982, na equipe de direção de El Salvador: Another Vietnam;
  • Carlos Saldanha em Melhor Curta de Animação em 2004, com A Aventura Perdida de Scrat;
  • Sérgio Mendes e Carlinhos Brown em Melhor Canção em 2012, com o filme Rio;
  • Carlos Saldanha em Melhor Animação em 2018, com O Touro Ferdinando.

Novas oportunidades

A busca pelo troféu não é apenas uma questão de vaidade. “Ter um filme indicado aumenta o investimento em cinema local daquele país e mantém seu motor de produção ativo”, pontua Carlos Segundo, diretor de Sideral, curta-metragem pré-selecionado pelo Oscar em 2023.

“Filmes indicados e vencedores conseguem lucros ainda maiores. No caso do Brasil, os longas apontados para a votação se beneficiam do mesmo efeito mesmo sem conquistar uma vaga entre os finalistas”, explica César.

Além do Oscar

Mirella Façanha, Juliana Rojas e Bruna Linzmeyer no Festival de Berlim 2024; na edição deste ano, Rojas venceu o prêmio de Melhor Direção com 'Cidade; Campo', que já desponta como o candidato brasileiro para o Oscar de 2025 Foto: Instagram/@brunalinzmeyer

Embora tenha ficado de fora do Oscar de 2024, o Brasil já iniciou o ano com o pé direito. Em fevereiro, Juliana Rojas recebeu o prêmio de Melhor Direção em mostra paralela no Festival de Berlim com o filme Cidade; Campo. Este reconhecimento alimenta a esperança de que, na próxima temporada de premiações, o cinema brasileiro possa finalmente sair do zero a zero - e de quebra, oferecer um futuro mais promissor para a indústria cinematográfica nacional.

É provável que Barbie e Oppenheimer saiam vitoriosos na 96ª entrega do Oscar, que acontece neste domingo, dia 10. Embora seja esperado o triunfo de produções que representam instituições poderosas dos Estados Unidos, o prêmio está perdendo a cara de festa feita por e para Hollywood. Nos últimos anos, com a chegada de membros mais diversos à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), títulos sul-coreanos, franceses e mexicanos conquistaram vitórias em categorias que vão além do prêmio de filme estrangeiro. Esse processo de internacionalização do evento, no entanto, ainda não gerou frutos para o cinema brasileiro.

A entrega do Oscar de 2024 acontece neste domingo, dia 10 Foto: MAXSHOT_PL/Adobe Stock

O Brasil nunca conquistou um Oscar. Aliás, há pelo menos quatro anos, o País sequer é lembrado pela premiação. A última vez que cruzamos o tapete vermelho foi em 2020, ano em que Democracia em Vertigem, de Petra Costa, foi indicado a Melhor Documentário - e perdeu para Indústria Americana.

Em contraste, os anos 1990 foram mais generosos com o cinema nacional. No período, recebemos três – das nossas quatro – indicações à categoria de Melhor Filme Internacional, com O Quatrilho (1996), O Que É Isso, Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999). “Naquele período, o cinema nacional adotava uma linguagem mais consonante com os padrões que a Academia costumava premiar”, recorda César Castanha, crítico de cinema e pesquisador.

Isso não significa que a produção nacional perdeu valor. Pelo contrário. Desde a década de 2010, o Brasil vem sendo premiado em festivais como Cannes e Berlim. O problema é que a qualidade não é o único critério que consagra um filme no Oscar: é preciso muito trabalho nos bastidores.

Falha nossa?

Para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional, uma produção deve ser selecionada como a representante oficial de seu país, que escolhe apenas um título. No Brasil, atualmente, a escolha fica a cargo da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA). O processo adotado pela associação é democrático e estruturado, mas apresenta falhas.

Cena de 'Marte Um', filme que representou o Brasil no Oscar de 2023. Foto: Divulgação/Filmes de Plástico

“Falta estratégia por trás das escolhas. Não basta apontar um filme bonito ou repleto de ‘brasilidades’. É fundamental avaliar seu potencial de visibilidade e apoio no exterior”, destaca Waldemar Dalenogare, membro da organização.

Ele também sugere uma redução no número de votantes – atualmente, são 25 membros por ano - profissionais do cinema, entre críticos e realizadores. “Dessa forma, poderíamos fazer uma escolha mais criteriosa. É ingenuidade achar que o Oscar vai olhar somente para a qualidade de uma produção”.

Destacar um filme em meio a dezenas de candidatos é um desafio significativo. Em 2023, por exemplo, 88 títulos internacionais foram submetidos para o Oscar. Nesse cenário competitivo, surge o que é considerado o ponto frágil do Brasil: o sistema não oficial imposto pela indústria cinematográfica, que valoriza a exposição guiada por campanhas publicitárias milionárias.

Hoje, para ser lembrado pelos votantes, é necessário que um filme ganhe exibições especiais para votantes, anúncios em páginas de revistas especializadas, aparições em mesas redondas e outros. Todos esses passos, no entanto, demandam grandes investimentos financeiros – ou conexões sólidas, como ressalta Juliana Sakae, relações públicas das campanhas para o Oscar dos filmes Deserto Particular e Babenco.

Cena do filme 'Deserto Particular', de Aly Muritiba, que ficou fora da disputa de Melhor Filme Internacional em 2023 Foto: Divulgação/Grafo Audiovisual

“Diferentemente dos Estados Unidos, Itália, Polônia e outros países, o Brasil carece de uma rede de apoio para seus candidatos ao prêmio”, afirma Juliana. “Falta que as instituições governamentais reconheçam a importância do prêmio para nossa cultura, e que as instituições tenham um preparo para receber os candidatos.”

Quem sentiu na pele as dificuldades de fazer a campanha em busca da indicação foi Thiago Macedo, produtor de Marte Um, representante brasileiro no Oscar de 2023. “Quando você recebe a notícia da seleção, parece que o peso do mundo cai sobre seus ombros”, relembra. “A Academia Brasileira me informou sobre a escolha por meio de um e-mail protocolar. Foi o único movimento deles. Tive mais ajuda falando com produtores de filmes selecionados pelo Brasil em outros anos, que me indicaram nomes e contatos lá fora.”

Diogo Capriotti, produtor de Deserto Particular, longa escolhido pela comissão em 2022, conta que se sentiu preterido pela Academia Brasileira durante o processo de candidatura do filme. “Eles deveriam dar mais suporte para a produção escolhida, oferecer o contato de pessoas que também passaram pelo mesmo processo, otimizar passos que precisamos fazer e até mesmo ajudar na campanha. Não me refiro a uma ajuda financeira, mas de suporte e estrutura”, diz.

Segundo Renata Almeida Magalhães, presidente da ABCAA, no entanto, não é papel da instituição a assessoria para a campanha. Entretanto, ela ressalta que o órgão oferece ações que beneficiam os produtores, como uma sessão gratuita para votantes em Los Angeles – como aconteceu em 2023. “O produtor é quem deve ir atrás de um divulgador, pois ele precisa falar com seus pares e entender qual agente ou empresa poderia trabalhar melhor com o seu filme”, acrescenta.

Quanto ao apoio financeiro, a presidente destaca que a organização é independente e sustentada por seus sócios. “Se esse filme vai se comunicar nos Estados Unidos, é preciso entender qual é o caminho que se deve usar dentro dos recursos que ele tem para melhor chegar nesse lugar. A Academia Brasileira de Cinema não tem esse lugar e não tem dinheiro”, destaca.

Muitos custos

Obstáculos financeiros também surgiram na campanha de Marte Um. “Profissionais da indústria me informaram que uma campanha competitiva de um filme internacional precisava estar na casa dos seis dígitos. E em dólares. Os valores assustam”, revela Macedo. No entanto, a equipe da Filmes de Plástico, produtora do longa, obteve apoio de instituições como Instituto Ibirapitanga, Instituto Guimarães Rosa, Galo da Manhã, Centro Universitário UNA e da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Para a candidatura de Marte Um, Ancine ofereceu um apoio de R$ 200 mil. “Mas é um valor baixo considerando a desvalorização da nossa moeda. Então tive que buscar apoio com outros órgãos,” avalia Thiago Macedo. Ao Estadão, a Agência informou que o valor do apoio que dá já foi corrigido em mais de três vezes desde o início do programa de apoio à candidatura.

Em 2008, época em que Última Parada 174 recebeu o primeiro suporte do órgão, o valor oferecido à campanha do filme dirigido por Bruno Barreto foi de R$ 150 mil. Este ano, Retratos Fantasmas, documentário de Kleber Mendonça Filho selecionado como entrada para o Comitê Internacional do Oscar, ganhou o maior aporte do programa até então, de R$ 460 mil.

“Mas não necessariamente o problema é dinheiro. Tudo bem que um simples anúncio em uma revista dos Estados Unidos pode chegar à casa dos US$ 40 mil. Mas quando se tem o apoio de estrutura para entender qual é o melhor caminho para percorrer e quando os recursos chegam rápido até você, é mais fácil”, aponta Thiago.

Cena do filme 'Central do Brasil', indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Montenegro), em 1999 Foto: Divulgação/RioFilme

“No caso do Brasil, seria interessante o escolhido ter o espaço de um ano inteiro para buscar apoio das instituições, encontrar distribuidor, passar por festivais internacional, e tentar ganhar tração. Porém, na realidade, só temos alguns meses”, explica a relações públicas Juliana Sakae. “Se um filme não tem tempo suficiente para fazer uma campanha, é importante ter dinheiro, ou vice-versa”.

Durante os anos 1990, todos os nossos filmes que chegaram à lista de Melhor Filme Internacional (à época Melhor Filme Estrangeiro) contaram com distribuição ou estratégias de campanha. O Quatrilho, por exemplo, ganhou distribuição internacional da Pandora Pictures e foi apadrinhado por Steven Spielberg. O Que é Isso, Companheiro? e Cidade de Deus foram apoiados pela Miramax, uma das distribuidoras mais influentes em termos de publicidade para o Oscar.

Central do Brasil, além de ter vencido o Urso de Ouro no Festival de Berlim, se beneficiou com o aporte de US$ 1 milhão da Sony Pictures Classics.

E quais foram os filmes indicados pelo Brasil?

Mesmo com um pouco de dificuldade, o Brasil já apareceu entre os indicados da maior premiação do cinema – e em categorias muito importantes.

  • O Pagador de Promessas (1963): Melhor Filme Internacional
  • Raoni (1979): Melhor Documentário
  • O Quatrilho (1996): Melhor Filme Internacional
  • O Que é Isso, Companheiro? (1998): Melhor Filme Internacional
  • Central do Brasil (1999): Melhor Atriz (Fernanda Montenegro) e Melhor Filme Internacional
  • Uma História de Futebol (2001): Melhor Curta-Metragem
  • Cidade de Deus (2004): Melhor Direção (Fernando Meirelles), Melhor Roteiro Adaptado (Bráulio Mantovani), Melhor Edição (Daniel Rezende) e Melhor Fotografia
  • Lixo Extraordinário (2011): Melhor Documentário
  • O Sal da Terra (2016): Melhor Documentário
  • O Menino e o Mundo (2016): Melhor Filme de Animação
  • Democracia em Vertigem (2020): Melhor Documentário

Além disso, outros brasileiros foram indicados por obras estrangeiras:

  • Ary Barroso em Melhor Canção em 1945, com o filme Brazil;
  • Tetê Vasconcellos em Melhor Documentário em 1982, na equipe de direção de El Salvador: Another Vietnam;
  • Carlos Saldanha em Melhor Curta de Animação em 2004, com A Aventura Perdida de Scrat;
  • Sérgio Mendes e Carlinhos Brown em Melhor Canção em 2012, com o filme Rio;
  • Carlos Saldanha em Melhor Animação em 2018, com O Touro Ferdinando.

Novas oportunidades

A busca pelo troféu não é apenas uma questão de vaidade. “Ter um filme indicado aumenta o investimento em cinema local daquele país e mantém seu motor de produção ativo”, pontua Carlos Segundo, diretor de Sideral, curta-metragem pré-selecionado pelo Oscar em 2023.

“Filmes indicados e vencedores conseguem lucros ainda maiores. No caso do Brasil, os longas apontados para a votação se beneficiam do mesmo efeito mesmo sem conquistar uma vaga entre os finalistas”, explica César.

Além do Oscar

Mirella Façanha, Juliana Rojas e Bruna Linzmeyer no Festival de Berlim 2024; na edição deste ano, Rojas venceu o prêmio de Melhor Direção com 'Cidade; Campo', que já desponta como o candidato brasileiro para o Oscar de 2025 Foto: Instagram/@brunalinzmeyer

Embora tenha ficado de fora do Oscar de 2024, o Brasil já iniciou o ano com o pé direito. Em fevereiro, Juliana Rojas recebeu o prêmio de Melhor Direção em mostra paralela no Festival de Berlim com o filme Cidade; Campo. Este reconhecimento alimenta a esperança de que, na próxima temporada de premiações, o cinema brasileiro possa finalmente sair do zero a zero - e de quebra, oferecer um futuro mais promissor para a indústria cinematográfica nacional.

É provável que Barbie e Oppenheimer saiam vitoriosos na 96ª entrega do Oscar, que acontece neste domingo, dia 10. Embora seja esperado o triunfo de produções que representam instituições poderosas dos Estados Unidos, o prêmio está perdendo a cara de festa feita por e para Hollywood. Nos últimos anos, com a chegada de membros mais diversos à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), títulos sul-coreanos, franceses e mexicanos conquistaram vitórias em categorias que vão além do prêmio de filme estrangeiro. Esse processo de internacionalização do evento, no entanto, ainda não gerou frutos para o cinema brasileiro.

A entrega do Oscar de 2024 acontece neste domingo, dia 10 Foto: MAXSHOT_PL/Adobe Stock

O Brasil nunca conquistou um Oscar. Aliás, há pelo menos quatro anos, o País sequer é lembrado pela premiação. A última vez que cruzamos o tapete vermelho foi em 2020, ano em que Democracia em Vertigem, de Petra Costa, foi indicado a Melhor Documentário - e perdeu para Indústria Americana.

Em contraste, os anos 1990 foram mais generosos com o cinema nacional. No período, recebemos três – das nossas quatro – indicações à categoria de Melhor Filme Internacional, com O Quatrilho (1996), O Que É Isso, Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999). “Naquele período, o cinema nacional adotava uma linguagem mais consonante com os padrões que a Academia costumava premiar”, recorda César Castanha, crítico de cinema e pesquisador.

Isso não significa que a produção nacional perdeu valor. Pelo contrário. Desde a década de 2010, o Brasil vem sendo premiado em festivais como Cannes e Berlim. O problema é que a qualidade não é o único critério que consagra um filme no Oscar: é preciso muito trabalho nos bastidores.

Falha nossa?

Para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional, uma produção deve ser selecionada como a representante oficial de seu país, que escolhe apenas um título. No Brasil, atualmente, a escolha fica a cargo da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA). O processo adotado pela associação é democrático e estruturado, mas apresenta falhas.

Cena de 'Marte Um', filme que representou o Brasil no Oscar de 2023. Foto: Divulgação/Filmes de Plástico

“Falta estratégia por trás das escolhas. Não basta apontar um filme bonito ou repleto de ‘brasilidades’. É fundamental avaliar seu potencial de visibilidade e apoio no exterior”, destaca Waldemar Dalenogare, membro da organização.

Ele também sugere uma redução no número de votantes – atualmente, são 25 membros por ano - profissionais do cinema, entre críticos e realizadores. “Dessa forma, poderíamos fazer uma escolha mais criteriosa. É ingenuidade achar que o Oscar vai olhar somente para a qualidade de uma produção”.

Destacar um filme em meio a dezenas de candidatos é um desafio significativo. Em 2023, por exemplo, 88 títulos internacionais foram submetidos para o Oscar. Nesse cenário competitivo, surge o que é considerado o ponto frágil do Brasil: o sistema não oficial imposto pela indústria cinematográfica, que valoriza a exposição guiada por campanhas publicitárias milionárias.

Hoje, para ser lembrado pelos votantes, é necessário que um filme ganhe exibições especiais para votantes, anúncios em páginas de revistas especializadas, aparições em mesas redondas e outros. Todos esses passos, no entanto, demandam grandes investimentos financeiros – ou conexões sólidas, como ressalta Juliana Sakae, relações públicas das campanhas para o Oscar dos filmes Deserto Particular e Babenco.

Cena do filme 'Deserto Particular', de Aly Muritiba, que ficou fora da disputa de Melhor Filme Internacional em 2023 Foto: Divulgação/Grafo Audiovisual

“Diferentemente dos Estados Unidos, Itália, Polônia e outros países, o Brasil carece de uma rede de apoio para seus candidatos ao prêmio”, afirma Juliana. “Falta que as instituições governamentais reconheçam a importância do prêmio para nossa cultura, e que as instituições tenham um preparo para receber os candidatos.”

Quem sentiu na pele as dificuldades de fazer a campanha em busca da indicação foi Thiago Macedo, produtor de Marte Um, representante brasileiro no Oscar de 2023. “Quando você recebe a notícia da seleção, parece que o peso do mundo cai sobre seus ombros”, relembra. “A Academia Brasileira me informou sobre a escolha por meio de um e-mail protocolar. Foi o único movimento deles. Tive mais ajuda falando com produtores de filmes selecionados pelo Brasil em outros anos, que me indicaram nomes e contatos lá fora.”

Diogo Capriotti, produtor de Deserto Particular, longa escolhido pela comissão em 2022, conta que se sentiu preterido pela Academia Brasileira durante o processo de candidatura do filme. “Eles deveriam dar mais suporte para a produção escolhida, oferecer o contato de pessoas que também passaram pelo mesmo processo, otimizar passos que precisamos fazer e até mesmo ajudar na campanha. Não me refiro a uma ajuda financeira, mas de suporte e estrutura”, diz.

Segundo Renata Almeida Magalhães, presidente da ABCAA, no entanto, não é papel da instituição a assessoria para a campanha. Entretanto, ela ressalta que o órgão oferece ações que beneficiam os produtores, como uma sessão gratuita para votantes em Los Angeles – como aconteceu em 2023. “O produtor é quem deve ir atrás de um divulgador, pois ele precisa falar com seus pares e entender qual agente ou empresa poderia trabalhar melhor com o seu filme”, acrescenta.

Quanto ao apoio financeiro, a presidente destaca que a organização é independente e sustentada por seus sócios. “Se esse filme vai se comunicar nos Estados Unidos, é preciso entender qual é o caminho que se deve usar dentro dos recursos que ele tem para melhor chegar nesse lugar. A Academia Brasileira de Cinema não tem esse lugar e não tem dinheiro”, destaca.

Muitos custos

Obstáculos financeiros também surgiram na campanha de Marte Um. “Profissionais da indústria me informaram que uma campanha competitiva de um filme internacional precisava estar na casa dos seis dígitos. E em dólares. Os valores assustam”, revela Macedo. No entanto, a equipe da Filmes de Plástico, produtora do longa, obteve apoio de instituições como Instituto Ibirapitanga, Instituto Guimarães Rosa, Galo da Manhã, Centro Universitário UNA e da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Para a candidatura de Marte Um, Ancine ofereceu um apoio de R$ 200 mil. “Mas é um valor baixo considerando a desvalorização da nossa moeda. Então tive que buscar apoio com outros órgãos,” avalia Thiago Macedo. Ao Estadão, a Agência informou que o valor do apoio que dá já foi corrigido em mais de três vezes desde o início do programa de apoio à candidatura.

Em 2008, época em que Última Parada 174 recebeu o primeiro suporte do órgão, o valor oferecido à campanha do filme dirigido por Bruno Barreto foi de R$ 150 mil. Este ano, Retratos Fantasmas, documentário de Kleber Mendonça Filho selecionado como entrada para o Comitê Internacional do Oscar, ganhou o maior aporte do programa até então, de R$ 460 mil.

“Mas não necessariamente o problema é dinheiro. Tudo bem que um simples anúncio em uma revista dos Estados Unidos pode chegar à casa dos US$ 40 mil. Mas quando se tem o apoio de estrutura para entender qual é o melhor caminho para percorrer e quando os recursos chegam rápido até você, é mais fácil”, aponta Thiago.

Cena do filme 'Central do Brasil', indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Montenegro), em 1999 Foto: Divulgação/RioFilme

“No caso do Brasil, seria interessante o escolhido ter o espaço de um ano inteiro para buscar apoio das instituições, encontrar distribuidor, passar por festivais internacional, e tentar ganhar tração. Porém, na realidade, só temos alguns meses”, explica a relações públicas Juliana Sakae. “Se um filme não tem tempo suficiente para fazer uma campanha, é importante ter dinheiro, ou vice-versa”.

Durante os anos 1990, todos os nossos filmes que chegaram à lista de Melhor Filme Internacional (à época Melhor Filme Estrangeiro) contaram com distribuição ou estratégias de campanha. O Quatrilho, por exemplo, ganhou distribuição internacional da Pandora Pictures e foi apadrinhado por Steven Spielberg. O Que é Isso, Companheiro? e Cidade de Deus foram apoiados pela Miramax, uma das distribuidoras mais influentes em termos de publicidade para o Oscar.

Central do Brasil, além de ter vencido o Urso de Ouro no Festival de Berlim, se beneficiou com o aporte de US$ 1 milhão da Sony Pictures Classics.

E quais foram os filmes indicados pelo Brasil?

Mesmo com um pouco de dificuldade, o Brasil já apareceu entre os indicados da maior premiação do cinema – e em categorias muito importantes.

  • O Pagador de Promessas (1963): Melhor Filme Internacional
  • Raoni (1979): Melhor Documentário
  • O Quatrilho (1996): Melhor Filme Internacional
  • O Que é Isso, Companheiro? (1998): Melhor Filme Internacional
  • Central do Brasil (1999): Melhor Atriz (Fernanda Montenegro) e Melhor Filme Internacional
  • Uma História de Futebol (2001): Melhor Curta-Metragem
  • Cidade de Deus (2004): Melhor Direção (Fernando Meirelles), Melhor Roteiro Adaptado (Bráulio Mantovani), Melhor Edição (Daniel Rezende) e Melhor Fotografia
  • Lixo Extraordinário (2011): Melhor Documentário
  • O Sal da Terra (2016): Melhor Documentário
  • O Menino e o Mundo (2016): Melhor Filme de Animação
  • Democracia em Vertigem (2020): Melhor Documentário

Além disso, outros brasileiros foram indicados por obras estrangeiras:

  • Ary Barroso em Melhor Canção em 1945, com o filme Brazil;
  • Tetê Vasconcellos em Melhor Documentário em 1982, na equipe de direção de El Salvador: Another Vietnam;
  • Carlos Saldanha em Melhor Curta de Animação em 2004, com A Aventura Perdida de Scrat;
  • Sérgio Mendes e Carlinhos Brown em Melhor Canção em 2012, com o filme Rio;
  • Carlos Saldanha em Melhor Animação em 2018, com O Touro Ferdinando.

Novas oportunidades

A busca pelo troféu não é apenas uma questão de vaidade. “Ter um filme indicado aumenta o investimento em cinema local daquele país e mantém seu motor de produção ativo”, pontua Carlos Segundo, diretor de Sideral, curta-metragem pré-selecionado pelo Oscar em 2023.

“Filmes indicados e vencedores conseguem lucros ainda maiores. No caso do Brasil, os longas apontados para a votação se beneficiam do mesmo efeito mesmo sem conquistar uma vaga entre os finalistas”, explica César.

Além do Oscar

Mirella Façanha, Juliana Rojas e Bruna Linzmeyer no Festival de Berlim 2024; na edição deste ano, Rojas venceu o prêmio de Melhor Direção com 'Cidade; Campo', que já desponta como o candidato brasileiro para o Oscar de 2025 Foto: Instagram/@brunalinzmeyer

Embora tenha ficado de fora do Oscar de 2024, o Brasil já iniciou o ano com o pé direito. Em fevereiro, Juliana Rojas recebeu o prêmio de Melhor Direção em mostra paralela no Festival de Berlim com o filme Cidade; Campo. Este reconhecimento alimenta a esperança de que, na próxima temporada de premiações, o cinema brasileiro possa finalmente sair do zero a zero - e de quebra, oferecer um futuro mais promissor para a indústria cinematográfica nacional.

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