O terror ‘social’ de ‘Morto Não Fala’ tem a cara do País


Longa de Dennison Ramalho com Daniel de Oliveira estreia nesta quinta no Brasil após dar a volta ao mundo em festivais

Por Luiz Carlos Merten

Na origem de Morto Não Fala, o longa de Dennison Ramalho que estreia nesta quinta, 10 - depois de rodar 40 festivais de todo o mundo e estrear, por streaming, em países como Estados Unidos e Austrália -, está o conto do jornalista Marco de Castro, publicado em seu blog, Casa do Terror. 

Os mortos se comunicam com o médico-legista Stênio, vivido por Daniel de Oliveira Foto: Pagu Pictures

Quem já se acostumou ao cinema brasileiro de gênero, mas ainda guarda algum complexo de inferioridade, achando que o terror dos gringos é melhor, vale destacar que o New York Times não deixou por menos e colocou The Nightshifter no mesmo plano de Nós, de Jordan Pelle, entre os melhores do ano. No site Rotten Tomatoes, o índice de aprovação é de 92%. E tudo começou com o que seria uma série, quando a Globo encomendou um projeto à Casa de Cinema de Porto Alegre. A produtora Nora Goulart foi atrás de Dennison, que fazia doutorado de cinema nos EUA, na Universidade Columbia. A série terminou virando filme - você já deve ter visto as chamadas e o trailer na TV, porque a Globo tomou a si a divulgação.

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Para quem se queixa da falta de visibilidade da produção brasileira no mercado - só nesta semana estreiam 12 filmes, dos quais 8 são nacionais e a maioria entra para o sacrifício, em uma ou duas salas, um ou dois horários -, é bom saber que Morto Não Fala entra com chance de faturar. O filme, aliás, foi produzido sem leis de incentivo, outra prova de que todo mundo envolvido acredita no produto. 

O filme traz Daniel de Oliveira como legista num necrotério. Acostumado a viver entre os mortos, ele conseguiu entabular a comunicação com eles. Os mortos não só falam como fofocam, e lhe contam que sua mulher está tendo um caso. Possesso, Daniel, que se chama Stênio, manda matar o rival. A sede de vingança só não vira comédia de erros porque o objetivo não é fazer rir, mas provocar medo. Um drama de erros, brinca a atriz Fabiula Nascimento, que faz a mulher. Uma coisa leva a outra, ela também quer se vingar e a desgraceira vira bola de neve.

Diretor de curtas, Dennison não se admira tanto com a acolhida a Morto Não Fala em festivais de gêneros. Admira-se, isso sim, que curadores de festivais não segmentados tenham visto as qualidades do filme e o tenham apresentado com obras com referencial de arte. 

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Dennison curte o gênero, como sabe quem viu seus curtas, mas, como roteirista, está ligado à série Carcereiros. “Tudo o que tenho feito, de uma forma ou outra, me liga ao necrotério ou à prisão. O Marco (de Castro) é repórter policial, conhece esse universo. Muita gente chegou a fazer a ligação entre Morto Não Fala e o cinema de George Romero - A Noite dos Mortos-Vivos - porque, mesmo que não quiséssemos, a morgue vira representação da sociedade brasileira. Naquelas mesas em que o Stênio trabalha tem negros demais mortos, e vítimas da violência policial. A preocupação foi sempre fazer um terror de matriz brasileira, taí nossa contribuição.”

Não apenas. Stênio/Daniel, além de dar duro nas noites do necrotério, mora numa periferia violenta e é detestado pela mulher - a que o trai. Daniel embarcou no clima mórbido e noturno. “Chegou a aprender a costurar cadáveres”, resume o diretor. 

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Fabiula Nascimento, que faz sucesso na atual novela das 7 - Bom Sucesso -, curtiu demais a experiência terrorífica (apesar das horas de maquiagem, todo dia). “Esse negócio de gritar (e ela grita ao telefone) é muito divertido.” Jamie Lee Curtis tornou-se conhecida como rainha do grito, screaming queen, na ficção de Hollywood. Marco Ricca e Bianca Comparato, como filha dele, completam o elenco principal. A personagem de Fabiula não é flor que se cheire, mas o marido - Stênio - é um canalha. Machista, não suporta ser traído e começa toda essa confusão. 

Dennison Ramalho reflete: “A ambiguidade moral é própria do cinema de gênero, e do terror. São personagens que viajam no seu lado sombrio, mas também é própria do gênero a ideia da redenção. Existe a possibilidade de que o tema surja principalmente na série - sim, há boa possibilidade de que Morto Não Fala termine virando série”.

Justamente, os mortos que falam. Se os caras estão mortos, e imóveis, como podem falar? “Tem trucagem nisso. Providenciamos bonecos idênticos aos atores, e são eles que movem os lábios. Da junção digital de bonecos e atores sai a fala. É um recurso simples, mas em todo o mundo as pessoas curtem.”

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Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento em cena de 'Morto Não Fala' Foto: Pagu Pictures

Crítica: Terror nacional que consegue fugir do óbvio 

por Luiz Zanin Oricchio

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Mortos não falam. A não ser com Stênio, o plantonista do Instituto Médico-Legal interpretado por Daniel de Oliveira. O que os finados lhe dizem são confidências das mais tortuosas. Envolvem da intimidade de sua esposa, Odete (Fabiula Nascimento), a relações perigosas com gangues, polícias e milícias. 

O que se pode dizer deste que é o primeiro longa-metragem de Dennison Ramalho é que coloca o terror brasileiro contemporâneo em um patamar de excelência. Dennison sabe filmar. É diretor consistente e trabalha bem com imagens, como já se sabia por seus inúmeros curtas-metragens. E também por ter sido assistente de direção de Encarnação do Demônio, filme que trouxe de volta um então afastado José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Mojica é patrono de todos os aficionados brasileiros pelo gênero terror e foi considerado um dos grandes cineastas do País na época do cinema dito “marginal”. Em Morto Não Fala, Dennison mostra-se um discípulo à altura do mestre. Em particular por colocar a distopia social brasileira no centro de sua história de horror. Não cai em sustinhos fáceis, próprios do gênero quando tratado de maneira óbvia. Prefere aliar o sobrenatural ao realismo social que, muitas vezes, revela-se mais macabro que qualquer aparição do além. 

O erro de Stênio é quebrar o pacto com os mortos para resolver um problema particular. Ele é casado com Odete, que não o suporta mais. Ela não aguenta nem o cheiro trazido pelo marido do trabalho, entranhado na pele e nas roupas. Odor de morte. Odete envolve-se com outro homem, Jaime (Marco Ricca), dono de um botequim vizinho. Essa quebra de sigilo entre o aquém e o além-túmulo precipita uma situação incontrolável para o traidor, que se estende a uma mocinha amiga da família (Bianca Comparato) e aos filhos de Stênio e Odete. 

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Morto Não Fala tem seu lado gore. Não evita nem a sangueira nem as sequências de cemitério, ambas de rigueur no gênero. Mas, de modo geral, Denisson, como cineasta, tenta se livrar do óbvio, dos clichês e das ideias recorrentes. 

O resultado é muito bom, seja pela qualidade da filmagem, pela originalidade de tratamento do tema, seja pela excelência do elenco. Nem todo cineasta é capaz de reunir uma trinca de craques como Daniel de Oliveira, Marco Ricca e Fabiula Nascimento. Trabalhar com gente desse quilate é coisa de outro mundo. 

Na origem de Morto Não Fala, o longa de Dennison Ramalho que estreia nesta quinta, 10 - depois de rodar 40 festivais de todo o mundo e estrear, por streaming, em países como Estados Unidos e Austrália -, está o conto do jornalista Marco de Castro, publicado em seu blog, Casa do Terror. 

Os mortos se comunicam com o médico-legista Stênio, vivido por Daniel de Oliveira Foto: Pagu Pictures

Quem já se acostumou ao cinema brasileiro de gênero, mas ainda guarda algum complexo de inferioridade, achando que o terror dos gringos é melhor, vale destacar que o New York Times não deixou por menos e colocou The Nightshifter no mesmo plano de Nós, de Jordan Pelle, entre os melhores do ano. No site Rotten Tomatoes, o índice de aprovação é de 92%. E tudo começou com o que seria uma série, quando a Globo encomendou um projeto à Casa de Cinema de Porto Alegre. A produtora Nora Goulart foi atrás de Dennison, que fazia doutorado de cinema nos EUA, na Universidade Columbia. A série terminou virando filme - você já deve ter visto as chamadas e o trailer na TV, porque a Globo tomou a si a divulgação.

Para quem se queixa da falta de visibilidade da produção brasileira no mercado - só nesta semana estreiam 12 filmes, dos quais 8 são nacionais e a maioria entra para o sacrifício, em uma ou duas salas, um ou dois horários -, é bom saber que Morto Não Fala entra com chance de faturar. O filme, aliás, foi produzido sem leis de incentivo, outra prova de que todo mundo envolvido acredita no produto. 

O filme traz Daniel de Oliveira como legista num necrotério. Acostumado a viver entre os mortos, ele conseguiu entabular a comunicação com eles. Os mortos não só falam como fofocam, e lhe contam que sua mulher está tendo um caso. Possesso, Daniel, que se chama Stênio, manda matar o rival. A sede de vingança só não vira comédia de erros porque o objetivo não é fazer rir, mas provocar medo. Um drama de erros, brinca a atriz Fabiula Nascimento, que faz a mulher. Uma coisa leva a outra, ela também quer se vingar e a desgraceira vira bola de neve.

Diretor de curtas, Dennison não se admira tanto com a acolhida a Morto Não Fala em festivais de gêneros. Admira-se, isso sim, que curadores de festivais não segmentados tenham visto as qualidades do filme e o tenham apresentado com obras com referencial de arte. 

Dennison curte o gênero, como sabe quem viu seus curtas, mas, como roteirista, está ligado à série Carcereiros. “Tudo o que tenho feito, de uma forma ou outra, me liga ao necrotério ou à prisão. O Marco (de Castro) é repórter policial, conhece esse universo. Muita gente chegou a fazer a ligação entre Morto Não Fala e o cinema de George Romero - A Noite dos Mortos-Vivos - porque, mesmo que não quiséssemos, a morgue vira representação da sociedade brasileira. Naquelas mesas em que o Stênio trabalha tem negros demais mortos, e vítimas da violência policial. A preocupação foi sempre fazer um terror de matriz brasileira, taí nossa contribuição.”

Não apenas. Stênio/Daniel, além de dar duro nas noites do necrotério, mora numa periferia violenta e é detestado pela mulher - a que o trai. Daniel embarcou no clima mórbido e noturno. “Chegou a aprender a costurar cadáveres”, resume o diretor. 

Fabiula Nascimento, que faz sucesso na atual novela das 7 - Bom Sucesso -, curtiu demais a experiência terrorífica (apesar das horas de maquiagem, todo dia). “Esse negócio de gritar (e ela grita ao telefone) é muito divertido.” Jamie Lee Curtis tornou-se conhecida como rainha do grito, screaming queen, na ficção de Hollywood. Marco Ricca e Bianca Comparato, como filha dele, completam o elenco principal. A personagem de Fabiula não é flor que se cheire, mas o marido - Stênio - é um canalha. Machista, não suporta ser traído e começa toda essa confusão. 

Dennison Ramalho reflete: “A ambiguidade moral é própria do cinema de gênero, e do terror. São personagens que viajam no seu lado sombrio, mas também é própria do gênero a ideia da redenção. Existe a possibilidade de que o tema surja principalmente na série - sim, há boa possibilidade de que Morto Não Fala termine virando série”.

Justamente, os mortos que falam. Se os caras estão mortos, e imóveis, como podem falar? “Tem trucagem nisso. Providenciamos bonecos idênticos aos atores, e são eles que movem os lábios. Da junção digital de bonecos e atores sai a fala. É um recurso simples, mas em todo o mundo as pessoas curtem.”

Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento em cena de 'Morto Não Fala' Foto: Pagu Pictures

Crítica: Terror nacional que consegue fugir do óbvio 

por Luiz Zanin Oricchio

Mortos não falam. A não ser com Stênio, o plantonista do Instituto Médico-Legal interpretado por Daniel de Oliveira. O que os finados lhe dizem são confidências das mais tortuosas. Envolvem da intimidade de sua esposa, Odete (Fabiula Nascimento), a relações perigosas com gangues, polícias e milícias. 

O que se pode dizer deste que é o primeiro longa-metragem de Dennison Ramalho é que coloca o terror brasileiro contemporâneo em um patamar de excelência. Dennison sabe filmar. É diretor consistente e trabalha bem com imagens, como já se sabia por seus inúmeros curtas-metragens. E também por ter sido assistente de direção de Encarnação do Demônio, filme que trouxe de volta um então afastado José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Mojica é patrono de todos os aficionados brasileiros pelo gênero terror e foi considerado um dos grandes cineastas do País na época do cinema dito “marginal”. Em Morto Não Fala, Dennison mostra-se um discípulo à altura do mestre. Em particular por colocar a distopia social brasileira no centro de sua história de horror. Não cai em sustinhos fáceis, próprios do gênero quando tratado de maneira óbvia. Prefere aliar o sobrenatural ao realismo social que, muitas vezes, revela-se mais macabro que qualquer aparição do além. 

O erro de Stênio é quebrar o pacto com os mortos para resolver um problema particular. Ele é casado com Odete, que não o suporta mais. Ela não aguenta nem o cheiro trazido pelo marido do trabalho, entranhado na pele e nas roupas. Odor de morte. Odete envolve-se com outro homem, Jaime (Marco Ricca), dono de um botequim vizinho. Essa quebra de sigilo entre o aquém e o além-túmulo precipita uma situação incontrolável para o traidor, que se estende a uma mocinha amiga da família (Bianca Comparato) e aos filhos de Stênio e Odete. 

Morto Não Fala tem seu lado gore. Não evita nem a sangueira nem as sequências de cemitério, ambas de rigueur no gênero. Mas, de modo geral, Denisson, como cineasta, tenta se livrar do óbvio, dos clichês e das ideias recorrentes. 

O resultado é muito bom, seja pela qualidade da filmagem, pela originalidade de tratamento do tema, seja pela excelência do elenco. Nem todo cineasta é capaz de reunir uma trinca de craques como Daniel de Oliveira, Marco Ricca e Fabiula Nascimento. Trabalhar com gente desse quilate é coisa de outro mundo. 

Na origem de Morto Não Fala, o longa de Dennison Ramalho que estreia nesta quinta, 10 - depois de rodar 40 festivais de todo o mundo e estrear, por streaming, em países como Estados Unidos e Austrália -, está o conto do jornalista Marco de Castro, publicado em seu blog, Casa do Terror. 

Os mortos se comunicam com o médico-legista Stênio, vivido por Daniel de Oliveira Foto: Pagu Pictures

Quem já se acostumou ao cinema brasileiro de gênero, mas ainda guarda algum complexo de inferioridade, achando que o terror dos gringos é melhor, vale destacar que o New York Times não deixou por menos e colocou The Nightshifter no mesmo plano de Nós, de Jordan Pelle, entre os melhores do ano. No site Rotten Tomatoes, o índice de aprovação é de 92%. E tudo começou com o que seria uma série, quando a Globo encomendou um projeto à Casa de Cinema de Porto Alegre. A produtora Nora Goulart foi atrás de Dennison, que fazia doutorado de cinema nos EUA, na Universidade Columbia. A série terminou virando filme - você já deve ter visto as chamadas e o trailer na TV, porque a Globo tomou a si a divulgação.

Para quem se queixa da falta de visibilidade da produção brasileira no mercado - só nesta semana estreiam 12 filmes, dos quais 8 são nacionais e a maioria entra para o sacrifício, em uma ou duas salas, um ou dois horários -, é bom saber que Morto Não Fala entra com chance de faturar. O filme, aliás, foi produzido sem leis de incentivo, outra prova de que todo mundo envolvido acredita no produto. 

O filme traz Daniel de Oliveira como legista num necrotério. Acostumado a viver entre os mortos, ele conseguiu entabular a comunicação com eles. Os mortos não só falam como fofocam, e lhe contam que sua mulher está tendo um caso. Possesso, Daniel, que se chama Stênio, manda matar o rival. A sede de vingança só não vira comédia de erros porque o objetivo não é fazer rir, mas provocar medo. Um drama de erros, brinca a atriz Fabiula Nascimento, que faz a mulher. Uma coisa leva a outra, ela também quer se vingar e a desgraceira vira bola de neve.

Diretor de curtas, Dennison não se admira tanto com a acolhida a Morto Não Fala em festivais de gêneros. Admira-se, isso sim, que curadores de festivais não segmentados tenham visto as qualidades do filme e o tenham apresentado com obras com referencial de arte. 

Dennison curte o gênero, como sabe quem viu seus curtas, mas, como roteirista, está ligado à série Carcereiros. “Tudo o que tenho feito, de uma forma ou outra, me liga ao necrotério ou à prisão. O Marco (de Castro) é repórter policial, conhece esse universo. Muita gente chegou a fazer a ligação entre Morto Não Fala e o cinema de George Romero - A Noite dos Mortos-Vivos - porque, mesmo que não quiséssemos, a morgue vira representação da sociedade brasileira. Naquelas mesas em que o Stênio trabalha tem negros demais mortos, e vítimas da violência policial. A preocupação foi sempre fazer um terror de matriz brasileira, taí nossa contribuição.”

Não apenas. Stênio/Daniel, além de dar duro nas noites do necrotério, mora numa periferia violenta e é detestado pela mulher - a que o trai. Daniel embarcou no clima mórbido e noturno. “Chegou a aprender a costurar cadáveres”, resume o diretor. 

Fabiula Nascimento, que faz sucesso na atual novela das 7 - Bom Sucesso -, curtiu demais a experiência terrorífica (apesar das horas de maquiagem, todo dia). “Esse negócio de gritar (e ela grita ao telefone) é muito divertido.” Jamie Lee Curtis tornou-se conhecida como rainha do grito, screaming queen, na ficção de Hollywood. Marco Ricca e Bianca Comparato, como filha dele, completam o elenco principal. A personagem de Fabiula não é flor que se cheire, mas o marido - Stênio - é um canalha. Machista, não suporta ser traído e começa toda essa confusão. 

Dennison Ramalho reflete: “A ambiguidade moral é própria do cinema de gênero, e do terror. São personagens que viajam no seu lado sombrio, mas também é própria do gênero a ideia da redenção. Existe a possibilidade de que o tema surja principalmente na série - sim, há boa possibilidade de que Morto Não Fala termine virando série”.

Justamente, os mortos que falam. Se os caras estão mortos, e imóveis, como podem falar? “Tem trucagem nisso. Providenciamos bonecos idênticos aos atores, e são eles que movem os lábios. Da junção digital de bonecos e atores sai a fala. É um recurso simples, mas em todo o mundo as pessoas curtem.”

Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento em cena de 'Morto Não Fala' Foto: Pagu Pictures

Crítica: Terror nacional que consegue fugir do óbvio 

por Luiz Zanin Oricchio

Mortos não falam. A não ser com Stênio, o plantonista do Instituto Médico-Legal interpretado por Daniel de Oliveira. O que os finados lhe dizem são confidências das mais tortuosas. Envolvem da intimidade de sua esposa, Odete (Fabiula Nascimento), a relações perigosas com gangues, polícias e milícias. 

O que se pode dizer deste que é o primeiro longa-metragem de Dennison Ramalho é que coloca o terror brasileiro contemporâneo em um patamar de excelência. Dennison sabe filmar. É diretor consistente e trabalha bem com imagens, como já se sabia por seus inúmeros curtas-metragens. E também por ter sido assistente de direção de Encarnação do Demônio, filme que trouxe de volta um então afastado José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Mojica é patrono de todos os aficionados brasileiros pelo gênero terror e foi considerado um dos grandes cineastas do País na época do cinema dito “marginal”. Em Morto Não Fala, Dennison mostra-se um discípulo à altura do mestre. Em particular por colocar a distopia social brasileira no centro de sua história de horror. Não cai em sustinhos fáceis, próprios do gênero quando tratado de maneira óbvia. Prefere aliar o sobrenatural ao realismo social que, muitas vezes, revela-se mais macabro que qualquer aparição do além. 

O erro de Stênio é quebrar o pacto com os mortos para resolver um problema particular. Ele é casado com Odete, que não o suporta mais. Ela não aguenta nem o cheiro trazido pelo marido do trabalho, entranhado na pele e nas roupas. Odor de morte. Odete envolve-se com outro homem, Jaime (Marco Ricca), dono de um botequim vizinho. Essa quebra de sigilo entre o aquém e o além-túmulo precipita uma situação incontrolável para o traidor, que se estende a uma mocinha amiga da família (Bianca Comparato) e aos filhos de Stênio e Odete. 

Morto Não Fala tem seu lado gore. Não evita nem a sangueira nem as sequências de cemitério, ambas de rigueur no gênero. Mas, de modo geral, Denisson, como cineasta, tenta se livrar do óbvio, dos clichês e das ideias recorrentes. 

O resultado é muito bom, seja pela qualidade da filmagem, pela originalidade de tratamento do tema, seja pela excelência do elenco. Nem todo cineasta é capaz de reunir uma trinca de craques como Daniel de Oliveira, Marco Ricca e Fabiula Nascimento. Trabalhar com gente desse quilate é coisa de outro mundo. 

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