'Obsessão', com Isabelle Hupert, é um mundo de maravilhas às avessas


A atriz é a vida e a alma do suspense de Neil Jordan e sua presença faz esquecer as inconsistências e irregularidades do projeto

Por Luiz Zanin Oricchio

Anos atrás, numa coletiva de imprensa em Veneza, o cineasta Claude Chabrol brincou com a atriz Isabelle Huppert que estava sentada ao seu lado: “Ela tem um ar criminal; já preveni o marido dela, mas ele não me leva a sério”. Chabrol, que a dirigiu em Mulheres Diabólicas e A Teia de Chocolate, já morreu e não teve tempo de ver sua atriz favorita naquele que é, talvez, seu papel mais perverso, o da viúva Greta em Obsessão, filme do irlandês Neil Jordan (de A Companhia de Lobos, 1984). 

Greta vive sozinha em Nova York e tem a aparência de uma simpática senhora estrangeira, afável, culta e dona de charme europeu. São características que seduzem a jovem Frances (Chloë Grace Moretz), que acaba de perder a mãe, trabalha como garçonete e mora num loft com a amiga, Erica (Maika Monroe). 

Amizade sinistra. Isabelle Huppert e Chloë Grace Moretz são Greta e Francis Foto: FOCUS FEATURES
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A amizade entre Greta e Frances começa quando a moça encontra uma bolsa chique perdida no metrô e decide procurar a dona para devolvê-la. Amizade improvável, dadas as diferenças de idade, de cultura, mentalidade, etc. Mas, como dizem que os opostos se atraem, Greta e Frances tornam-se íntimas e inseparáveis, para surpresa e receio de Erica, que acha tudo muito esquisito. 

Também o espectador mais atento começa a achar algumas coisas muito estranhas. A começar por essa história da bolsa. Se Frances é tão honesta assim, por que não a entregou na seção de Achados e Perdidos do metrô? Por que se preocupou em encontrar o endereço da dona e se dirigiu a ele para devolver o objeto? Sem entrar em mais informações, pode-se dizer que muitas outras coisas nesse filme parecem esquisitas. 

Quando isso acontece, o normal é o espectador ficar desconfiado e perder contato com o filme. Porém, há alguns fatores que o prendem à trama, por mais que ela teime em parecer inverossímil lá e cá. O primeiro deles, é justo reconhecer, está na atmosfera criada por Jordan, que não é de modo algum um diretor banal. Muitos ainda se lembram dele por Traídos Pelo Desejo (1992), filme sobre a questão transgênero numa época em que pouca gente parecia interessada ou ousava enfrentar o assunto. 

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Em Obsessão, Jordan cria uma Nova York de ar um tanto irreal, que lembra mais o clima de um sonho (ou pesadelo) do que a realista cidade frenética, considerada centro nervoso do mundo. Essa Nova York onírica se aproxima um pouco daquela criada por Stanley Kubrick em sua formidável despedida – De Olhos Bem Fechados, tirado de um romance de Arthur Schnitzler, Traumnovelle (Breve Romance de Sonho, na tradução brasileira de Sérgio Tellaroli, editada pela Cia das Letras). 

Se a cidade é onírica, as relações entre as pessoas também o são – em especial a partir do momento em que a, digamos assim, “verdadeira natureza” de Greta se revela de maneira aberta. Esse clima nos convida a perdoar, portanto, diversas inconsistências do roteiro. Seríamos mais severos caso o registro realista se impusesse do começo ao fim. Mas não é essa a intenção de Jordan, e sim nos levar em direção a um pesado conto de fadas, a um mundo de maravilhas às avessas, no qual o terror passa a ser a nota dominante.

O outro aspecto é a presença de Isabelle Huppert, super à vontade num papel ambíguo, mesmo representado num idioma que não é o seu. O inglês em nada a constrange e não é a primeira vez que trabalha nesse idioma e nos Estados Unidos – já em 1994 atuou em Amateur, filme do “independente” do norte-americano Hal Hartley.

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Não se trata apenas da habilidade em tirar de letra o desafio de interpretar em idioma estrangeiro. O papel de Greta Hideg, na verdade, caía de forma milimétrica no figurino de uma atriz notabilizada pela segurança em situações de ambiguidade. Ela mesma tem dito, em entrevistas, que jamais criou personagem tão perversa quanto esta Greta. Mas a perversão só vem da sua ambivalência. Da capacidade de criar um tipo sedutor e tão inofensivo em determinado momento quanto doente e agressivo em outro. Esse olhar neutro, que de súbito se torna caloroso e, em seguida, gelado, torna assustadora a máscara interpretativa de Huppert, sem dúvida uma das grandes atrizes do nosso tempo. 

Ela é a vida e a alma desse projeto de Neil Jordan que consegue deixar inquietos os espectadores. A arte de Isabelle Huppert supera, de muito, as inconsistências e irregularidades do projeto. 

Anos atrás, numa coletiva de imprensa em Veneza, o cineasta Claude Chabrol brincou com a atriz Isabelle Huppert que estava sentada ao seu lado: “Ela tem um ar criminal; já preveni o marido dela, mas ele não me leva a sério”. Chabrol, que a dirigiu em Mulheres Diabólicas e A Teia de Chocolate, já morreu e não teve tempo de ver sua atriz favorita naquele que é, talvez, seu papel mais perverso, o da viúva Greta em Obsessão, filme do irlandês Neil Jordan (de A Companhia de Lobos, 1984). 

Greta vive sozinha em Nova York e tem a aparência de uma simpática senhora estrangeira, afável, culta e dona de charme europeu. São características que seduzem a jovem Frances (Chloë Grace Moretz), que acaba de perder a mãe, trabalha como garçonete e mora num loft com a amiga, Erica (Maika Monroe). 

Amizade sinistra. Isabelle Huppert e Chloë Grace Moretz são Greta e Francis Foto: FOCUS FEATURES

A amizade entre Greta e Frances começa quando a moça encontra uma bolsa chique perdida no metrô e decide procurar a dona para devolvê-la. Amizade improvável, dadas as diferenças de idade, de cultura, mentalidade, etc. Mas, como dizem que os opostos se atraem, Greta e Frances tornam-se íntimas e inseparáveis, para surpresa e receio de Erica, que acha tudo muito esquisito. 

Também o espectador mais atento começa a achar algumas coisas muito estranhas. A começar por essa história da bolsa. Se Frances é tão honesta assim, por que não a entregou na seção de Achados e Perdidos do metrô? Por que se preocupou em encontrar o endereço da dona e se dirigiu a ele para devolver o objeto? Sem entrar em mais informações, pode-se dizer que muitas outras coisas nesse filme parecem esquisitas. 

Quando isso acontece, o normal é o espectador ficar desconfiado e perder contato com o filme. Porém, há alguns fatores que o prendem à trama, por mais que ela teime em parecer inverossímil lá e cá. O primeiro deles, é justo reconhecer, está na atmosfera criada por Jordan, que não é de modo algum um diretor banal. Muitos ainda se lembram dele por Traídos Pelo Desejo (1992), filme sobre a questão transgênero numa época em que pouca gente parecia interessada ou ousava enfrentar o assunto. 

Em Obsessão, Jordan cria uma Nova York de ar um tanto irreal, que lembra mais o clima de um sonho (ou pesadelo) do que a realista cidade frenética, considerada centro nervoso do mundo. Essa Nova York onírica se aproxima um pouco daquela criada por Stanley Kubrick em sua formidável despedida – De Olhos Bem Fechados, tirado de um romance de Arthur Schnitzler, Traumnovelle (Breve Romance de Sonho, na tradução brasileira de Sérgio Tellaroli, editada pela Cia das Letras). 

Se a cidade é onírica, as relações entre as pessoas também o são – em especial a partir do momento em que a, digamos assim, “verdadeira natureza” de Greta se revela de maneira aberta. Esse clima nos convida a perdoar, portanto, diversas inconsistências do roteiro. Seríamos mais severos caso o registro realista se impusesse do começo ao fim. Mas não é essa a intenção de Jordan, e sim nos levar em direção a um pesado conto de fadas, a um mundo de maravilhas às avessas, no qual o terror passa a ser a nota dominante.

O outro aspecto é a presença de Isabelle Huppert, super à vontade num papel ambíguo, mesmo representado num idioma que não é o seu. O inglês em nada a constrange e não é a primeira vez que trabalha nesse idioma e nos Estados Unidos – já em 1994 atuou em Amateur, filme do “independente” do norte-americano Hal Hartley.

Não se trata apenas da habilidade em tirar de letra o desafio de interpretar em idioma estrangeiro. O papel de Greta Hideg, na verdade, caía de forma milimétrica no figurino de uma atriz notabilizada pela segurança em situações de ambiguidade. Ela mesma tem dito, em entrevistas, que jamais criou personagem tão perversa quanto esta Greta. Mas a perversão só vem da sua ambivalência. Da capacidade de criar um tipo sedutor e tão inofensivo em determinado momento quanto doente e agressivo em outro. Esse olhar neutro, que de súbito se torna caloroso e, em seguida, gelado, torna assustadora a máscara interpretativa de Huppert, sem dúvida uma das grandes atrizes do nosso tempo. 

Ela é a vida e a alma desse projeto de Neil Jordan que consegue deixar inquietos os espectadores. A arte de Isabelle Huppert supera, de muito, as inconsistências e irregularidades do projeto. 

Anos atrás, numa coletiva de imprensa em Veneza, o cineasta Claude Chabrol brincou com a atriz Isabelle Huppert que estava sentada ao seu lado: “Ela tem um ar criminal; já preveni o marido dela, mas ele não me leva a sério”. Chabrol, que a dirigiu em Mulheres Diabólicas e A Teia de Chocolate, já morreu e não teve tempo de ver sua atriz favorita naquele que é, talvez, seu papel mais perverso, o da viúva Greta em Obsessão, filme do irlandês Neil Jordan (de A Companhia de Lobos, 1984). 

Greta vive sozinha em Nova York e tem a aparência de uma simpática senhora estrangeira, afável, culta e dona de charme europeu. São características que seduzem a jovem Frances (Chloë Grace Moretz), que acaba de perder a mãe, trabalha como garçonete e mora num loft com a amiga, Erica (Maika Monroe). 

Amizade sinistra. Isabelle Huppert e Chloë Grace Moretz são Greta e Francis Foto: FOCUS FEATURES

A amizade entre Greta e Frances começa quando a moça encontra uma bolsa chique perdida no metrô e decide procurar a dona para devolvê-la. Amizade improvável, dadas as diferenças de idade, de cultura, mentalidade, etc. Mas, como dizem que os opostos se atraem, Greta e Frances tornam-se íntimas e inseparáveis, para surpresa e receio de Erica, que acha tudo muito esquisito. 

Também o espectador mais atento começa a achar algumas coisas muito estranhas. A começar por essa história da bolsa. Se Frances é tão honesta assim, por que não a entregou na seção de Achados e Perdidos do metrô? Por que se preocupou em encontrar o endereço da dona e se dirigiu a ele para devolver o objeto? Sem entrar em mais informações, pode-se dizer que muitas outras coisas nesse filme parecem esquisitas. 

Quando isso acontece, o normal é o espectador ficar desconfiado e perder contato com o filme. Porém, há alguns fatores que o prendem à trama, por mais que ela teime em parecer inverossímil lá e cá. O primeiro deles, é justo reconhecer, está na atmosfera criada por Jordan, que não é de modo algum um diretor banal. Muitos ainda se lembram dele por Traídos Pelo Desejo (1992), filme sobre a questão transgênero numa época em que pouca gente parecia interessada ou ousava enfrentar o assunto. 

Em Obsessão, Jordan cria uma Nova York de ar um tanto irreal, que lembra mais o clima de um sonho (ou pesadelo) do que a realista cidade frenética, considerada centro nervoso do mundo. Essa Nova York onírica se aproxima um pouco daquela criada por Stanley Kubrick em sua formidável despedida – De Olhos Bem Fechados, tirado de um romance de Arthur Schnitzler, Traumnovelle (Breve Romance de Sonho, na tradução brasileira de Sérgio Tellaroli, editada pela Cia das Letras). 

Se a cidade é onírica, as relações entre as pessoas também o são – em especial a partir do momento em que a, digamos assim, “verdadeira natureza” de Greta se revela de maneira aberta. Esse clima nos convida a perdoar, portanto, diversas inconsistências do roteiro. Seríamos mais severos caso o registro realista se impusesse do começo ao fim. Mas não é essa a intenção de Jordan, e sim nos levar em direção a um pesado conto de fadas, a um mundo de maravilhas às avessas, no qual o terror passa a ser a nota dominante.

O outro aspecto é a presença de Isabelle Huppert, super à vontade num papel ambíguo, mesmo representado num idioma que não é o seu. O inglês em nada a constrange e não é a primeira vez que trabalha nesse idioma e nos Estados Unidos – já em 1994 atuou em Amateur, filme do “independente” do norte-americano Hal Hartley.

Não se trata apenas da habilidade em tirar de letra o desafio de interpretar em idioma estrangeiro. O papel de Greta Hideg, na verdade, caía de forma milimétrica no figurino de uma atriz notabilizada pela segurança em situações de ambiguidade. Ela mesma tem dito, em entrevistas, que jamais criou personagem tão perversa quanto esta Greta. Mas a perversão só vem da sua ambivalência. Da capacidade de criar um tipo sedutor e tão inofensivo em determinado momento quanto doente e agressivo em outro. Esse olhar neutro, que de súbito se torna caloroso e, em seguida, gelado, torna assustadora a máscara interpretativa de Huppert, sem dúvida uma das grandes atrizes do nosso tempo. 

Ela é a vida e a alma desse projeto de Neil Jordan que consegue deixar inquietos os espectadores. A arte de Isabelle Huppert supera, de muito, as inconsistências e irregularidades do projeto. 

Anos atrás, numa coletiva de imprensa em Veneza, o cineasta Claude Chabrol brincou com a atriz Isabelle Huppert que estava sentada ao seu lado: “Ela tem um ar criminal; já preveni o marido dela, mas ele não me leva a sério”. Chabrol, que a dirigiu em Mulheres Diabólicas e A Teia de Chocolate, já morreu e não teve tempo de ver sua atriz favorita naquele que é, talvez, seu papel mais perverso, o da viúva Greta em Obsessão, filme do irlandês Neil Jordan (de A Companhia de Lobos, 1984). 

Greta vive sozinha em Nova York e tem a aparência de uma simpática senhora estrangeira, afável, culta e dona de charme europeu. São características que seduzem a jovem Frances (Chloë Grace Moretz), que acaba de perder a mãe, trabalha como garçonete e mora num loft com a amiga, Erica (Maika Monroe). 

Amizade sinistra. Isabelle Huppert e Chloë Grace Moretz são Greta e Francis Foto: FOCUS FEATURES

A amizade entre Greta e Frances começa quando a moça encontra uma bolsa chique perdida no metrô e decide procurar a dona para devolvê-la. Amizade improvável, dadas as diferenças de idade, de cultura, mentalidade, etc. Mas, como dizem que os opostos se atraem, Greta e Frances tornam-se íntimas e inseparáveis, para surpresa e receio de Erica, que acha tudo muito esquisito. 

Também o espectador mais atento começa a achar algumas coisas muito estranhas. A começar por essa história da bolsa. Se Frances é tão honesta assim, por que não a entregou na seção de Achados e Perdidos do metrô? Por que se preocupou em encontrar o endereço da dona e se dirigiu a ele para devolver o objeto? Sem entrar em mais informações, pode-se dizer que muitas outras coisas nesse filme parecem esquisitas. 

Quando isso acontece, o normal é o espectador ficar desconfiado e perder contato com o filme. Porém, há alguns fatores que o prendem à trama, por mais que ela teime em parecer inverossímil lá e cá. O primeiro deles, é justo reconhecer, está na atmosfera criada por Jordan, que não é de modo algum um diretor banal. Muitos ainda se lembram dele por Traídos Pelo Desejo (1992), filme sobre a questão transgênero numa época em que pouca gente parecia interessada ou ousava enfrentar o assunto. 

Em Obsessão, Jordan cria uma Nova York de ar um tanto irreal, que lembra mais o clima de um sonho (ou pesadelo) do que a realista cidade frenética, considerada centro nervoso do mundo. Essa Nova York onírica se aproxima um pouco daquela criada por Stanley Kubrick em sua formidável despedida – De Olhos Bem Fechados, tirado de um romance de Arthur Schnitzler, Traumnovelle (Breve Romance de Sonho, na tradução brasileira de Sérgio Tellaroli, editada pela Cia das Letras). 

Se a cidade é onírica, as relações entre as pessoas também o são – em especial a partir do momento em que a, digamos assim, “verdadeira natureza” de Greta se revela de maneira aberta. Esse clima nos convida a perdoar, portanto, diversas inconsistências do roteiro. Seríamos mais severos caso o registro realista se impusesse do começo ao fim. Mas não é essa a intenção de Jordan, e sim nos levar em direção a um pesado conto de fadas, a um mundo de maravilhas às avessas, no qual o terror passa a ser a nota dominante.

O outro aspecto é a presença de Isabelle Huppert, super à vontade num papel ambíguo, mesmo representado num idioma que não é o seu. O inglês em nada a constrange e não é a primeira vez que trabalha nesse idioma e nos Estados Unidos – já em 1994 atuou em Amateur, filme do “independente” do norte-americano Hal Hartley.

Não se trata apenas da habilidade em tirar de letra o desafio de interpretar em idioma estrangeiro. O papel de Greta Hideg, na verdade, caía de forma milimétrica no figurino de uma atriz notabilizada pela segurança em situações de ambiguidade. Ela mesma tem dito, em entrevistas, que jamais criou personagem tão perversa quanto esta Greta. Mas a perversão só vem da sua ambivalência. Da capacidade de criar um tipo sedutor e tão inofensivo em determinado momento quanto doente e agressivo em outro. Esse olhar neutro, que de súbito se torna caloroso e, em seguida, gelado, torna assustadora a máscara interpretativa de Huppert, sem dúvida uma das grandes atrizes do nosso tempo. 

Ela é a vida e a alma desse projeto de Neil Jordan que consegue deixar inquietos os espectadores. A arte de Isabelle Huppert supera, de muito, as inconsistências e irregularidades do projeto. 

Anos atrás, numa coletiva de imprensa em Veneza, o cineasta Claude Chabrol brincou com a atriz Isabelle Huppert que estava sentada ao seu lado: “Ela tem um ar criminal; já preveni o marido dela, mas ele não me leva a sério”. Chabrol, que a dirigiu em Mulheres Diabólicas e A Teia de Chocolate, já morreu e não teve tempo de ver sua atriz favorita naquele que é, talvez, seu papel mais perverso, o da viúva Greta em Obsessão, filme do irlandês Neil Jordan (de A Companhia de Lobos, 1984). 

Greta vive sozinha em Nova York e tem a aparência de uma simpática senhora estrangeira, afável, culta e dona de charme europeu. São características que seduzem a jovem Frances (Chloë Grace Moretz), que acaba de perder a mãe, trabalha como garçonete e mora num loft com a amiga, Erica (Maika Monroe). 

Amizade sinistra. Isabelle Huppert e Chloë Grace Moretz são Greta e Francis Foto: FOCUS FEATURES

A amizade entre Greta e Frances começa quando a moça encontra uma bolsa chique perdida no metrô e decide procurar a dona para devolvê-la. Amizade improvável, dadas as diferenças de idade, de cultura, mentalidade, etc. Mas, como dizem que os opostos se atraem, Greta e Frances tornam-se íntimas e inseparáveis, para surpresa e receio de Erica, que acha tudo muito esquisito. 

Também o espectador mais atento começa a achar algumas coisas muito estranhas. A começar por essa história da bolsa. Se Frances é tão honesta assim, por que não a entregou na seção de Achados e Perdidos do metrô? Por que se preocupou em encontrar o endereço da dona e se dirigiu a ele para devolver o objeto? Sem entrar em mais informações, pode-se dizer que muitas outras coisas nesse filme parecem esquisitas. 

Quando isso acontece, o normal é o espectador ficar desconfiado e perder contato com o filme. Porém, há alguns fatores que o prendem à trama, por mais que ela teime em parecer inverossímil lá e cá. O primeiro deles, é justo reconhecer, está na atmosfera criada por Jordan, que não é de modo algum um diretor banal. Muitos ainda se lembram dele por Traídos Pelo Desejo (1992), filme sobre a questão transgênero numa época em que pouca gente parecia interessada ou ousava enfrentar o assunto. 

Em Obsessão, Jordan cria uma Nova York de ar um tanto irreal, que lembra mais o clima de um sonho (ou pesadelo) do que a realista cidade frenética, considerada centro nervoso do mundo. Essa Nova York onírica se aproxima um pouco daquela criada por Stanley Kubrick em sua formidável despedida – De Olhos Bem Fechados, tirado de um romance de Arthur Schnitzler, Traumnovelle (Breve Romance de Sonho, na tradução brasileira de Sérgio Tellaroli, editada pela Cia das Letras). 

Se a cidade é onírica, as relações entre as pessoas também o são – em especial a partir do momento em que a, digamos assim, “verdadeira natureza” de Greta se revela de maneira aberta. Esse clima nos convida a perdoar, portanto, diversas inconsistências do roteiro. Seríamos mais severos caso o registro realista se impusesse do começo ao fim. Mas não é essa a intenção de Jordan, e sim nos levar em direção a um pesado conto de fadas, a um mundo de maravilhas às avessas, no qual o terror passa a ser a nota dominante.

O outro aspecto é a presença de Isabelle Huppert, super à vontade num papel ambíguo, mesmo representado num idioma que não é o seu. O inglês em nada a constrange e não é a primeira vez que trabalha nesse idioma e nos Estados Unidos – já em 1994 atuou em Amateur, filme do “independente” do norte-americano Hal Hartley.

Não se trata apenas da habilidade em tirar de letra o desafio de interpretar em idioma estrangeiro. O papel de Greta Hideg, na verdade, caía de forma milimétrica no figurino de uma atriz notabilizada pela segurança em situações de ambiguidade. Ela mesma tem dito, em entrevistas, que jamais criou personagem tão perversa quanto esta Greta. Mas a perversão só vem da sua ambivalência. Da capacidade de criar um tipo sedutor e tão inofensivo em determinado momento quanto doente e agressivo em outro. Esse olhar neutro, que de súbito se torna caloroso e, em seguida, gelado, torna assustadora a máscara interpretativa de Huppert, sem dúvida uma das grandes atrizes do nosso tempo. 

Ela é a vida e a alma desse projeto de Neil Jordan que consegue deixar inquietos os espectadores. A arte de Isabelle Huppert supera, de muito, as inconsistências e irregularidades do projeto. 

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