THE NEW YORK TIMES - Será que Indiana Jones é melhor em desenterrar artefatos de valor inestimável ou em enterrar seus sentimentos? Como os personagens de Scarlett Johansson e Adam Driver em História de um Casamento poderiam ter lidado melhor com o divórcio e a parentalidade compartilhada? E espere aí: o herói de Lego Batman: O Filme tem todas as peças do perfil narcisista?
Essas perguntas são o arroz com feijão – ou talvez a pipoca com manteiga – da série do YouTube Cinema Therapy. Fundado em 2020 por seus apresentadores, o terapeuta matrimonial e familiar Jonathan Decker e o cineasta Alan Seawright, o canal conquistou seguidores ao fazer falsas sessões de terapia para heróis, vilões e casais das telas, tomando enredos e personagens de filmes como estudos de caso para temas de saúde mental. Alguns títulos típicos: Psicologia de um herói: Hulk e o controle da raiva, Terapia de vilão: Jobu Tupaki de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Terapia de casal no cinema: Shrek.
Assim como os terapeutas do TikTok e os podcasts de atenção plena, o Cinema Therapy faz parte de uma onda da mídia moderna que explora tópicos antes reservados a livros de psicologia, revistas acadêmicas e, bem, terapia. Os anfitriões e sua equipe gravam os vídeos no porão da casa de Seawright em Utah. Pela contagem do YouTube, muitos episódios foram vistos mais de 1 milhão de vezes cada.
Decker e Seawright, ambos com 42 anos, falaram sobre personagens de quatro dos grandes filmes desta temporada.
Barbie
A visão de Greta Gerwig sobre a boneca se concentra numa versão da Barbie (Margot Robbie) cuja vida perfeitinha demais é interrompida quando seus calcanhares voltam ao chão e surgem pensamentos irreprimíveis sobre a morte.
JONATHAN DECKER: Barbie está vivendo uma crise existencial. Vemos isso na vida real: “as coisas começaram a dar errado e não sei o motivo, porque estou só seguindo em frente, como sempre fiz”. E a suposição é que o que sempre fiz está bom. A cura de traumas tem uma frase muito comum: “aquilo que costumava ajudar agora aprisiona”. O que me salvava agora está me machucando.
ALAN SEAWRIGHT: Na vida e nos personagens de filmes, existe uma diferença entre o que o personagem quer e o que ele precisa.
DECKER: Barbie quer que tudo continue do jeito que está. O que ela precisa é de autorreflexão, introspecção e perspectiva. A tomada de perspectiva permite que ela faça uma mudança, deixe de lado o que funcionou para ela no passado e caminhe para um futuro que vai funcionar melhor. O que eu prescreveria é exatamente o que o filme faz.
J. Robert Oppenheimer
Oppenheimer, cinebiografia de Christopher Nolan sobre o homem que foi fundamental para o desenvolvimento da bomba atômica, mostra o personagem (interpretado por Cillian Murphy) enfrentando as consequências de sua invenção – e mantendo uma conexão romântica com a ativista política Jean Tatlock (Florence Pugh), ainda casado com Katherine Oppenheimer (Emily Blunt), conhecida como Kitty.
SEAWRIGHT: Foi fascinante ver [Nolan] aplicar sua temporalidade complexa e não linear a um cara que, de maneira muito semelhante, olhou para as regras da física e disse: “Não, vou quebrar tudo” – e que olhou para as regras dos relacionamentos e disse: “Não, vou quebrar tudo”.
DECKER: Para mim, Oppenheimer é a diferença entre narcisismo e húbris. Porque Oppenheimer não é desprovido de compaixão pelas pessoas. Geralmente, não rebaixa os outros para parecer melhor. Ele pensa que é único e especialmente talentoso – mas, para sermos justos, ele era mesmo. Portanto, Oppenheimer não é narcisista, mas tem muita húbris. É a húbris que leva à ingenuidade – a ingenuidade nos relacionamentos pessoais: “posso continuar com Jean mesmo casado com Kitty, e vai dar tudo certo”. O que eu prescreveria na terapia é o tratamento cognitivo-comportamental, explorando suas suposições sobre si mesmo e o mundo ao seu redor, para questionar esse pensamento.
Miles e Rio Morales
Uma linha temporal de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, a mais recente aventura do herói adolescente Miles Morales (dublado por Shameik Moore), encontra Miles tentando um relacionamento com Gwen Stacy (Hailee Steinfeld). A mãe de Miles, Rio Morales (Lauren Vélez), sofre para aceitar – embora acabe aceitando.
DECKER: Na idade adulta, temos total autonomia – presumivelmente. Na infância, somos muito dependentes de pai e mãe. Então é no meio do caminho que a batalha acontece, onde os jovens querem mais poder do que os pais e mães acham que estão prontos para receber. E os adultos querem mais controle do que os filhos estão dispostos a entregar. Alan e eu sentimos o mesmo: as telas já apresentaram tantos relacionamentos doentios que mostrar as pessoas crescendo e fazendo o bem umas para as outras não é só revigorante – acho que é o futuro da narrativa. Alguns de nossos episódios mais populares foram sobre casamentos saudáveis em filmes ou coisas em que mostramos como é a boa parentalidade. As pessoas dizem: “Tenho muitos exemplos negativos na minha vida real”. Então é muito bom ver a mãe de Miles chegar onde ela chegou.
Indiana Jones
O arqueólogo estalador de chicotes de Harrison Ford está deprimido no início de Indiana Jones e a Relíquia do Destino, que encontra um velho Indy separado da esposa, Marion (Karen Allen), e sofrendo com a morte do filho.
SEAWRIGHT: É um casal que perdeu o filho. Eles precisam de terapia. Claro que isso não era muito comum no final dos anos 60, início dos anos 70.
DECKER: Não sei se daria a ele um transtorno depressivo, talvez transtorno distímico, que é como o transtorno depressivo, mas não tem tantos critérios rigorosos. Em vez de crônico, seria circunstancial: circunstancial por causa do envelhecimento, da perda do filho, da separação da esposa. O que ele tem não é só falta de energia, mas falta de interesse pela vida, pelas pessoas. As coisas que costumavam animá-lo não o animam mais. O que eu gostaria que ele fizesse no aconselhamento é evitar o que ele sempre faz: enterrar seus sentimentos. Eu o aconselharia a fazer terapia com Marion e trabalhar para expressar sua vulnerabilidade e se abrir para ela.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU