‘Os Colonos’: filme volta à Terra do Fogo para contar uma história desconhecida do Chile


Baseado em fatos reais, longa de Felipe Gálvez Haberle é como ‘Assassinos da Lua das Flores’ chileno e acompanha três homens em expedição pelo famoso arquipélago a mando de um rico proprietário de terras; leia a entrevista

Por Matheus Mans

É um tanto quanto impressionante quando nos deparamos com um filme do porte de Os Colonos, que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 1º, e que posteriormente será disponibilizado na MUBI, e percebermos que é o primeiro trabalho do cineasta.

Esta produção chilena é daqueles filmes que chegam com carga, com imponência. Sabemos que estamos de frente para uma daquelas produções com potencial de ser histórica, mesmo dirigida por um neófito no meio.

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Felipe Gálvez Haberle é o nome desse diretor que já merece estar nas cadernetas daqueles que gostam de acompanhar cineastas de peso. Chileno, ele dirigiu três curtas, quase todos eles inalcançáveis hoje em dia, antes de embarcar nesta produção de fôlego.

'Os Colonos' é primeiro trabalho do cineasta Felipe Gálvez. Foto: Quijotes Films/Divulgação

A história, por si só, já dá mostras de seu alcance: fala sobre três homens, na virada para o século 20, que embarcam numa expedição pelo arquipélago conhecido como Terra do Fogo, a mando de um rico proprietário de terras, encarregados de proteger sua vasta propriedade da família Menéndez.

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Na companhia de um tenente britânico e um mercenário norte-americano, está o atirador mestiço Segundo, que percebe, em meio às crescentes tensões no grupo, que sua verdadeira missão entre eles é “remover” de forma assassina a população indígena.

Há algo de Assassinos da Lua das Flores (o filme de Scorsese indicado ao Oscar) aqui, com o cineasta buscando enveredar em uma história esquecida, mas necessária de ser retomada, debatida e contada. “Esta não é uma história muito conhecida no Chile”, contextualiza Felipe, ao Estadão. Segundo ele, o filme levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Medo de contar essa história? Ambição demais de um diretor de primeira viagem? Não sabemos.

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A seguir, Felipe Gálvez Haberle fala sobre os desejos com seu filme, os desafios de filmar na Terra do Fogo chilena e, acima de tudo, como foi a experiência de seu primeiro longa.

De onde veio o desejo de contar essa história?

Essa história apareceu para mim há cerca de dez anos, lendo um portal de notícias. Não é algo muito conhecido no Chile. Mas há dez anos, quando comecei, era um pouco recente. Então comecei a investigar.

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Ainda assim, a maior parte do tempo [de produção] foi dedicada à espera do financiamento, que era bastante ambicioso por ser o meu primeiro filme. Havia pessoas que pensavam que isso talvez fosse demais.

Passei mais tempo esperando o financiamento do que escrevendo o roteiro. Tirando isso, foi bastante rápido, e o roteiro não foi modificado muito nos últimos quatro ou cinco anos. Em vez disso, foi mais uma questão de esperar o momento certo. Claro, sempre tentando mantê-lo atualizado. Foi um filme que eu revisava até o dia anterior à gravação, atualizando o roteiro para incluir coisas novas.

'Os Colonos' foi escolha do Chile ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas não recebeu indicação. Foto: Quijotes Films/Divulgação
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Foi sua primeira experiência dirigindo um longa-metragem. Foi muito difícil?

Muito diferente, pois minha experiência anterior como diretor se resumia a um dia em um set. Eram filmagens de curtas-metragens que haviam sido realizadas em um dia ou um dia e meio. Essa era toda a minha experiência até então. Aqui, não. Era algo grande, com 70 pessoas. Afinal, o cinema é um trabalho muito coletivo, claro.

Muitas pessoas tinham muita experiência, e eu me apoiei nisso. Isso me ajudou muito, aprendendo na prática. No primeiro dia, ao ver o set, eu disse: “Bem, eu não faço ideia de como isso funciona, não entendo o que todas essas pessoas estão fazendo, não compreendo os cargos”. Diria que fui encontrando meu lugar e aprendendo como fazer o filme ao longo da primeira semana.

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Como foi o desafio de filmar na Terra do Fogo?

Encontrei um local bastante inóspito, com muito frio à noite e muito vento, sem controle climático. Então, nos adaptamos. Iniciamos o roteiro com um guia, mas é preciso estar sempre adaptando o filme, ajustando o roteiro e se adaptando ao clima, às possibilidades. Tive muita sorte também, o clima colaborou. Mas é um desafio, é necessário estar aberto, seguir com o clima. Nem sempre as cenas seguem uma ideia fixa. Ao chegar no set, testamos coisas novas.

'Os Colonos' levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Até hoje, essa região pertence em grande parte à família Menéndez. A maioria dela é propriedade privada. Então não foi tão fácil encontrar locais para gravar. Isso ocorreu tanto pela propriedade da família como porque muitas pessoas não queriam se envolver, sem entender realmente do que se tratava o filme.

Podemos dizer que, mais difícil do que fazer seu primeiro longa-metragem ou filmar na Terra do Fogo, foi encontrar informações sobre essa história que não passem pelos olhos do colonizador?

Tenho uma grande habilidade em apagar coisas, em tentar apagar e deletar o que não me serve. Afinal, não sou historiador. Sou cineasta e meu interesse está relacionado a essa história, como ela despertou meu interesse cinematográfico. Portanto, acredito que as histórias que faziam mais sentido para o filme foram ficando.

Ficou aquilo que me parecia mais cinematográfico. Há uma camada no filme que indica que é baseado e inspirado em fatos reais, tentando seguir uma história real, mas há outra camada que é pura ficção, puro cinema. E o que me interessava era essa mistura. Meu filme não é rigoroso com a história porque eu não acredito na rigidez da história.

Principalmente na história narrada na Terra do Fogo. É uma história, é claro, contada muito pelos vencedores, muito enviesada. Então, acredito que o filme trata disso, de como se escreve a história oficial, e tomei a liberdade de me permitir muitas liberdades ao abordar esse tema, usando também muito o instinto.

'Os Colonos' busca resgatar história esquecida do Chile. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Vicuña não é um personagem real, no entanto, parece ser um dos personagens mais reais, um personagem que dizemos que conhecemos, como se pudesse ser o personagem mais real do filme. Isso é estranho. É como um personagem que você vê e sente que deve ter existido, que te dá essa sensação de que esse personagem é real. E há algumas pessoas na minha vida que parecem ficção e são reais, e isso é muito curioso.

Escolher fazer um faroeste sobre essa história diz muito sobre o que você está querendo contar.

É também muito sobre o significado disso, sim, porque pela perspectiva colonizadora, há o mito masculino do explorador. Acredito que [o faroeste] seja propaganda. Foi criado para promover justamente esses massacres, para justificá-los. Serviu para propagar essa ideia de civilização e defender esses massacres.

Pareceu-me interessante criar nesse gênero, usando todos os seus elementos, todas as suas ferramentas, a música, os grandes planos, as cores, a aventura, brincar com todos esses elementos, mas também quebrar as expectativas. Acho que o espectador o tempo todo está tentando encontrar um herói neste filme, e eu dou muitas opções. Mas depois eu gosto de destruí-los. Não são muitos heróis possíveis, mas nenhum deles é um herói verdadeiro.

É um filme que carece de herói, um filme que se afasta de ser um estudo pessoal e que, na verdade, é consciente de que às vezes trabalha com estereótipos e com caricaturas. Quando se faz uma crítica ao colonialismo, mais do que se posicionar moralmente, também me interessava entender qual é o papel do cinema nesse processo. Me pareceu que estava muito manchado de sangue.

É um tanto quanto impressionante quando nos deparamos com um filme do porte de Os Colonos, que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 1º, e que posteriormente será disponibilizado na MUBI, e percebermos que é o primeiro trabalho do cineasta.

Esta produção chilena é daqueles filmes que chegam com carga, com imponência. Sabemos que estamos de frente para uma daquelas produções com potencial de ser histórica, mesmo dirigida por um neófito no meio.

Felipe Gálvez Haberle é o nome desse diretor que já merece estar nas cadernetas daqueles que gostam de acompanhar cineastas de peso. Chileno, ele dirigiu três curtas, quase todos eles inalcançáveis hoje em dia, antes de embarcar nesta produção de fôlego.

'Os Colonos' é primeiro trabalho do cineasta Felipe Gálvez. Foto: Quijotes Films/Divulgação

A história, por si só, já dá mostras de seu alcance: fala sobre três homens, na virada para o século 20, que embarcam numa expedição pelo arquipélago conhecido como Terra do Fogo, a mando de um rico proprietário de terras, encarregados de proteger sua vasta propriedade da família Menéndez.

Na companhia de um tenente britânico e um mercenário norte-americano, está o atirador mestiço Segundo, que percebe, em meio às crescentes tensões no grupo, que sua verdadeira missão entre eles é “remover” de forma assassina a população indígena.

Há algo de Assassinos da Lua das Flores (o filme de Scorsese indicado ao Oscar) aqui, com o cineasta buscando enveredar em uma história esquecida, mas necessária de ser retomada, debatida e contada. “Esta não é uma história muito conhecida no Chile”, contextualiza Felipe, ao Estadão. Segundo ele, o filme levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Medo de contar essa história? Ambição demais de um diretor de primeira viagem? Não sabemos.

A seguir, Felipe Gálvez Haberle fala sobre os desejos com seu filme, os desafios de filmar na Terra do Fogo chilena e, acima de tudo, como foi a experiência de seu primeiro longa.

De onde veio o desejo de contar essa história?

Essa história apareceu para mim há cerca de dez anos, lendo um portal de notícias. Não é algo muito conhecido no Chile. Mas há dez anos, quando comecei, era um pouco recente. Então comecei a investigar.

Ainda assim, a maior parte do tempo [de produção] foi dedicada à espera do financiamento, que era bastante ambicioso por ser o meu primeiro filme. Havia pessoas que pensavam que isso talvez fosse demais.

Passei mais tempo esperando o financiamento do que escrevendo o roteiro. Tirando isso, foi bastante rápido, e o roteiro não foi modificado muito nos últimos quatro ou cinco anos. Em vez disso, foi mais uma questão de esperar o momento certo. Claro, sempre tentando mantê-lo atualizado. Foi um filme que eu revisava até o dia anterior à gravação, atualizando o roteiro para incluir coisas novas.

'Os Colonos' foi escolha do Chile ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas não recebeu indicação. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Foi sua primeira experiência dirigindo um longa-metragem. Foi muito difícil?

Muito diferente, pois minha experiência anterior como diretor se resumia a um dia em um set. Eram filmagens de curtas-metragens que haviam sido realizadas em um dia ou um dia e meio. Essa era toda a minha experiência até então. Aqui, não. Era algo grande, com 70 pessoas. Afinal, o cinema é um trabalho muito coletivo, claro.

Muitas pessoas tinham muita experiência, e eu me apoiei nisso. Isso me ajudou muito, aprendendo na prática. No primeiro dia, ao ver o set, eu disse: “Bem, eu não faço ideia de como isso funciona, não entendo o que todas essas pessoas estão fazendo, não compreendo os cargos”. Diria que fui encontrando meu lugar e aprendendo como fazer o filme ao longo da primeira semana.

Como foi o desafio de filmar na Terra do Fogo?

Encontrei um local bastante inóspito, com muito frio à noite e muito vento, sem controle climático. Então, nos adaptamos. Iniciamos o roteiro com um guia, mas é preciso estar sempre adaptando o filme, ajustando o roteiro e se adaptando ao clima, às possibilidades. Tive muita sorte também, o clima colaborou. Mas é um desafio, é necessário estar aberto, seguir com o clima. Nem sempre as cenas seguem uma ideia fixa. Ao chegar no set, testamos coisas novas.

'Os Colonos' levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Até hoje, essa região pertence em grande parte à família Menéndez. A maioria dela é propriedade privada. Então não foi tão fácil encontrar locais para gravar. Isso ocorreu tanto pela propriedade da família como porque muitas pessoas não queriam se envolver, sem entender realmente do que se tratava o filme.

Podemos dizer que, mais difícil do que fazer seu primeiro longa-metragem ou filmar na Terra do Fogo, foi encontrar informações sobre essa história que não passem pelos olhos do colonizador?

Tenho uma grande habilidade em apagar coisas, em tentar apagar e deletar o que não me serve. Afinal, não sou historiador. Sou cineasta e meu interesse está relacionado a essa história, como ela despertou meu interesse cinematográfico. Portanto, acredito que as histórias que faziam mais sentido para o filme foram ficando.

Ficou aquilo que me parecia mais cinematográfico. Há uma camada no filme que indica que é baseado e inspirado em fatos reais, tentando seguir uma história real, mas há outra camada que é pura ficção, puro cinema. E o que me interessava era essa mistura. Meu filme não é rigoroso com a história porque eu não acredito na rigidez da história.

Principalmente na história narrada na Terra do Fogo. É uma história, é claro, contada muito pelos vencedores, muito enviesada. Então, acredito que o filme trata disso, de como se escreve a história oficial, e tomei a liberdade de me permitir muitas liberdades ao abordar esse tema, usando também muito o instinto.

'Os Colonos' busca resgatar história esquecida do Chile. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Vicuña não é um personagem real, no entanto, parece ser um dos personagens mais reais, um personagem que dizemos que conhecemos, como se pudesse ser o personagem mais real do filme. Isso é estranho. É como um personagem que você vê e sente que deve ter existido, que te dá essa sensação de que esse personagem é real. E há algumas pessoas na minha vida que parecem ficção e são reais, e isso é muito curioso.

Escolher fazer um faroeste sobre essa história diz muito sobre o que você está querendo contar.

É também muito sobre o significado disso, sim, porque pela perspectiva colonizadora, há o mito masculino do explorador. Acredito que [o faroeste] seja propaganda. Foi criado para promover justamente esses massacres, para justificá-los. Serviu para propagar essa ideia de civilização e defender esses massacres.

Pareceu-me interessante criar nesse gênero, usando todos os seus elementos, todas as suas ferramentas, a música, os grandes planos, as cores, a aventura, brincar com todos esses elementos, mas também quebrar as expectativas. Acho que o espectador o tempo todo está tentando encontrar um herói neste filme, e eu dou muitas opções. Mas depois eu gosto de destruí-los. Não são muitos heróis possíveis, mas nenhum deles é um herói verdadeiro.

É um filme que carece de herói, um filme que se afasta de ser um estudo pessoal e que, na verdade, é consciente de que às vezes trabalha com estereótipos e com caricaturas. Quando se faz uma crítica ao colonialismo, mais do que se posicionar moralmente, também me interessava entender qual é o papel do cinema nesse processo. Me pareceu que estava muito manchado de sangue.

É um tanto quanto impressionante quando nos deparamos com um filme do porte de Os Colonos, que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 1º, e que posteriormente será disponibilizado na MUBI, e percebermos que é o primeiro trabalho do cineasta.

Esta produção chilena é daqueles filmes que chegam com carga, com imponência. Sabemos que estamos de frente para uma daquelas produções com potencial de ser histórica, mesmo dirigida por um neófito no meio.

Felipe Gálvez Haberle é o nome desse diretor que já merece estar nas cadernetas daqueles que gostam de acompanhar cineastas de peso. Chileno, ele dirigiu três curtas, quase todos eles inalcançáveis hoje em dia, antes de embarcar nesta produção de fôlego.

'Os Colonos' é primeiro trabalho do cineasta Felipe Gálvez. Foto: Quijotes Films/Divulgação

A história, por si só, já dá mostras de seu alcance: fala sobre três homens, na virada para o século 20, que embarcam numa expedição pelo arquipélago conhecido como Terra do Fogo, a mando de um rico proprietário de terras, encarregados de proteger sua vasta propriedade da família Menéndez.

Na companhia de um tenente britânico e um mercenário norte-americano, está o atirador mestiço Segundo, que percebe, em meio às crescentes tensões no grupo, que sua verdadeira missão entre eles é “remover” de forma assassina a população indígena.

Há algo de Assassinos da Lua das Flores (o filme de Scorsese indicado ao Oscar) aqui, com o cineasta buscando enveredar em uma história esquecida, mas necessária de ser retomada, debatida e contada. “Esta não é uma história muito conhecida no Chile”, contextualiza Felipe, ao Estadão. Segundo ele, o filme levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Medo de contar essa história? Ambição demais de um diretor de primeira viagem? Não sabemos.

A seguir, Felipe Gálvez Haberle fala sobre os desejos com seu filme, os desafios de filmar na Terra do Fogo chilena e, acima de tudo, como foi a experiência de seu primeiro longa.

De onde veio o desejo de contar essa história?

Essa história apareceu para mim há cerca de dez anos, lendo um portal de notícias. Não é algo muito conhecido no Chile. Mas há dez anos, quando comecei, era um pouco recente. Então comecei a investigar.

Ainda assim, a maior parte do tempo [de produção] foi dedicada à espera do financiamento, que era bastante ambicioso por ser o meu primeiro filme. Havia pessoas que pensavam que isso talvez fosse demais.

Passei mais tempo esperando o financiamento do que escrevendo o roteiro. Tirando isso, foi bastante rápido, e o roteiro não foi modificado muito nos últimos quatro ou cinco anos. Em vez disso, foi mais uma questão de esperar o momento certo. Claro, sempre tentando mantê-lo atualizado. Foi um filme que eu revisava até o dia anterior à gravação, atualizando o roteiro para incluir coisas novas.

'Os Colonos' foi escolha do Chile ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas não recebeu indicação. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Foi sua primeira experiência dirigindo um longa-metragem. Foi muito difícil?

Muito diferente, pois minha experiência anterior como diretor se resumia a um dia em um set. Eram filmagens de curtas-metragens que haviam sido realizadas em um dia ou um dia e meio. Essa era toda a minha experiência até então. Aqui, não. Era algo grande, com 70 pessoas. Afinal, o cinema é um trabalho muito coletivo, claro.

Muitas pessoas tinham muita experiência, e eu me apoiei nisso. Isso me ajudou muito, aprendendo na prática. No primeiro dia, ao ver o set, eu disse: “Bem, eu não faço ideia de como isso funciona, não entendo o que todas essas pessoas estão fazendo, não compreendo os cargos”. Diria que fui encontrando meu lugar e aprendendo como fazer o filme ao longo da primeira semana.

Como foi o desafio de filmar na Terra do Fogo?

Encontrei um local bastante inóspito, com muito frio à noite e muito vento, sem controle climático. Então, nos adaptamos. Iniciamos o roteiro com um guia, mas é preciso estar sempre adaptando o filme, ajustando o roteiro e se adaptando ao clima, às possibilidades. Tive muita sorte também, o clima colaborou. Mas é um desafio, é necessário estar aberto, seguir com o clima. Nem sempre as cenas seguem uma ideia fixa. Ao chegar no set, testamos coisas novas.

'Os Colonos' levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Até hoje, essa região pertence em grande parte à família Menéndez. A maioria dela é propriedade privada. Então não foi tão fácil encontrar locais para gravar. Isso ocorreu tanto pela propriedade da família como porque muitas pessoas não queriam se envolver, sem entender realmente do que se tratava o filme.

Podemos dizer que, mais difícil do que fazer seu primeiro longa-metragem ou filmar na Terra do Fogo, foi encontrar informações sobre essa história que não passem pelos olhos do colonizador?

Tenho uma grande habilidade em apagar coisas, em tentar apagar e deletar o que não me serve. Afinal, não sou historiador. Sou cineasta e meu interesse está relacionado a essa história, como ela despertou meu interesse cinematográfico. Portanto, acredito que as histórias que faziam mais sentido para o filme foram ficando.

Ficou aquilo que me parecia mais cinematográfico. Há uma camada no filme que indica que é baseado e inspirado em fatos reais, tentando seguir uma história real, mas há outra camada que é pura ficção, puro cinema. E o que me interessava era essa mistura. Meu filme não é rigoroso com a história porque eu não acredito na rigidez da história.

Principalmente na história narrada na Terra do Fogo. É uma história, é claro, contada muito pelos vencedores, muito enviesada. Então, acredito que o filme trata disso, de como se escreve a história oficial, e tomei a liberdade de me permitir muitas liberdades ao abordar esse tema, usando também muito o instinto.

'Os Colonos' busca resgatar história esquecida do Chile. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Vicuña não é um personagem real, no entanto, parece ser um dos personagens mais reais, um personagem que dizemos que conhecemos, como se pudesse ser o personagem mais real do filme. Isso é estranho. É como um personagem que você vê e sente que deve ter existido, que te dá essa sensação de que esse personagem é real. E há algumas pessoas na minha vida que parecem ficção e são reais, e isso é muito curioso.

Escolher fazer um faroeste sobre essa história diz muito sobre o que você está querendo contar.

É também muito sobre o significado disso, sim, porque pela perspectiva colonizadora, há o mito masculino do explorador. Acredito que [o faroeste] seja propaganda. Foi criado para promover justamente esses massacres, para justificá-los. Serviu para propagar essa ideia de civilização e defender esses massacres.

Pareceu-me interessante criar nesse gênero, usando todos os seus elementos, todas as suas ferramentas, a música, os grandes planos, as cores, a aventura, brincar com todos esses elementos, mas também quebrar as expectativas. Acho que o espectador o tempo todo está tentando encontrar um herói neste filme, e eu dou muitas opções. Mas depois eu gosto de destruí-los. Não são muitos heróis possíveis, mas nenhum deles é um herói verdadeiro.

É um filme que carece de herói, um filme que se afasta de ser um estudo pessoal e que, na verdade, é consciente de que às vezes trabalha com estereótipos e com caricaturas. Quando se faz uma crítica ao colonialismo, mais do que se posicionar moralmente, também me interessava entender qual é o papel do cinema nesse processo. Me pareceu que estava muito manchado de sangue.

É um tanto quanto impressionante quando nos deparamos com um filme do porte de Os Colonos, que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 1º, e que posteriormente será disponibilizado na MUBI, e percebermos que é o primeiro trabalho do cineasta.

Esta produção chilena é daqueles filmes que chegam com carga, com imponência. Sabemos que estamos de frente para uma daquelas produções com potencial de ser histórica, mesmo dirigida por um neófito no meio.

Felipe Gálvez Haberle é o nome desse diretor que já merece estar nas cadernetas daqueles que gostam de acompanhar cineastas de peso. Chileno, ele dirigiu três curtas, quase todos eles inalcançáveis hoje em dia, antes de embarcar nesta produção de fôlego.

'Os Colonos' é primeiro trabalho do cineasta Felipe Gálvez. Foto: Quijotes Films/Divulgação

A história, por si só, já dá mostras de seu alcance: fala sobre três homens, na virada para o século 20, que embarcam numa expedição pelo arquipélago conhecido como Terra do Fogo, a mando de um rico proprietário de terras, encarregados de proteger sua vasta propriedade da família Menéndez.

Na companhia de um tenente britânico e um mercenário norte-americano, está o atirador mestiço Segundo, que percebe, em meio às crescentes tensões no grupo, que sua verdadeira missão entre eles é “remover” de forma assassina a população indígena.

Há algo de Assassinos da Lua das Flores (o filme de Scorsese indicado ao Oscar) aqui, com o cineasta buscando enveredar em uma história esquecida, mas necessária de ser retomada, debatida e contada. “Esta não é uma história muito conhecida no Chile”, contextualiza Felipe, ao Estadão. Segundo ele, o filme levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Medo de contar essa história? Ambição demais de um diretor de primeira viagem? Não sabemos.

A seguir, Felipe Gálvez Haberle fala sobre os desejos com seu filme, os desafios de filmar na Terra do Fogo chilena e, acima de tudo, como foi a experiência de seu primeiro longa.

De onde veio o desejo de contar essa história?

Essa história apareceu para mim há cerca de dez anos, lendo um portal de notícias. Não é algo muito conhecido no Chile. Mas há dez anos, quando comecei, era um pouco recente. Então comecei a investigar.

Ainda assim, a maior parte do tempo [de produção] foi dedicada à espera do financiamento, que era bastante ambicioso por ser o meu primeiro filme. Havia pessoas que pensavam que isso talvez fosse demais.

Passei mais tempo esperando o financiamento do que escrevendo o roteiro. Tirando isso, foi bastante rápido, e o roteiro não foi modificado muito nos últimos quatro ou cinco anos. Em vez disso, foi mais uma questão de esperar o momento certo. Claro, sempre tentando mantê-lo atualizado. Foi um filme que eu revisava até o dia anterior à gravação, atualizando o roteiro para incluir coisas novas.

'Os Colonos' foi escolha do Chile ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas não recebeu indicação. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Foi sua primeira experiência dirigindo um longa-metragem. Foi muito difícil?

Muito diferente, pois minha experiência anterior como diretor se resumia a um dia em um set. Eram filmagens de curtas-metragens que haviam sido realizadas em um dia ou um dia e meio. Essa era toda a minha experiência até então. Aqui, não. Era algo grande, com 70 pessoas. Afinal, o cinema é um trabalho muito coletivo, claro.

Muitas pessoas tinham muita experiência, e eu me apoiei nisso. Isso me ajudou muito, aprendendo na prática. No primeiro dia, ao ver o set, eu disse: “Bem, eu não faço ideia de como isso funciona, não entendo o que todas essas pessoas estão fazendo, não compreendo os cargos”. Diria que fui encontrando meu lugar e aprendendo como fazer o filme ao longo da primeira semana.

Como foi o desafio de filmar na Terra do Fogo?

Encontrei um local bastante inóspito, com muito frio à noite e muito vento, sem controle climático. Então, nos adaptamos. Iniciamos o roteiro com um guia, mas é preciso estar sempre adaptando o filme, ajustando o roteiro e se adaptando ao clima, às possibilidades. Tive muita sorte também, o clima colaborou. Mas é um desafio, é necessário estar aberto, seguir com o clima. Nem sempre as cenas seguem uma ideia fixa. Ao chegar no set, testamos coisas novas.

'Os Colonos' levou mais tempo para arranjar financiamento do que para ser escrito. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Até hoje, essa região pertence em grande parte à família Menéndez. A maioria dela é propriedade privada. Então não foi tão fácil encontrar locais para gravar. Isso ocorreu tanto pela propriedade da família como porque muitas pessoas não queriam se envolver, sem entender realmente do que se tratava o filme.

Podemos dizer que, mais difícil do que fazer seu primeiro longa-metragem ou filmar na Terra do Fogo, foi encontrar informações sobre essa história que não passem pelos olhos do colonizador?

Tenho uma grande habilidade em apagar coisas, em tentar apagar e deletar o que não me serve. Afinal, não sou historiador. Sou cineasta e meu interesse está relacionado a essa história, como ela despertou meu interesse cinematográfico. Portanto, acredito que as histórias que faziam mais sentido para o filme foram ficando.

Ficou aquilo que me parecia mais cinematográfico. Há uma camada no filme que indica que é baseado e inspirado em fatos reais, tentando seguir uma história real, mas há outra camada que é pura ficção, puro cinema. E o que me interessava era essa mistura. Meu filme não é rigoroso com a história porque eu não acredito na rigidez da história.

Principalmente na história narrada na Terra do Fogo. É uma história, é claro, contada muito pelos vencedores, muito enviesada. Então, acredito que o filme trata disso, de como se escreve a história oficial, e tomei a liberdade de me permitir muitas liberdades ao abordar esse tema, usando também muito o instinto.

'Os Colonos' busca resgatar história esquecida do Chile. Foto: Quijotes Films/Divulgação

Vicuña não é um personagem real, no entanto, parece ser um dos personagens mais reais, um personagem que dizemos que conhecemos, como se pudesse ser o personagem mais real do filme. Isso é estranho. É como um personagem que você vê e sente que deve ter existido, que te dá essa sensação de que esse personagem é real. E há algumas pessoas na minha vida que parecem ficção e são reais, e isso é muito curioso.

Escolher fazer um faroeste sobre essa história diz muito sobre o que você está querendo contar.

É também muito sobre o significado disso, sim, porque pela perspectiva colonizadora, há o mito masculino do explorador. Acredito que [o faroeste] seja propaganda. Foi criado para promover justamente esses massacres, para justificá-los. Serviu para propagar essa ideia de civilização e defender esses massacres.

Pareceu-me interessante criar nesse gênero, usando todos os seus elementos, todas as suas ferramentas, a música, os grandes planos, as cores, a aventura, brincar com todos esses elementos, mas também quebrar as expectativas. Acho que o espectador o tempo todo está tentando encontrar um herói neste filme, e eu dou muitas opções. Mas depois eu gosto de destruí-los. Não são muitos heróis possíveis, mas nenhum deles é um herói verdadeiro.

É um filme que carece de herói, um filme que se afasta de ser um estudo pessoal e que, na verdade, é consciente de que às vezes trabalha com estereótipos e com caricaturas. Quando se faz uma crítica ao colonialismo, mais do que se posicionar moralmente, também me interessava entender qual é o papel do cinema nesse processo. Me pareceu que estava muito manchado de sangue.

Entrevista por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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