De uns tempos para cá, sempre que Maile Masako Brady, atriz de The Bold and the Beautiful, entra no TikTok, ela vê a hashtag #nepobaby e começa a navegar por inúmeros vídeos, muitos dos quais fazem perguntas semelhantes: você sabia que Maya Hawke, estrela de Stranger Things, é filha de Ethan Hawke e Uma Thurman? Ou que Jack Quaid é parente daquele outro Quaid? Ou que as conexões familiares de Beanie Feldstein podem tê-la ajudado a conseguir seu papel em Funny Girl’.
Brady, 19 anos, acha esses vídeos de TikTok bem divertidos – embora, tecnicamente, também seja uma nepo baby. Ela sabe que a expressão com certeza soa como um insulto. Mas, ainda assim...
“Não chega a estar errado”, disse Brady, filha do ator e comediante Wayne Brady. “Sou atriz, sou cantora. Faço basicamente o que meu pai faz, de certa forma. Tenho muita sorte de ter crescido em torno das artes e ter recebido certas vantagens. Então eu não vou ficar tipo, ‘Não tirem sarro de mim por causa de algo que é verdade, vocês são cruéis!’ Essas coisas não me deixam mal, para mim é só engraçado mesmo.”
Nepotismo e Hollywood são sinônimos desde o início dos tempos, ou pelo menos desde a década de 1870, quando o aspirante a ator Herbert Arthur Chamberlayne Blythe mudou seu nome para Maurice Barrymore, deixou a Inglaterra, partiu para a América, casou-se com a atriz Georgiana Drew e com ela produziu uma linhagem que continua até hoje com a apresentadora de talk-show mais caótica do nosso país, a bisneta Drew Barrymore.
Mas, nos últimos tempos, nas redes sociais, essas celebridades vêm sendo sardonicamente apelidadas de nepo babies, “bebês nepotistas”. A expressão teve um grande aumento no Google no início deste ano – bem na época em que viralizou o tweet de um jovem espectador de Euphoria, da HBO, que aparentemente ficou chocado ao saber que uma das estrelas do programa, Maude Apatow, era filha da atriz Leslie Mann e “um diretor de cinema”.
Assim como quando Girls, também da HBO, estreou uma década atrás – produzido, aliás, pelo já mencionado “diretor de cinema” Judd Apatow – e os millennials passaram um dia se dando conta de que todas as quatro atrizes principais tinham pais conhecidos, agora uma nova geração está descobrindo o nepotismo de Hollywood. A hashtag #nepobaby tem mais de 30 milhões de visualizações no TikTok e traz vídeos que “expõem” modelos cujas mães eram modelos (Anwar Hadid, Kaia Gerber, Lila Moss) ou listam seus beneficiários “favoritos” (Zoë Kravitz, Dan Levy, Dakota Johnson). Algumas pessoas usam o aplicativo para processar seus sentimentos sobre o assunto. (“Tracee Ellis Ross é filha de Diana Ross. Por que isso me abalou tão profundamente?”). Outras questionam por que o assunto de repente ficou tão quente, já que os filhos seguem seus pais em muitas outras indústrias, como a política e o jornalismo.
“A comunidade de bebês nepotistas no TikTok é mais do que uma simples moda digital, faz parte de uma tendência mais ampla de justiça social”, teorizou um vídeo postado pela revista britânica The Face, explicando que nepo babies podem ser “bons” e “ruins”, a depender de quão honestos são a respeito de seu caminho para a fama, se fazem trabalhos de caridade ou simplesmente parecem humildes. “Os jovens que já se cansaram do campo de jogo desigual estão escrevendo suas próprias regras e trazendo justiça a um sistema que foi criado sem elas.”
Kit Keenan, podcaster e criadora de conteúdo cuja mãe é a estilista Cynthia Rowley, disse que, enquanto construía a carreira, pensou muito sobre sua criação privilegiada em Nova York. Quando chegou à faculdade, ela já tinha sua própria linha de roupas e uma plataforma de mídia social grande o suficiente para chamar a atenção dos produtores de The Bachelor, que a recrutaram como concorrente para a temporada de 2021. Depois que milhões de espectadores a viram no programa popular, ela continuou a construir seus seguidores no Instagram e no TikTok, incorporando conteúdo de gastronomia e receitas, e agora apresenta um podcast com Rowley chamado Ageless.
“Sei o que ganhei da vida e estou tentando usar essas oportunidades para ajudar outras pessoas e reconhecer tudo isso”, disse Keenan, 23 anos. Uma coisa de que ela tem certeza é que o mais importante é ser transparente sobre seu passado.
“Não significa que você termina a corrida já em primeiro lugar, mas você começa com uma grande vantagem”, acrescentou ela. “Acho que a pior coisa que um nepo baby pode fazer é dizer que ganhou tudo por mérito próprio.”
Os bebês nepotistas estão plenamente conscientes de que sua mera existência – nascer com riqueza e oportunidades, especialmente em uma era de dificuldades econômicas e sociais – pode desencadear uma reação intensa e muitas vezes negativa. Eles já viram os memes. (Como aquele que diz que você nunca deve perguntar a um músico indie por que os nomes de seus pais têm um link azul na Wikipedia). Matérias de tabloides sarcásticos povoam os sites de fofocas todos os dias. (Quem consegue esquecer aquela sobre a equipe de pessoas encarregadas de ajudar Brooklyn Beckham – filho de David e Victoria Beckham – a aprender a cozinhar depois que ele conseguiu um programa de culinária?).
Os desafios dos nepo babies de Hollywood
Eles só gostariam de acrescentar que o nepotismo de Hollywood é mais complicado do que parece: ser um bebê nepotista não significa que você também não seja um ser humano com emoções e vida interior enquanto enfrenta os severos holofotes das mídias e tenta corresponder às enormes expectativas. (Por exemplo, quando Brady fez aulas de improvisação, ficou morrendo de medo de que alguém descobrisse que seu pai era a estrela de Whose Line Is It Anyway?’. Mas os nepo babies sabem que as pessoas têm pouca ou nenhuma paciência para ouvir sobre esses desafios, por mais concretos que sejam.
“Não tem nepotismo na minha família!”, brincou o ator Oliver Hudson, 45 anos, no início de uma entrevista por telefone, quando deu para ouvir sua mãe, Goldie Hawn, falando alguma coisa ao fundo. Ele estava passando uns dias no Colorado, onde Hawn e seu padrasto, Kurt Russell, compraram uma casa anos atrás. “Minha mãe está ao meu lado passando bilhetinhos”, explicou.
Hudson não tem escrúpulos em se abrir sobre nepotismo, mas geralmente, a parte “nepo” de “nepo baby” não é um assunto que eles gostam de discutir. O Washington Post tentou entrar em contato com cerca de 50 bebês nepotistas para esta reportagem, a maioria por meio de seus representantes. Cerca de 60% recusaram o pedido ou disseram que seus clientes não estavam disponíveis; aproximadamente 35% nunca responderam; alguns responderam, mas, logo em seguida, sumiram.
Hudson adora trabalhar na mesma indústria que seus parentes – ele e sua irmã, a atriz Kate Hudson, lançaram o podcast Sibling Revelry em 2019. Isso os aproximou ainda mais, disse ele, e gerou conversas profundas com outros irmãos de Hollywood que vêm aparecendo como convidados, entre eles Dakota e Elle Fanning e Matthew e Rooster McConaughey.
Na infância e juventude, Hudson tentava manter seu legado em segredo: “Eu só queria que as pessoas gostassem de mim por mim mesmo”. Imaginar que as pessoas só querem andar com você porque seus pais são ícones de Hollywood pode fazer um estrago na sua autoestima; essa insegurança persistiu e se manifestou quando Hudson decidiu que também queria ser ator. Ele conseguiu um agente, mas não se esforçava muito, aparecia de ressaca e despreparado para as audições. Não conseguia quase nenhum trabalho, disse ele, e percebeu que tinha de botar a cabeça no lugar.
“As pessoas tem esse engano sobre mim, Kate e Wyatt – ‘Ah, somos filhos de pais famosos, então tudo vem fácil, você consegue um monte de empregos e a vida está ganha’”, disse Hudson, referindo-se ao seu meio-irmão, o ator Wyatt Russell, recentemente escalado junto com Kurt para a nova série Godzilla da Apple TV Plus. “E, sim, sem dúvida é um jeito de botar o pé para dentro da porta – os dois pés. Mas, no fim das contas, você ainda tem que provar a si mesmo, tem que fazer audições e conseguir o emprego. Eu aprendi isso do jeito mais difícil.”
Hudson, que agora também apresenta o podcast de relacionamento Unconsciously Coupled com sua esposa Erinn, chegou a estrelar Rules of Engagement, da CBS, Nashville e Splitting Up Together, da ABC, e muitos outros programas. Mesmo entendendo por que a conversa sobre nepotismo continua, ele espera que não tenha uma conotação tão negativa, principalmente em relação a atores e atrizes. "Não é como outras profissões corporativas em que alguém pode dizer: Ei, filho, agora você é o vice-presidente da empresa", disse.
“Minha mãe e Kurt não podem me forçar goela abaixo de ninguém. Eles não podem dizer, ‘meu filho vai estar neste filme’”, disse Hudson. Pessoalmente, ele ficou emocionado quando seu filho pré-adolescente, Bodhi, foi contratado junto com dele para um piloto depois de passar pelo processo de seleção de elenco. “Se ele fosse péssimo, a CBS não iria contratá-lo.”
“Privilégio é algo com o qual você nasce, você tem sorte. Mas achar que você tem direito a tudo é uma coisa que você aprende, uma coisa que nossa família critica muito”, continuou Hudson. “Não pense que você merece nada só por ser você.”
Se você estava assistindo TV neste verão e viu um Jonas Brother e um homem que lembrava vagamente um Jonas Brother, seus olhos não o enganaram: era Kevin (um membro do trio pop) e Frankie (seu irmão mais novo, um “Jonas bônus”) coapresentando Claim to Fame, um novo reality show da ABC onde parentes de várias estrelas – a prima de Zendaya, a filha de Brett Favre – moram em uma casa juntos e... bom, não sabemos muito bem o que eles fazem, mas alguém vai ganhar algum dinheiro.
O canal E! tentou algo semelhante neste inverno com Relatively Famous: Ranch Rules, mandando oito filhos de celebridades – entre eles Harry James Thornton (filho de Billy Bob), Taylor Hasselhoff (filha de David) e Myles O’Neal (filho de Shaquille) – para um rancho só para ver o que acontece. Esses programas servem como uma espécie de bico para os nepo babies, mas as redes não dariam luz verde para eles se não achassem que as pessoas sempre ficam fascinadas com alguém ligado à fama.
“Culturalmente, estamos programados para nos interessar pelas celebridades”, disse Elaine Lui, personalidade do Etalk e The Social que dirige o site LaineyGossip. “Se não estivéssemos, as revistas não pagariam milhões de dólares pelas fotos de uma celebridade que teve bebê.”
Embora os dias da revista People supostamente desembolsando US$ 6 milhões por fotos dos gêmeos recém-nascidos de Jennifer Lopez e Marc Anthony possam ter acabado, o público muitas vezes ainda se interessa. Lui lembrou o caso de Shiloh Jolie-Pitt, a filha de 16 anos de Brad Pitt e Angelina Jolie (filha de Jon Voight). Em junho, um vídeo do YouTube de Jolie-Pitt dançando uma música de Doja Cat explodiu online – parecia a evolução natural de uma criança cujas fotos de bebê teriam arrecadado US$ 4 milhões da People.
E também tem a expectativa de se perguntar o que o futuro reserva para alguns dos nepo babies potencialmente mais poderosos, disse Lui, como North West, Blue Ivy Carter e o filho recém-nascido de Rihanna e A$AP Rocky. É uma mudança em relação a quando o nepotismo beneficiava principalmente as estrelas brancas como Liza Minnelli ou Gwyneth Paltrow. (De sua parte, Paltrow – filha de Blythe Danner e Bruce Paltrow – disse recentemente a Hailey Bieber – filha de Stephen Baldwin – que o nepotismo também dificulta a vida porque “aí você tem que trabalhar quase duas vezes mais e ser duas vezes melhor”).
Hollywood, a meritocracia e a diversidade
Franklin Leonard, fundador da Black List, levantou uma questão semelhante no verão passado depois de twittar “Hollywood é uma meritocracia, né?” ao lado de um artigo sobre como Hopper Penn (filho de Sean Penn e Robin Wright), Destry Spielberg (filha de Steven Spielberg e Kate Capshaw) e Owen King (filho de Stephen e Tabitha King) estavam colaborando em um curta-metragem. Ben Stiller (filho de Jerry Stiller e Anne Meara) interveio para defendê-los: “O showbiz, como todos sabemos, é bastante duro e, em última análise, é uma meritocracia.” Quando Franklin ressaltou que tal privilégio está ligado à falta de diversidade na indústria – e a torna o oposto de uma meritocracia – os tweets inundaram a internet.
“Acho que houve um tempo em que você não podia ter um nepo baby se não fosse uma pessoa branca”, disse Lui. “Nós nem vimos o bebê da Rihanna ainda, mas esse bebê já é um superstar. Isso é nepotismo? Com certeza. Mas quando você aborda a desigualdade dos últimos anos e pensa o nepotismo pelas lentes da raça e do privilégio, acho que é legal e até empolgante que Blue Ivy e o bebê da Rihanna sejam celebridades desde o nascimento.”
O jornalista e autor Stephen Farber se lembra de uma entrevista do início dos anos 1980 que saiu dos trilhos. Ele estava conversando com Nicolas Cage para o New York Times e fez uma pergunta sobre seu tio, Francis Ford Coppola. De acordo com Farber, Cage respondeu algo como: “Eu não quero que você mencione que ele é meu tio”. Quando Farber não concordou, Cage levantou e foi embora, furioso.
“Acho que agora ele finalmente superou o fato e está disposto a falar a respeito”, disse Farber. “Mas, quando ainda era um jovem ator, ele não queria que as pessoas pensassem que ele tinha chegado onde estava por causa das conexões familiares.”
Farber, que coescreveu o livro Hollywood Dynasties (1984), acha que hoje o nepotismo é um problema menor do que no passado. Quando os estúdios de Los Angeles se estabeleceram, os responsáveis contrataram todos os seus parentes: Carl Laemmle, cofundador da Universal Pictures, era conhecido como "Tio Carl’ porque trouxera muitos membros da família. “Agora é um número pequeno comparado ao que costumava acontecer na era de ouro de Hollywood”, disse ele.
Mary Murphy, jornalista e professora da USC Annenberg School de Comunicação e Jornalismo, relembrou uma experiência de entrevista semelhante, embora menos dramática, quando estava fazendo reportagem para o Entertainment Tonight no tapete vermelho de The Runaways, em 2010. Quando Murphy perguntou a Riley Keough como ela conseguira seu papel no filme, Murphy recebeu um olhar não muito amistoso em resposta – só mais tarde ela viria a descobrir que Keough era neta de Elvis Presley e provavelmente não tinha gostado da pergunta. (O agente de Keough disse que ela não estava disponível para entrevista; o empresário de Cage não fez comentários).
Altas expectativas
Mas Murphy compreende, especialmente quando você pensa do ponto de vista humano. “Essas pessoas estão só tentando corresponder às expectativas dos pais”, disse ela. “E vivendo sob o brilho das luzes do tapete vermelho e só imaginando o que os outros estão dizendo, ‘ah, elas não são tão boas quanto a mãe, o pai’. Não é fácil.”
No entanto, parece haver uma mudança de atitude nas estrelas mais novas, que, talvez impulsionadas pela transparência das mídias sociais, sentem que não têm nada a esconder. Grace Van Dien, 25 anos, filha do ator Casper Van Dien e bisneta de Robert Mitchum, este ano explodiu no papel de Chrissy, a líder de torcida da quarta temporada de Stranger Things, personagem que recebeu uma resposta apaixonada dos espectadores, a qual ela definiu como “insana” e “uma linda surpresa”.
Embora ela acredite que a prioridade seja ver quem se encaixa autenticamente no papel, ela sabe que ter parentes na indústria pode ajudar. Mas é algo que ela abraça.
“Eu amo meu pai. Eu amo ter alguém para me guiar nessa montanha-russa da indústria”, escreveu Van Dien por e-mail. “Brilho de orgulho sempre que entro em algum lugar e um produtor ou diretor de elenco pergunta, ‘Casper é seu pai?’ Só isso me garante o emprego? Não. E eu não gostaria que isso acontecesse. Mas acho muito incrível.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU