Oscar de 2022 luta por audiência e quer conquistar público jovem


Principal premiação do cinema mundial busca ampliar diversidade

Por Luiz Zanin Oricchio

O Oscar, essa venerável instituição do cinema norte-americano, encontra-se diante de desafios cruciais, inéditos desde que o prêmio foi criado em 1926. Peça importante no esquema de difusão do cinema do seu país, vê-se acusado de falta de representatividade em seu próprio território. Talvez ligado a esse primeiro termo, também é preocupante a diminuição da audiência de sua cerimônia de premiação - a de 2021 caiu 58% em relação à de 2020. Esta, por sua vez, foi 20% menor que a de 2019. Números alarmantes para um espetáculo televisionado para 225 países e territórios em todo o mundo. Os dados são da Nielsen, empresa que monitora audiências em nível global. Estaria o Oscar em crise?

Quanto à primeira questão, não se pode acusar a Academia de imobilismo. Pelo contrário. Nos anos recentes, tem sido consistente a tentativa de aumentar a dimensão do corpo de votantes dos prêmios, incluindo pessoas não-brancas e de outras nacionalidades.

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Cerimônia de premiação do Oscar 2022 será em 27 de março. Foto: Carlo Allegri//Reuters

Artigo da Hollywood Reporter (“Why the Oscars Have Become Harder than Ever to Predict”) traz os números desta renovação. Até o movimento #OscarsSoWhite, que denunciava a ausência de pessoas não-brancas entre os indicados de 2016, a Academia costumava incorporar cerca de 300 novos votantes a cada ano. Em 2016, saltou para 683. Nos anos seguintes, foram 774, 928, 842 e 819. Caiu um pouco em 2021, quando 375 novatos se somaram  ao grupo. Resultado da conta: 4421 dos integrantes da Academia, cujo total de membros ativos é de aproximadamente 9400, não faziam parte da entidade seis anos atrás. Ou seja, 47% do colégio eleitoral agora é composto de recém-chegados. Mais: desses novos membros, 25 % são provenientes de países estrangeiros. Em 2015, esse número era de apenas 12%. Hoje, 75 países, de seis continentes, estão representados na Academia de Hollywood.

Os últimos dois anos testemunharam efeitos dessa política de inclusão. O ápice deu-se com a eleição de Parasita como melhor filme em 2020 - inédita premiação de uma produção coreana, falada em coreano, com atores e atrizes do país asiático, trazendo uma análise original das contradições sociais da Coreia do Sul. Ainda por cima, um filme político! Quer prova maior de cosmopolitismo?

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Cena do filme'Drive My Car', de Ryusuke Hamaguchi Foto: O2 Play

Pode-se dizer que a política global e inclusiva da Academia ainda precisa dar mostras de consistência, continuidade e abrangência - o que, claro, só se verá com o tempo. A premiação do ano seguinte à de Parasita, embora não tão radical, não deixou também de mostrar os efeitos dessa política. O vencedor foi Nomadland, uma obra limítrofe entre o documentário e a ficção, tendo por foco os esquecidos do sonho americano, e dirigida por uma chinesa de origem, Chloe Zhao.

Esse processo terá continuidade esse ano? Só teremos a resposta dia 27, quando os envelopes forem abertos na 94ª cerimônia da Academia de Hollywood. Pode haver surpresas - ninguém em sã consciência teria apostado em Parasita em 2020 -, mas tudo indica, se não uma regressão, pelo menos uma relativa estabilização nesse processo que podemos chamar de “abertura”. O mais indicado é Ataque dos Cães, filme de época em língua inglesa, ambientado nos Estados Unidos, porém dirigido por uma neozelandesa, Jane Campion. Tem nada menos que 12 indicações.

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Benedict Cumberbatch como Phil Burbank em 'Ataque dos Cães', filme que recebeu doze indicações ao Oscar 2022. Foto: Netflix

Se o filme vencer, e Jane Campion também levar o prêmio de melhor direção, será apenas a terceira mulher a vencer nessa categoria (as outras são Kathryn Bigelow e Chloe Zhao). E também há que se destacar o fato de que esta mulher é de outro país, embora faça parte da comunidade mundial de língua inglesa.

Qual poderia ser o convidado-surpresa à festa do Oscar 2022? Sem dúvida, o extraordinário Drive My Car, do japonês Riusuke Hamaguchi, que concorre nas categorias de melhor filme, diretor, roteiro adaptado (de um conto de Haruki Murakami) e filme internacional.

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Flee foi indicado como melhor animação, melhor documentário e melhor filme internacional do Oscar 2022 Foto: Cinephil

Fora Hamaguchi, com suas quatro indicações, a participação estrangeira no Oscar 2022 ainda é modesta. O espanhol Javier Bardem concorre a melhor ator, porém num filme norte-americano, Apresentando os Ricardos. Fala inglês com sotaque latino, interpretando o cubano-americano Desi Aznar em seu complicado casamento com Lucille Ball, de I Love Lucy. Eskil Vogt e Joachim Trier concorrem a melhor roteiro com A Pior Pessoa do Mundo, produção da Noruega que disputa também a categoria filme internacional. Penélope Cruz está no páreo para melhor atriz com Madres Paralelas, filme de Pedro Almodóvar que também concorre a melhor trilha sonora, assinada por Alberto Iglesias.

Na categoria documentário há uma permeabilidade maior. O indiano Escrevendo com Fogo e o dinamarquês Fuga (Flee) disputam o troféu com o favorito Summer of the Soul, e Attica, ambos dos EUA. Ascension, dirigido pela sino-americana Jessica Kingdon, tem por objeto as contradições do capitalismo estatal que levou a China ao protagonismo econômico mundial. Um combinado bastante heterogêneo, convenhamos. E, claro, há a categoria “filme internacional”, antes chamada de “filme estrangeiro”, reservada às produções de língua não-inglesa.

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Cena do filme 'Mães Paralelas', de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz e Milena Smit Foto: Sony Pictures Classics

Essa abertura já é alguma coisa, ou talvez muita coisa, quando se olha o retrospecto. Mas, convenhamos, ainda é tímida para uma premiação que se deseja de fato inclusiva e global. Pode-se considerar, como atenuante, que a radical ampliação e mudança de composição da Academia seja vista como parte de um processo e não como fato acabado. Como tal, sujeita a avanços e recuos, porém com direção definida. Mas, claro, a nossa interpretação desse processo oscilante mudará caso a Academia faça uma surpresa e premie Hamaguchi, seja como melhor filme ou como melhor diretor. Ou ambos - o que significaria a continuidade da revolução iniciada com a escolha de Parasita como melhor filme em 2020.

A perda de audiência talvez esteja ligada a essa falta de representatividade, ainda não resolvida e estabilizada. É explicável. Tendemos a nos desinteressar de instituições ou atividades que não parecem nos dizer respeito. O inverso ocorre quando nos sentimos incluídos, respeitados, disputando distinções em igualdade de condições com os outros concorrentes. Sentimo-nos acolhidos na festa, o que ainda está longe de acontecer com o Oscar.

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Primeira festa e jantar do Oscar, na Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel, em 16 de maio de 1929 Foto: www.oscars.org

Curiosamente, o diagnóstico da Academia aponta outros fatores para a perda de audiência. Admite que a cerimônia é mesmo longa (mas não acredita que seja chata, como de fato é). Por isso, quer enxugá-la, entregando oito prêmios fora de cena para que seja mais ágil. Mas é desanimador ler que, mesmo assim, a festa terá mais de três horas, a serem bem empregadas nos números musicais, agradecimentos longos dos vencedores e piadas das apresentadoras, as atrizes Amy Schumer, Wanda Sykes e Regina Hall.

Bem, o humor stand-up é uma tradição norte-americana adotada pelos apresentadores do Oscar, mesmo quando não são cômicos profissionais. Nem sempre o humor viaja bem. Quase nunca. De modo geral, estrangeiros acham as piadas sem graça. Ainda mais quando se perdem na tradução - e nem todos são fluentes em inglês a ponto de entendê-las no idioma original. As canções, que fazem sentido no contexto dos filmes, raramente têm qualidade para serem apreciadas em separado, como acontece na cerimônia.

O diretor Federico Fellini, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, em 1993, após vencer o Oscar honorário por sua obra Foto: Blake Sell/Reuters

Quanto aos agradecimentos, entende-se que seja um momento de euforia para os vencedores, que querem partilhá-lo com pais, amigos, parentes, colaboradores. Mas o que temos, de fato, a ver com isso? Em geral, torcemos para que acabem rápido e passemos ao prêmio seguinte. As exceções - como as históricas e divertidas entregas de prêmios pela carreira a Federico Fellini e a Billy Wilder - são apenas isso, casos isolados que justificam a regra.

Há outro ponto, talvez a ser considerado quando se tenta entender a queda de audiência: a ausência de blockbusters entre os indicados às categorias principais. São, é óbvio, as produções de maior bilheteria, sucessos globais e que fascinam em especial o público jovem.

Daniel Craig inaugura estrela na Calçada da Fama após dizer adeus a 007. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

No Oscar deste ano, 007 - Sem Tempo para Morrer disputa as estatuetas de canção original, som e efeitos visuais. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa concorre apenas em efeitos visuais.

Preconceito da Academia contra as chamadas “franquias” - filmes em série, histórias de super-heróis da Marvel, etc.? Pode ser. Mas não se pode acusá-la de ser contra o sucesso. Campeões de bilheteria, como …E o Vento Levou, Ben-Hur, Poderoso Chefão 1 e 2, e Titanic foram premiados. Outro blockbuster vencedor em anos recentes foi O Senhor dos Anéis, este baseado em obra de prestígio no gênero fantasia, a do britânico J.R.R. Tolkien.

Aquarelas pintadas pelo escritor J.R.R Tolkien para ilustrar seu universo ficcional Foto: Tolkien Estate/HarperCollins

De modo geral, a Academia tem esnobado esses filmes de grande público. Tende a considerá-los de baixa qualidade artística, embora relevantes nos aspectos técnicos, que, de fato, têm sua importância na indústria do cinema. Mas a Academia reserva as categorias principais para filmes de grandes atores e atrizes, com roteiros bem construídos e temas considerados importantes ou edificantes. O chamado “top five” da premiação do Oscar é composto pelas categorias de melhor filme, direção, ator, atriz e roteiro.

Nesse subclube fechado, os blockbusters não têm vez. E, no entanto, é deles que os jovens, o público do presente e do futuro, gostam. Esse é um dilema da Academia, de fato difícil de resolver. Como atrair a moçada, que ignora os filmes que disputam as categorias principais e adoram as produções relegadas a categorias secundárias?

Cena do filme 'Titanic', de James Cameron, com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio. Foto: Cena do filme 'Titanic' via Reuters

O que fazer? Rebaixar critérios de avaliação estética em busca desse público? Não é tão fácil mudar a mentalidade de toda uma comunidade de uma hora para outra. E, no limite, talvez fosse mesmo um tiro no pé, com a Academia arriscando-se a não conquistar os jovens e perder credibilidade junto àquela parte do público adulto que ainda considera a premiação de Hollywood o melhor selo de qualidade de um filme.

Momentos cruciais

2016. #OscarSoWhite. A denúncia da falta de representatividade de pessoas não-brancas nas categorias de ator e atriz produziram um terremoto em Hollywood e induziram a mudança na composição do colégio eleitoral da Academia.

2020. O coreano Parasita foi a primeira produção de língua não-inglesa a vencer na categoria de melhor filme. O francês O Artista o precedeu, mas este é um filme mudo.

2021. Chloe Zhao foi a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção e a primeira de origem asiática (nasceu na China e radicou-se nos Estados Unidos)

O Oscar, essa venerável instituição do cinema norte-americano, encontra-se diante de desafios cruciais, inéditos desde que o prêmio foi criado em 1926. Peça importante no esquema de difusão do cinema do seu país, vê-se acusado de falta de representatividade em seu próprio território. Talvez ligado a esse primeiro termo, também é preocupante a diminuição da audiência de sua cerimônia de premiação - a de 2021 caiu 58% em relação à de 2020. Esta, por sua vez, foi 20% menor que a de 2019. Números alarmantes para um espetáculo televisionado para 225 países e territórios em todo o mundo. Os dados são da Nielsen, empresa que monitora audiências em nível global. Estaria o Oscar em crise?

Quanto à primeira questão, não se pode acusar a Academia de imobilismo. Pelo contrário. Nos anos recentes, tem sido consistente a tentativa de aumentar a dimensão do corpo de votantes dos prêmios, incluindo pessoas não-brancas e de outras nacionalidades.

Cerimônia de premiação do Oscar 2022 será em 27 de março. Foto: Carlo Allegri//Reuters

Artigo da Hollywood Reporter (“Why the Oscars Have Become Harder than Ever to Predict”) traz os números desta renovação. Até o movimento #OscarsSoWhite, que denunciava a ausência de pessoas não-brancas entre os indicados de 2016, a Academia costumava incorporar cerca de 300 novos votantes a cada ano. Em 2016, saltou para 683. Nos anos seguintes, foram 774, 928, 842 e 819. Caiu um pouco em 2021, quando 375 novatos se somaram  ao grupo. Resultado da conta: 4421 dos integrantes da Academia, cujo total de membros ativos é de aproximadamente 9400, não faziam parte da entidade seis anos atrás. Ou seja, 47% do colégio eleitoral agora é composto de recém-chegados. Mais: desses novos membros, 25 % são provenientes de países estrangeiros. Em 2015, esse número era de apenas 12%. Hoje, 75 países, de seis continentes, estão representados na Academia de Hollywood.

Os últimos dois anos testemunharam efeitos dessa política de inclusão. O ápice deu-se com a eleição de Parasita como melhor filme em 2020 - inédita premiação de uma produção coreana, falada em coreano, com atores e atrizes do país asiático, trazendo uma análise original das contradições sociais da Coreia do Sul. Ainda por cima, um filme político! Quer prova maior de cosmopolitismo?

Cena do filme'Drive My Car', de Ryusuke Hamaguchi Foto: O2 Play

Pode-se dizer que a política global e inclusiva da Academia ainda precisa dar mostras de consistência, continuidade e abrangência - o que, claro, só se verá com o tempo. A premiação do ano seguinte à de Parasita, embora não tão radical, não deixou também de mostrar os efeitos dessa política. O vencedor foi Nomadland, uma obra limítrofe entre o documentário e a ficção, tendo por foco os esquecidos do sonho americano, e dirigida por uma chinesa de origem, Chloe Zhao.

Esse processo terá continuidade esse ano? Só teremos a resposta dia 27, quando os envelopes forem abertos na 94ª cerimônia da Academia de Hollywood. Pode haver surpresas - ninguém em sã consciência teria apostado em Parasita em 2020 -, mas tudo indica, se não uma regressão, pelo menos uma relativa estabilização nesse processo que podemos chamar de “abertura”. O mais indicado é Ataque dos Cães, filme de época em língua inglesa, ambientado nos Estados Unidos, porém dirigido por uma neozelandesa, Jane Campion. Tem nada menos que 12 indicações.

Benedict Cumberbatch como Phil Burbank em 'Ataque dos Cães', filme que recebeu doze indicações ao Oscar 2022. Foto: Netflix

Se o filme vencer, e Jane Campion também levar o prêmio de melhor direção, será apenas a terceira mulher a vencer nessa categoria (as outras são Kathryn Bigelow e Chloe Zhao). E também há que se destacar o fato de que esta mulher é de outro país, embora faça parte da comunidade mundial de língua inglesa.

Qual poderia ser o convidado-surpresa à festa do Oscar 2022? Sem dúvida, o extraordinário Drive My Car, do japonês Riusuke Hamaguchi, que concorre nas categorias de melhor filme, diretor, roteiro adaptado (de um conto de Haruki Murakami) e filme internacional.

Flee foi indicado como melhor animação, melhor documentário e melhor filme internacional do Oscar 2022 Foto: Cinephil

Fora Hamaguchi, com suas quatro indicações, a participação estrangeira no Oscar 2022 ainda é modesta. O espanhol Javier Bardem concorre a melhor ator, porém num filme norte-americano, Apresentando os Ricardos. Fala inglês com sotaque latino, interpretando o cubano-americano Desi Aznar em seu complicado casamento com Lucille Ball, de I Love Lucy. Eskil Vogt e Joachim Trier concorrem a melhor roteiro com A Pior Pessoa do Mundo, produção da Noruega que disputa também a categoria filme internacional. Penélope Cruz está no páreo para melhor atriz com Madres Paralelas, filme de Pedro Almodóvar que também concorre a melhor trilha sonora, assinada por Alberto Iglesias.

Na categoria documentário há uma permeabilidade maior. O indiano Escrevendo com Fogo e o dinamarquês Fuga (Flee) disputam o troféu com o favorito Summer of the Soul, e Attica, ambos dos EUA. Ascension, dirigido pela sino-americana Jessica Kingdon, tem por objeto as contradições do capitalismo estatal que levou a China ao protagonismo econômico mundial. Um combinado bastante heterogêneo, convenhamos. E, claro, há a categoria “filme internacional”, antes chamada de “filme estrangeiro”, reservada às produções de língua não-inglesa.

Cena do filme 'Mães Paralelas', de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz e Milena Smit Foto: Sony Pictures Classics

Essa abertura já é alguma coisa, ou talvez muita coisa, quando se olha o retrospecto. Mas, convenhamos, ainda é tímida para uma premiação que se deseja de fato inclusiva e global. Pode-se considerar, como atenuante, que a radical ampliação e mudança de composição da Academia seja vista como parte de um processo e não como fato acabado. Como tal, sujeita a avanços e recuos, porém com direção definida. Mas, claro, a nossa interpretação desse processo oscilante mudará caso a Academia faça uma surpresa e premie Hamaguchi, seja como melhor filme ou como melhor diretor. Ou ambos - o que significaria a continuidade da revolução iniciada com a escolha de Parasita como melhor filme em 2020.

A perda de audiência talvez esteja ligada a essa falta de representatividade, ainda não resolvida e estabilizada. É explicável. Tendemos a nos desinteressar de instituições ou atividades que não parecem nos dizer respeito. O inverso ocorre quando nos sentimos incluídos, respeitados, disputando distinções em igualdade de condições com os outros concorrentes. Sentimo-nos acolhidos na festa, o que ainda está longe de acontecer com o Oscar.

Primeira festa e jantar do Oscar, na Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel, em 16 de maio de 1929 Foto: www.oscars.org

Curiosamente, o diagnóstico da Academia aponta outros fatores para a perda de audiência. Admite que a cerimônia é mesmo longa (mas não acredita que seja chata, como de fato é). Por isso, quer enxugá-la, entregando oito prêmios fora de cena para que seja mais ágil. Mas é desanimador ler que, mesmo assim, a festa terá mais de três horas, a serem bem empregadas nos números musicais, agradecimentos longos dos vencedores e piadas das apresentadoras, as atrizes Amy Schumer, Wanda Sykes e Regina Hall.

Bem, o humor stand-up é uma tradição norte-americana adotada pelos apresentadores do Oscar, mesmo quando não são cômicos profissionais. Nem sempre o humor viaja bem. Quase nunca. De modo geral, estrangeiros acham as piadas sem graça. Ainda mais quando se perdem na tradução - e nem todos são fluentes em inglês a ponto de entendê-las no idioma original. As canções, que fazem sentido no contexto dos filmes, raramente têm qualidade para serem apreciadas em separado, como acontece na cerimônia.

O diretor Federico Fellini, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, em 1993, após vencer o Oscar honorário por sua obra Foto: Blake Sell/Reuters

Quanto aos agradecimentos, entende-se que seja um momento de euforia para os vencedores, que querem partilhá-lo com pais, amigos, parentes, colaboradores. Mas o que temos, de fato, a ver com isso? Em geral, torcemos para que acabem rápido e passemos ao prêmio seguinte. As exceções - como as históricas e divertidas entregas de prêmios pela carreira a Federico Fellini e a Billy Wilder - são apenas isso, casos isolados que justificam a regra.

Há outro ponto, talvez a ser considerado quando se tenta entender a queda de audiência: a ausência de blockbusters entre os indicados às categorias principais. São, é óbvio, as produções de maior bilheteria, sucessos globais e que fascinam em especial o público jovem.

Daniel Craig inaugura estrela na Calçada da Fama após dizer adeus a 007. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

No Oscar deste ano, 007 - Sem Tempo para Morrer disputa as estatuetas de canção original, som e efeitos visuais. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa concorre apenas em efeitos visuais.

Preconceito da Academia contra as chamadas “franquias” - filmes em série, histórias de super-heróis da Marvel, etc.? Pode ser. Mas não se pode acusá-la de ser contra o sucesso. Campeões de bilheteria, como …E o Vento Levou, Ben-Hur, Poderoso Chefão 1 e 2, e Titanic foram premiados. Outro blockbuster vencedor em anos recentes foi O Senhor dos Anéis, este baseado em obra de prestígio no gênero fantasia, a do britânico J.R.R. Tolkien.

Aquarelas pintadas pelo escritor J.R.R Tolkien para ilustrar seu universo ficcional Foto: Tolkien Estate/HarperCollins

De modo geral, a Academia tem esnobado esses filmes de grande público. Tende a considerá-los de baixa qualidade artística, embora relevantes nos aspectos técnicos, que, de fato, têm sua importância na indústria do cinema. Mas a Academia reserva as categorias principais para filmes de grandes atores e atrizes, com roteiros bem construídos e temas considerados importantes ou edificantes. O chamado “top five” da premiação do Oscar é composto pelas categorias de melhor filme, direção, ator, atriz e roteiro.

Nesse subclube fechado, os blockbusters não têm vez. E, no entanto, é deles que os jovens, o público do presente e do futuro, gostam. Esse é um dilema da Academia, de fato difícil de resolver. Como atrair a moçada, que ignora os filmes que disputam as categorias principais e adoram as produções relegadas a categorias secundárias?

Cena do filme 'Titanic', de James Cameron, com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio. Foto: Cena do filme 'Titanic' via Reuters

O que fazer? Rebaixar critérios de avaliação estética em busca desse público? Não é tão fácil mudar a mentalidade de toda uma comunidade de uma hora para outra. E, no limite, talvez fosse mesmo um tiro no pé, com a Academia arriscando-se a não conquistar os jovens e perder credibilidade junto àquela parte do público adulto que ainda considera a premiação de Hollywood o melhor selo de qualidade de um filme.

Momentos cruciais

2016. #OscarSoWhite. A denúncia da falta de representatividade de pessoas não-brancas nas categorias de ator e atriz produziram um terremoto em Hollywood e induziram a mudança na composição do colégio eleitoral da Academia.

2020. O coreano Parasita foi a primeira produção de língua não-inglesa a vencer na categoria de melhor filme. O francês O Artista o precedeu, mas este é um filme mudo.

2021. Chloe Zhao foi a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção e a primeira de origem asiática (nasceu na China e radicou-se nos Estados Unidos)

O Oscar, essa venerável instituição do cinema norte-americano, encontra-se diante de desafios cruciais, inéditos desde que o prêmio foi criado em 1926. Peça importante no esquema de difusão do cinema do seu país, vê-se acusado de falta de representatividade em seu próprio território. Talvez ligado a esse primeiro termo, também é preocupante a diminuição da audiência de sua cerimônia de premiação - a de 2021 caiu 58% em relação à de 2020. Esta, por sua vez, foi 20% menor que a de 2019. Números alarmantes para um espetáculo televisionado para 225 países e territórios em todo o mundo. Os dados são da Nielsen, empresa que monitora audiências em nível global. Estaria o Oscar em crise?

Quanto à primeira questão, não se pode acusar a Academia de imobilismo. Pelo contrário. Nos anos recentes, tem sido consistente a tentativa de aumentar a dimensão do corpo de votantes dos prêmios, incluindo pessoas não-brancas e de outras nacionalidades.

Cerimônia de premiação do Oscar 2022 será em 27 de março. Foto: Carlo Allegri//Reuters

Artigo da Hollywood Reporter (“Why the Oscars Have Become Harder than Ever to Predict”) traz os números desta renovação. Até o movimento #OscarsSoWhite, que denunciava a ausência de pessoas não-brancas entre os indicados de 2016, a Academia costumava incorporar cerca de 300 novos votantes a cada ano. Em 2016, saltou para 683. Nos anos seguintes, foram 774, 928, 842 e 819. Caiu um pouco em 2021, quando 375 novatos se somaram  ao grupo. Resultado da conta: 4421 dos integrantes da Academia, cujo total de membros ativos é de aproximadamente 9400, não faziam parte da entidade seis anos atrás. Ou seja, 47% do colégio eleitoral agora é composto de recém-chegados. Mais: desses novos membros, 25 % são provenientes de países estrangeiros. Em 2015, esse número era de apenas 12%. Hoje, 75 países, de seis continentes, estão representados na Academia de Hollywood.

Os últimos dois anos testemunharam efeitos dessa política de inclusão. O ápice deu-se com a eleição de Parasita como melhor filme em 2020 - inédita premiação de uma produção coreana, falada em coreano, com atores e atrizes do país asiático, trazendo uma análise original das contradições sociais da Coreia do Sul. Ainda por cima, um filme político! Quer prova maior de cosmopolitismo?

Cena do filme'Drive My Car', de Ryusuke Hamaguchi Foto: O2 Play

Pode-se dizer que a política global e inclusiva da Academia ainda precisa dar mostras de consistência, continuidade e abrangência - o que, claro, só se verá com o tempo. A premiação do ano seguinte à de Parasita, embora não tão radical, não deixou também de mostrar os efeitos dessa política. O vencedor foi Nomadland, uma obra limítrofe entre o documentário e a ficção, tendo por foco os esquecidos do sonho americano, e dirigida por uma chinesa de origem, Chloe Zhao.

Esse processo terá continuidade esse ano? Só teremos a resposta dia 27, quando os envelopes forem abertos na 94ª cerimônia da Academia de Hollywood. Pode haver surpresas - ninguém em sã consciência teria apostado em Parasita em 2020 -, mas tudo indica, se não uma regressão, pelo menos uma relativa estabilização nesse processo que podemos chamar de “abertura”. O mais indicado é Ataque dos Cães, filme de época em língua inglesa, ambientado nos Estados Unidos, porém dirigido por uma neozelandesa, Jane Campion. Tem nada menos que 12 indicações.

Benedict Cumberbatch como Phil Burbank em 'Ataque dos Cães', filme que recebeu doze indicações ao Oscar 2022. Foto: Netflix

Se o filme vencer, e Jane Campion também levar o prêmio de melhor direção, será apenas a terceira mulher a vencer nessa categoria (as outras são Kathryn Bigelow e Chloe Zhao). E também há que se destacar o fato de que esta mulher é de outro país, embora faça parte da comunidade mundial de língua inglesa.

Qual poderia ser o convidado-surpresa à festa do Oscar 2022? Sem dúvida, o extraordinário Drive My Car, do japonês Riusuke Hamaguchi, que concorre nas categorias de melhor filme, diretor, roteiro adaptado (de um conto de Haruki Murakami) e filme internacional.

Flee foi indicado como melhor animação, melhor documentário e melhor filme internacional do Oscar 2022 Foto: Cinephil

Fora Hamaguchi, com suas quatro indicações, a participação estrangeira no Oscar 2022 ainda é modesta. O espanhol Javier Bardem concorre a melhor ator, porém num filme norte-americano, Apresentando os Ricardos. Fala inglês com sotaque latino, interpretando o cubano-americano Desi Aznar em seu complicado casamento com Lucille Ball, de I Love Lucy. Eskil Vogt e Joachim Trier concorrem a melhor roteiro com A Pior Pessoa do Mundo, produção da Noruega que disputa também a categoria filme internacional. Penélope Cruz está no páreo para melhor atriz com Madres Paralelas, filme de Pedro Almodóvar que também concorre a melhor trilha sonora, assinada por Alberto Iglesias.

Na categoria documentário há uma permeabilidade maior. O indiano Escrevendo com Fogo e o dinamarquês Fuga (Flee) disputam o troféu com o favorito Summer of the Soul, e Attica, ambos dos EUA. Ascension, dirigido pela sino-americana Jessica Kingdon, tem por objeto as contradições do capitalismo estatal que levou a China ao protagonismo econômico mundial. Um combinado bastante heterogêneo, convenhamos. E, claro, há a categoria “filme internacional”, antes chamada de “filme estrangeiro”, reservada às produções de língua não-inglesa.

Cena do filme 'Mães Paralelas', de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz e Milena Smit Foto: Sony Pictures Classics

Essa abertura já é alguma coisa, ou talvez muita coisa, quando se olha o retrospecto. Mas, convenhamos, ainda é tímida para uma premiação que se deseja de fato inclusiva e global. Pode-se considerar, como atenuante, que a radical ampliação e mudança de composição da Academia seja vista como parte de um processo e não como fato acabado. Como tal, sujeita a avanços e recuos, porém com direção definida. Mas, claro, a nossa interpretação desse processo oscilante mudará caso a Academia faça uma surpresa e premie Hamaguchi, seja como melhor filme ou como melhor diretor. Ou ambos - o que significaria a continuidade da revolução iniciada com a escolha de Parasita como melhor filme em 2020.

A perda de audiência talvez esteja ligada a essa falta de representatividade, ainda não resolvida e estabilizada. É explicável. Tendemos a nos desinteressar de instituições ou atividades que não parecem nos dizer respeito. O inverso ocorre quando nos sentimos incluídos, respeitados, disputando distinções em igualdade de condições com os outros concorrentes. Sentimo-nos acolhidos na festa, o que ainda está longe de acontecer com o Oscar.

Primeira festa e jantar do Oscar, na Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel, em 16 de maio de 1929 Foto: www.oscars.org

Curiosamente, o diagnóstico da Academia aponta outros fatores para a perda de audiência. Admite que a cerimônia é mesmo longa (mas não acredita que seja chata, como de fato é). Por isso, quer enxugá-la, entregando oito prêmios fora de cena para que seja mais ágil. Mas é desanimador ler que, mesmo assim, a festa terá mais de três horas, a serem bem empregadas nos números musicais, agradecimentos longos dos vencedores e piadas das apresentadoras, as atrizes Amy Schumer, Wanda Sykes e Regina Hall.

Bem, o humor stand-up é uma tradição norte-americana adotada pelos apresentadores do Oscar, mesmo quando não são cômicos profissionais. Nem sempre o humor viaja bem. Quase nunca. De modo geral, estrangeiros acham as piadas sem graça. Ainda mais quando se perdem na tradução - e nem todos são fluentes em inglês a ponto de entendê-las no idioma original. As canções, que fazem sentido no contexto dos filmes, raramente têm qualidade para serem apreciadas em separado, como acontece na cerimônia.

O diretor Federico Fellini, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, em 1993, após vencer o Oscar honorário por sua obra Foto: Blake Sell/Reuters

Quanto aos agradecimentos, entende-se que seja um momento de euforia para os vencedores, que querem partilhá-lo com pais, amigos, parentes, colaboradores. Mas o que temos, de fato, a ver com isso? Em geral, torcemos para que acabem rápido e passemos ao prêmio seguinte. As exceções - como as históricas e divertidas entregas de prêmios pela carreira a Federico Fellini e a Billy Wilder - são apenas isso, casos isolados que justificam a regra.

Há outro ponto, talvez a ser considerado quando se tenta entender a queda de audiência: a ausência de blockbusters entre os indicados às categorias principais. São, é óbvio, as produções de maior bilheteria, sucessos globais e que fascinam em especial o público jovem.

Daniel Craig inaugura estrela na Calçada da Fama após dizer adeus a 007. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

No Oscar deste ano, 007 - Sem Tempo para Morrer disputa as estatuetas de canção original, som e efeitos visuais. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa concorre apenas em efeitos visuais.

Preconceito da Academia contra as chamadas “franquias” - filmes em série, histórias de super-heróis da Marvel, etc.? Pode ser. Mas não se pode acusá-la de ser contra o sucesso. Campeões de bilheteria, como …E o Vento Levou, Ben-Hur, Poderoso Chefão 1 e 2, e Titanic foram premiados. Outro blockbuster vencedor em anos recentes foi O Senhor dos Anéis, este baseado em obra de prestígio no gênero fantasia, a do britânico J.R.R. Tolkien.

Aquarelas pintadas pelo escritor J.R.R Tolkien para ilustrar seu universo ficcional Foto: Tolkien Estate/HarperCollins

De modo geral, a Academia tem esnobado esses filmes de grande público. Tende a considerá-los de baixa qualidade artística, embora relevantes nos aspectos técnicos, que, de fato, têm sua importância na indústria do cinema. Mas a Academia reserva as categorias principais para filmes de grandes atores e atrizes, com roteiros bem construídos e temas considerados importantes ou edificantes. O chamado “top five” da premiação do Oscar é composto pelas categorias de melhor filme, direção, ator, atriz e roteiro.

Nesse subclube fechado, os blockbusters não têm vez. E, no entanto, é deles que os jovens, o público do presente e do futuro, gostam. Esse é um dilema da Academia, de fato difícil de resolver. Como atrair a moçada, que ignora os filmes que disputam as categorias principais e adoram as produções relegadas a categorias secundárias?

Cena do filme 'Titanic', de James Cameron, com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio. Foto: Cena do filme 'Titanic' via Reuters

O que fazer? Rebaixar critérios de avaliação estética em busca desse público? Não é tão fácil mudar a mentalidade de toda uma comunidade de uma hora para outra. E, no limite, talvez fosse mesmo um tiro no pé, com a Academia arriscando-se a não conquistar os jovens e perder credibilidade junto àquela parte do público adulto que ainda considera a premiação de Hollywood o melhor selo de qualidade de um filme.

Momentos cruciais

2016. #OscarSoWhite. A denúncia da falta de representatividade de pessoas não-brancas nas categorias de ator e atriz produziram um terremoto em Hollywood e induziram a mudança na composição do colégio eleitoral da Academia.

2020. O coreano Parasita foi a primeira produção de língua não-inglesa a vencer na categoria de melhor filme. O francês O Artista o precedeu, mas este é um filme mudo.

2021. Chloe Zhao foi a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção e a primeira de origem asiática (nasceu na China e radicou-se nos Estados Unidos)

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