'Parasita', de Bong Joon-Ho, narra luta de classes sem recorrer a velhos clichês


Filme do diretor coreano conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes ao retratar a disparidade social existente na Coreia do Sul

Por Luiz Zanin Oricchio

Palma de Ouro em Cannes, Parasita, do coreano Bong Joon-Ho, inquieta já pelo título. O que é um parasita senão um ser vivo que se alimenta de outro, sugando-lhe a seiva vital? Em torno dessa metáfora biológica, transposta para uma vertente social, o cineasta observa, com sutileza e olhos de lince, a realidade a sua volta. 

'Parasita' é brilhante ao mostrar disparidade social na Coreia do Sul Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/ Divulgação

Não se trata de um país problemático e de estilo montanha-russa, como o Brasil. Mas, mesmo na afluente Coreia do Sul, modelo de desenvolvimento em escala mundial, existem as disparidades sociais. Ao passar de certo nível, elas provocam não apenas a inveja e o ressentimento (como gostam de simplificar os liberais), mas se transformam em verdadeiros venenos da convivência. É o caso da família Ki-taek, composta de desempregados crônicos, que olha com cobiça para a riquíssima família Park

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Durante algum tempo, Joon-Ho nos ocupa com a descrição do cotidiano da família pobre. Literalmente, eles moram abaixo do solo, numa habitação precária, cuja janela fica em nível inferior ao da rua. Olham a vida que passa inclinando o pescoço para trás. Em entrevistas, o diretor diz que esse tipo de moradia existe mesmo em Seul. Ok, mas não deixa de ser uma metáfora poderosa. O desempregado olha o mundo pela perspectiva do fundo do poço. 

Todo o contrário é a mansão dos Park, a família feliz, sorridente, que habita acima do nível do solo em uma ampla casa servida pela tecnologia mais avançada. Tudo lá é automatizado, lembrando às vezes a casa bolada por Jacques Tati em Mon Oncle. A família é feliz, rica, mas insegura. Como tem a sensação de precariedade do seu status, torna-se vulnerável à palavra de qualquer vigarista. Essa fragilidade, o ponto falho dos ricos escondido em sua insegurança e vaidade, não deixa de ser notada por quem olha o mundo de baixo. 

De modo que, sem qualquer resquício de mecanicismo, Joon-Ho passa a observar o relacionamento entre essas duas famílias, antípodas da pirâmide social. A família Ki-taek precisa tirar o pé da lama, e só pensa nisso. A família Park necessita de vários empregados – um motorista, uma faxineira, um professor de inglês, etc. Há esse encontro entre oferta e necessidade, que não deixa de funcionar como o perfeito mecanismo de um relógio. Tudo se encaixa, pelo menos de início. 

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Esse “encaixe” é prova de domínio da linguagem cinematográfica. A farsa, ora divertida, ora trágica, sobre a violência das relações sociais assimétricas, passa por seus vários registros de maneira suave, azeitada. Parece de início divertida. Em seguida mostra suas arestas, na chave do humor negro. Adquire complexidade, até explodir numa relação chegada ao fantástico, na medida em que os subterrâneos da casa rica vão sendo explorados. Eis aí a metáfora dentro da metáfora, como a dizer que no subsolo de toda fortuna se encontram esqueletos escondidos no armário.

Bong Joon-Hoo não hesita em visitar modalidades de gênero e influências para construir seu cinema. Cultua tanto o fantástico (como em seu O Hospedeiro) quanto a estranheza das relações humanas inspirada em Hitchcock e Chabrol. O resultado do coquetel é fabuloso e perfeitamente original. 

Palma de Ouro em Cannes, Parasita, do coreano Bong Joon-Ho, inquieta já pelo título. O que é um parasita senão um ser vivo que se alimenta de outro, sugando-lhe a seiva vital? Em torno dessa metáfora biológica, transposta para uma vertente social, o cineasta observa, com sutileza e olhos de lince, a realidade a sua volta. 

'Parasita' é brilhante ao mostrar disparidade social na Coreia do Sul Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/ Divulgação

Não se trata de um país problemático e de estilo montanha-russa, como o Brasil. Mas, mesmo na afluente Coreia do Sul, modelo de desenvolvimento em escala mundial, existem as disparidades sociais. Ao passar de certo nível, elas provocam não apenas a inveja e o ressentimento (como gostam de simplificar os liberais), mas se transformam em verdadeiros venenos da convivência. É o caso da família Ki-taek, composta de desempregados crônicos, que olha com cobiça para a riquíssima família Park

Durante algum tempo, Joon-Ho nos ocupa com a descrição do cotidiano da família pobre. Literalmente, eles moram abaixo do solo, numa habitação precária, cuja janela fica em nível inferior ao da rua. Olham a vida que passa inclinando o pescoço para trás. Em entrevistas, o diretor diz que esse tipo de moradia existe mesmo em Seul. Ok, mas não deixa de ser uma metáfora poderosa. O desempregado olha o mundo pela perspectiva do fundo do poço. 

Todo o contrário é a mansão dos Park, a família feliz, sorridente, que habita acima do nível do solo em uma ampla casa servida pela tecnologia mais avançada. Tudo lá é automatizado, lembrando às vezes a casa bolada por Jacques Tati em Mon Oncle. A família é feliz, rica, mas insegura. Como tem a sensação de precariedade do seu status, torna-se vulnerável à palavra de qualquer vigarista. Essa fragilidade, o ponto falho dos ricos escondido em sua insegurança e vaidade, não deixa de ser notada por quem olha o mundo de baixo. 

De modo que, sem qualquer resquício de mecanicismo, Joon-Ho passa a observar o relacionamento entre essas duas famílias, antípodas da pirâmide social. A família Ki-taek precisa tirar o pé da lama, e só pensa nisso. A família Park necessita de vários empregados – um motorista, uma faxineira, um professor de inglês, etc. Há esse encontro entre oferta e necessidade, que não deixa de funcionar como o perfeito mecanismo de um relógio. Tudo se encaixa, pelo menos de início. 

Esse “encaixe” é prova de domínio da linguagem cinematográfica. A farsa, ora divertida, ora trágica, sobre a violência das relações sociais assimétricas, passa por seus vários registros de maneira suave, azeitada. Parece de início divertida. Em seguida mostra suas arestas, na chave do humor negro. Adquire complexidade, até explodir numa relação chegada ao fantástico, na medida em que os subterrâneos da casa rica vão sendo explorados. Eis aí a metáfora dentro da metáfora, como a dizer que no subsolo de toda fortuna se encontram esqueletos escondidos no armário.

Bong Joon-Hoo não hesita em visitar modalidades de gênero e influências para construir seu cinema. Cultua tanto o fantástico (como em seu O Hospedeiro) quanto a estranheza das relações humanas inspirada em Hitchcock e Chabrol. O resultado do coquetel é fabuloso e perfeitamente original. 

Palma de Ouro em Cannes, Parasita, do coreano Bong Joon-Ho, inquieta já pelo título. O que é um parasita senão um ser vivo que se alimenta de outro, sugando-lhe a seiva vital? Em torno dessa metáfora biológica, transposta para uma vertente social, o cineasta observa, com sutileza e olhos de lince, a realidade a sua volta. 

'Parasita' é brilhante ao mostrar disparidade social na Coreia do Sul Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/ Divulgação

Não se trata de um país problemático e de estilo montanha-russa, como o Brasil. Mas, mesmo na afluente Coreia do Sul, modelo de desenvolvimento em escala mundial, existem as disparidades sociais. Ao passar de certo nível, elas provocam não apenas a inveja e o ressentimento (como gostam de simplificar os liberais), mas se transformam em verdadeiros venenos da convivência. É o caso da família Ki-taek, composta de desempregados crônicos, que olha com cobiça para a riquíssima família Park

Durante algum tempo, Joon-Ho nos ocupa com a descrição do cotidiano da família pobre. Literalmente, eles moram abaixo do solo, numa habitação precária, cuja janela fica em nível inferior ao da rua. Olham a vida que passa inclinando o pescoço para trás. Em entrevistas, o diretor diz que esse tipo de moradia existe mesmo em Seul. Ok, mas não deixa de ser uma metáfora poderosa. O desempregado olha o mundo pela perspectiva do fundo do poço. 

Todo o contrário é a mansão dos Park, a família feliz, sorridente, que habita acima do nível do solo em uma ampla casa servida pela tecnologia mais avançada. Tudo lá é automatizado, lembrando às vezes a casa bolada por Jacques Tati em Mon Oncle. A família é feliz, rica, mas insegura. Como tem a sensação de precariedade do seu status, torna-se vulnerável à palavra de qualquer vigarista. Essa fragilidade, o ponto falho dos ricos escondido em sua insegurança e vaidade, não deixa de ser notada por quem olha o mundo de baixo. 

De modo que, sem qualquer resquício de mecanicismo, Joon-Ho passa a observar o relacionamento entre essas duas famílias, antípodas da pirâmide social. A família Ki-taek precisa tirar o pé da lama, e só pensa nisso. A família Park necessita de vários empregados – um motorista, uma faxineira, um professor de inglês, etc. Há esse encontro entre oferta e necessidade, que não deixa de funcionar como o perfeito mecanismo de um relógio. Tudo se encaixa, pelo menos de início. 

Esse “encaixe” é prova de domínio da linguagem cinematográfica. A farsa, ora divertida, ora trágica, sobre a violência das relações sociais assimétricas, passa por seus vários registros de maneira suave, azeitada. Parece de início divertida. Em seguida mostra suas arestas, na chave do humor negro. Adquire complexidade, até explodir numa relação chegada ao fantástico, na medida em que os subterrâneos da casa rica vão sendo explorados. Eis aí a metáfora dentro da metáfora, como a dizer que no subsolo de toda fortuna se encontram esqueletos escondidos no armário.

Bong Joon-Hoo não hesita em visitar modalidades de gênero e influências para construir seu cinema. Cultua tanto o fantástico (como em seu O Hospedeiro) quanto a estranheza das relações humanas inspirada em Hitchcock e Chabrol. O resultado do coquetel é fabuloso e perfeitamente original. 

Palma de Ouro em Cannes, Parasita, do coreano Bong Joon-Ho, inquieta já pelo título. O que é um parasita senão um ser vivo que se alimenta de outro, sugando-lhe a seiva vital? Em torno dessa metáfora biológica, transposta para uma vertente social, o cineasta observa, com sutileza e olhos de lince, a realidade a sua volta. 

'Parasita' é brilhante ao mostrar disparidade social na Coreia do Sul Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/ Divulgação

Não se trata de um país problemático e de estilo montanha-russa, como o Brasil. Mas, mesmo na afluente Coreia do Sul, modelo de desenvolvimento em escala mundial, existem as disparidades sociais. Ao passar de certo nível, elas provocam não apenas a inveja e o ressentimento (como gostam de simplificar os liberais), mas se transformam em verdadeiros venenos da convivência. É o caso da família Ki-taek, composta de desempregados crônicos, que olha com cobiça para a riquíssima família Park

Durante algum tempo, Joon-Ho nos ocupa com a descrição do cotidiano da família pobre. Literalmente, eles moram abaixo do solo, numa habitação precária, cuja janela fica em nível inferior ao da rua. Olham a vida que passa inclinando o pescoço para trás. Em entrevistas, o diretor diz que esse tipo de moradia existe mesmo em Seul. Ok, mas não deixa de ser uma metáfora poderosa. O desempregado olha o mundo pela perspectiva do fundo do poço. 

Todo o contrário é a mansão dos Park, a família feliz, sorridente, que habita acima do nível do solo em uma ampla casa servida pela tecnologia mais avançada. Tudo lá é automatizado, lembrando às vezes a casa bolada por Jacques Tati em Mon Oncle. A família é feliz, rica, mas insegura. Como tem a sensação de precariedade do seu status, torna-se vulnerável à palavra de qualquer vigarista. Essa fragilidade, o ponto falho dos ricos escondido em sua insegurança e vaidade, não deixa de ser notada por quem olha o mundo de baixo. 

De modo que, sem qualquer resquício de mecanicismo, Joon-Ho passa a observar o relacionamento entre essas duas famílias, antípodas da pirâmide social. A família Ki-taek precisa tirar o pé da lama, e só pensa nisso. A família Park necessita de vários empregados – um motorista, uma faxineira, um professor de inglês, etc. Há esse encontro entre oferta e necessidade, que não deixa de funcionar como o perfeito mecanismo de um relógio. Tudo se encaixa, pelo menos de início. 

Esse “encaixe” é prova de domínio da linguagem cinematográfica. A farsa, ora divertida, ora trágica, sobre a violência das relações sociais assimétricas, passa por seus vários registros de maneira suave, azeitada. Parece de início divertida. Em seguida mostra suas arestas, na chave do humor negro. Adquire complexidade, até explodir numa relação chegada ao fantástico, na medida em que os subterrâneos da casa rica vão sendo explorados. Eis aí a metáfora dentro da metáfora, como a dizer que no subsolo de toda fortuna se encontram esqueletos escondidos no armário.

Bong Joon-Hoo não hesita em visitar modalidades de gênero e influências para construir seu cinema. Cultua tanto o fantástico (como em seu O Hospedeiro) quanto a estranheza das relações humanas inspirada em Hitchcock e Chabrol. O resultado do coquetel é fabuloso e perfeitamente original. 

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