Este pode não ser o filme com melhores críticas, maior bilheteria ou de maior orçamento - também não tem o elenco mais conhecido, nem um grande estúdio por trás. Mas Som da Liberdade, estreia desta quinta-feira, 21, conseguiu vencer boa parte das barreiras de distribuição do cinema e se tornou um dos maiores fenômenos do ano, com mais de US$ 210 milhões de bilheteria ao redor de todo o mundo. Mas como?
A resposta curta é: política. O filme, que fala sobre um oficial americano (Jim Caviezel) que tem como objetivo de carreira descortinar um esquema de tráfico de crianças na Colômbia, por algum motivo, mexeu com as emoções de um público mais conservador, ligado com pautas mais à direita do espectro político. Pode ser a insistência de chamar os pequenos de “crianças de Deus” ou, ainda, a ideia de que há um mal onipresente contra a família.
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Nos EUA, o filme teve apoio público do ex-presidente Donald Trump e do empresário Elon Musk. No Brasil, a pré-estreia teve a presença de Eduardo e Flávio Bolsonaro, Damares Alves, Carla Zambelli e outros aliados.
Enquanto isso, um público mais ligado à esquerda vê o filme como um chamariz para um pensamento que considera reacionário e de teorias da conspiração. Seja a partir dessa ideia de que existe uma conspiração contra a família até pequenos detalhes, como o medo que o personagem de Bill Camp tem, no meio do filme, em injetar um chip em seu próprio corpo.
Por isso, não tinha outra opção: na entrevista com o diretor do filme, Alejandro Monteverde, a primeira pergunta é se Som da Liberdade é um filme político. “Não, não, não”, diz ele.
Alejandro Monteverde, diretor
Mas, de certa forma, fazer cinema é fazer política. Afinal, uma mensagem está sendo passada, algo está sendo dito e reverberado nas salas de cinemas. Vai se conectar com um público que (no melhor dos casos) vai sair transformando ou pensando no que acabou de assistir. Monteverde, um cineasta mexicano até então pouco conhecido, com apenas alguns pequenos projetos nos cinemas, diz ficar surpreso com o embate.
“[Esse embate ao redor do filme] me surpreendeu. Quem pode ser contra o tráfico de crianças? Não conheço ninguém. Pelo menos publicamente”, diz. “Achei que esse filme, de alguma forma, uniria os campos políticos. Nunca, em um milhão de anos, foi isso que eu esperava. [...] Estamos divididos politicamente. Como sempre digo, é como se você tivesse um time de futebol com jogadores incríveis. Imagine que o Neymar amanhã diz que é cristão. Isso não significa que todo o time brasileiro é um time cristão. Você não pode rotular a equipe. As pessoas começaram a usar qualquer coisa para tentar rotular o filme.”
Busca pela salvação
No final de Som da Liberdade, já nos créditos, o astro Jim Caviezel surge, na lateral direita da tela, com avisos. Pede para que pessoas com mais dinheiro comprem ingressos para quem não têm condições, chora pelo que acontece com as “crianças de Deus”.
Na tela, Caviezel ainda compara o filme com A Cabana do Pai Tomás, dizendo que Som da Liberdade pode ser para a escravidão moderna o que o livro de Harriet Beecher Stowe foi para a escravidão negra. Mas também diz algo importante: o filme está há cinco anos tentando ser lançado.
Alejandro conta que rodaram o filme em 2018 e terminaram definitivamente em 2019. Só agora, em 2023, viu a luz do dia. “Muitas coisas aconteceram”, diz o diretor. Primeiramente, a Disney comprou a 20th Century Fox - estúdio que era responsável pela produção - e o filme foi esquecido, ficou em um limbo. Depois, ainda veio a pandemia e complicou de vez.
“Mas o maior desafio após a pandemia foi a mentalidade. Diziam que o público só queria entretenimento, qualquer coisa para se distrair e sair um pouco dessa questão da covid-19″, ele conta. “Nos diziam que o filme era muito pesado. As pessoas não querem assistir a isso. Só querem ver filmes de super-heróis, filmes felizes e comédias. Começamos a receber muitos ‘nãos’. Depois de acumular tantos ‘nãos’, ficou claro que era hora de lançar o filme”.
Quem “salvou” o filme foi o pequeno Angel Studios, comandado pelos irmãos Daniel, Jordan, Jeffrey e Neal Harmon. Jeffrey também veio ao Brasil - e não se mostrou contente com o embate ao redor do filme. Diz que “muitos jornalistas não assistiram corretamente ao filme”, citando a nota ruim do longa-metragem, por parte da crítica especializada, no agregador Rotten Tomatoes. Também diz que há muitas notícias negativas sobre o filme, mas que isso é busca por cliques - já que as pessoas querem saber sobre o longa. “É um filme lindamente feito para todos”, diz. “Espero que todos os políticos o assistam também”.