“Posso mostrá-lo ao meu psicólogo?”, perguntou Steve Martin ao diretor Morgan Neville após assistir STEVE! (martin): documentário em 2 partes, novo projeto biográfico sobre o ator e comediante americano que chegou ao streaming Apple TV+ nesta sexta, 29 de março.
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Martin, 78, revolucionou a comédia stand-up nos anos 1970 ao fugir do estilo ácido de colegas contemporâneos, como Richard Pryor e George Carlin. Em vez de usar punchlines (as frases engraçadas no fim da piada), ou incorporar textos com críticas sociais e complexas, optou pelo humor bobo e corporal, repleto de balões em formato de animais, truques de mágica e canjas com o banjo – certa vez, em Las Vegas, ele foi saudado por Elvis Presley e ouviu a seguinte frase: “Filho, você tem um senso de humor muito oblíquo!”.
O sucesso de Steve foi gradual e atingiu o ápice até que ele decidiu parar com o stand-up e investir na carreira cinematográfica. A estreia nas telonas foi com O Panaca (1979). Nas décadas seguintes, o humorista se consolidou um astro do ramo e enfileirou filmes de sucesso: Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), O Pai da Noiva (1991), Doze é Demais (2003), A Pantera Cor-de-rosa (2006), entre outros.
Martin, avesso a exposições da vida privada, nunca havia consentido em fazer parte de qualquer filme que quisesse contar a sua história. Porém, isso mudou quando Neville, vencedor do Oscar de melhor documentário por A Um Passo do Estrelato (2013), assumiu o comando da produção, que inclui depoimentos das celebridades Jerry Seinfeld, Diane Keaton, Eric Idle e Tina Fey.
“Acho que o relacionamento que estabelecemos foi estranhamente terapêutico porque fiz horas e horas de entrevistas em áudio com Steve antes de filmarmos. E quando você aparece com o gravador e começa a conversar com alguém por horas sobre tudo em sua vida, torna-se uma relação terapeuta-paciente. Ele aprendeu algo sobre si mesmo no processo”, conta Neville ao Estadão, por videoconferência.
A história é contada em duas partes, sob pontos de vista distintos. O primeiro filme, Then, utiliza um vasto acervo de imagens de arquivo para mostrar a ascensão de Martin na comédia até seus 35 anos. O segundo, Now, centra-se no Steve dos dias atuais, mais contemplativo e recluso.
“Penso que são dois filmes diferentes. Tive dois editores, dois compositores e duas equipes de gráficos. Eles não tinham permissão para assistir a outra parte. Mantive-os separados e apenas eu poderia conferir os dois filmes, pois queria que eles fossem únicos e não a metade de alguma coisa. Acho interessante que o Steve que você encontra no segundo filme é muito diferente daquele que vemos no primeiro”, explica o cineasta.
Ansiedade e felicidade
A produção revela que o ator tinha um relacionamento conturbado com o pai, de quem ele buscava aprovação. Fica claro que o comediante também sempre foi um sujeito tímido e atormentado por inseguranças que lhe causavam crises de ansiedade. “O que eu preciso para morrer feliz?”, indaga o ator em um momento de profunda reflexão sobre a felicidade.
“Sempre sinto responsabilidade com o assunto dos filmes os quais trabalho. Estou lidando com uma figura pública pela qual as pessoas tem sentimentos fortes. E todo mundo tem suas próprias opiniões sobre as pessoas que elas sentem que conhecem. Sempre que faço um filme, vou sem qualquer tipo de agenda. Quero aprender, escutar, olhar o máximo que puder e depois sintetizar tudo. E isso ajudou bastante na questão da confiança com Steve. Não estou lá para ‘pegar’ ele, mas sim para entendê-lo”, relata o diretor.
Documentarista de primeira categoria, Morgan Neville é um dos nomes mais aclamados do gênero na atualidade. Após conquistar a estatueta dourada com A Um Passo do Estrelato, um filme que acompanhava a trajetória de grandes cantoras de apoio, foi capaz de investigar figuras diametralmente opostas como o guitarrista Keith Richards, em Under The Influence (2015), e o apresentador infantil Fred Rogers, em Won’t You Be My Neighbor? (2018), dentre uma série de outros projetos cuja música é um tema recorrente.
“Eu amo música e fui um músico bom o suficiente para saber que eu não seria um músico ótimo (risos). É engraçado que os documentários que fiz sobre pessoas que não são musicistas, na verdade são – como Fred Rogers e Steve Martin. Na comédia, há musicalidade e um senso de ritmo. Acho que fazer um filme também é muito musical, editar é um processo tão rítmico. É algo pelo qual me sinto atraído”, analisa Neville, antes de projetar seu próximo longa-metragem. “Estou trabalhando no documentário sobre Paul McCartney nos anos 1970, que vai sair ano que vem. Como um fã dos Beatles, é o melhor que se pode conseguir!”.