Quais foram os melhores filmes de 2023? E o pior? Veja lista na opinião de críticos do ‘Estadão’


Foram mencionados 16 títulos no total, sendo que metade entrou nos rankings de mais de uma pessoa. Entre os destaques estão Nolan, Scorsese e um irretocável drama belga; conheça ranking

Por Redação
Atualização: Correção:

Definir os melhores e piores filmes lançados em 2023 é uma missão ingrata, até porque é muito difícil dar conta de todos os títulos que estreiam em um ano inteiro. Para tornar a tarefa mais democrática o Estadão pediu para críticos e cinéfilos da redação listarem as produções que julgam merecer lugar neste ranking.

Cada um teve de escolher três melhores filmes e um pior, em ordem de preferência e indicando o motivo. Para além do esperado, as listas foram bastante diversas e as coincidências ocorreram em oito dos 16 títulos mencionados. E teve até filme separado como um dos melhores em uma lista que acabou como pior em outra.

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Veja abaixo a seleção de cada um e as justificativas para os votos.

Bruno Carmelo

Melhores filmes

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  1. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Este filme é um verdadeiro acontecimento: um drama político filmado com as ferramentas do thriller erótico. Enquanto se investiga a possível retomada de testes nucleares no Taiti, os habitantes suspeitam uns dos outros. Cada conversa amigável esconde uma ameaça velada, cada encontro romântico soa como uma possibilidade de assassinato. O diretor espanhol oferece as cenas mais hipnóticas do cinema este ano. Uma obra-prima.
  2. Luz nos Trópicos (Paula Gaitán) (não chegou ao streaming): Brasil, séculos atrás. Os portugueses percorrem os rios da Amazônia, descobrindo o país. Horas depois, cruzam com uma pessoa contemporânea, do século XXI. O filme combina a melhor ousadia do cinema experimental com a linearidade do cinema narrativo, num percurso delirante pela nossa história. Dos povos indígenas às zonas urbanas, do Brasil profundo à Nova York coberta de neve, Gaitán filma espaços e personagens como ninguém.
  3. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): O melhor filme de tribunal dos últimos anos. Ao invés de colocar bandidos perigosos contra advogados implacáveis, prefere situar mulheres comuns face a outras mulheres comuns, enfrentando um dilema: como uma mãe seria capaz de matar a própria filha? Uma discussão fascinante a respeito da maternidade e da autonomia feminina, que oferece mais perguntas do que respostas. Diop evita julgamentos morais, registrando as atrizes e os embates verbais com um interesse cúmplice.

Pior filme

O Portal Secreto (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Esta fantasia infantojuvenil gostaria de se tornar o novo Harry Potter. Infelizmente, nada funciona: o roteiro não sabe construir conflitos nem personagens; os atores hesitam entre o humor pastelão e a seriedade, as imagens parecem construídas a esmo. É dificílimo construir uma catástrofe deste nível. Chega a despertar curiosidade: como este filme pôde ser filmado, produzido e distribuído deste jeito? Como passou por tantos olhos, e ninguém soou o alerta vermelho? Alguns fracassos são mais instigantes do que os sucessos.

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Daniel Oliveira

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  1. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza em 2022, a estreia na ficção da cineasta Alice Diop obriga, com uma realização sóbria e precisa, o espectador a se colocar no lugar de duas mulheres negras, com o mesmo domínio técnico e narrativo com que o cinema sempre nos botou na posição (falsamente universal) do homem branco. Grande parte das 2h de Saint Omer se resume a confrontar-nos com o olhar e as performances das atrizes Kayije Kagame e Guslagie Malanda, mirando diretamente a câmera, imóveis e confinadas nos lugares sociais que um mundo masculino e branco reservou a suas personagens. E esse gesto acaba por ser tão radical na sua singularidade, que o filme é ao mesmo tempo um soco no estômago e um fôlego de ar novo a uma arte que, nos últimos anos, parece flertar com a morte e a irrelevância na sua insistência em repetições e redundâncias.
  2. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um exercício de gênero executado à perfeição, o filme une o apuro técnico e a obsessão do cineasta sul-coreano Chan-wook Park com reviravoltas mirabolantes a uma história de amor disfuncional, inusitada e sensual. Assim como os trabalhos anteriores do diretor, Decisão de Partir é um longa sobre narrativa, sobre as histórias que nós construímos e contamos sobre nós mesmos e os outros, numa trama em que não existe verdade ou mentira, apenas pontos de vista. É um Hitchcock do século XXI, com uma pitada de perversidade e apuro visual asiático e um irresistível pathos melodramático.
  3. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e representante da Bélgica no Oscar 2023, Close é um longa sobre o momento em que, sem se importar se estamos preparados ou não, a vida nos empurra para fora da infância rumo à vida adulta. Ou, mais especificamente, sobre aquele momento em que meninos são obrigados a tornarem-se essa besta mitológica, esse monstro, chamado “homem” – e a complexidade do que isso pode significar. É um convite a pensar sobre uma sociedade e uma cultura que ensinam a garotos que lutar e machucar um ao outro é normal, mas amar um ao outro é errado e inadequado – e a chorar por isso.

Pior filme

I Wanna Dance With Somebody - A história de Whitney Houston (disponível na HBO Max): Por motivos profissionais, abandonei qualquer obrigação de estar em dia com tudo que estreia nos cinemas (especialmente Marvel e afins), então não duvido de que tenha passado coisa muito pior pelos cinemas em 2023. Do que vi, dada a riqueza da vida e do catálogo de Whitney Houston, esta cinebiografia é uma oportunidade completamente desperdiçada, com um roteiro sem o mínimo de coesão narrativa ou coerência temática, uma direção visualmente pobre e dramaturgicamente desafinada, e uma Naomi Ackie que parece ter o potencial de uma boa atriz, porém perdida em um filme que não lhe oferece nenhuma ferramenta para provar isso.

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João Abel

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Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Nolan imprimiu um ritmo eletrizante num espetacular desfile de mais de 100 personagens com fala em 3 intensas horas. Assisti na tela convencional do cinema e depois voltei para viver a experiência (especialmente a sonora) em IMAX. Destaque para as excelentes atuações de Cillian Murphy e Robert Downey Jr, que merecem reconhecimento como ator principal e coadjuvante nas premiações da temporada. Vai empilhar Oscars também nas categorias técnicas.
  2. Retratos fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O cinema nacional teve um bom ano. As cinebiografias ‘Mussum’ e ‘Nosso Sonho’ foram gratas surpresas. Mas ‘Retratos Fantasmas’, que não deixa de ter um ‘quê’ de biografia, é um filme valioso. Uma mescla de nostalgia com amor pelo cinema, e pela cidade do Recife, no olhar pessoal e informal de Kleber Mendonça Filho. O diretor usa de forma brilhante seu arquivo de filmagens para fazer uma crítica à mudança da disposição urbana e social da capital pernambucana.
  3. Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): Greta Gerwig correspondeu muito bem à enorme expectativa gerada pelo filme mais aguardado do ano. O longa encontrou o tom cômico exato, nem tão pesado nem tão raso, para construir sua sátira sobre a desigualdade de gênero. Margot Robbie encarnou perfeitamente a boneca e é preciso tirar o chapéu para Ryan Gosling, espetacular como Ken. O figurino, cenários e trilha sonora, com direito a ótimas composições de Billie Eilish e Dua Lipa, completam o pacote.

Pior filme

Estranha Forma de Vida (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O pior do ano? Difícil cravar. Um dos mais decepcionantes? Com certeza. Ver um faroeste gay dirigido por Almodóvar e estrelado por Pedro Pascal e Ethan Hawke parecia uma ótima premissa, mas as expectativas não foram cumpridas. O curta de 31 minutos, com um roteiro que vai do nada a lugar nenhum, talvez só conseguisse realmente desenvolver uma história interessante se fosse um longa.

Luiz Carlos Merten

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Christopher Nolan mostra como o cientista criou a bomba e, segundo a própria definição, virou o destruidor de mundos. Um filme complexo e fascinante como seu personagem. De todas as camadas – política, humana – a cinematográfica impõe-se. É show de cinema.
  2. Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Por meio da história dos cinemas de rua do Recife, Kleber Mendonça Filho conta não apenas a própria história, mas reflete sobre seus filmes, e o Brasil. A vida familiar, a mãe, o cachorro do vizinho, aquele apartamento nutriram sua criatividade. E, sim, sem sentimentalismo, ele também teve o seu Alfredo, como o projecionista de Cinema Paradiso.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): A tentativa de genocídio da Nação Osage pela sociedade branca – e gananciosa – de Oklahoma, nos anos 1920, reata Martin Scorsese com seu melhor cinema. Leonardo DiCaprio cria um grande personagem. É fraco, manipulável e pode ser perigoso. Mas ama, e isso faz dele, apesar de tudo, um humano. Uma aposta – Lily Gladstone terá deser indicada para o Oscar. A primeira mulher pele-vermelha indicada para o prêmio da Academia.

Pior filme

Os Mercenários 4 (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Houve muitos candidatos à (nossa) Framboesa de Ouro, mas Sylvester Stallone leva o troféu. Rocky e Rambo viraram propaganda de banco no Brasil, mas ele está tão botocado que daqui a pouco vai precisar de legenda para ser identificado. E o botox contamina o filme. É o já-visto do já-visto.

Luiz Zanin

Melhores filmes

  1. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um mergulho nos fundamentos da nação americana através da análise dos crimes cometidos contra os indígenas Osage, no início do século 20. Mestre Scorsese em plena forma. Brilhante.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): Na luz de inverno de Helsinki, o encontro melancólico - mas também esperançoso - de dois outsiders. Kaurismaki propõe uma depuração de sentimentos para torná-los mais verdadeiros. Emoção sem chantagem.
  3. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Benoît Magimel interpreta um ambíguo funcionário francês na Polinésia. O filme adota o ritmo de torpor da decadente presença colonial francesa no Pacífico. Adequação perfeita de forma e conteúdo.

Pior filme

Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): 115 intermináveis minutos de linguagem publicitária para vender uma marca de bonecas. Um massacre.

Mariane Morisawa

Melhores filmes

  1. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Foi um ano bastante bom para o cinema, e escolher apenas três obras é crueldade. Mas Decisão de Partir, que eu vi em Cannes no ano passado e estreou bem no comecinho de 2023, permaneceu, com seu romance proibido, soluções visuais criativas e elegantes, como o flashback dentro da cena do presente, e algo que nem sempre se vê mais nos filmes: mistério. Não o enigma da trama, sobre o assassinato de um homem que tem como principal suspeita sua mulher, por quem o investigador se encanta. Mas, sim, o inexplicável das pessoas e da vida.
  2. Priscilla (Sofia Coppola) (disponível nos cinemas): O filme é quase um negativo de Elvis, de Baz Luhrmann. Silencioso, intimista, claustrofóbico, opressivo, retratando a vida interior de uma adolescente como só Sofia Coppola sabe fazer. Priscilla Presley (a ótima Cailee Spaeny) é uma boneca guardada na caixa – no caso, Graceland – por seu namorado e depois marido, interpretado por Jacob Elordi. Ela não tem voz nem na maneira de se vestir – e a diretora entende como poucos o papel das roupas na reflexão do estado de espírito e da personalidade de uma mulher. É uma chance de ver o lado B de um ídolo e dar visibilidade à mulher que sempre foi tratada como um mero apêndice.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Durante sua carreira, o cineasta apontou para a feiura de uma sociedade construída pela ganância e a violência desmedida dos homens. Aqui, não é diferente: Martin Scorsese deixa bem claro que os vilões são os brancos, usando métodos cruéis para tomar o que é dos indígenas, suas riquezas, sua cultura, seu sangue, seu espírito, suas vidas. É algo que continua atual e só vai mudar se houver um reconhecimento. O próprio diretor admite que o cinema americano construiu uma imagem mítica dessa conquista do Oeste, apagando os povos originários. No filme, Scorsese lhes dá voz.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (disponível no Disney+): Ok, podem não ser exatamente os piores filmes do ano. Mas The Flash, da DC, e Quantumania, da Marvel, mostram que o modelo repetitivo das produções desse tipo está fadado ao fracasso, cedo ou tarde. Não bastam centenas de milhões de orçamento, personagens conhecidos, atores famosos, uma profusão de efeitos visuais. Fórmulas tendem a cansar. Os filmes de super-heróis, que dominaram os cinemas na última década, praticamente aniquilando outros tipos de produções, precisam de um reboot. Ou, melhor ainda, pelo bem da indústria, simplesmente dividir espaço com outros tipos de produtos.

Matheus Mans

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  1. Tia Virgínia (Fábio Meira) (disponível na Apple TV): Filme brasileiro que passou quase despercebido para muitos, mas que traz uma história potente sobre tempo, solidão e família durante a época de festas de final de ano. A cereja do bolo é Vera Holtz, a protagonista com a atuação feminina do ano. E o que dizer da cena final? Da briga na mesa de jantar? No humor que surge naturalmente das situações familiares que tantos de nós vivemos? Quando menos esperamos, estamos rindo e chorando ao mesmo tempo.
  2. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Na briga entre Barbie e Oppenheimer, fico com a história do criador da bomba atômica. Não só acho é o melhor filme de Christopher Nolan, que abandona muitas de suas ideias do que é cinema para contar uma história profunda sobre J. Robert Oppenheimer, como também assume que o longa-metragem precisa ser uma reflexão sobre o que a criação da bomba atômica causou no âmago, na mente e até na saúde desse físico que entrou para a história.
  3. Babilônia (Damien Chazelle) (disponível na Amazon Prime Vídeo, Apple TV e Paramount+): Muita gente detestou este filme de Damien Chazelle, o diretor de La La Land. Mas, mesmo lançado na terceira semana de janeiro, ainda me pego pensando na beleza dessa história quase um ano depois. Com atuação forte de Margot Robbie e uma trilha sonora que fica na cabeça, o longa-metragem sabe passear entre a tragédia e o drama com tranquilidade, brincando com os gêneros do cinema para, justamente, falar sobre a maravilha que é a sétima arte e como ela pode transformar a nossa vida. A última cena, ainda que seja um repeteco emocional do que foi La La Land, fica com a medalha de ouro da melhor sequência do cinema em 2023.

Pior filme

Muti - Crime e Poder (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Ainda que tenha ficado bastante em dúvida entre After: Para Sempre e Desejo Proibido, não consegui tirar da cabeça a sensação ruim que tive com Muti. O filme estrelado por Cole Hauser e Morgan Freeman não só é um suspense meia boca, como também chega carregado de preconceito, colocando religiões “perigosas”, cheias de misticismos baratos, em cima do continente africano. Tem coisa mais tosca e ultrapassada do que tratar povos da África assim? Pior de tudo é o final, que tenta dar 180 graus na história com uma reviravolta, mas só causa um sentimento perplexo de vergonha alheia. E aí vem a dúvida: como Morgan Freeman aceitou participar disso?

Rodrigo Ortega

Melhores filmes

  1. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O filme é da safra de 2022, indicado belga ao último Oscar. Mas chegou ao Brasil só neste ano. O diretor Lukas Dhont parece entrar dentro da cabeça de dois adolescentes para filmar a dor e a confusão da passagem da infância à adolescência, com a descoberta do amor romântico e do sexo. A amizade entre Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) muda de repente. Quem já foi adolescente vai entender- e mesmo assim sentir toda a angústia de novo, na cabeça de Léo e Rémi, como se o tempo tivesse voltado.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): A rádio anuncia a guerra na Ucrânia, não muito longe de onde se passa o filme, em uma cinzenta e enferrujada Helsinque, na Finlândia. Pode ser o próximo alvo de Putin, afinal. Nada disso importa para os protagonistas, com problemas mais urgentes para resolver, como achar o próximo subemprego. Na verdade, nem para dinheiro eles ligam mais. Ansa (Alma Pöysti) e (Jussi Vatanen) estão deprimidos. Ele, ainda por cima, alcóolatra. De alguma forma, o encontro deles consegue dar alguma cor e sentido àquela terra arrasada. É o universo do prolífico cineasta filandês Aki Kaurismäki, aqui ainda mais certeiro.
  3. Pedágio (Carolina Markowicz) (disponível nos cinemas): O enrosco do Brasil não é simplificado em Pedágio. O filme sobre uma mãe evangélica (Maeve Jinkings como Suellen) que busca um tratamento de ‘cura gay’ para seu filho (Kauan Alvarenga como Tikinho) não tem nada do maniqueísmo do que essa descrição simples pode aparentar. A diretora Carolina Markowicz.espia, com calma, todas as nuances nos cantos da casa simples que os dois dividem. Em uma situação difícil, ela consegue encontrar graça e afeto - saídas improváveis viram luz para os personagens e para o cinema brasileiro.

Pior filme

Ferrari (estreia no cinema em 2024): Talvez eu esteja roubando nas regras, já que o filme foi exibido em São Paulo, na Mostra sem ainda entrar em cartaz. Que sirva de aviso, então: Ferrari é um desastre bem filmado. Michael Mann constrói cenas belíssimas de carros desgovernados e de um protagonista desalmado e sem propósito, o Enzo Ferrari de Adam Driver. São duas horas de um homem sendo estúpido e carros sendo carros. Além disso, Penélope Cruz pode fazer o drama que for, mas não esconde a verdade inconveniente: Ferrari é um filme meio arrastado.

Simião Castro

Melhores filmes

  1. Monster (Hirokazu Koreeda) (disponível nos cinemas): Quando seu filho chega aflito da escola e muda do comportamento sempre doce habitual você começa a se preocupar. Mas aí ele corta os cabelos, perde um tênis e chega machucado. E você descobre que quem está por trás disso é um professor. Assim é a primeira parte do drama japonês Monster, do brilhante cineasta Hirokazu Koreeda. Só que aí o filme volta mais três vezes ao ponto inicial e todas as suas certezas são despedaçadas, uma atrás da outra, numa série angustiante de reviravoltas. O que sobra é apenas a convicção de que toda ação tem uma consequência. E que os equívocos não perdoam. Espetacular.
  2. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Close dói na alma. E por isso é necessário. Ele desperta para as mais aflitivas lembranças da infância, com a denúncia dos riscos do bullying na escola e da homofobia estruturalizada. Mas não é um filme militante. Pela ligação e íntima amizade dos pré-adolescentes Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), o filme explora os dilemas do amadurecimento de quem tenta se entender no mundo, com consequências devastadoras. É um filme quente, colorido e solar. O que contrasta com o peso terrível da história que precisa contar. Obra prima.
  3. O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail) (disponível na Netflix): O filme da Netflix não tem Scorsese na direção - como o bom, mas superestimado Assassinos da Lua das Flores -, nem a esperteza de Greta Gerwig e Noah Baumbach - do surpreendente Barbie - no roteiro, mas tem o fundamental: uma boa história para contar. O longa provocou reações polarizadas e me fez assisti-lo inteiro pensando “uai, mas não era ruim?”. Só que essa impressão equivocada foi desbancada pela ousadia de jogar personagens e espectadores de paraquedas no absoluto caos e de, mesmo oferecendo um desfecho claro, não entregar todas as respostas de bandeja. Isso somado ao roteiro bem estruturado, ótimos efeitos visuais e sonoros, trilha sonora precisa, fotografia certeira e texto afiado o faz merecer o posto de um dos melhores filmes do ano. Instigante.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) : O filme do herói mais veloz do mundo ser arrastado e lento é inaceitável. Ele erra tudo que mira. Multiverso fraco, viagem no tempo frouxa, humor frágil, ritmo falho. Nada disso é sinônimo de Flash. O filme engrena unicamente pelas participações especiais e a resuscitação do antigo Batman de Michael Keaton, que volta brilhante. Mas se escorar no passado da franquia e numa reprise do Super-Homem não o salvam do desastre.

O vencedor

Conforme a quantidade de votos e os critérios de desempate - 1º lugar tem peso 3, 2º lugar peso 2 e 3º lugar peso 1 - o melhor filme do ano conforme a opinião dos críticos do Estadão é Oppenheimer, de Christopher Nolan. Veja abaixo no gráfico quantos votos cada filme recebeu.

Entre os piores os votos foram mais pulverizados. O único com duas citações foi The Flash - que, desde o lançamento já rendeu o aviso irônico do Estadão: É um filme lento...

Definir os melhores e piores filmes lançados em 2023 é uma missão ingrata, até porque é muito difícil dar conta de todos os títulos que estreiam em um ano inteiro. Para tornar a tarefa mais democrática o Estadão pediu para críticos e cinéfilos da redação listarem as produções que julgam merecer lugar neste ranking.

Cada um teve de escolher três melhores filmes e um pior, em ordem de preferência e indicando o motivo. Para além do esperado, as listas foram bastante diversas e as coincidências ocorreram em oito dos 16 títulos mencionados. E teve até filme separado como um dos melhores em uma lista que acabou como pior em outra.

Veja abaixo a seleção de cada um e as justificativas para os votos.

Bruno Carmelo

Melhores filmes

  1. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Este filme é um verdadeiro acontecimento: um drama político filmado com as ferramentas do thriller erótico. Enquanto se investiga a possível retomada de testes nucleares no Taiti, os habitantes suspeitam uns dos outros. Cada conversa amigável esconde uma ameaça velada, cada encontro romântico soa como uma possibilidade de assassinato. O diretor espanhol oferece as cenas mais hipnóticas do cinema este ano. Uma obra-prima.
  2. Luz nos Trópicos (Paula Gaitán) (não chegou ao streaming): Brasil, séculos atrás. Os portugueses percorrem os rios da Amazônia, descobrindo o país. Horas depois, cruzam com uma pessoa contemporânea, do século XXI. O filme combina a melhor ousadia do cinema experimental com a linearidade do cinema narrativo, num percurso delirante pela nossa história. Dos povos indígenas às zonas urbanas, do Brasil profundo à Nova York coberta de neve, Gaitán filma espaços e personagens como ninguém.
  3. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): O melhor filme de tribunal dos últimos anos. Ao invés de colocar bandidos perigosos contra advogados implacáveis, prefere situar mulheres comuns face a outras mulheres comuns, enfrentando um dilema: como uma mãe seria capaz de matar a própria filha? Uma discussão fascinante a respeito da maternidade e da autonomia feminina, que oferece mais perguntas do que respostas. Diop evita julgamentos morais, registrando as atrizes e os embates verbais com um interesse cúmplice.

Pior filme

O Portal Secreto (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Esta fantasia infantojuvenil gostaria de se tornar o novo Harry Potter. Infelizmente, nada funciona: o roteiro não sabe construir conflitos nem personagens; os atores hesitam entre o humor pastelão e a seriedade, as imagens parecem construídas a esmo. É dificílimo construir uma catástrofe deste nível. Chega a despertar curiosidade: como este filme pôde ser filmado, produzido e distribuído deste jeito? Como passou por tantos olhos, e ninguém soou o alerta vermelho? Alguns fracassos são mais instigantes do que os sucessos.

Daniel Oliveira

Melhores filmes

  1. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza em 2022, a estreia na ficção da cineasta Alice Diop obriga, com uma realização sóbria e precisa, o espectador a se colocar no lugar de duas mulheres negras, com o mesmo domínio técnico e narrativo com que o cinema sempre nos botou na posição (falsamente universal) do homem branco. Grande parte das 2h de Saint Omer se resume a confrontar-nos com o olhar e as performances das atrizes Kayije Kagame e Guslagie Malanda, mirando diretamente a câmera, imóveis e confinadas nos lugares sociais que um mundo masculino e branco reservou a suas personagens. E esse gesto acaba por ser tão radical na sua singularidade, que o filme é ao mesmo tempo um soco no estômago e um fôlego de ar novo a uma arte que, nos últimos anos, parece flertar com a morte e a irrelevância na sua insistência em repetições e redundâncias.
  2. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um exercício de gênero executado à perfeição, o filme une o apuro técnico e a obsessão do cineasta sul-coreano Chan-wook Park com reviravoltas mirabolantes a uma história de amor disfuncional, inusitada e sensual. Assim como os trabalhos anteriores do diretor, Decisão de Partir é um longa sobre narrativa, sobre as histórias que nós construímos e contamos sobre nós mesmos e os outros, numa trama em que não existe verdade ou mentira, apenas pontos de vista. É um Hitchcock do século XXI, com uma pitada de perversidade e apuro visual asiático e um irresistível pathos melodramático.
  3. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e representante da Bélgica no Oscar 2023, Close é um longa sobre o momento em que, sem se importar se estamos preparados ou não, a vida nos empurra para fora da infância rumo à vida adulta. Ou, mais especificamente, sobre aquele momento em que meninos são obrigados a tornarem-se essa besta mitológica, esse monstro, chamado “homem” – e a complexidade do que isso pode significar. É um convite a pensar sobre uma sociedade e uma cultura que ensinam a garotos que lutar e machucar um ao outro é normal, mas amar um ao outro é errado e inadequado – e a chorar por isso.

Pior filme

I Wanna Dance With Somebody - A história de Whitney Houston (disponível na HBO Max): Por motivos profissionais, abandonei qualquer obrigação de estar em dia com tudo que estreia nos cinemas (especialmente Marvel e afins), então não duvido de que tenha passado coisa muito pior pelos cinemas em 2023. Do que vi, dada a riqueza da vida e do catálogo de Whitney Houston, esta cinebiografia é uma oportunidade completamente desperdiçada, com um roteiro sem o mínimo de coesão narrativa ou coerência temática, uma direção visualmente pobre e dramaturgicamente desafinada, e uma Naomi Ackie que parece ter o potencial de uma boa atriz, porém perdida em um filme que não lhe oferece nenhuma ferramenta para provar isso.

João Abel

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Nolan imprimiu um ritmo eletrizante num espetacular desfile de mais de 100 personagens com fala em 3 intensas horas. Assisti na tela convencional do cinema e depois voltei para viver a experiência (especialmente a sonora) em IMAX. Destaque para as excelentes atuações de Cillian Murphy e Robert Downey Jr, que merecem reconhecimento como ator principal e coadjuvante nas premiações da temporada. Vai empilhar Oscars também nas categorias técnicas.
  2. Retratos fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O cinema nacional teve um bom ano. As cinebiografias ‘Mussum’ e ‘Nosso Sonho’ foram gratas surpresas. Mas ‘Retratos Fantasmas’, que não deixa de ter um ‘quê’ de biografia, é um filme valioso. Uma mescla de nostalgia com amor pelo cinema, e pela cidade do Recife, no olhar pessoal e informal de Kleber Mendonça Filho. O diretor usa de forma brilhante seu arquivo de filmagens para fazer uma crítica à mudança da disposição urbana e social da capital pernambucana.
  3. Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): Greta Gerwig correspondeu muito bem à enorme expectativa gerada pelo filme mais aguardado do ano. O longa encontrou o tom cômico exato, nem tão pesado nem tão raso, para construir sua sátira sobre a desigualdade de gênero. Margot Robbie encarnou perfeitamente a boneca e é preciso tirar o chapéu para Ryan Gosling, espetacular como Ken. O figurino, cenários e trilha sonora, com direito a ótimas composições de Billie Eilish e Dua Lipa, completam o pacote.

Pior filme

Estranha Forma de Vida (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O pior do ano? Difícil cravar. Um dos mais decepcionantes? Com certeza. Ver um faroeste gay dirigido por Almodóvar e estrelado por Pedro Pascal e Ethan Hawke parecia uma ótima premissa, mas as expectativas não foram cumpridas. O curta de 31 minutos, com um roteiro que vai do nada a lugar nenhum, talvez só conseguisse realmente desenvolver uma história interessante se fosse um longa.

Luiz Carlos Merten

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Christopher Nolan mostra como o cientista criou a bomba e, segundo a própria definição, virou o destruidor de mundos. Um filme complexo e fascinante como seu personagem. De todas as camadas – política, humana – a cinematográfica impõe-se. É show de cinema.
  2. Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Por meio da história dos cinemas de rua do Recife, Kleber Mendonça Filho conta não apenas a própria história, mas reflete sobre seus filmes, e o Brasil. A vida familiar, a mãe, o cachorro do vizinho, aquele apartamento nutriram sua criatividade. E, sim, sem sentimentalismo, ele também teve o seu Alfredo, como o projecionista de Cinema Paradiso.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): A tentativa de genocídio da Nação Osage pela sociedade branca – e gananciosa – de Oklahoma, nos anos 1920, reata Martin Scorsese com seu melhor cinema. Leonardo DiCaprio cria um grande personagem. É fraco, manipulável e pode ser perigoso. Mas ama, e isso faz dele, apesar de tudo, um humano. Uma aposta – Lily Gladstone terá deser indicada para o Oscar. A primeira mulher pele-vermelha indicada para o prêmio da Academia.

Pior filme

Os Mercenários 4 (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Houve muitos candidatos à (nossa) Framboesa de Ouro, mas Sylvester Stallone leva o troféu. Rocky e Rambo viraram propaganda de banco no Brasil, mas ele está tão botocado que daqui a pouco vai precisar de legenda para ser identificado. E o botox contamina o filme. É o já-visto do já-visto.

Luiz Zanin

Melhores filmes

  1. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um mergulho nos fundamentos da nação americana através da análise dos crimes cometidos contra os indígenas Osage, no início do século 20. Mestre Scorsese em plena forma. Brilhante.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): Na luz de inverno de Helsinki, o encontro melancólico - mas também esperançoso - de dois outsiders. Kaurismaki propõe uma depuração de sentimentos para torná-los mais verdadeiros. Emoção sem chantagem.
  3. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Benoît Magimel interpreta um ambíguo funcionário francês na Polinésia. O filme adota o ritmo de torpor da decadente presença colonial francesa no Pacífico. Adequação perfeita de forma e conteúdo.

Pior filme

Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): 115 intermináveis minutos de linguagem publicitária para vender uma marca de bonecas. Um massacre.

Mariane Morisawa

Melhores filmes

  1. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Foi um ano bastante bom para o cinema, e escolher apenas três obras é crueldade. Mas Decisão de Partir, que eu vi em Cannes no ano passado e estreou bem no comecinho de 2023, permaneceu, com seu romance proibido, soluções visuais criativas e elegantes, como o flashback dentro da cena do presente, e algo que nem sempre se vê mais nos filmes: mistério. Não o enigma da trama, sobre o assassinato de um homem que tem como principal suspeita sua mulher, por quem o investigador se encanta. Mas, sim, o inexplicável das pessoas e da vida.
  2. Priscilla (Sofia Coppola) (disponível nos cinemas): O filme é quase um negativo de Elvis, de Baz Luhrmann. Silencioso, intimista, claustrofóbico, opressivo, retratando a vida interior de uma adolescente como só Sofia Coppola sabe fazer. Priscilla Presley (a ótima Cailee Spaeny) é uma boneca guardada na caixa – no caso, Graceland – por seu namorado e depois marido, interpretado por Jacob Elordi. Ela não tem voz nem na maneira de se vestir – e a diretora entende como poucos o papel das roupas na reflexão do estado de espírito e da personalidade de uma mulher. É uma chance de ver o lado B de um ídolo e dar visibilidade à mulher que sempre foi tratada como um mero apêndice.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Durante sua carreira, o cineasta apontou para a feiura de uma sociedade construída pela ganância e a violência desmedida dos homens. Aqui, não é diferente: Martin Scorsese deixa bem claro que os vilões são os brancos, usando métodos cruéis para tomar o que é dos indígenas, suas riquezas, sua cultura, seu sangue, seu espírito, suas vidas. É algo que continua atual e só vai mudar se houver um reconhecimento. O próprio diretor admite que o cinema americano construiu uma imagem mítica dessa conquista do Oeste, apagando os povos originários. No filme, Scorsese lhes dá voz.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (disponível no Disney+): Ok, podem não ser exatamente os piores filmes do ano. Mas The Flash, da DC, e Quantumania, da Marvel, mostram que o modelo repetitivo das produções desse tipo está fadado ao fracasso, cedo ou tarde. Não bastam centenas de milhões de orçamento, personagens conhecidos, atores famosos, uma profusão de efeitos visuais. Fórmulas tendem a cansar. Os filmes de super-heróis, que dominaram os cinemas na última década, praticamente aniquilando outros tipos de produções, precisam de um reboot. Ou, melhor ainda, pelo bem da indústria, simplesmente dividir espaço com outros tipos de produtos.

Matheus Mans

Melhores filmes

  1. Tia Virgínia (Fábio Meira) (disponível na Apple TV): Filme brasileiro que passou quase despercebido para muitos, mas que traz uma história potente sobre tempo, solidão e família durante a época de festas de final de ano. A cereja do bolo é Vera Holtz, a protagonista com a atuação feminina do ano. E o que dizer da cena final? Da briga na mesa de jantar? No humor que surge naturalmente das situações familiares que tantos de nós vivemos? Quando menos esperamos, estamos rindo e chorando ao mesmo tempo.
  2. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Na briga entre Barbie e Oppenheimer, fico com a história do criador da bomba atômica. Não só acho é o melhor filme de Christopher Nolan, que abandona muitas de suas ideias do que é cinema para contar uma história profunda sobre J. Robert Oppenheimer, como também assume que o longa-metragem precisa ser uma reflexão sobre o que a criação da bomba atômica causou no âmago, na mente e até na saúde desse físico que entrou para a história.
  3. Babilônia (Damien Chazelle) (disponível na Amazon Prime Vídeo, Apple TV e Paramount+): Muita gente detestou este filme de Damien Chazelle, o diretor de La La Land. Mas, mesmo lançado na terceira semana de janeiro, ainda me pego pensando na beleza dessa história quase um ano depois. Com atuação forte de Margot Robbie e uma trilha sonora que fica na cabeça, o longa-metragem sabe passear entre a tragédia e o drama com tranquilidade, brincando com os gêneros do cinema para, justamente, falar sobre a maravilha que é a sétima arte e como ela pode transformar a nossa vida. A última cena, ainda que seja um repeteco emocional do que foi La La Land, fica com a medalha de ouro da melhor sequência do cinema em 2023.

Pior filme

Muti - Crime e Poder (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Ainda que tenha ficado bastante em dúvida entre After: Para Sempre e Desejo Proibido, não consegui tirar da cabeça a sensação ruim que tive com Muti. O filme estrelado por Cole Hauser e Morgan Freeman não só é um suspense meia boca, como também chega carregado de preconceito, colocando religiões “perigosas”, cheias de misticismos baratos, em cima do continente africano. Tem coisa mais tosca e ultrapassada do que tratar povos da África assim? Pior de tudo é o final, que tenta dar 180 graus na história com uma reviravolta, mas só causa um sentimento perplexo de vergonha alheia. E aí vem a dúvida: como Morgan Freeman aceitou participar disso?

Rodrigo Ortega

Melhores filmes

  1. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O filme é da safra de 2022, indicado belga ao último Oscar. Mas chegou ao Brasil só neste ano. O diretor Lukas Dhont parece entrar dentro da cabeça de dois adolescentes para filmar a dor e a confusão da passagem da infância à adolescência, com a descoberta do amor romântico e do sexo. A amizade entre Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) muda de repente. Quem já foi adolescente vai entender- e mesmo assim sentir toda a angústia de novo, na cabeça de Léo e Rémi, como se o tempo tivesse voltado.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): A rádio anuncia a guerra na Ucrânia, não muito longe de onde se passa o filme, em uma cinzenta e enferrujada Helsinque, na Finlândia. Pode ser o próximo alvo de Putin, afinal. Nada disso importa para os protagonistas, com problemas mais urgentes para resolver, como achar o próximo subemprego. Na verdade, nem para dinheiro eles ligam mais. Ansa (Alma Pöysti) e (Jussi Vatanen) estão deprimidos. Ele, ainda por cima, alcóolatra. De alguma forma, o encontro deles consegue dar alguma cor e sentido àquela terra arrasada. É o universo do prolífico cineasta filandês Aki Kaurismäki, aqui ainda mais certeiro.
  3. Pedágio (Carolina Markowicz) (disponível nos cinemas): O enrosco do Brasil não é simplificado em Pedágio. O filme sobre uma mãe evangélica (Maeve Jinkings como Suellen) que busca um tratamento de ‘cura gay’ para seu filho (Kauan Alvarenga como Tikinho) não tem nada do maniqueísmo do que essa descrição simples pode aparentar. A diretora Carolina Markowicz.espia, com calma, todas as nuances nos cantos da casa simples que os dois dividem. Em uma situação difícil, ela consegue encontrar graça e afeto - saídas improváveis viram luz para os personagens e para o cinema brasileiro.

Pior filme

Ferrari (estreia no cinema em 2024): Talvez eu esteja roubando nas regras, já que o filme foi exibido em São Paulo, na Mostra sem ainda entrar em cartaz. Que sirva de aviso, então: Ferrari é um desastre bem filmado. Michael Mann constrói cenas belíssimas de carros desgovernados e de um protagonista desalmado e sem propósito, o Enzo Ferrari de Adam Driver. São duas horas de um homem sendo estúpido e carros sendo carros. Além disso, Penélope Cruz pode fazer o drama que for, mas não esconde a verdade inconveniente: Ferrari é um filme meio arrastado.

Simião Castro

Melhores filmes

  1. Monster (Hirokazu Koreeda) (disponível nos cinemas): Quando seu filho chega aflito da escola e muda do comportamento sempre doce habitual você começa a se preocupar. Mas aí ele corta os cabelos, perde um tênis e chega machucado. E você descobre que quem está por trás disso é um professor. Assim é a primeira parte do drama japonês Monster, do brilhante cineasta Hirokazu Koreeda. Só que aí o filme volta mais três vezes ao ponto inicial e todas as suas certezas são despedaçadas, uma atrás da outra, numa série angustiante de reviravoltas. O que sobra é apenas a convicção de que toda ação tem uma consequência. E que os equívocos não perdoam. Espetacular.
  2. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Close dói na alma. E por isso é necessário. Ele desperta para as mais aflitivas lembranças da infância, com a denúncia dos riscos do bullying na escola e da homofobia estruturalizada. Mas não é um filme militante. Pela ligação e íntima amizade dos pré-adolescentes Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), o filme explora os dilemas do amadurecimento de quem tenta se entender no mundo, com consequências devastadoras. É um filme quente, colorido e solar. O que contrasta com o peso terrível da história que precisa contar. Obra prima.
  3. O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail) (disponível na Netflix): O filme da Netflix não tem Scorsese na direção - como o bom, mas superestimado Assassinos da Lua das Flores -, nem a esperteza de Greta Gerwig e Noah Baumbach - do surpreendente Barbie - no roteiro, mas tem o fundamental: uma boa história para contar. O longa provocou reações polarizadas e me fez assisti-lo inteiro pensando “uai, mas não era ruim?”. Só que essa impressão equivocada foi desbancada pela ousadia de jogar personagens e espectadores de paraquedas no absoluto caos e de, mesmo oferecendo um desfecho claro, não entregar todas as respostas de bandeja. Isso somado ao roteiro bem estruturado, ótimos efeitos visuais e sonoros, trilha sonora precisa, fotografia certeira e texto afiado o faz merecer o posto de um dos melhores filmes do ano. Instigante.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) : O filme do herói mais veloz do mundo ser arrastado e lento é inaceitável. Ele erra tudo que mira. Multiverso fraco, viagem no tempo frouxa, humor frágil, ritmo falho. Nada disso é sinônimo de Flash. O filme engrena unicamente pelas participações especiais e a resuscitação do antigo Batman de Michael Keaton, que volta brilhante. Mas se escorar no passado da franquia e numa reprise do Super-Homem não o salvam do desastre.

O vencedor

Conforme a quantidade de votos e os critérios de desempate - 1º lugar tem peso 3, 2º lugar peso 2 e 3º lugar peso 1 - o melhor filme do ano conforme a opinião dos críticos do Estadão é Oppenheimer, de Christopher Nolan. Veja abaixo no gráfico quantos votos cada filme recebeu.

Entre os piores os votos foram mais pulverizados. O único com duas citações foi The Flash - que, desde o lançamento já rendeu o aviso irônico do Estadão: É um filme lento...

Definir os melhores e piores filmes lançados em 2023 é uma missão ingrata, até porque é muito difícil dar conta de todos os títulos que estreiam em um ano inteiro. Para tornar a tarefa mais democrática o Estadão pediu para críticos e cinéfilos da redação listarem as produções que julgam merecer lugar neste ranking.

Cada um teve de escolher três melhores filmes e um pior, em ordem de preferência e indicando o motivo. Para além do esperado, as listas foram bastante diversas e as coincidências ocorreram em oito dos 16 títulos mencionados. E teve até filme separado como um dos melhores em uma lista que acabou como pior em outra.

Veja abaixo a seleção de cada um e as justificativas para os votos.

Bruno Carmelo

Melhores filmes

  1. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Este filme é um verdadeiro acontecimento: um drama político filmado com as ferramentas do thriller erótico. Enquanto se investiga a possível retomada de testes nucleares no Taiti, os habitantes suspeitam uns dos outros. Cada conversa amigável esconde uma ameaça velada, cada encontro romântico soa como uma possibilidade de assassinato. O diretor espanhol oferece as cenas mais hipnóticas do cinema este ano. Uma obra-prima.
  2. Luz nos Trópicos (Paula Gaitán) (não chegou ao streaming): Brasil, séculos atrás. Os portugueses percorrem os rios da Amazônia, descobrindo o país. Horas depois, cruzam com uma pessoa contemporânea, do século XXI. O filme combina a melhor ousadia do cinema experimental com a linearidade do cinema narrativo, num percurso delirante pela nossa história. Dos povos indígenas às zonas urbanas, do Brasil profundo à Nova York coberta de neve, Gaitán filma espaços e personagens como ninguém.
  3. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): O melhor filme de tribunal dos últimos anos. Ao invés de colocar bandidos perigosos contra advogados implacáveis, prefere situar mulheres comuns face a outras mulheres comuns, enfrentando um dilema: como uma mãe seria capaz de matar a própria filha? Uma discussão fascinante a respeito da maternidade e da autonomia feminina, que oferece mais perguntas do que respostas. Diop evita julgamentos morais, registrando as atrizes e os embates verbais com um interesse cúmplice.

Pior filme

O Portal Secreto (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Esta fantasia infantojuvenil gostaria de se tornar o novo Harry Potter. Infelizmente, nada funciona: o roteiro não sabe construir conflitos nem personagens; os atores hesitam entre o humor pastelão e a seriedade, as imagens parecem construídas a esmo. É dificílimo construir uma catástrofe deste nível. Chega a despertar curiosidade: como este filme pôde ser filmado, produzido e distribuído deste jeito? Como passou por tantos olhos, e ninguém soou o alerta vermelho? Alguns fracassos são mais instigantes do que os sucessos.

Daniel Oliveira

Melhores filmes

  1. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza em 2022, a estreia na ficção da cineasta Alice Diop obriga, com uma realização sóbria e precisa, o espectador a se colocar no lugar de duas mulheres negras, com o mesmo domínio técnico e narrativo com que o cinema sempre nos botou na posição (falsamente universal) do homem branco. Grande parte das 2h de Saint Omer se resume a confrontar-nos com o olhar e as performances das atrizes Kayije Kagame e Guslagie Malanda, mirando diretamente a câmera, imóveis e confinadas nos lugares sociais que um mundo masculino e branco reservou a suas personagens. E esse gesto acaba por ser tão radical na sua singularidade, que o filme é ao mesmo tempo um soco no estômago e um fôlego de ar novo a uma arte que, nos últimos anos, parece flertar com a morte e a irrelevância na sua insistência em repetições e redundâncias.
  2. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um exercício de gênero executado à perfeição, o filme une o apuro técnico e a obsessão do cineasta sul-coreano Chan-wook Park com reviravoltas mirabolantes a uma história de amor disfuncional, inusitada e sensual. Assim como os trabalhos anteriores do diretor, Decisão de Partir é um longa sobre narrativa, sobre as histórias que nós construímos e contamos sobre nós mesmos e os outros, numa trama em que não existe verdade ou mentira, apenas pontos de vista. É um Hitchcock do século XXI, com uma pitada de perversidade e apuro visual asiático e um irresistível pathos melodramático.
  3. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e representante da Bélgica no Oscar 2023, Close é um longa sobre o momento em que, sem se importar se estamos preparados ou não, a vida nos empurra para fora da infância rumo à vida adulta. Ou, mais especificamente, sobre aquele momento em que meninos são obrigados a tornarem-se essa besta mitológica, esse monstro, chamado “homem” – e a complexidade do que isso pode significar. É um convite a pensar sobre uma sociedade e uma cultura que ensinam a garotos que lutar e machucar um ao outro é normal, mas amar um ao outro é errado e inadequado – e a chorar por isso.

Pior filme

I Wanna Dance With Somebody - A história de Whitney Houston (disponível na HBO Max): Por motivos profissionais, abandonei qualquer obrigação de estar em dia com tudo que estreia nos cinemas (especialmente Marvel e afins), então não duvido de que tenha passado coisa muito pior pelos cinemas em 2023. Do que vi, dada a riqueza da vida e do catálogo de Whitney Houston, esta cinebiografia é uma oportunidade completamente desperdiçada, com um roteiro sem o mínimo de coesão narrativa ou coerência temática, uma direção visualmente pobre e dramaturgicamente desafinada, e uma Naomi Ackie que parece ter o potencial de uma boa atriz, porém perdida em um filme que não lhe oferece nenhuma ferramenta para provar isso.

João Abel

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Nolan imprimiu um ritmo eletrizante num espetacular desfile de mais de 100 personagens com fala em 3 intensas horas. Assisti na tela convencional do cinema e depois voltei para viver a experiência (especialmente a sonora) em IMAX. Destaque para as excelentes atuações de Cillian Murphy e Robert Downey Jr, que merecem reconhecimento como ator principal e coadjuvante nas premiações da temporada. Vai empilhar Oscars também nas categorias técnicas.
  2. Retratos fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O cinema nacional teve um bom ano. As cinebiografias ‘Mussum’ e ‘Nosso Sonho’ foram gratas surpresas. Mas ‘Retratos Fantasmas’, que não deixa de ter um ‘quê’ de biografia, é um filme valioso. Uma mescla de nostalgia com amor pelo cinema, e pela cidade do Recife, no olhar pessoal e informal de Kleber Mendonça Filho. O diretor usa de forma brilhante seu arquivo de filmagens para fazer uma crítica à mudança da disposição urbana e social da capital pernambucana.
  3. Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): Greta Gerwig correspondeu muito bem à enorme expectativa gerada pelo filme mais aguardado do ano. O longa encontrou o tom cômico exato, nem tão pesado nem tão raso, para construir sua sátira sobre a desigualdade de gênero. Margot Robbie encarnou perfeitamente a boneca e é preciso tirar o chapéu para Ryan Gosling, espetacular como Ken. O figurino, cenários e trilha sonora, com direito a ótimas composições de Billie Eilish e Dua Lipa, completam o pacote.

Pior filme

Estranha Forma de Vida (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O pior do ano? Difícil cravar. Um dos mais decepcionantes? Com certeza. Ver um faroeste gay dirigido por Almodóvar e estrelado por Pedro Pascal e Ethan Hawke parecia uma ótima premissa, mas as expectativas não foram cumpridas. O curta de 31 minutos, com um roteiro que vai do nada a lugar nenhum, talvez só conseguisse realmente desenvolver uma história interessante se fosse um longa.

Luiz Carlos Merten

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Christopher Nolan mostra como o cientista criou a bomba e, segundo a própria definição, virou o destruidor de mundos. Um filme complexo e fascinante como seu personagem. De todas as camadas – política, humana – a cinematográfica impõe-se. É show de cinema.
  2. Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Por meio da história dos cinemas de rua do Recife, Kleber Mendonça Filho conta não apenas a própria história, mas reflete sobre seus filmes, e o Brasil. A vida familiar, a mãe, o cachorro do vizinho, aquele apartamento nutriram sua criatividade. E, sim, sem sentimentalismo, ele também teve o seu Alfredo, como o projecionista de Cinema Paradiso.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): A tentativa de genocídio da Nação Osage pela sociedade branca – e gananciosa – de Oklahoma, nos anos 1920, reata Martin Scorsese com seu melhor cinema. Leonardo DiCaprio cria um grande personagem. É fraco, manipulável e pode ser perigoso. Mas ama, e isso faz dele, apesar de tudo, um humano. Uma aposta – Lily Gladstone terá deser indicada para o Oscar. A primeira mulher pele-vermelha indicada para o prêmio da Academia.

Pior filme

Os Mercenários 4 (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Houve muitos candidatos à (nossa) Framboesa de Ouro, mas Sylvester Stallone leva o troféu. Rocky e Rambo viraram propaganda de banco no Brasil, mas ele está tão botocado que daqui a pouco vai precisar de legenda para ser identificado. E o botox contamina o filme. É o já-visto do já-visto.

Luiz Zanin

Melhores filmes

  1. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um mergulho nos fundamentos da nação americana através da análise dos crimes cometidos contra os indígenas Osage, no início do século 20. Mestre Scorsese em plena forma. Brilhante.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): Na luz de inverno de Helsinki, o encontro melancólico - mas também esperançoso - de dois outsiders. Kaurismaki propõe uma depuração de sentimentos para torná-los mais verdadeiros. Emoção sem chantagem.
  3. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Benoît Magimel interpreta um ambíguo funcionário francês na Polinésia. O filme adota o ritmo de torpor da decadente presença colonial francesa no Pacífico. Adequação perfeita de forma e conteúdo.

Pior filme

Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): 115 intermináveis minutos de linguagem publicitária para vender uma marca de bonecas. Um massacre.

Mariane Morisawa

Melhores filmes

  1. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Foi um ano bastante bom para o cinema, e escolher apenas três obras é crueldade. Mas Decisão de Partir, que eu vi em Cannes no ano passado e estreou bem no comecinho de 2023, permaneceu, com seu romance proibido, soluções visuais criativas e elegantes, como o flashback dentro da cena do presente, e algo que nem sempre se vê mais nos filmes: mistério. Não o enigma da trama, sobre o assassinato de um homem que tem como principal suspeita sua mulher, por quem o investigador se encanta. Mas, sim, o inexplicável das pessoas e da vida.
  2. Priscilla (Sofia Coppola) (disponível nos cinemas): O filme é quase um negativo de Elvis, de Baz Luhrmann. Silencioso, intimista, claustrofóbico, opressivo, retratando a vida interior de uma adolescente como só Sofia Coppola sabe fazer. Priscilla Presley (a ótima Cailee Spaeny) é uma boneca guardada na caixa – no caso, Graceland – por seu namorado e depois marido, interpretado por Jacob Elordi. Ela não tem voz nem na maneira de se vestir – e a diretora entende como poucos o papel das roupas na reflexão do estado de espírito e da personalidade de uma mulher. É uma chance de ver o lado B de um ídolo e dar visibilidade à mulher que sempre foi tratada como um mero apêndice.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Durante sua carreira, o cineasta apontou para a feiura de uma sociedade construída pela ganância e a violência desmedida dos homens. Aqui, não é diferente: Martin Scorsese deixa bem claro que os vilões são os brancos, usando métodos cruéis para tomar o que é dos indígenas, suas riquezas, sua cultura, seu sangue, seu espírito, suas vidas. É algo que continua atual e só vai mudar se houver um reconhecimento. O próprio diretor admite que o cinema americano construiu uma imagem mítica dessa conquista do Oeste, apagando os povos originários. No filme, Scorsese lhes dá voz.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (disponível no Disney+): Ok, podem não ser exatamente os piores filmes do ano. Mas The Flash, da DC, e Quantumania, da Marvel, mostram que o modelo repetitivo das produções desse tipo está fadado ao fracasso, cedo ou tarde. Não bastam centenas de milhões de orçamento, personagens conhecidos, atores famosos, uma profusão de efeitos visuais. Fórmulas tendem a cansar. Os filmes de super-heróis, que dominaram os cinemas na última década, praticamente aniquilando outros tipos de produções, precisam de um reboot. Ou, melhor ainda, pelo bem da indústria, simplesmente dividir espaço com outros tipos de produtos.

Matheus Mans

Melhores filmes

  1. Tia Virgínia (Fábio Meira) (disponível na Apple TV): Filme brasileiro que passou quase despercebido para muitos, mas que traz uma história potente sobre tempo, solidão e família durante a época de festas de final de ano. A cereja do bolo é Vera Holtz, a protagonista com a atuação feminina do ano. E o que dizer da cena final? Da briga na mesa de jantar? No humor que surge naturalmente das situações familiares que tantos de nós vivemos? Quando menos esperamos, estamos rindo e chorando ao mesmo tempo.
  2. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Na briga entre Barbie e Oppenheimer, fico com a história do criador da bomba atômica. Não só acho é o melhor filme de Christopher Nolan, que abandona muitas de suas ideias do que é cinema para contar uma história profunda sobre J. Robert Oppenheimer, como também assume que o longa-metragem precisa ser uma reflexão sobre o que a criação da bomba atômica causou no âmago, na mente e até na saúde desse físico que entrou para a história.
  3. Babilônia (Damien Chazelle) (disponível na Amazon Prime Vídeo, Apple TV e Paramount+): Muita gente detestou este filme de Damien Chazelle, o diretor de La La Land. Mas, mesmo lançado na terceira semana de janeiro, ainda me pego pensando na beleza dessa história quase um ano depois. Com atuação forte de Margot Robbie e uma trilha sonora que fica na cabeça, o longa-metragem sabe passear entre a tragédia e o drama com tranquilidade, brincando com os gêneros do cinema para, justamente, falar sobre a maravilha que é a sétima arte e como ela pode transformar a nossa vida. A última cena, ainda que seja um repeteco emocional do que foi La La Land, fica com a medalha de ouro da melhor sequência do cinema em 2023.

Pior filme

Muti - Crime e Poder (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Ainda que tenha ficado bastante em dúvida entre After: Para Sempre e Desejo Proibido, não consegui tirar da cabeça a sensação ruim que tive com Muti. O filme estrelado por Cole Hauser e Morgan Freeman não só é um suspense meia boca, como também chega carregado de preconceito, colocando religiões “perigosas”, cheias de misticismos baratos, em cima do continente africano. Tem coisa mais tosca e ultrapassada do que tratar povos da África assim? Pior de tudo é o final, que tenta dar 180 graus na história com uma reviravolta, mas só causa um sentimento perplexo de vergonha alheia. E aí vem a dúvida: como Morgan Freeman aceitou participar disso?

Rodrigo Ortega

Melhores filmes

  1. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O filme é da safra de 2022, indicado belga ao último Oscar. Mas chegou ao Brasil só neste ano. O diretor Lukas Dhont parece entrar dentro da cabeça de dois adolescentes para filmar a dor e a confusão da passagem da infância à adolescência, com a descoberta do amor romântico e do sexo. A amizade entre Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) muda de repente. Quem já foi adolescente vai entender- e mesmo assim sentir toda a angústia de novo, na cabeça de Léo e Rémi, como se o tempo tivesse voltado.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): A rádio anuncia a guerra na Ucrânia, não muito longe de onde se passa o filme, em uma cinzenta e enferrujada Helsinque, na Finlândia. Pode ser o próximo alvo de Putin, afinal. Nada disso importa para os protagonistas, com problemas mais urgentes para resolver, como achar o próximo subemprego. Na verdade, nem para dinheiro eles ligam mais. Ansa (Alma Pöysti) e (Jussi Vatanen) estão deprimidos. Ele, ainda por cima, alcóolatra. De alguma forma, o encontro deles consegue dar alguma cor e sentido àquela terra arrasada. É o universo do prolífico cineasta filandês Aki Kaurismäki, aqui ainda mais certeiro.
  3. Pedágio (Carolina Markowicz) (disponível nos cinemas): O enrosco do Brasil não é simplificado em Pedágio. O filme sobre uma mãe evangélica (Maeve Jinkings como Suellen) que busca um tratamento de ‘cura gay’ para seu filho (Kauan Alvarenga como Tikinho) não tem nada do maniqueísmo do que essa descrição simples pode aparentar. A diretora Carolina Markowicz.espia, com calma, todas as nuances nos cantos da casa simples que os dois dividem. Em uma situação difícil, ela consegue encontrar graça e afeto - saídas improváveis viram luz para os personagens e para o cinema brasileiro.

Pior filme

Ferrari (estreia no cinema em 2024): Talvez eu esteja roubando nas regras, já que o filme foi exibido em São Paulo, na Mostra sem ainda entrar em cartaz. Que sirva de aviso, então: Ferrari é um desastre bem filmado. Michael Mann constrói cenas belíssimas de carros desgovernados e de um protagonista desalmado e sem propósito, o Enzo Ferrari de Adam Driver. São duas horas de um homem sendo estúpido e carros sendo carros. Além disso, Penélope Cruz pode fazer o drama que for, mas não esconde a verdade inconveniente: Ferrari é um filme meio arrastado.

Simião Castro

Melhores filmes

  1. Monster (Hirokazu Koreeda) (disponível nos cinemas): Quando seu filho chega aflito da escola e muda do comportamento sempre doce habitual você começa a se preocupar. Mas aí ele corta os cabelos, perde um tênis e chega machucado. E você descobre que quem está por trás disso é um professor. Assim é a primeira parte do drama japonês Monster, do brilhante cineasta Hirokazu Koreeda. Só que aí o filme volta mais três vezes ao ponto inicial e todas as suas certezas são despedaçadas, uma atrás da outra, numa série angustiante de reviravoltas. O que sobra é apenas a convicção de que toda ação tem uma consequência. E que os equívocos não perdoam. Espetacular.
  2. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Close dói na alma. E por isso é necessário. Ele desperta para as mais aflitivas lembranças da infância, com a denúncia dos riscos do bullying na escola e da homofobia estruturalizada. Mas não é um filme militante. Pela ligação e íntima amizade dos pré-adolescentes Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), o filme explora os dilemas do amadurecimento de quem tenta se entender no mundo, com consequências devastadoras. É um filme quente, colorido e solar. O que contrasta com o peso terrível da história que precisa contar. Obra prima.
  3. O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail) (disponível na Netflix): O filme da Netflix não tem Scorsese na direção - como o bom, mas superestimado Assassinos da Lua das Flores -, nem a esperteza de Greta Gerwig e Noah Baumbach - do surpreendente Barbie - no roteiro, mas tem o fundamental: uma boa história para contar. O longa provocou reações polarizadas e me fez assisti-lo inteiro pensando “uai, mas não era ruim?”. Só que essa impressão equivocada foi desbancada pela ousadia de jogar personagens e espectadores de paraquedas no absoluto caos e de, mesmo oferecendo um desfecho claro, não entregar todas as respostas de bandeja. Isso somado ao roteiro bem estruturado, ótimos efeitos visuais e sonoros, trilha sonora precisa, fotografia certeira e texto afiado o faz merecer o posto de um dos melhores filmes do ano. Instigante.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) : O filme do herói mais veloz do mundo ser arrastado e lento é inaceitável. Ele erra tudo que mira. Multiverso fraco, viagem no tempo frouxa, humor frágil, ritmo falho. Nada disso é sinônimo de Flash. O filme engrena unicamente pelas participações especiais e a resuscitação do antigo Batman de Michael Keaton, que volta brilhante. Mas se escorar no passado da franquia e numa reprise do Super-Homem não o salvam do desastre.

O vencedor

Conforme a quantidade de votos e os critérios de desempate - 1º lugar tem peso 3, 2º lugar peso 2 e 3º lugar peso 1 - o melhor filme do ano conforme a opinião dos críticos do Estadão é Oppenheimer, de Christopher Nolan. Veja abaixo no gráfico quantos votos cada filme recebeu.

Entre os piores os votos foram mais pulverizados. O único com duas citações foi The Flash - que, desde o lançamento já rendeu o aviso irônico do Estadão: É um filme lento...

Definir os melhores e piores filmes lançados em 2023 é uma missão ingrata, até porque é muito difícil dar conta de todos os títulos que estreiam em um ano inteiro. Para tornar a tarefa mais democrática o Estadão pediu para críticos e cinéfilos da redação listarem as produções que julgam merecer lugar neste ranking.

Cada um teve de escolher três melhores filmes e um pior, em ordem de preferência e indicando o motivo. Para além do esperado, as listas foram bastante diversas e as coincidências ocorreram em oito dos 16 títulos mencionados. E teve até filme separado como um dos melhores em uma lista que acabou como pior em outra.

Veja abaixo a seleção de cada um e as justificativas para os votos.

Bruno Carmelo

Melhores filmes

  1. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Este filme é um verdadeiro acontecimento: um drama político filmado com as ferramentas do thriller erótico. Enquanto se investiga a possível retomada de testes nucleares no Taiti, os habitantes suspeitam uns dos outros. Cada conversa amigável esconde uma ameaça velada, cada encontro romântico soa como uma possibilidade de assassinato. O diretor espanhol oferece as cenas mais hipnóticas do cinema este ano. Uma obra-prima.
  2. Luz nos Trópicos (Paula Gaitán) (não chegou ao streaming): Brasil, séculos atrás. Os portugueses percorrem os rios da Amazônia, descobrindo o país. Horas depois, cruzam com uma pessoa contemporânea, do século XXI. O filme combina a melhor ousadia do cinema experimental com a linearidade do cinema narrativo, num percurso delirante pela nossa história. Dos povos indígenas às zonas urbanas, do Brasil profundo à Nova York coberta de neve, Gaitán filma espaços e personagens como ninguém.
  3. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): O melhor filme de tribunal dos últimos anos. Ao invés de colocar bandidos perigosos contra advogados implacáveis, prefere situar mulheres comuns face a outras mulheres comuns, enfrentando um dilema: como uma mãe seria capaz de matar a própria filha? Uma discussão fascinante a respeito da maternidade e da autonomia feminina, que oferece mais perguntas do que respostas. Diop evita julgamentos morais, registrando as atrizes e os embates verbais com um interesse cúmplice.

Pior filme

O Portal Secreto (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Esta fantasia infantojuvenil gostaria de se tornar o novo Harry Potter. Infelizmente, nada funciona: o roteiro não sabe construir conflitos nem personagens; os atores hesitam entre o humor pastelão e a seriedade, as imagens parecem construídas a esmo. É dificílimo construir uma catástrofe deste nível. Chega a despertar curiosidade: como este filme pôde ser filmado, produzido e distribuído deste jeito? Como passou por tantos olhos, e ninguém soou o alerta vermelho? Alguns fracassos são mais instigantes do que os sucessos.

Daniel Oliveira

Melhores filmes

  1. Saint Omer (Alice Diop) (disponível na Amazon Prime Video): Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza em 2022, a estreia na ficção da cineasta Alice Diop obriga, com uma realização sóbria e precisa, o espectador a se colocar no lugar de duas mulheres negras, com o mesmo domínio técnico e narrativo com que o cinema sempre nos botou na posição (falsamente universal) do homem branco. Grande parte das 2h de Saint Omer se resume a confrontar-nos com o olhar e as performances das atrizes Kayije Kagame e Guslagie Malanda, mirando diretamente a câmera, imóveis e confinadas nos lugares sociais que um mundo masculino e branco reservou a suas personagens. E esse gesto acaba por ser tão radical na sua singularidade, que o filme é ao mesmo tempo um soco no estômago e um fôlego de ar novo a uma arte que, nos últimos anos, parece flertar com a morte e a irrelevância na sua insistência em repetições e redundâncias.
  2. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um exercício de gênero executado à perfeição, o filme une o apuro técnico e a obsessão do cineasta sul-coreano Chan-wook Park com reviravoltas mirabolantes a uma história de amor disfuncional, inusitada e sensual. Assim como os trabalhos anteriores do diretor, Decisão de Partir é um longa sobre narrativa, sobre as histórias que nós construímos e contamos sobre nós mesmos e os outros, numa trama em que não existe verdade ou mentira, apenas pontos de vista. É um Hitchcock do século XXI, com uma pitada de perversidade e apuro visual asiático e um irresistível pathos melodramático.
  3. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e representante da Bélgica no Oscar 2023, Close é um longa sobre o momento em que, sem se importar se estamos preparados ou não, a vida nos empurra para fora da infância rumo à vida adulta. Ou, mais especificamente, sobre aquele momento em que meninos são obrigados a tornarem-se essa besta mitológica, esse monstro, chamado “homem” – e a complexidade do que isso pode significar. É um convite a pensar sobre uma sociedade e uma cultura que ensinam a garotos que lutar e machucar um ao outro é normal, mas amar um ao outro é errado e inadequado – e a chorar por isso.

Pior filme

I Wanna Dance With Somebody - A história de Whitney Houston (disponível na HBO Max): Por motivos profissionais, abandonei qualquer obrigação de estar em dia com tudo que estreia nos cinemas (especialmente Marvel e afins), então não duvido de que tenha passado coisa muito pior pelos cinemas em 2023. Do que vi, dada a riqueza da vida e do catálogo de Whitney Houston, esta cinebiografia é uma oportunidade completamente desperdiçada, com um roteiro sem o mínimo de coesão narrativa ou coerência temática, uma direção visualmente pobre e dramaturgicamente desafinada, e uma Naomi Ackie que parece ter o potencial de uma boa atriz, porém perdida em um filme que não lhe oferece nenhuma ferramenta para provar isso.

João Abel

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Nolan imprimiu um ritmo eletrizante num espetacular desfile de mais de 100 personagens com fala em 3 intensas horas. Assisti na tela convencional do cinema e depois voltei para viver a experiência (especialmente a sonora) em IMAX. Destaque para as excelentes atuações de Cillian Murphy e Robert Downey Jr, que merecem reconhecimento como ator principal e coadjuvante nas premiações da temporada. Vai empilhar Oscars também nas categorias técnicas.
  2. Retratos fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O cinema nacional teve um bom ano. As cinebiografias ‘Mussum’ e ‘Nosso Sonho’ foram gratas surpresas. Mas ‘Retratos Fantasmas’, que não deixa de ter um ‘quê’ de biografia, é um filme valioso. Uma mescla de nostalgia com amor pelo cinema, e pela cidade do Recife, no olhar pessoal e informal de Kleber Mendonça Filho. O diretor usa de forma brilhante seu arquivo de filmagens para fazer uma crítica à mudança da disposição urbana e social da capital pernambucana.
  3. Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): Greta Gerwig correspondeu muito bem à enorme expectativa gerada pelo filme mais aguardado do ano. O longa encontrou o tom cômico exato, nem tão pesado nem tão raso, para construir sua sátira sobre a desigualdade de gênero. Margot Robbie encarnou perfeitamente a boneca e é preciso tirar o chapéu para Ryan Gosling, espetacular como Ken. O figurino, cenários e trilha sonora, com direito a ótimas composições de Billie Eilish e Dua Lipa, completam o pacote.

Pior filme

Estranha Forma de Vida (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O pior do ano? Difícil cravar. Um dos mais decepcionantes? Com certeza. Ver um faroeste gay dirigido por Almodóvar e estrelado por Pedro Pascal e Ethan Hawke parecia uma ótima premissa, mas as expectativas não foram cumpridas. O curta de 31 minutos, com um roteiro que vai do nada a lugar nenhum, talvez só conseguisse realmente desenvolver uma história interessante se fosse um longa.

Luiz Carlos Merten

Melhores filmes

  1. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Christopher Nolan mostra como o cientista criou a bomba e, segundo a própria definição, virou o destruidor de mundos. Um filme complexo e fascinante como seu personagem. De todas as camadas – política, humana – a cinematográfica impõe-se. É show de cinema.
  2. Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho) (disponível na Netflix, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Por meio da história dos cinemas de rua do Recife, Kleber Mendonça Filho conta não apenas a própria história, mas reflete sobre seus filmes, e o Brasil. A vida familiar, a mãe, o cachorro do vizinho, aquele apartamento nutriram sua criatividade. E, sim, sem sentimentalismo, ele também teve o seu Alfredo, como o projecionista de Cinema Paradiso.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): A tentativa de genocídio da Nação Osage pela sociedade branca – e gananciosa – de Oklahoma, nos anos 1920, reata Martin Scorsese com seu melhor cinema. Leonardo DiCaprio cria um grande personagem. É fraco, manipulável e pode ser perigoso. Mas ama, e isso faz dele, apesar de tudo, um humano. Uma aposta – Lily Gladstone terá deser indicada para o Oscar. A primeira mulher pele-vermelha indicada para o prêmio da Academia.

Pior filme

Os Mercenários 4 (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Houve muitos candidatos à (nossa) Framboesa de Ouro, mas Sylvester Stallone leva o troféu. Rocky e Rambo viraram propaganda de banco no Brasil, mas ele está tão botocado que daqui a pouco vai precisar de legenda para ser identificado. E o botox contamina o filme. É o já-visto do já-visto.

Luiz Zanin

Melhores filmes

  1. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Um mergulho nos fundamentos da nação americana através da análise dos crimes cometidos contra os indígenas Osage, no início do século 20. Mestre Scorsese em plena forma. Brilhante.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): Na luz de inverno de Helsinki, o encontro melancólico - mas também esperançoso - de dois outsiders. Kaurismaki propõe uma depuração de sentimentos para torná-los mais verdadeiros. Emoção sem chantagem.
  3. Pacifiction (Albert Serra) (disponível no Mubi): Benoît Magimel interpreta um ambíguo funcionário francês na Polinésia. O filme adota o ritmo de torpor da decadente presença colonial francesa no Pacífico. Adequação perfeita de forma e conteúdo.

Pior filme

Barbie (Greta Gerwig) (disponível na HBO Max): 115 intermináveis minutos de linguagem publicitária para vender uma marca de bonecas. Um massacre.

Mariane Morisawa

Melhores filmes

  1. Decisão de Partir (Park Chan-wook) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Foi um ano bastante bom para o cinema, e escolher apenas três obras é crueldade. Mas Decisão de Partir, que eu vi em Cannes no ano passado e estreou bem no comecinho de 2023, permaneceu, com seu romance proibido, soluções visuais criativas e elegantes, como o flashback dentro da cena do presente, e algo que nem sempre se vê mais nos filmes: mistério. Não o enigma da trama, sobre o assassinato de um homem que tem como principal suspeita sua mulher, por quem o investigador se encanta. Mas, sim, o inexplicável das pessoas e da vida.
  2. Priscilla (Sofia Coppola) (disponível nos cinemas): O filme é quase um negativo de Elvis, de Baz Luhrmann. Silencioso, intimista, claustrofóbico, opressivo, retratando a vida interior de uma adolescente como só Sofia Coppola sabe fazer. Priscilla Presley (a ótima Cailee Spaeny) é uma boneca guardada na caixa – no caso, Graceland – por seu namorado e depois marido, interpretado por Jacob Elordi. Ela não tem voz nem na maneira de se vestir – e a diretora entende como poucos o papel das roupas na reflexão do estado de espírito e da personalidade de uma mulher. É uma chance de ver o lado B de um ídolo e dar visibilidade à mulher que sempre foi tratada como um mero apêndice.
  3. Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese) (disponível na Amazon Prime e Apple TV): Durante sua carreira, o cineasta apontou para a feiura de uma sociedade construída pela ganância e a violência desmedida dos homens. Aqui, não é diferente: Martin Scorsese deixa bem claro que os vilões são os brancos, usando métodos cruéis para tomar o que é dos indígenas, suas riquezas, sua cultura, seu sangue, seu espírito, suas vidas. É algo que continua atual e só vai mudar se houver um reconhecimento. O próprio diretor admite que o cinema americano construiu uma imagem mítica dessa conquista do Oeste, apagando os povos originários. No filme, Scorsese lhes dá voz.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (disponível no Disney+): Ok, podem não ser exatamente os piores filmes do ano. Mas The Flash, da DC, e Quantumania, da Marvel, mostram que o modelo repetitivo das produções desse tipo está fadado ao fracasso, cedo ou tarde. Não bastam centenas de milhões de orçamento, personagens conhecidos, atores famosos, uma profusão de efeitos visuais. Fórmulas tendem a cansar. Os filmes de super-heróis, que dominaram os cinemas na última década, praticamente aniquilando outros tipos de produções, precisam de um reboot. Ou, melhor ainda, pelo bem da indústria, simplesmente dividir espaço com outros tipos de produtos.

Matheus Mans

Melhores filmes

  1. Tia Virgínia (Fábio Meira) (disponível na Apple TV): Filme brasileiro que passou quase despercebido para muitos, mas que traz uma história potente sobre tempo, solidão e família durante a época de festas de final de ano. A cereja do bolo é Vera Holtz, a protagonista com a atuação feminina do ano. E o que dizer da cena final? Da briga na mesa de jantar? No humor que surge naturalmente das situações familiares que tantos de nós vivemos? Quando menos esperamos, estamos rindo e chorando ao mesmo tempo.
  2. Oppenheimer (Christopher Nolan) (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Na briga entre Barbie e Oppenheimer, fico com a história do criador da bomba atômica. Não só acho é o melhor filme de Christopher Nolan, que abandona muitas de suas ideias do que é cinema para contar uma história profunda sobre J. Robert Oppenheimer, como também assume que o longa-metragem precisa ser uma reflexão sobre o que a criação da bomba atômica causou no âmago, na mente e até na saúde desse físico que entrou para a história.
  3. Babilônia (Damien Chazelle) (disponível na Amazon Prime Vídeo, Apple TV e Paramount+): Muita gente detestou este filme de Damien Chazelle, o diretor de La La Land. Mas, mesmo lançado na terceira semana de janeiro, ainda me pego pensando na beleza dessa história quase um ano depois. Com atuação forte de Margot Robbie e uma trilha sonora que fica na cabeça, o longa-metragem sabe passear entre a tragédia e o drama com tranquilidade, brincando com os gêneros do cinema para, justamente, falar sobre a maravilha que é a sétima arte e como ela pode transformar a nossa vida. A última cena, ainda que seja um repeteco emocional do que foi La La Land, fica com a medalha de ouro da melhor sequência do cinema em 2023.

Pior filme

Muti - Crime e Poder (disponível na Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Ainda que tenha ficado bastante em dúvida entre After: Para Sempre e Desejo Proibido, não consegui tirar da cabeça a sensação ruim que tive com Muti. O filme estrelado por Cole Hauser e Morgan Freeman não só é um suspense meia boca, como também chega carregado de preconceito, colocando religiões “perigosas”, cheias de misticismos baratos, em cima do continente africano. Tem coisa mais tosca e ultrapassada do que tratar povos da África assim? Pior de tudo é o final, que tenta dar 180 graus na história com uma reviravolta, mas só causa um sentimento perplexo de vergonha alheia. E aí vem a dúvida: como Morgan Freeman aceitou participar disso?

Rodrigo Ortega

Melhores filmes

  1. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): O filme é da safra de 2022, indicado belga ao último Oscar. Mas chegou ao Brasil só neste ano. O diretor Lukas Dhont parece entrar dentro da cabeça de dois adolescentes para filmar a dor e a confusão da passagem da infância à adolescência, com a descoberta do amor romântico e do sexo. A amizade entre Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) muda de repente. Quem já foi adolescente vai entender- e mesmo assim sentir toda a angústia de novo, na cabeça de Léo e Rémi, como se o tempo tivesse voltado.
  2. Folhas de Outono (Aki Kaurismäki) (disponível nos cinemas): A rádio anuncia a guerra na Ucrânia, não muito longe de onde se passa o filme, em uma cinzenta e enferrujada Helsinque, na Finlândia. Pode ser o próximo alvo de Putin, afinal. Nada disso importa para os protagonistas, com problemas mais urgentes para resolver, como achar o próximo subemprego. Na verdade, nem para dinheiro eles ligam mais. Ansa (Alma Pöysti) e (Jussi Vatanen) estão deprimidos. Ele, ainda por cima, alcóolatra. De alguma forma, o encontro deles consegue dar alguma cor e sentido àquela terra arrasada. É o universo do prolífico cineasta filandês Aki Kaurismäki, aqui ainda mais certeiro.
  3. Pedágio (Carolina Markowicz) (disponível nos cinemas): O enrosco do Brasil não é simplificado em Pedágio. O filme sobre uma mãe evangélica (Maeve Jinkings como Suellen) que busca um tratamento de ‘cura gay’ para seu filho (Kauan Alvarenga como Tikinho) não tem nada do maniqueísmo do que essa descrição simples pode aparentar. A diretora Carolina Markowicz.espia, com calma, todas as nuances nos cantos da casa simples que os dois dividem. Em uma situação difícil, ela consegue encontrar graça e afeto - saídas improváveis viram luz para os personagens e para o cinema brasileiro.

Pior filme

Ferrari (estreia no cinema em 2024): Talvez eu esteja roubando nas regras, já que o filme foi exibido em São Paulo, na Mostra sem ainda entrar em cartaz. Que sirva de aviso, então: Ferrari é um desastre bem filmado. Michael Mann constrói cenas belíssimas de carros desgovernados e de um protagonista desalmado e sem propósito, o Enzo Ferrari de Adam Driver. São duas horas de um homem sendo estúpido e carros sendo carros. Além disso, Penélope Cruz pode fazer o drama que for, mas não esconde a verdade inconveniente: Ferrari é um filme meio arrastado.

Simião Castro

Melhores filmes

  1. Monster (Hirokazu Koreeda) (disponível nos cinemas): Quando seu filho chega aflito da escola e muda do comportamento sempre doce habitual você começa a se preocupar. Mas aí ele corta os cabelos, perde um tênis e chega machucado. E você descobre que quem está por trás disso é um professor. Assim é a primeira parte do drama japonês Monster, do brilhante cineasta Hirokazu Koreeda. Só que aí o filme volta mais três vezes ao ponto inicial e todas as suas certezas são despedaçadas, uma atrás da outra, numa série angustiante de reviravoltas. O que sobra é apenas a convicção de que toda ação tem uma consequência. E que os equívocos não perdoam. Espetacular.
  2. Close (Lukas Dhont) (disponível no Mubi, Amazon Prime Vídeo e Apple TV): Close dói na alma. E por isso é necessário. Ele desperta para as mais aflitivas lembranças da infância, com a denúncia dos riscos do bullying na escola e da homofobia estruturalizada. Mas não é um filme militante. Pela ligação e íntima amizade dos pré-adolescentes Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), o filme explora os dilemas do amadurecimento de quem tenta se entender no mundo, com consequências devastadoras. É um filme quente, colorido e solar. O que contrasta com o peso terrível da história que precisa contar. Obra prima.
  3. O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail) (disponível na Netflix): O filme da Netflix não tem Scorsese na direção - como o bom, mas superestimado Assassinos da Lua das Flores -, nem a esperteza de Greta Gerwig e Noah Baumbach - do surpreendente Barbie - no roteiro, mas tem o fundamental: uma boa história para contar. O longa provocou reações polarizadas e me fez assisti-lo inteiro pensando “uai, mas não era ruim?”. Só que essa impressão equivocada foi desbancada pela ousadia de jogar personagens e espectadores de paraquedas no absoluto caos e de, mesmo oferecendo um desfecho claro, não entregar todas as respostas de bandeja. Isso somado ao roteiro bem estruturado, ótimos efeitos visuais e sonoros, trilha sonora precisa, fotografia certeira e texto afiado o faz merecer o posto de um dos melhores filmes do ano. Instigante.

Pior filme

The Flash (disponível na HBO Max, Amazon Prime Vídeo e Apple TV) : O filme do herói mais veloz do mundo ser arrastado e lento é inaceitável. Ele erra tudo que mira. Multiverso fraco, viagem no tempo frouxa, humor frágil, ritmo falho. Nada disso é sinônimo de Flash. O filme engrena unicamente pelas participações especiais e a resuscitação do antigo Batman de Michael Keaton, que volta brilhante. Mas se escorar no passado da franquia e numa reprise do Super-Homem não o salvam do desastre.

O vencedor

Conforme a quantidade de votos e os critérios de desempate - 1º lugar tem peso 3, 2º lugar peso 2 e 3º lugar peso 1 - o melhor filme do ano conforme a opinião dos críticos do Estadão é Oppenheimer, de Christopher Nolan. Veja abaixo no gráfico quantos votos cada filme recebeu.

Entre os piores os votos foram mais pulverizados. O único com duas citações foi The Flash - que, desde o lançamento já rendeu o aviso irônico do Estadão: É um filme lento...

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