Rituais de iniciação em "Uma Adolescente de Verdade"


Com cenas de uma crueza que pode chocar, filme de Catherine Breillat mostra o despertar sexual de uma jovem nos anos 60

Por Agencia Estado

Talvez alguns espectadores saiam chocados com determinadas imagens do filme Uma Adolescente de Verdade, da francesa Catherine Breillat, que estréia nesta sexta-feira no Espaço Unibanco de Cinema. Pelo menos esse parece ser o objetivo da cineasta que estende para a linguagem de seu filme o comportamento da protagonista, uma adolescente que choca os mais conservadores e atrai os olhares masculinos na forma como expõe o corpo na tentativa de lidar com seu nascente desejo sexual. Repetindo o constante jogo de atração e repulsão vivido, ou imaginado, pela personagem central interpretada por Charlotte Alexandra, Catherine flerta com o voyeurismo masculino, desnudando o corpo da atriz de forma incomum em filmes não-pornográficos, para em seguida rejeitar esse olhar libidinoso, agredindo-o com imagens cruas e escatológicas. Quando o filme tem início, a jovem Alice Bonnard está chegando de trem ao campo, onde vai passar as férias de verão na pequena propriedade rural de seus pais, que administram ainda uma serraria. A história se passa na década de 60 - época de explosivos conflitos de geração -, obviamente uma escolha não casual da diretora neste que foi o seu primeiro filme, realizado em 1975. A pílula anticoncepcional é uma realidade recente e de acesso não muito fácil. No filme, a garota diz que elas existem na Suíça, mas acaba conseguindo tê-las nas suas mãos num prazo relativamente curto. Uma cena em flashback mostra que a disciplina ainda é bastante rígida no colégio interno para meninas, onde Alice estuda. Com certeza foi proposital a escolha desse período em que o mundo vivia um "momento de passagem" uma espécie de adolescência da liberdade sexual, com contradições semelhantes às vividas por Alice em sua "passagem" de menina para mulher. Na década de 60, pelo menos na França, a repressão sexual já havia recuado, mas ainda não atingira os atuais padrões de liberdade, ou naturalidade. Alice já tem o direito de tomar banho de sol de biquíni diante do pai, que não repreende a filha mesmo quando ela invade em trajes sumários o escritório onde ele recebe um jovem empregado. Mas subitamente decide proibir seus passeios de bicicleta, diante da duvidosa insinuação de mau comportamento vinda da dona da mercearia local. Não será a única contradição no comportamento desse pai. Mas embora Catherine não ignore os típicos conflitos de geração, não é sobre eles que joga o foco de sua câmera. Seu interesse reside mesmo na investigação do desejo de Alice, no estranhamento da menina com o próprio corpo, o que a leva a fazer dele uma espécie de campo de experimentação, testando limites que vão do sono à alimentação, com ênfase nas sensações táteis. Alice se apalpa, se cheira, explora a textura e a cor de suas secreções. Investiga sensações. Na maior parte do tempo, essa é uma investigação solitária. Mas ela quer experimentar também a relação sexual. Desenvolvida para sua idade - é o que ela diz -, flerta com os homens e frustra-se quando percebe ser olhada como uma menina. Mas igualmente rejeita o assédio direto e agressivo. Nem sempre é possível distinguir cenas reais das que ocorrem apenas em seus devaneios de menina. Certamente, trata-se de fantasia a cena em que ela, coleira de arame farpado, entrega-se a um pervertido empregado do pai. Poderia ser real a cena em que se insinua para um senhor na penumbra de um parque de diversões, para depois rejeitar aos berros a sua reação. E certamente é real a cena em que o empregado do pai, após ter sido rejeitado pelo patrão, resolve vingar-se cedendo à corte e "transando" com a adolescente. Num dado momento, em que a menina queima os dedos com resíduos de cera de uma vela, ela diz "não ter medo de símbolos". Mesmo com todas as transformações comportamentais, ainda há algo de ritualístico na primeira transa de uma mulher. Ecos de rituais de "sacrifício ou imolação" ressoam no imaginário coletivo sobre a entrega feminina. E, simbolicamente, estão presentes nas imagens deste filme. Muitas virgens foram sacrificadas em diversos altares, de diferentes deuses, em religiões cujas regras foram definidas por sacerdotes, raramente por sacerdotisas. O desejo feminino, não é segredo, ainda está impregnado de um imaginário masculino sobre ele. O acidente que encerra o filme pode ser lido de várias formas, até mesmo como solução fácil e previsível para o encerramento da história. Mas também como símbolo de uma possível mudança. Fim de um período. Talvez, no futuro, esse ritual de entrega feminina envolva mais beleza e menos conflito. Serviço - Uma Adolescente de Verdade (Une Vraie Jeune Fille). Drama. Direção de Catherine Breillat. Fr/76. Dur. 93 min. 18 anos

Talvez alguns espectadores saiam chocados com determinadas imagens do filme Uma Adolescente de Verdade, da francesa Catherine Breillat, que estréia nesta sexta-feira no Espaço Unibanco de Cinema. Pelo menos esse parece ser o objetivo da cineasta que estende para a linguagem de seu filme o comportamento da protagonista, uma adolescente que choca os mais conservadores e atrai os olhares masculinos na forma como expõe o corpo na tentativa de lidar com seu nascente desejo sexual. Repetindo o constante jogo de atração e repulsão vivido, ou imaginado, pela personagem central interpretada por Charlotte Alexandra, Catherine flerta com o voyeurismo masculino, desnudando o corpo da atriz de forma incomum em filmes não-pornográficos, para em seguida rejeitar esse olhar libidinoso, agredindo-o com imagens cruas e escatológicas. Quando o filme tem início, a jovem Alice Bonnard está chegando de trem ao campo, onde vai passar as férias de verão na pequena propriedade rural de seus pais, que administram ainda uma serraria. A história se passa na década de 60 - época de explosivos conflitos de geração -, obviamente uma escolha não casual da diretora neste que foi o seu primeiro filme, realizado em 1975. A pílula anticoncepcional é uma realidade recente e de acesso não muito fácil. No filme, a garota diz que elas existem na Suíça, mas acaba conseguindo tê-las nas suas mãos num prazo relativamente curto. Uma cena em flashback mostra que a disciplina ainda é bastante rígida no colégio interno para meninas, onde Alice estuda. Com certeza foi proposital a escolha desse período em que o mundo vivia um "momento de passagem" uma espécie de adolescência da liberdade sexual, com contradições semelhantes às vividas por Alice em sua "passagem" de menina para mulher. Na década de 60, pelo menos na França, a repressão sexual já havia recuado, mas ainda não atingira os atuais padrões de liberdade, ou naturalidade. Alice já tem o direito de tomar banho de sol de biquíni diante do pai, que não repreende a filha mesmo quando ela invade em trajes sumários o escritório onde ele recebe um jovem empregado. Mas subitamente decide proibir seus passeios de bicicleta, diante da duvidosa insinuação de mau comportamento vinda da dona da mercearia local. Não será a única contradição no comportamento desse pai. Mas embora Catherine não ignore os típicos conflitos de geração, não é sobre eles que joga o foco de sua câmera. Seu interesse reside mesmo na investigação do desejo de Alice, no estranhamento da menina com o próprio corpo, o que a leva a fazer dele uma espécie de campo de experimentação, testando limites que vão do sono à alimentação, com ênfase nas sensações táteis. Alice se apalpa, se cheira, explora a textura e a cor de suas secreções. Investiga sensações. Na maior parte do tempo, essa é uma investigação solitária. Mas ela quer experimentar também a relação sexual. Desenvolvida para sua idade - é o que ela diz -, flerta com os homens e frustra-se quando percebe ser olhada como uma menina. Mas igualmente rejeita o assédio direto e agressivo. Nem sempre é possível distinguir cenas reais das que ocorrem apenas em seus devaneios de menina. Certamente, trata-se de fantasia a cena em que ela, coleira de arame farpado, entrega-se a um pervertido empregado do pai. Poderia ser real a cena em que se insinua para um senhor na penumbra de um parque de diversões, para depois rejeitar aos berros a sua reação. E certamente é real a cena em que o empregado do pai, após ter sido rejeitado pelo patrão, resolve vingar-se cedendo à corte e "transando" com a adolescente. Num dado momento, em que a menina queima os dedos com resíduos de cera de uma vela, ela diz "não ter medo de símbolos". Mesmo com todas as transformações comportamentais, ainda há algo de ritualístico na primeira transa de uma mulher. Ecos de rituais de "sacrifício ou imolação" ressoam no imaginário coletivo sobre a entrega feminina. E, simbolicamente, estão presentes nas imagens deste filme. Muitas virgens foram sacrificadas em diversos altares, de diferentes deuses, em religiões cujas regras foram definidas por sacerdotes, raramente por sacerdotisas. O desejo feminino, não é segredo, ainda está impregnado de um imaginário masculino sobre ele. O acidente que encerra o filme pode ser lido de várias formas, até mesmo como solução fácil e previsível para o encerramento da história. Mas também como símbolo de uma possível mudança. Fim de um período. Talvez, no futuro, esse ritual de entrega feminina envolva mais beleza e menos conflito. Serviço - Uma Adolescente de Verdade (Une Vraie Jeune Fille). Drama. Direção de Catherine Breillat. Fr/76. Dur. 93 min. 18 anos

Talvez alguns espectadores saiam chocados com determinadas imagens do filme Uma Adolescente de Verdade, da francesa Catherine Breillat, que estréia nesta sexta-feira no Espaço Unibanco de Cinema. Pelo menos esse parece ser o objetivo da cineasta que estende para a linguagem de seu filme o comportamento da protagonista, uma adolescente que choca os mais conservadores e atrai os olhares masculinos na forma como expõe o corpo na tentativa de lidar com seu nascente desejo sexual. Repetindo o constante jogo de atração e repulsão vivido, ou imaginado, pela personagem central interpretada por Charlotte Alexandra, Catherine flerta com o voyeurismo masculino, desnudando o corpo da atriz de forma incomum em filmes não-pornográficos, para em seguida rejeitar esse olhar libidinoso, agredindo-o com imagens cruas e escatológicas. Quando o filme tem início, a jovem Alice Bonnard está chegando de trem ao campo, onde vai passar as férias de verão na pequena propriedade rural de seus pais, que administram ainda uma serraria. A história se passa na década de 60 - época de explosivos conflitos de geração -, obviamente uma escolha não casual da diretora neste que foi o seu primeiro filme, realizado em 1975. A pílula anticoncepcional é uma realidade recente e de acesso não muito fácil. No filme, a garota diz que elas existem na Suíça, mas acaba conseguindo tê-las nas suas mãos num prazo relativamente curto. Uma cena em flashback mostra que a disciplina ainda é bastante rígida no colégio interno para meninas, onde Alice estuda. Com certeza foi proposital a escolha desse período em que o mundo vivia um "momento de passagem" uma espécie de adolescência da liberdade sexual, com contradições semelhantes às vividas por Alice em sua "passagem" de menina para mulher. Na década de 60, pelo menos na França, a repressão sexual já havia recuado, mas ainda não atingira os atuais padrões de liberdade, ou naturalidade. Alice já tem o direito de tomar banho de sol de biquíni diante do pai, que não repreende a filha mesmo quando ela invade em trajes sumários o escritório onde ele recebe um jovem empregado. Mas subitamente decide proibir seus passeios de bicicleta, diante da duvidosa insinuação de mau comportamento vinda da dona da mercearia local. Não será a única contradição no comportamento desse pai. Mas embora Catherine não ignore os típicos conflitos de geração, não é sobre eles que joga o foco de sua câmera. Seu interesse reside mesmo na investigação do desejo de Alice, no estranhamento da menina com o próprio corpo, o que a leva a fazer dele uma espécie de campo de experimentação, testando limites que vão do sono à alimentação, com ênfase nas sensações táteis. Alice se apalpa, se cheira, explora a textura e a cor de suas secreções. Investiga sensações. Na maior parte do tempo, essa é uma investigação solitária. Mas ela quer experimentar também a relação sexual. Desenvolvida para sua idade - é o que ela diz -, flerta com os homens e frustra-se quando percebe ser olhada como uma menina. Mas igualmente rejeita o assédio direto e agressivo. Nem sempre é possível distinguir cenas reais das que ocorrem apenas em seus devaneios de menina. Certamente, trata-se de fantasia a cena em que ela, coleira de arame farpado, entrega-se a um pervertido empregado do pai. Poderia ser real a cena em que se insinua para um senhor na penumbra de um parque de diversões, para depois rejeitar aos berros a sua reação. E certamente é real a cena em que o empregado do pai, após ter sido rejeitado pelo patrão, resolve vingar-se cedendo à corte e "transando" com a adolescente. Num dado momento, em que a menina queima os dedos com resíduos de cera de uma vela, ela diz "não ter medo de símbolos". Mesmo com todas as transformações comportamentais, ainda há algo de ritualístico na primeira transa de uma mulher. Ecos de rituais de "sacrifício ou imolação" ressoam no imaginário coletivo sobre a entrega feminina. E, simbolicamente, estão presentes nas imagens deste filme. Muitas virgens foram sacrificadas em diversos altares, de diferentes deuses, em religiões cujas regras foram definidas por sacerdotes, raramente por sacerdotisas. O desejo feminino, não é segredo, ainda está impregnado de um imaginário masculino sobre ele. O acidente que encerra o filme pode ser lido de várias formas, até mesmo como solução fácil e previsível para o encerramento da história. Mas também como símbolo de uma possível mudança. Fim de um período. Talvez, no futuro, esse ritual de entrega feminina envolva mais beleza e menos conflito. Serviço - Uma Adolescente de Verdade (Une Vraie Jeune Fille). Drama. Direção de Catherine Breillat. Fr/76. Dur. 93 min. 18 anos

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