Foi em 1998. Roberto Benigni já tinha um currículo de mais de 20 anos, como ator e diretor, quando levou à competição do Festival de Cannes o longa parcialmente inspirado nas experiências de seu pai no campo de extermínio nazista de Bergen-Belsen. A Vida É Bela provocou comoção. Nunca ninguém havia abordado o Holocausto daquele jeito. A história de um pai que tenta proteger o filho durante o internamento de ambos num campo de concentração, fazendo o menino acreditar que tudo aquilo é um jogo e ele só sairá vencedor se seguir determinadas regras – de sobrevivência. O júri presidido por Martin Scorsese atribuiu a La Vita È Bella o Grand Prix. Benigni lançou-se aos pés de Scorsese, que, constrangido, tentava puxá-lo para que se levantasse.
A plateia rompeu em aplausos. Muita gente nem deve se lembrar que a Palma de Ouro daquele ano foi atribuída ao Grego Theo Angelopoulos, por A Eternidade e Um Dia. O que ficou daquela noite memorável foi o gesto de Benigni. Como cômico, ele conseguiu fazer rir aquele público que representava a arte e a indústria do cinema de todo o mundo.
No ano seguinte, o Brasil concorria ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro – só recentemente passou a ser melhor filme internacional. A história de outro menino em Central do Brasil, de Walter Salles. Levado pela escrevinhadora Dora, Josué atravessa meio Brasil em busca do pai. A Academia preferiu premiar o outro Josué – o filho fictício de Benigni – e A Vida É Bela venceu também como melhor ator (ele!) e melhor trilha (Nicola Piovani).
Roberto Benigni tinha 46 anos em 1998 – nasceu em 27 de outubro de 1952 em Castiglione Fiorentino, na Toscana. Isso significa que, nesta quinta-feira, 27, ele está comemorando 70 anos. 70!
Pequeno, com aparência de frágil, mas falando pelos cotovelos e com aqueles olhos que expressam maravilhamento, Benigni começou a se destacar na TV italiana nos anos 1970, numa série que ficou famosa pela transgressão – Televacca, de Renzo Arbore, chegou a ser proibida pela censura. Esquerdista, simpatizante do Partido Comunista Italiano, Benigni ousou incorporar a seriedade do lendário secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer – um sujeito sempre emburrado -, para provocar gargalhadas. O próprio Berlinguer teria mudado sua atitude e Benigni foi considerado um precursor na quebra de costumes e protocolos. Os políticos italianos passaram a experimentar novos hábitos e maneiras públicas. Na sequência, surgiu a Operação Mãos Limpas, a vida política italiana desmantelou-se, veio Silvio Berlusconi e a Itália nunca mais foi a mesma.
Talvez seja excessivo dizer que tudo pode ter começado com Roberto Benigni, mas ele certamente forçou a Itália a se ver no espelho. Não poupou nem o Papa – João Paulo II – e, por conta disso, foi censurado de novo, nos anos 1980. Seduzido pelo cinema, atuou em filmes do norte-americano Jim Jarmusch – Down by Law e Uma Noite Sobre a Terra.
Trabalhou com Federico Fellini – A Voz da Lua -, ressuscitou o Inspetor Clouseau de Peter Sellers em O Filho da Pantera Cor de Rosa, e passou a dirigir os próprios filmes. O Pequeno Diabo, Johnny Stecchino – satirizando o cinema de gângsteres -, até chegar a A Vida É Bela. Não teve tanto sucesso com Pinóquio e a Fada Azul, nem com O Tigre e a Neve, sobre a Guerra do Iraque. Voltou à fábula de Collodi fazendo Gepeto no Pinóquio de Matteo Garrone, que tem seus méritos, mas esteve longe da unanimidade.
A par de haver feito história na Academia – antes dele, só Laurence Olivier havia vencido nas categorias de melhor filme e ator, por Hamlet -, Benigni coleciona importantes prêmios internacionais. Globo de Ouro, o Actor’s Guild Award, Bafta, todos por A Vida É Bela, mais um Leão de Ouro honorário e um César, o Oscar francês, também honorário, por sua carreira.
Nem tudo, porém, são rosas para ele. Benigni coleciona indicações para a Framboesa de Ouro como pior em tudo – ator, roteirista, dupla -, as três pelo seu Pinóquio, e ele venceu como pior ator. Nem por isso deixa de ser popular na Itália e nos EUA. Woody Allen desdobrou-se nele num dos episódios mais engraçados de Para Roma com Amor. Benigni casou-se com Nicoletta Braschi em 1991 e, desde então, ela tem estado em seus filmes. Curiosidade – assim como o menino se chama Josué, a personagem dela também é Dora em A Vida É Bela.
Filmes essenciais de Roberto Benigni
Down by Law
Ele já havia aparecido no curta Coffee and Cigarettes, de Jim Jarmusch, quando interpretou Daumbailó em 1986. John Lurie e Tom Waits são presos e dividem a cela com um italiano irritante. O cara não para de falar, e seu inglês, ainda por cima, é macarrônico.
O Pequeno Diabo
Cansado da vida no inferno, o diabo vem à Terra. Encarna no corpo de uma mulher e atormenta Walter Matthau, um dos atores-fetiches de Billy Wilder, no que não deixa de ser, em 1988, uma dupla homenagem, ao grande diretor e ao próprio ator.
Uma Noite Sobre a Terra
De novo sob a direção de Jim Jarmusch, em 1991, Benigni interpreta o episódio com o motorista de táxi falastrão que causa desconforto num padre ao lhe narrar suas aventuras sexuais.
A Vida é Bela
A obra-prima de Benigni, sobre a relação pai-filho e como um pai tenta preservar o filho, tecendo uma fantasia sobre o horror que ambos estão vivendo no campo de concentração. Contemporâneo desse filme, Radu Mihaileanou fez O Trem da Vida, outra comédia sobre o Holocausto. Existem versões de que Benigni, em São Paulo, na Mostra, teria ouvido Mihaileanou falar de seu projeto, que plagiou. Oscar de melhor filme estrangeiro e mais um monte de prêmios internacionais.
Para Roma com Amor
Na série de comédias que Woody Allen vem fazendo em grandes cidades europeias (Vicky Cristina Barcelona, Meia-Noite em Paris), a aventura romana do autor parece mais fraca, mas tem episódios ótimos. O cantor de ópera que só consegue soltar a voz no chuveiro, o homem comum – Benigni – cuja vida entra um parafuso quando é confundido com uma celebridade.
Pinóquio
Benigni recebeu pancadas da crítica e não foi nada bem de público com sua versão da história de Collodi, em 2002. Quase duas décadas depois ele foi o Gepeto de Matteo Garrone na reinterpretação da fábula pelo diretor que já havia incursionado pelo maravilhoso em O Conto dos Contos. Sem a fantasia de 2015, Garrone talvez não tivesse chegado a Collodi.