Um cineasta menos habilidoso teria feito de Segredos de um Escândalo, que estreia nesta quinta-feira, 18, um mero “true crime”. Mas, nas mãos de Todd Haynes (de Longe do Paraíso, de 2002, e Carol, de 2015), o filme sobre uma mulher de 30 e poucos anos que se envolve com um menino de 13 disputou a Palma de Ouro em Cannes, em maio passado, frequentou as listas de melhores do ano da crítica dos Estados Unidos e concorreu a quatro Globos de Ouro.
No próximo dia 23, não será surpresa se aparecer na lista de indicados ao Oscar. “Logo de cara, eu vi que havia um tom observador no roteiro, que pedia uma filmagem diferente, encorajando o espectador a pensar no que está assistindo, enquanto está assistindo”, disse Haynes em entrevista com a participação do Estadão, na manhã seguinte à première mundial do longa-metragem, no Festival de Cannes.
O roteiro é a estreia em longas da jovem Samy Burch e foi premiado pelo Círculo de Críticos de Nova York e pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema como o melhor de 2023. Inspira-se em uma história real que causou escândalo e foi coberta exaustivamente pelos tabloides dos Estados Unidos.
Em 1997, a professora Mary Kay Letourneau, casada e mãe de quatro filhos, começou um relacionamento com Vili Fualaau, seu aluno da sexta série. Ela tinha 34, ele, 12. Presa, Letourneau admitiu sua culpa em duas acusações de estupro de menor.
Enquanto aguardava a sentença, nasceu sua primeira filha com Fualaau. Ela cumpriu sua pena, mas acabou servindo outra condenação depois de voltar a contatar Fualaau e engravidar. Após a soltura de Letourneau em 2005, os dois se casaram e ficaram juntos até 2019.
Em Segredos de um Escândalo, Burch nos apresenta aos personagens, Gracie (Julianne Moore, vencedora do Oscar por Para Sempre Alice, de 2014) e Joe (Charles Melton, da série Riverdale), depois de 20 anos de casamento.
No filme, Gracie trabalhava em um pet shop e se envolveu com Joe, um colega de trabalho que tinha 13 anos na época. Hoje, os dois se preparam para ver seu ninho ficar vazio. Com a filha mais velha, Honor (Piper Curda) na universidade, agora é a vez dos gêmeos Charlie (Gabriel Chung) e Mary (Elizabeth Yu) deixarem a casa dos pais depois da formatura no ensino médio.
É bem nesse momento de mudança que chega Elizabeth (Natalie Portman, ganhadora do Oscar por Cisne Negro, de 2010), que vai interpretar Gracie em um filme. “Foi muito metalinguístico ser uma atriz interpretando uma atriz”, disse Portman em Cannes. A vinda de Elizabeth, que pretende estudar a família e o comportamento de Gracie especificamente, acaba bagunçando a dinâmica da casa.
Haynes estabelece um jogo de espelhos, muitas vezes de maneira bem literal – em dado momento, Elizabeth pouco a pouco repete os gestos de Gracie na frente de um espelho. É uma cena que evoca um clássico do cinema: Persona – Quando Duas Mulheres Pecam (1966), de Ingmar Bergman.
Outros filmes do cineasta sueco, como Sonata de Outono (1978), também centrado em duas mulheres, serviram de inspiração para Haynes, que, como Bergman, é famoso por criar personagens femininas complexas, colocando suas atrizes na corrida por prêmios. Foi assim com Cate Blanchett, que concorreu ao Oscar por Eu Não Estou Lá (2007) e Carol, Julianne Moore, que foi indicada por Longe do Paraíso, e Kate Winslet, vencedora do Emmy pela minissérie Mildred Pierce (2011).
Não à toa, foi Natalie Portman que levou o roteiro de Samy Burch para Haynes, em plena pandemia. Tanto ela quanto Julianne Moore foram indicadas ao Globo de Ouro pelo filme. Mas a maior surpresa é Charles Melton, cujo maior crédito até agora tinha sido a série jovem Riverdale.
Além de concorrer ao Globo de Ouro, ele ganhou o Gotham de performance coadjuvante e foi eleito o melhor ator coadjuvante do ano pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema e pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York. Seu Joe é um homem de quase 40 anos ainda tratado como menino tanto por sua mulher quanto por Elizabeth.
O uso de espelhos, portanto, não é casual. Elizabeth está ali para fazer Gracie e Joe enfrentarem questões que talvez tenham evitado ao longo de mais de duas décadas. “Uma das preocupações quando retratamos histórias reais, seja como atores, jornalistas ou documentaristas, é quanto a apresentação desses fatos não afeta a vida das pessoas e o desenrolar da história em si”, disse Portman.
“É possível entrar nessa realidade sem se tornar parte da história? Eu não sei. Mas a Elizabeth não está muito preocupada em ser ética, o que torna a história divertida.” Vili Fualaau, que inspirou pelo menos parcialmente o filme, não gostou do que viu e disse que não foi consultado. Um direito dele, apesar de a produção ser uma ficção.
Segredos de um Escândalo insere humor nessa trama dramática, mas não julga os personagens. “Claro que a diferença de idade entre Gracie e Joe é moralmente complicada e perturbadora”, disse Haynes. “Ao mesmo tempo, o relacionamento dos dois sobrevive a toda a comoção e à exposição durante duas décadas. Eu também acho interessante mostrar mulheres com agência, seguindo seus desejos, mesmo que inapropriados. Será que a comoção seria tamanha se fosse um homem no lugar de Gracie?”
Sua intenção, de certa forma, era colocar um espelho diante do espectador também. “Eu acho que atualmente as pessoas esperam que filmes e séries tenham ideias muito claras sobre os personagens e sobre como são mostrados, para que confirmem o que elas já pensam. E Segredos de um Escândalo não permite que façam isso”, disse o diretor.
“Não sabia se o público de agora estaria aberto ao desafio de assistir a um filme que te coloca em um lugar de incerteza, de reflexão, de incômodo – com um certo humor também.” Por isso, ele está feliz com a repercussão de Segredos de um Escândalo, um filme que não condena e nem absolve seus personagens e não diz ao espectador o que pensar ou sentir, por mais estranhos que sejam os comportamentos humanos retratados.