Sérgio Ricardo toca trilhas de seus filmes, e de Glauber, em show no Rio


Músico, compositor e cineasta repassa uma vida dedicada à canção e ao cinema

Por Adriana Del Ré

Quando menino, Sérgio Ricardo gostava de admirar o quadro de uma loja e, quando ia para casa, sonhava em um dia conseguir fazer música inspirada numa foto. Aquilo já era querer fazer cinema. Anos depois, Sérgio assinava a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – ele na música e Glauber nas letras. Além de compor trilhas para o cinema, o músico da bossa nova – e um dos protagonistas do Festival de Música de 67 – é também cineasta, roteirista e ator. Com um novo curta, Pé Sem Chão, no Festival do Rio, Sérgio, aos 82 anos, lança seus filmes em DVD e revisita as trilhas que compôs, nesta segunda-feira, 6, às 21h, no show Cinema na Música, no Theatro Net Rio.

Sua música em Deus e o Diabo na Terra no Sol está no repertório do show. Fale dessa parceria com Glauber Rocha.

Logo que a gente se conheceu, o Glauber já veio com essa conversa para mim: “Olha, quando eu fizer meu filme Deus e o Diabo, quero que você faça a trilha”. Quando chegou a ocasião, ele me mandou o cordel que tinha escrito, o poema, para eu musicar. E como ele estava meio temeroso de algum plágio, porque era uma coisa muito original, não deixou ninguém ver o filme, nem sequer eu. “Como é que vou fazer a música de um filme que não estou vendo?”. Ele disse: “Deixa comigo”. Fiz do jeito que ele pediu, e não acreditei que fosse ficar muito bom, porque, na gravação, ele me fez berrar. Mas, quando vi o filme, levei um susto, porque não podia ser outra coisa. O Glauber tinha uma genialidade extraordinária. 

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Para você, esse processo de não assistir ao filme antes foi uma exceção feita ao Glauber?

Sim, porque são as imagens e a dramaturgia da história é que dão o sentido ao que você vai fazer. No caso do Glauber, não teve grandes problemas porque era só voz e violão. Era um cantador de feira, então não tinha o que escolher, era aquilo mesmo. Mas, nos outros filmes, não: tive de trabalhar a concepção da música. No meu filme A Noite do Espantalho, por exemplo, nasceu primeiro a música, depois veio o filme. É como estou fazendo com Estória de João Joana, trabalho meu com o Carlos Drummond de Andrade. Transformei isso num roteiro de filme, que pretendo fazer no ano que vem.

Para o Vidigal. Morro é cenário de 'Pé Sem Chão', novo curta de Sérgio Foto: Wilton Junior/Estadão
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É o único cordel escrito por Drummond, não?

Sim, é um belíssimo cordel. Nos anos 1980, ele me pediu para musicar, mandou os versos para mim. É o meu melhor trabalho musical até hoje. 

No caso de seus filmes, você costuma acumular as funções de diretor, roteirista, compositor, ator. Estar imerso na obra desse jeito facilita o trabalho?

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Eu deveria fazer cinema a vida toda. É que é uma arte caríssima e complicada. Como faço várias coisas de arte, no cinema, consigo colocar tudo. Direção de cinema seria o meu forte, mas a vida não quis me dar essa chance, então fui repartindo as coisas.

Existem dificuldades em se fazer cinema no Brasil...

Principalmente neste momento, porque, no tempo da Embrafilme e do Cinema Novo, foi o grande momento da cultura brasileira, não só no cinema, mas em todas as artes. Hoje virou uma coisa comercial. O filme de arte, a música de arte, o teatro de arte, nada disso acontece mais. É um pastiche difícil de digerir. E ficamos todos deslocados, ou se faz uma revolução cultural no País ou vamos esquecer que isso aqui tem alma. 

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Palmares, também no repertório do show, está em seu novo curta, Pé Sem Chão. É sua volta à favela. 

É um filme que fiz no morro do Vidigal. Fiz uma espécie de sequência da vida de uma lavadeira que encontra um rapaz doente na rua e cuida dele no barraco. Então, aparece o dono da terra querendo o barraco para derrubar porque vai ser construída outra coisa no local. 

Os DVDs de seus filmes estão sendo lançados. Isso é uma forma de organizar sua obra cinematográfica?

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Tenho um grande defeito que é a coisa da produção. É que, depois que resolvo a criação de um trabalho, me dá uma preguiça danada de tratar do resto, saber como vai lançar, fazer contrato. Quando acabava um trabalho, eu partia para outro, e esse é o grande problema para quem faz muitas artes. 

E em relação aos seus discos?

Está tudo meio largado. Mas tem uma pessoa que resolveu remasterizar meus álbuns. Mas eu realmente não persigo isso. Minha alegria é ficar fazendo.

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REPERTÓRIO

‘Estória de João Joana’ (cordel de Carlos Drummond de Andrade)

‘Canção do Espantalho’ (de ‘A Noite do Espantalho’, de Sérgio Ricardo – 1974)

‘Enquanto a tristeza não vem’ (de ‘Menino da Calça Branca’, de Sérgio Ricardo – 1961)

‘Mundo velho’ (de ‘Juliana do Amor Perdido’, de Sérgio Ricardo – 1968)

‘A Fábrica’ (‘Esse mundo é meu’, de Sérgio Ricardo – 1964)

‘Palmares’ (do inédito curta ‘Pé Sem Chão’, de Sérgio Ricardo – 2014)

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (do filme de Glauber Rocha – 1964)

DVDs resgatam sua filmografia

O show de segunda-feira também marca o lançamento de quatro filmes de Sérgio Ricardo em DVD, pela editora Lume Filmes: o curta Menino da Calça Branca (1961), além dos longas-metragens Esse Mundo é Meu (1964), Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1974). 

Veja o trailer de Pé Sem Chão:

Quando menino, Sérgio Ricardo gostava de admirar o quadro de uma loja e, quando ia para casa, sonhava em um dia conseguir fazer música inspirada numa foto. Aquilo já era querer fazer cinema. Anos depois, Sérgio assinava a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – ele na música e Glauber nas letras. Além de compor trilhas para o cinema, o músico da bossa nova – e um dos protagonistas do Festival de Música de 67 – é também cineasta, roteirista e ator. Com um novo curta, Pé Sem Chão, no Festival do Rio, Sérgio, aos 82 anos, lança seus filmes em DVD e revisita as trilhas que compôs, nesta segunda-feira, 6, às 21h, no show Cinema na Música, no Theatro Net Rio.

Sua música em Deus e o Diabo na Terra no Sol está no repertório do show. Fale dessa parceria com Glauber Rocha.

Logo que a gente se conheceu, o Glauber já veio com essa conversa para mim: “Olha, quando eu fizer meu filme Deus e o Diabo, quero que você faça a trilha”. Quando chegou a ocasião, ele me mandou o cordel que tinha escrito, o poema, para eu musicar. E como ele estava meio temeroso de algum plágio, porque era uma coisa muito original, não deixou ninguém ver o filme, nem sequer eu. “Como é que vou fazer a música de um filme que não estou vendo?”. Ele disse: “Deixa comigo”. Fiz do jeito que ele pediu, e não acreditei que fosse ficar muito bom, porque, na gravação, ele me fez berrar. Mas, quando vi o filme, levei um susto, porque não podia ser outra coisa. O Glauber tinha uma genialidade extraordinária. 

Para você, esse processo de não assistir ao filme antes foi uma exceção feita ao Glauber?

Sim, porque são as imagens e a dramaturgia da história é que dão o sentido ao que você vai fazer. No caso do Glauber, não teve grandes problemas porque era só voz e violão. Era um cantador de feira, então não tinha o que escolher, era aquilo mesmo. Mas, nos outros filmes, não: tive de trabalhar a concepção da música. No meu filme A Noite do Espantalho, por exemplo, nasceu primeiro a música, depois veio o filme. É como estou fazendo com Estória de João Joana, trabalho meu com o Carlos Drummond de Andrade. Transformei isso num roteiro de filme, que pretendo fazer no ano que vem.

Para o Vidigal. Morro é cenário de 'Pé Sem Chão', novo curta de Sérgio Foto: Wilton Junior/Estadão

É o único cordel escrito por Drummond, não?

Sim, é um belíssimo cordel. Nos anos 1980, ele me pediu para musicar, mandou os versos para mim. É o meu melhor trabalho musical até hoje. 

No caso de seus filmes, você costuma acumular as funções de diretor, roteirista, compositor, ator. Estar imerso na obra desse jeito facilita o trabalho?

Eu deveria fazer cinema a vida toda. É que é uma arte caríssima e complicada. Como faço várias coisas de arte, no cinema, consigo colocar tudo. Direção de cinema seria o meu forte, mas a vida não quis me dar essa chance, então fui repartindo as coisas.

Existem dificuldades em se fazer cinema no Brasil...

Principalmente neste momento, porque, no tempo da Embrafilme e do Cinema Novo, foi o grande momento da cultura brasileira, não só no cinema, mas em todas as artes. Hoje virou uma coisa comercial. O filme de arte, a música de arte, o teatro de arte, nada disso acontece mais. É um pastiche difícil de digerir. E ficamos todos deslocados, ou se faz uma revolução cultural no País ou vamos esquecer que isso aqui tem alma. 

Palmares, também no repertório do show, está em seu novo curta, Pé Sem Chão. É sua volta à favela. 

É um filme que fiz no morro do Vidigal. Fiz uma espécie de sequência da vida de uma lavadeira que encontra um rapaz doente na rua e cuida dele no barraco. Então, aparece o dono da terra querendo o barraco para derrubar porque vai ser construída outra coisa no local. 

Os DVDs de seus filmes estão sendo lançados. Isso é uma forma de organizar sua obra cinematográfica?

Tenho um grande defeito que é a coisa da produção. É que, depois que resolvo a criação de um trabalho, me dá uma preguiça danada de tratar do resto, saber como vai lançar, fazer contrato. Quando acabava um trabalho, eu partia para outro, e esse é o grande problema para quem faz muitas artes. 

E em relação aos seus discos?

Está tudo meio largado. Mas tem uma pessoa que resolveu remasterizar meus álbuns. Mas eu realmente não persigo isso. Minha alegria é ficar fazendo.

REPERTÓRIO

‘Estória de João Joana’ (cordel de Carlos Drummond de Andrade)

‘Canção do Espantalho’ (de ‘A Noite do Espantalho’, de Sérgio Ricardo – 1974)

‘Enquanto a tristeza não vem’ (de ‘Menino da Calça Branca’, de Sérgio Ricardo – 1961)

‘Mundo velho’ (de ‘Juliana do Amor Perdido’, de Sérgio Ricardo – 1968)

‘A Fábrica’ (‘Esse mundo é meu’, de Sérgio Ricardo – 1964)

‘Palmares’ (do inédito curta ‘Pé Sem Chão’, de Sérgio Ricardo – 2014)

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (do filme de Glauber Rocha – 1964)

DVDs resgatam sua filmografia

O show de segunda-feira também marca o lançamento de quatro filmes de Sérgio Ricardo em DVD, pela editora Lume Filmes: o curta Menino da Calça Branca (1961), além dos longas-metragens Esse Mundo é Meu (1964), Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1974). 

Veja o trailer de Pé Sem Chão:

Quando menino, Sérgio Ricardo gostava de admirar o quadro de uma loja e, quando ia para casa, sonhava em um dia conseguir fazer música inspirada numa foto. Aquilo já era querer fazer cinema. Anos depois, Sérgio assinava a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – ele na música e Glauber nas letras. Além de compor trilhas para o cinema, o músico da bossa nova – e um dos protagonistas do Festival de Música de 67 – é também cineasta, roteirista e ator. Com um novo curta, Pé Sem Chão, no Festival do Rio, Sérgio, aos 82 anos, lança seus filmes em DVD e revisita as trilhas que compôs, nesta segunda-feira, 6, às 21h, no show Cinema na Música, no Theatro Net Rio.

Sua música em Deus e o Diabo na Terra no Sol está no repertório do show. Fale dessa parceria com Glauber Rocha.

Logo que a gente se conheceu, o Glauber já veio com essa conversa para mim: “Olha, quando eu fizer meu filme Deus e o Diabo, quero que você faça a trilha”. Quando chegou a ocasião, ele me mandou o cordel que tinha escrito, o poema, para eu musicar. E como ele estava meio temeroso de algum plágio, porque era uma coisa muito original, não deixou ninguém ver o filme, nem sequer eu. “Como é que vou fazer a música de um filme que não estou vendo?”. Ele disse: “Deixa comigo”. Fiz do jeito que ele pediu, e não acreditei que fosse ficar muito bom, porque, na gravação, ele me fez berrar. Mas, quando vi o filme, levei um susto, porque não podia ser outra coisa. O Glauber tinha uma genialidade extraordinária. 

Para você, esse processo de não assistir ao filme antes foi uma exceção feita ao Glauber?

Sim, porque são as imagens e a dramaturgia da história é que dão o sentido ao que você vai fazer. No caso do Glauber, não teve grandes problemas porque era só voz e violão. Era um cantador de feira, então não tinha o que escolher, era aquilo mesmo. Mas, nos outros filmes, não: tive de trabalhar a concepção da música. No meu filme A Noite do Espantalho, por exemplo, nasceu primeiro a música, depois veio o filme. É como estou fazendo com Estória de João Joana, trabalho meu com o Carlos Drummond de Andrade. Transformei isso num roteiro de filme, que pretendo fazer no ano que vem.

Para o Vidigal. Morro é cenário de 'Pé Sem Chão', novo curta de Sérgio Foto: Wilton Junior/Estadão

É o único cordel escrito por Drummond, não?

Sim, é um belíssimo cordel. Nos anos 1980, ele me pediu para musicar, mandou os versos para mim. É o meu melhor trabalho musical até hoje. 

No caso de seus filmes, você costuma acumular as funções de diretor, roteirista, compositor, ator. Estar imerso na obra desse jeito facilita o trabalho?

Eu deveria fazer cinema a vida toda. É que é uma arte caríssima e complicada. Como faço várias coisas de arte, no cinema, consigo colocar tudo. Direção de cinema seria o meu forte, mas a vida não quis me dar essa chance, então fui repartindo as coisas.

Existem dificuldades em se fazer cinema no Brasil...

Principalmente neste momento, porque, no tempo da Embrafilme e do Cinema Novo, foi o grande momento da cultura brasileira, não só no cinema, mas em todas as artes. Hoje virou uma coisa comercial. O filme de arte, a música de arte, o teatro de arte, nada disso acontece mais. É um pastiche difícil de digerir. E ficamos todos deslocados, ou se faz uma revolução cultural no País ou vamos esquecer que isso aqui tem alma. 

Palmares, também no repertório do show, está em seu novo curta, Pé Sem Chão. É sua volta à favela. 

É um filme que fiz no morro do Vidigal. Fiz uma espécie de sequência da vida de uma lavadeira que encontra um rapaz doente na rua e cuida dele no barraco. Então, aparece o dono da terra querendo o barraco para derrubar porque vai ser construída outra coisa no local. 

Os DVDs de seus filmes estão sendo lançados. Isso é uma forma de organizar sua obra cinematográfica?

Tenho um grande defeito que é a coisa da produção. É que, depois que resolvo a criação de um trabalho, me dá uma preguiça danada de tratar do resto, saber como vai lançar, fazer contrato. Quando acabava um trabalho, eu partia para outro, e esse é o grande problema para quem faz muitas artes. 

E em relação aos seus discos?

Está tudo meio largado. Mas tem uma pessoa que resolveu remasterizar meus álbuns. Mas eu realmente não persigo isso. Minha alegria é ficar fazendo.

REPERTÓRIO

‘Estória de João Joana’ (cordel de Carlos Drummond de Andrade)

‘Canção do Espantalho’ (de ‘A Noite do Espantalho’, de Sérgio Ricardo – 1974)

‘Enquanto a tristeza não vem’ (de ‘Menino da Calça Branca’, de Sérgio Ricardo – 1961)

‘Mundo velho’ (de ‘Juliana do Amor Perdido’, de Sérgio Ricardo – 1968)

‘A Fábrica’ (‘Esse mundo é meu’, de Sérgio Ricardo – 1964)

‘Palmares’ (do inédito curta ‘Pé Sem Chão’, de Sérgio Ricardo – 2014)

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (do filme de Glauber Rocha – 1964)

DVDs resgatam sua filmografia

O show de segunda-feira também marca o lançamento de quatro filmes de Sérgio Ricardo em DVD, pela editora Lume Filmes: o curta Menino da Calça Branca (1961), além dos longas-metragens Esse Mundo é Meu (1964), Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1974). 

Veja o trailer de Pé Sem Chão:

Quando menino, Sérgio Ricardo gostava de admirar o quadro de uma loja e, quando ia para casa, sonhava em um dia conseguir fazer música inspirada numa foto. Aquilo já era querer fazer cinema. Anos depois, Sérgio assinava a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – ele na música e Glauber nas letras. Além de compor trilhas para o cinema, o músico da bossa nova – e um dos protagonistas do Festival de Música de 67 – é também cineasta, roteirista e ator. Com um novo curta, Pé Sem Chão, no Festival do Rio, Sérgio, aos 82 anos, lança seus filmes em DVD e revisita as trilhas que compôs, nesta segunda-feira, 6, às 21h, no show Cinema na Música, no Theatro Net Rio.

Sua música em Deus e o Diabo na Terra no Sol está no repertório do show. Fale dessa parceria com Glauber Rocha.

Logo que a gente se conheceu, o Glauber já veio com essa conversa para mim: “Olha, quando eu fizer meu filme Deus e o Diabo, quero que você faça a trilha”. Quando chegou a ocasião, ele me mandou o cordel que tinha escrito, o poema, para eu musicar. E como ele estava meio temeroso de algum plágio, porque era uma coisa muito original, não deixou ninguém ver o filme, nem sequer eu. “Como é que vou fazer a música de um filme que não estou vendo?”. Ele disse: “Deixa comigo”. Fiz do jeito que ele pediu, e não acreditei que fosse ficar muito bom, porque, na gravação, ele me fez berrar. Mas, quando vi o filme, levei um susto, porque não podia ser outra coisa. O Glauber tinha uma genialidade extraordinária. 

Para você, esse processo de não assistir ao filme antes foi uma exceção feita ao Glauber?

Sim, porque são as imagens e a dramaturgia da história é que dão o sentido ao que você vai fazer. No caso do Glauber, não teve grandes problemas porque era só voz e violão. Era um cantador de feira, então não tinha o que escolher, era aquilo mesmo. Mas, nos outros filmes, não: tive de trabalhar a concepção da música. No meu filme A Noite do Espantalho, por exemplo, nasceu primeiro a música, depois veio o filme. É como estou fazendo com Estória de João Joana, trabalho meu com o Carlos Drummond de Andrade. Transformei isso num roteiro de filme, que pretendo fazer no ano que vem.

Para o Vidigal. Morro é cenário de 'Pé Sem Chão', novo curta de Sérgio Foto: Wilton Junior/Estadão

É o único cordel escrito por Drummond, não?

Sim, é um belíssimo cordel. Nos anos 1980, ele me pediu para musicar, mandou os versos para mim. É o meu melhor trabalho musical até hoje. 

No caso de seus filmes, você costuma acumular as funções de diretor, roteirista, compositor, ator. Estar imerso na obra desse jeito facilita o trabalho?

Eu deveria fazer cinema a vida toda. É que é uma arte caríssima e complicada. Como faço várias coisas de arte, no cinema, consigo colocar tudo. Direção de cinema seria o meu forte, mas a vida não quis me dar essa chance, então fui repartindo as coisas.

Existem dificuldades em se fazer cinema no Brasil...

Principalmente neste momento, porque, no tempo da Embrafilme e do Cinema Novo, foi o grande momento da cultura brasileira, não só no cinema, mas em todas as artes. Hoje virou uma coisa comercial. O filme de arte, a música de arte, o teatro de arte, nada disso acontece mais. É um pastiche difícil de digerir. E ficamos todos deslocados, ou se faz uma revolução cultural no País ou vamos esquecer que isso aqui tem alma. 

Palmares, também no repertório do show, está em seu novo curta, Pé Sem Chão. É sua volta à favela. 

É um filme que fiz no morro do Vidigal. Fiz uma espécie de sequência da vida de uma lavadeira que encontra um rapaz doente na rua e cuida dele no barraco. Então, aparece o dono da terra querendo o barraco para derrubar porque vai ser construída outra coisa no local. 

Os DVDs de seus filmes estão sendo lançados. Isso é uma forma de organizar sua obra cinematográfica?

Tenho um grande defeito que é a coisa da produção. É que, depois que resolvo a criação de um trabalho, me dá uma preguiça danada de tratar do resto, saber como vai lançar, fazer contrato. Quando acabava um trabalho, eu partia para outro, e esse é o grande problema para quem faz muitas artes. 

E em relação aos seus discos?

Está tudo meio largado. Mas tem uma pessoa que resolveu remasterizar meus álbuns. Mas eu realmente não persigo isso. Minha alegria é ficar fazendo.

REPERTÓRIO

‘Estória de João Joana’ (cordel de Carlos Drummond de Andrade)

‘Canção do Espantalho’ (de ‘A Noite do Espantalho’, de Sérgio Ricardo – 1974)

‘Enquanto a tristeza não vem’ (de ‘Menino da Calça Branca’, de Sérgio Ricardo – 1961)

‘Mundo velho’ (de ‘Juliana do Amor Perdido’, de Sérgio Ricardo – 1968)

‘A Fábrica’ (‘Esse mundo é meu’, de Sérgio Ricardo – 1964)

‘Palmares’ (do inédito curta ‘Pé Sem Chão’, de Sérgio Ricardo – 2014)

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (do filme de Glauber Rocha – 1964)

DVDs resgatam sua filmografia

O show de segunda-feira também marca o lançamento de quatro filmes de Sérgio Ricardo em DVD, pela editora Lume Filmes: o curta Menino da Calça Branca (1961), além dos longas-metragens Esse Mundo é Meu (1964), Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1974). 

Veja o trailer de Pé Sem Chão:

Quando menino, Sérgio Ricardo gostava de admirar o quadro de uma loja e, quando ia para casa, sonhava em um dia conseguir fazer música inspirada numa foto. Aquilo já era querer fazer cinema. Anos depois, Sérgio assinava a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – ele na música e Glauber nas letras. Além de compor trilhas para o cinema, o músico da bossa nova – e um dos protagonistas do Festival de Música de 67 – é também cineasta, roteirista e ator. Com um novo curta, Pé Sem Chão, no Festival do Rio, Sérgio, aos 82 anos, lança seus filmes em DVD e revisita as trilhas que compôs, nesta segunda-feira, 6, às 21h, no show Cinema na Música, no Theatro Net Rio.

Sua música em Deus e o Diabo na Terra no Sol está no repertório do show. Fale dessa parceria com Glauber Rocha.

Logo que a gente se conheceu, o Glauber já veio com essa conversa para mim: “Olha, quando eu fizer meu filme Deus e o Diabo, quero que você faça a trilha”. Quando chegou a ocasião, ele me mandou o cordel que tinha escrito, o poema, para eu musicar. E como ele estava meio temeroso de algum plágio, porque era uma coisa muito original, não deixou ninguém ver o filme, nem sequer eu. “Como é que vou fazer a música de um filme que não estou vendo?”. Ele disse: “Deixa comigo”. Fiz do jeito que ele pediu, e não acreditei que fosse ficar muito bom, porque, na gravação, ele me fez berrar. Mas, quando vi o filme, levei um susto, porque não podia ser outra coisa. O Glauber tinha uma genialidade extraordinária. 

Para você, esse processo de não assistir ao filme antes foi uma exceção feita ao Glauber?

Sim, porque são as imagens e a dramaturgia da história é que dão o sentido ao que você vai fazer. No caso do Glauber, não teve grandes problemas porque era só voz e violão. Era um cantador de feira, então não tinha o que escolher, era aquilo mesmo. Mas, nos outros filmes, não: tive de trabalhar a concepção da música. No meu filme A Noite do Espantalho, por exemplo, nasceu primeiro a música, depois veio o filme. É como estou fazendo com Estória de João Joana, trabalho meu com o Carlos Drummond de Andrade. Transformei isso num roteiro de filme, que pretendo fazer no ano que vem.

Para o Vidigal. Morro é cenário de 'Pé Sem Chão', novo curta de Sérgio Foto: Wilton Junior/Estadão

É o único cordel escrito por Drummond, não?

Sim, é um belíssimo cordel. Nos anos 1980, ele me pediu para musicar, mandou os versos para mim. É o meu melhor trabalho musical até hoje. 

No caso de seus filmes, você costuma acumular as funções de diretor, roteirista, compositor, ator. Estar imerso na obra desse jeito facilita o trabalho?

Eu deveria fazer cinema a vida toda. É que é uma arte caríssima e complicada. Como faço várias coisas de arte, no cinema, consigo colocar tudo. Direção de cinema seria o meu forte, mas a vida não quis me dar essa chance, então fui repartindo as coisas.

Existem dificuldades em se fazer cinema no Brasil...

Principalmente neste momento, porque, no tempo da Embrafilme e do Cinema Novo, foi o grande momento da cultura brasileira, não só no cinema, mas em todas as artes. Hoje virou uma coisa comercial. O filme de arte, a música de arte, o teatro de arte, nada disso acontece mais. É um pastiche difícil de digerir. E ficamos todos deslocados, ou se faz uma revolução cultural no País ou vamos esquecer que isso aqui tem alma. 

Palmares, também no repertório do show, está em seu novo curta, Pé Sem Chão. É sua volta à favela. 

É um filme que fiz no morro do Vidigal. Fiz uma espécie de sequência da vida de uma lavadeira que encontra um rapaz doente na rua e cuida dele no barraco. Então, aparece o dono da terra querendo o barraco para derrubar porque vai ser construída outra coisa no local. 

Os DVDs de seus filmes estão sendo lançados. Isso é uma forma de organizar sua obra cinematográfica?

Tenho um grande defeito que é a coisa da produção. É que, depois que resolvo a criação de um trabalho, me dá uma preguiça danada de tratar do resto, saber como vai lançar, fazer contrato. Quando acabava um trabalho, eu partia para outro, e esse é o grande problema para quem faz muitas artes. 

E em relação aos seus discos?

Está tudo meio largado. Mas tem uma pessoa que resolveu remasterizar meus álbuns. Mas eu realmente não persigo isso. Minha alegria é ficar fazendo.

REPERTÓRIO

‘Estória de João Joana’ (cordel de Carlos Drummond de Andrade)

‘Canção do Espantalho’ (de ‘A Noite do Espantalho’, de Sérgio Ricardo – 1974)

‘Enquanto a tristeza não vem’ (de ‘Menino da Calça Branca’, de Sérgio Ricardo – 1961)

‘Mundo velho’ (de ‘Juliana do Amor Perdido’, de Sérgio Ricardo – 1968)

‘A Fábrica’ (‘Esse mundo é meu’, de Sérgio Ricardo – 1964)

‘Palmares’ (do inédito curta ‘Pé Sem Chão’, de Sérgio Ricardo – 2014)

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (do filme de Glauber Rocha – 1964)

DVDs resgatam sua filmografia

O show de segunda-feira também marca o lançamento de quatro filmes de Sérgio Ricardo em DVD, pela editora Lume Filmes: o curta Menino da Calça Branca (1961), além dos longas-metragens Esse Mundo é Meu (1964), Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1974). 

Veja o trailer de Pé Sem Chão:

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