Os diretores Steven Soderbergh e Amy Seimetz tinham se preparado para um primeiro semestre bem importante. A estreia do filme de Amy, She Dies Tomorrow, estava planejada para acontecer no festival de cinema South by Southwest em março, então, ela iria para Detroit para atuar no drama criminal de Soderbergh, Kill Switch.
Aqueles eram planos pré-pandemia, claro. À medida que a propagação do novo coronavírus pelos Estados Unidos atingiu níveis alarmantes, o South by Southwest foi cancelado e Kill Switch foi suspenso duas semanas antes de começar a ser rodado. Hollywood havia parado.
"Eu sabia que nada voltaria ao normal tão cedo", disse Amy. "Foi um processo interessante ver todos encarando os fatos".
Mas uma coisa engraçada aconteceu com Soderbergh e Amy no confinamento, pois dois de seus filmes encontraram nova ressonância durante a era da covid-19. Contágio, o thriller pandêmico de Soderbergh de 2011, estrelado por Matt Damon, subiu posições no ranking de filmes alugados pelo iTunes em março, enquanto She Dies Tomorrow, recém-lançado em cinemas drive-ins e no modo digital nos Estados Unidos, oferece uma visão mais subjetiva de um vírus: uma jovem ansiosa (Kate Lyn Sheil) está convencida de que morrerá no dia seguinte e, qualquer pessoa para quem ela conta isso, logo é dominada pela mesma assustadora profecia.
"Contágio é incansavelmente objetivo em seu estilo e em sua estrutura formal, enquanto o filme de Amy, desde a concepção, é esse tipo de sonho febril tanto em seu estilo quanto em sua narrativa", disse-me Soderbergh recentemente durante uma chamada por Zoom com Amy, cujo tema foi a pandemia. "É interessante para mim como um exemplo de como você pode dar a artistas a mesma ideia central e eles se destacarão por duas tangentes completamente diferentes apenas por serem quem são".
Estes são trechos editados da nossa conversa.
Como foram os primeiros meses de lockdown para vocês dois?
STEVEN SODERBERGH: Em janeiro, eu sabia, conversando com meus amigos do mundo da epidemiologia, que isso era sério. Eu telefonava para eles e dizia: "Então, o que você acha?" e o que diziam era "Vai ser ruim". Mas você está tentando equilibrar essas reações primordiais e muito conflitantes ao que está acontecendo com o vírus e seu próprio avanço na carreira, por isso é uma colisão realmente estranha entre seu dever cívico e seu ego. Eu tive momentos em que tentei me controlar.
AMY SEIMETZ: Outra coisa que evoluiu foram minhas conversas com executivos. No começo, eles diziam: "Não estamos mais no escritório, por isso vamos ligar para você o tempo todo e perguntar quando as coisas estarão prontas". Foi interessante ver como todas essas ligações foram interrompidas pelo silêncio, o que eu prefiro porque me permite fazer meu trabalho. O outro lado disso é que eu tenho um freezer inteiro com um estoque de vegetais desde o início da quarentena. Como suprimentos vitalícios de lentilhas.
O que você achou de todas as pessoas que sentiram vontade de assistir a 'Contágio' durante os primeiros dias da pandemia?
SODERBERGH: Isso levanta uma questão maior a respeito de por que temos essa atração por filmes de desastre. Por que esse tipo de imagem, esse espetáculo de destruição é tão atraente para nós? É pura fantasia ou é algo mais sombrio que nos atinge?
AMY: Eu tenho uma teoria em relação a isso, porque eu realmente me testemunhei fazendo isso. Quando a pandemia começou, com o intuito de não me sentir ansiosa, eu estava assistindo qualquer bobagem como Brincando com Fogo e Casamento às Cegas e eu pensava: "Por que me sinto tão indisposta depois? Estou apenas tentando me distrair do que está acontecendo. " E então eu fiquei tipo, 'Eu vou assistir After Life, com Ricky Gervais'" e eu ficava chorando o tempo todo, mas me senti muito melhor!
Eu precisava sentir essas emoções, como perda, tristeza e medo. Eu acho que reprimi-las deixa você mais ansioso, então há um elemento catártico em assistir algo como Contágio, que achei estranhamente reconfortante.
Steven, achei essa opinião sobre 'Contágio' publicada em 2011: 'É um dos filmes mais precisos que já vi acerca de doenças infecciosas de qualquer tipo ... muito dramático, tenso, emocionante'. Você sabe quem disse isso a respeito do filme?
SODERBERGH: Não, quem?
Foi Anthony Fauci.
SODERBERGH: Uau! Isso é bom. Tentamos ser realmente rigorosos com o caráter científico, obviamente, e acho que posso defender a maior parte disso. A maior presunção em que acabamos cedendo foi a rapidez com que a vacina foi encontrada - comprimimos bastante essa linha do tempo, especialmente considerando o que era tecnologicamente possível na época.
Há algo acontecendo agora que você não previa ao fazer o filme?
SODERBERGH: O que eu não poderia ter previsto era a ruptura da sociedade que ela geraria e todas as coisas que ela exporia quando atingisse seu ponto crítico, por assim dizer. Eu não previa que isso revelaria tão claramente o tipo de disparidade econômica que temos consciência intelectualmente, mas muitos de nós somos capazes de nos isolar para não sermos diretamente afetados. Agora, ninguém escapa disso. Existem muito poucas pessoas cujas vidas não serão completamente alteradas pela covid-19.
A outra coisa com a qual estamos lidando, que o filme não aborda por causa de seu foco, é o efeito psicológico geral sobre o público por causa de um evento como esse. Uma cura, uma vacina, terapias atenuantes - tudo isso é extremamente importante, mas haverá um preço psicológico incrível que teremos que descobrir como lidar. Não é como se pudéssemos apertar um botão e fazer com que nunca tivesse acontecido.
O filme de Amy é mais sobre esse preço psicológico e a rapidez com que a ansiedade pode se tornar contagiosa.
AMY: A parte complicada da ansiedade é compartilhar que você pode deixar outras pessoas ansiosas, e há um sentimento de que você as está sobrecarregando ao fazer isso. Sua ansiedade se torna a ansiedade delas, de uma maneira que é muito literal neste filme. Também aconteceu com o ciclo de notícias: eu me vi completamente viciada nos noticiários, ficando ansiosa com isso e os assistindo compulsivamente mais. Portanto, também se trata de novos ciclos de disseminação do pânico e de apego ao pânico.
Steven, você está dirigindo um comitê da Directors Guild para descobrir como fazer com que Hollywood volte ao trabalho com segurança. Quais são os problemas que vocês estão enfrentando?
SODERBERGH: Acho que o maior problema agora é por causa do ressurgimento [do vírus], como obtemos acesso aos recursos e ao pessoal necessário para realizar esses protocolos para manter um set seguro? Uma coisa é fazer um ou dois projetos e ver como as coisas funcionam, mas há um movimento nas últimas duas ou três semanas para fazer com que muitas produções voltem a funcionar ao mesmo tempo. Isso vai ser complicado.
No caso do beisebol, eles voltaram a trabalhar, mas já houve um surto bastante significativo. Hollywood poderia enfrentar o mesmo risco?
SODERBERGH: Depois de passar o final de semana muito feliz assistindo beisebol, eu não estava feliz com os Marlins, mas acho que é uma situação muito mais difícil do que estamos enfrentando devido à natureza do jogo e ao fato de que eles estão viajando por todos os lugares. Em uma produção, temos a capacidade de controlar como nos movemos, para onde nos movemos, quantas pessoas vêm conosco - é algo que pode ser manipulado para manter as pessoas seguras.
Eu acho que se pudermos suportar a sobretaxa econômica que virá com a manutenção de uma produção segura - que eu estimo entre 15% a 20% do orçamento, dependendo do projeto - e se pudermos reduzi-la com bastante rapidez, então sei que podemos manter as pessoas seguras. Se você seguir esses protocolos que vamos finalizar, sinto-me bastante confiante em dizer que você não vai adoecer no trabalho. Se você ficou doente enquanto trabalhava em um de nossos projetos, foi durante as 12 ou 14 horas em que não estava no set e ninguém podia controlar seu comportamento. Esse vai ser o desafio, todo esse tempo de inatividade quando você não sabe o que as pessoas estão fazendo.
Mas o que acontece se as pessoas ficarem doentes nesse período de inatividade e depois forem ao set?
SODERBERGH: Veja, é algo complexo, mas Joel Coen está filmando Macbeth em Los Angeles agora, e há uma pessoa da equipe que tem controlado uma agenda bem detalhada. E parece estar funcionando! Eles estão usando o teste rápido, que não é tão preciso quanto o PCR, mas compensam isso testando muito: oito vezes a cada semana de trabalho de cinco dias. Essa é uma boa abordagem.
TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA