No filme Loucas Pra Casar, ela é a dançarina de pole dance Lúcia, em eterna paranoia para subir logo ao altar. Já em outro longa completamente diferente, Casa Grande, ela é Sônia, mulher da alta burguesia carioca que enfrenta a falência financeira da família. Dois papéis muito distintos, que comprovam a versatilidade da atriz Suzana Pires – da comédia rasgada ao drama social, ela compõe personagens praticamente opostos com idênticas delicadeza e precisão. “Uma trama bem contada é um dos segredos do sucesso de uma história”, acredita ela, que fala com tranquilidade – também roteirista e dramaturga, Suzana conhece como poucos atores os meandros de um enredo, seus segredos e suas ameaças. “Por conta disso, gosto de planejar muito, sou obcecada para ter tudo preparado”, garante ela, que vai fazer par com Marcello Novaes (seu companheiro em Casa Grande) na próxima novela das 21 h da Globo, A Regra do Jogo, que estreia em agosto.
As duas carreiras sempre seguiram paralelamente. Menina prodígio, Suzana já encantava a família com apresentações até que, ao completar 15 anos, decidiu ser atriz profissional. “Meus pais me apoiaram, mas com três condições: fazer faculdade, falar inglês e aprender a nadar”, diverte-se ela, que cumpriu à risca a promessa: formou-se em filosofia, é exímia no idioma de Shakespeare e, não apenas nada bem, como foi salva-vidas.
A carreira artística começou no Tablado, célebre escola de interpretação do Rio de Janeiro. Suzana também se aperfeiçoou com aulas com a também atriz Camila Amado. Logo, surgiu o primeiro convite: participar da novela Tocaia Grande, da extinta TV Manchete, em 1995, sob a direção de Walter Avancini. “Foi um primeiro aprendizado, pois, com Avancini, era tudo ou nada. Ele era radical em algumas atitudes.”
Conselhos de Redford
Se a primeira experiência na televisão parecia indicar o caminho da sua carreira, Suzana Pires deu uma tremenda guinada – o diretor Walter Avancini lhe apresentou diversos caminhos, mas conhecimento da pesada, mesmo, ela adquiriu no passo seguinte de sua trajetória artística: viajou à Europa onde acompanhou, na Noruega, um festival dedicado a Ibsen. Rodou ainda pela Escandinávia. Não satisfeita, foi a Paris, conhecer de perto a vivência do Theatre du Soleil. “Foi muito produtivo porque, ao mesmo tempo, eu escrevia bastante”, conta Suzana que, no Brasil, durante seu curso de filosofia na PUC carioca, se aprofundou nas tragédias gregas. “Meu ponto de vista sempre foi privilegiar a observação, o ambiente artístico, e como isso pode ser envolvente.”
Em um meio tão efervescente, Suzana apostou alto nas ousadias artísticas, como transportar a filosofia de O Banquete, de Platão, para a dramaturgia. Também verteu para o palco o prólogo de Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche. E isso com apenas 22 anos de idade. “Os professores incentivavam e eu não via barreiras para levar uma arte para a outra”, conta ela que, por conta disso, sedimentou um sólido conhecimento da narrativa teatral.
Engana-se quem esperava uma aposta em uma carreira mais intelectualizada – ao mesmo tempo em que se aprofundava na angústia humana retratada por nórdicos e antigos gregos, Suzana aceitou o convite dos diretores Maurício Farias e José Alvarenga para participar de episódios do seriado A Grande Família. Além de fazer novas experimentações, a atriz conheceu a máquina por dentro. “Descobri como funciona a engrenagem da Globo”, conta. Foi nessa época também, em 2006, que Suzana se aventurou pelo monólogo e conquistou um enorme sucesso com De Perto, Ela Não É Normal! No palco, a história de uma brasileira comum, também chamada Suzana, que tenta acertar nas suas escolhas na vida e acaba passando por numerosas aventuras. Vivendo dez tipos diferentes, a atriz discute as opções que as pessoas são obrigadas a fazer ao longo da existência. “Fiquei seis anos em cartaz, viajando com o espetáculo e até lancei um DVD comemorativo em 2011”, recorda.
Ao exercer a verve humorística, Suzana atiçou a atenção dos profissionais do riso na TV. Assim, ao voltar à telinha, fez participações em programas como Zorra Total, Turma do Didi, além dos seriados criados e dirigidos por Miguel Falabella como Toma Lá Dá Cá. Também colaborou nos roteiros de Os Caras de Pau, programa com Leandro Hassum e Marcius Melhem. E, como fazer graça não parecia o suficiente, Suzana também apareceu em novelas (Caras & Bocas, Fina Estampa, Araguaia) e seriado (Força-tarefa).
“Quis experimentar: em Caras & Bocas, testei meu sotaque baiano e, em Araguaia, aprendi ao observar as mulheres que viviam à beira do rio”, explica ela, que também foi contratada pela produtora Conspiração como autora de A Espectadora, série para a qual escreveu mais de 90 episódios, exibidos pelo Multishow.
Na balança entre atuar e escrever, Suzana conta que estar em cena é decisivo. “Quem conduz o processo é a atriz. Se não estou encenando algo, as coisas não funcionam, pois me sinto desorganizada”, conta. “No início, era difícil conciliar tudo, mas aprendi a me organizar. Descobri a necessidade de ter foco, concentração e estipular prioridades. Assim, se estou decorando texto, não escrevo, e vice-versa.”
Logo percebeu também uma afinidade na forma de trabalhar e no conteúdo dos textos de Walther Negrão. “Ele escreve em um sentido muito vertical e com um estilo de humor muito parecido com o meu”, explica Suzana. “Seu texto tem leveza e Walther gosta de trabalhar ao lado dos diretores de suas novelas, sem impor uma distância.” Tal proximidade resultou em colaborações como Flor do Caribe (leia abaixo), assim como em projetos futuros – juntos, já escreveram a minissérie A Dama da Noite, que a Globo deve produzir no próximo ano.
Escrever e atuar são indissociáveis para Suzana. Praticamente, todos seus trabalhos têm sinais dessa parceria. E, em alguns momentos, ela consegue ir além do que imaginava. Foi assim com o filme Casa Grande, dirigido por Fellipe Barbosa. O roteiro do longa foi escolhido para participar do Sundance Lab, encontro promovido pelo ator Robert Redford em seu rancho, em Utah, nos Estados Unidos. Lá, em completa imersão, se reúnem artistas de todas as categorias (iluminadores, diretores de fotografia, cenógrafos etc.) para trabalharem em roteiros promissores.
“Eu era a única atriz presente e recebi conselhos preciosos do próprio Redford, que ajudaram a transformar minha personagem, Sônia, em uma mulher mais doce, menos dura”, lembra ela. “Ele disse adorar a fluidez emocional dos brasileiros.” O resultado é um dos grandes filmes nacionais do ano.
Ela foi atriz e autora de novela
O cinema abriga com mais facilidade autores que também atuam. Orson Welles, Roman Polanski são alguns exemplos notáveis, assim como Domingos Oliveira no Brasil. Já, na televisão, os nomes são mais raros e Suzana Pires foi uma exceção, em 2013, quando foi ao ar a novela Flor do Caribe.
Assinado por Walther Negrão, o folhetim contou com Suzana, Alessandro Marson, Júlio Fischer, Fausto Galvão e Vinícius Vianna, entre os colabores. A atriz também atuou no início e no fim da história, vivendo personagens distintos – no começo, foi Safira, cigana que foi vítima de Dionísio (Sérgio Mamberti) e lançou uma maldição sobre o vilão no passado. E, no final da novela, ela interpretou Aurora Zambar, advogada de uma organização que investiga os crimes cometidos por nazistas na 2.ª Guerra Mundial. Detalhe: Aurora é bisneta de Safira.
Suzana chegou a escrever algumas cenas para seus personagens. “Na verdade, escrevi poucas – a maioria foi criada pelo Júlio Fischer e sempre sob a supervisão de Negrão”, conta ela, que passou a viver integralmente para Flor do Caribe, durante o período em que a novela esteve no ar. “A atriz e a autora se misturaram, o que resultou em uma soma artística interessante, que sempre busquei.”
Também o trabalho de interpretação de dois personagens exigiu mais cuidado. Suzana conta ter feito uma pesquisa sobre ciganos que foi útil nas cenas de flashback. “Também me deu mais segurança para entrar em cena.”