Certo dia, o diretor e roteirista Marcos Bernstein começou a se questionar o que ele deveria ter feito em determinadas situações de violência que viveu. Deveria ter reagido? Deveria ter ido atrás e se vingado? Esses questionamentos não fizeram nascer exatamente um desejo de violência, mas a vontade de trazer essas ideias e reflexões em um filme. O resultado é o thriller de ação Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança, em cartaz nos cinemas do Brasil.
Os questionamentos e dúvidas de Bernstein são personificados na figura de Carla (Cláudia Abreu), uma mulher que decide ir atrás do homem que matou sua filha durante um assalto frustrado. No entanto, com reflexões nascidas a partir de conversas com a terapeuta (Júlia Lemmertz), entende que o buraco é mais embaixo. “É um filme de ação para a gente poder elaborar temas controversos como lidar com a violência, a questão do uso da arma de fogo, do olho por olho e dente por dente, do justiceiro”, diz Abreu ao Estadão. “O primeiro instinto é querer se vingar, mas ir de encontro com a barbárie é uma situação bem mais complexa”.
No caminho até essa temática, Marcos construiu uma carreira diversa, roteirizando filmes como Faroeste Caboclo, Chico Xavier e Central do Brasil. Como diretor, então, as coisas são ainda mais diferentes: até aqui, ele dirigiu filmes bem mais suaves, como Meu Pé de Laranja Lima e O Amor Dá Voltas. Em um primeiro momento, assim, Tempos de Barbárie parece ser um filme que destoa totalmente do que Marcos Bernstein fez até aqui. Será?
“Dos filmes que eu dirigi, todos são sobre a busca pelo afeto e, de alguma forma, os personagens encontram isso no final. Este filme aqui é o contrário”, diz o diretor. “Tempos de Barbárie é sobre alguém que encontrou os afetos que a maioria da população sonha em conquistar. Um amor sólido, uma filha linda, sucesso profissional. Até uma tragédia brasileira destruir isso, afetando o amor próprio dessa personagem. A busca pela vingança tem um componente autodestrutivo do seu afeto consigo mesmo”.
‘Tempos de Barbárie’ e a interpretação de cada um
Um ponto de atenção no filme de Bernstein é que, contando a história de uma justiceira que busca vingança a todo o custo, há espaço para que o filme seja incompreendido. Quem não percebe o absurdo do último terço do longa-metragem, por exemplo, pode achar que os caminhos de Cláudia são acertados e que, talvez, a resposta seja mesmo a vingança total.
Sobre isso, Bernstein primeiro alerta que filmes de vingança existem no mundo todo e não há motivo para o Brasil ficar de fora disso. “Eles são clássicos do cinema, desde Desejo de Matar até vários contemporâneos, como Liam Neeson, além dos filmes asiáticos”, explica o cineasta. “É um gênero que dá curiosidade para trabalhar como cineasta, já que você pode ir se embebedando nessa realidade que cerca a gente”.
Mas quem joga luz para essa questão, de fato, é Júlia Lemmertz - tanto no filme quanto nas conversas com a reportagem. Na trama, é sua personagem que deixa em dúvida os absurdos dos caminhos de Carla: como ela vai de fato se vingar numa sociedade que instiga a violência?
“Minha personagem contesta a cadeia por trás da arma, questionando de onde veio a arma que matou sua filha. Afinal, quem é o bandido? O bandido foi jogado naquele lugar por uma desigualdade brutal, pela falta de educação. É tudo fruto do sistema, que é maior do que a nossa compreensão e que mostra que a coisa não é tão simples assim”, explica ela ao Estadão.
“O filme expõe isso, colocando na cara todas essas questões para a gente concordar ou discordar, refletir, pensar. Através da ficção, falamos sobre o mundo da gente, de agora. É um filme de ação, mas que nos pergunta como a gente lida com a violência”.