Timothée Chalamet vive romance canibal no filme ‘Até os Ossos’


Também estrelado por Taylor Russell, reúne mais uma vez o ator ao diretor Luca Guadagnino

Por Mariane Morisawa e Luiz Carlos Merten

Da última vez que Timothée Chalamet trabalhou com Luca Guadagnino, em Me Chame pelo Seu Nome (2017), ele era um adolescente sensível que vivia um amor no verão italiano com um homem mais velho (Armie Hammer). O ator era relativamente desconhecido e impressionou todo o mundo - incluindo a Academia, que o indicou para o Oscar. O nova-iorquino de quase 27 anos e o cineasta italiano estavam até para fazer uma continuação, mas Até os Ossos, baseado no romance de Camille DeAngelis, entrou na frente. O filme estreia nesta quinta-feira, 1º, depois de levar o Leão de Prata de direção no último Festival de Veneza.

Impulsos

Seu personagem desta vez parece bem diferente. Lee é um jovem que, em suas perambulações, encontra a personagem principal da história, Maren (Taylor Russell, de As Ondas, que ganhou o prêmio Marcello Mastroianni para melhor ator ou atriz jovem em Veneza). A adolescente acaba de ser abandonada pelo pai (André Holland, de Moonlight - Sob a Luz do Luar), pois ela não consegue controlar seus impulsos e come outras pessoas.

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Taylor Russell em cena de 'Até Os Ossos'. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Maren parte pelo mundo em busca de respostas, encontrando primeiramente Sully (Mark Rylance), um canibal veterano. “Sully está lidando com uma aflição terrível, detestável”, disse o ator inglês, ganhador do Oscar de coadjuvante por Ponte dos Espiões (2015), de Steven Spielberg, em entrevista com a participação do Estadão, em Veneza. “Ou ele se mata ou vive deprimido ou se deixa pegar. Eu fiquei pensando como alguém viveria até os 62 anos assim. Ele desenvolve uma maneira de honrar suas vítimas.” É um homem solitário que se encanta por Maren, pela possibilidade de ensiná-la a ser alguém dessa espécie, mas que a assusta com uma certa obsessão.

É aí que ela conhece Lee, um rapaz que promete ajudá-la. “Eu só percebi outro dia, quando revi o filme, como Maren encontra basicamente homens em seu caminho”, contou Russell. “Na minha vida, o maior presente são as mulheres, em geral mais velhas, que me centram. O mundo pode ser muito violento sem essa rede de apoios. Imagine como é para ela ser mulher naquele universo sem regras, que parece o Velho Oeste.” As estradas que Maren e Lee percorrem são caminhos distantes do sonho americano, lugares onde as pessoas estão desesperançosas, sem veredas adiante. O medo é real.

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Para Chalamet, a segunda vez trabalhando com Guadagnino teve suas diferenças. Mais experiente, ele ousou dar suas sugestões. “Quando eu li o roteiro, Lee era tipo um atleta americano, dado a bravatas, que não hesita em tomar Maren como sua aprendiz, que acredita ter decifrado a vida”, observou o ator. “Mas isso não parecia tão interessante para mim.” Na concepção original, o rapaz seria alguém que não ligaria para sua aparência. Chalamet decidiu que ele teria um estilo próprio, acompanhado de cabelos pintados de vermelho. “Alguém assim ia querer viver nas sombras por causa de sua condição, mas também estaria morrendo de vontade de ser visto, de se afirmar, de ouvir que tem valor.” Suas certezas eram apenas de fachada. No fundo, ele teria só dúvidas. Seu instinto fez com que a frieza aparente do início derretesse diante do amor.

Muito se especulou sobre a metáfora contida no canibalismo em Até os Ossos, que tem elementos de fantasia e de horror, é um road movie e um filme de crescimento. Para alguns, os canibais são viciados. Para outros, pessoas queer. Há quem interprete o filme como uma prova da impossibilidade de viver uma existência ética, em relação ao meio ambiente, só pelo fato de ser humano. O roteirista David Kajganich e o diretor Luca Guadagnino afirmam ser um filme sobre amor.

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“A verdade é que esses personagens se sentem amaldiçoados, sem possibilidade de redenção”, argumentou Chalamet. “Eles conquistam esperança e amor, afirmando a humanidade um do outro. Mas, ao mesmo tempo que o amor os resgata da maldição, agora ela está mais clara do que nunca.” Para Taylor Russell, há uma relação com a pandemia, o isolamento e a autorreflexão.

“Nossos sentidos ficaram mais aguçados e hoje talvez cada um de nós tenha uma ideia mais clara de quem é e do seu lugar no mundo.”

Crítica: Longa antropofágico de Guadagnino remete a clássicos e é perturbador

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Por Luiz Carlos Merten

Já em seu longa Me Chame pelo Seu Nome, que virou cult para plateias LGBT+ em 2017, Luca Guadagnino filmava o desejo como ato político. Veio depois sua incursão pelo horror à Dario Argento, em Suspiria, que esteve longe de ser uma unanimidade. E agora Guadagnino radicaliza - conta uma história de canibais. O desejo, de novo - e mais ainda -, é político. Não são necessários mais do que cinco minutos para que Até os Ossos diga a que vem. De cara, Taylor Russell já está avançando sobre a outra garota, arrancando pedaços.

Por volta de 1970, a antropofagia invadiu a tela em obras de Nelson Pereira dos Santos, Como Era Gostoso o Meu Francês, e Jean-Luc Godard, Week-End à Francesa. Parece muita coincidência, mas Até os Ossos estreia após as denúncias de canibalismo envolvendo o ator de Me Chame pelo Seu Nome, Armie Hammer. Guadagnino esclarece - nada a ver. O roteiro de Até os Ossos, baseado no romance de Camille De Angelis, foi escrito por seu colaborador em Suspiria, David Kajganich. Rechaçado por outros diretores, chegou até ele em 2020. Arrebatou-o. Não apenas uma história de canibais, mas uma investigação sobre os limites do desejo. Já era o tema de Me Chame pelo Seu Nome, o desejo do garoto pelo homem maduro.

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Timothée Chalamet e Taylor Russell no filme baseado no romance de Camille DeAngelis. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Diabólicos

Taylor Russell descobre não apenas ser canibal, mas que existem outras pessoas como ela. O horror, o horror. O primeiro a cruzar seu caminho é um homem mais velho, Mark Rylance. Depois, Timothée Chalamet. Sem ele, diz o diretor, não haveria filme. O casal jovem cai na estrada realizando festins diabólicos. Não estão isentos de culpa - como quando descobrem que o homem que acabam de devorar é casado, e tem filhos. O desejo canibal - pela carne humana crua - não faz distinção de gênero, nem de raça. Taylor e Chalamet reabrem a vertente dos assassinos por natureza que vivem on the road. Guadagnino ama esses foragidos nas franjas da sociedade, que não conseguem controlar seu desejo. A história se passa nos anos 1980. Sem celulares, na década em que Ronald Reagan decretou o fim da história. As coisas complicam-se ainda mais quando Rylance reaparece. O desejo necessita do outro. Quem deseja, deseja alguma coisa, ou alguém. A política atravessa Até os Ossos. E tem a beleza - do feio, do repulsivo. É um filme perturbador.

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Avaliação: Ótimo

Da última vez que Timothée Chalamet trabalhou com Luca Guadagnino, em Me Chame pelo Seu Nome (2017), ele era um adolescente sensível que vivia um amor no verão italiano com um homem mais velho (Armie Hammer). O ator era relativamente desconhecido e impressionou todo o mundo - incluindo a Academia, que o indicou para o Oscar. O nova-iorquino de quase 27 anos e o cineasta italiano estavam até para fazer uma continuação, mas Até os Ossos, baseado no romance de Camille DeAngelis, entrou na frente. O filme estreia nesta quinta-feira, 1º, depois de levar o Leão de Prata de direção no último Festival de Veneza.

Impulsos

Seu personagem desta vez parece bem diferente. Lee é um jovem que, em suas perambulações, encontra a personagem principal da história, Maren (Taylor Russell, de As Ondas, que ganhou o prêmio Marcello Mastroianni para melhor ator ou atriz jovem em Veneza). A adolescente acaba de ser abandonada pelo pai (André Holland, de Moonlight - Sob a Luz do Luar), pois ela não consegue controlar seus impulsos e come outras pessoas.

Taylor Russell em cena de 'Até Os Ossos'. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Maren parte pelo mundo em busca de respostas, encontrando primeiramente Sully (Mark Rylance), um canibal veterano. “Sully está lidando com uma aflição terrível, detestável”, disse o ator inglês, ganhador do Oscar de coadjuvante por Ponte dos Espiões (2015), de Steven Spielberg, em entrevista com a participação do Estadão, em Veneza. “Ou ele se mata ou vive deprimido ou se deixa pegar. Eu fiquei pensando como alguém viveria até os 62 anos assim. Ele desenvolve uma maneira de honrar suas vítimas.” É um homem solitário que se encanta por Maren, pela possibilidade de ensiná-la a ser alguém dessa espécie, mas que a assusta com uma certa obsessão.

É aí que ela conhece Lee, um rapaz que promete ajudá-la. “Eu só percebi outro dia, quando revi o filme, como Maren encontra basicamente homens em seu caminho”, contou Russell. “Na minha vida, o maior presente são as mulheres, em geral mais velhas, que me centram. O mundo pode ser muito violento sem essa rede de apoios. Imagine como é para ela ser mulher naquele universo sem regras, que parece o Velho Oeste.” As estradas que Maren e Lee percorrem são caminhos distantes do sonho americano, lugares onde as pessoas estão desesperançosas, sem veredas adiante. O medo é real.

Para Chalamet, a segunda vez trabalhando com Guadagnino teve suas diferenças. Mais experiente, ele ousou dar suas sugestões. “Quando eu li o roteiro, Lee era tipo um atleta americano, dado a bravatas, que não hesita em tomar Maren como sua aprendiz, que acredita ter decifrado a vida”, observou o ator. “Mas isso não parecia tão interessante para mim.” Na concepção original, o rapaz seria alguém que não ligaria para sua aparência. Chalamet decidiu que ele teria um estilo próprio, acompanhado de cabelos pintados de vermelho. “Alguém assim ia querer viver nas sombras por causa de sua condição, mas também estaria morrendo de vontade de ser visto, de se afirmar, de ouvir que tem valor.” Suas certezas eram apenas de fachada. No fundo, ele teria só dúvidas. Seu instinto fez com que a frieza aparente do início derretesse diante do amor.

Muito se especulou sobre a metáfora contida no canibalismo em Até os Ossos, que tem elementos de fantasia e de horror, é um road movie e um filme de crescimento. Para alguns, os canibais são viciados. Para outros, pessoas queer. Há quem interprete o filme como uma prova da impossibilidade de viver uma existência ética, em relação ao meio ambiente, só pelo fato de ser humano. O roteirista David Kajganich e o diretor Luca Guadagnino afirmam ser um filme sobre amor.

“A verdade é que esses personagens se sentem amaldiçoados, sem possibilidade de redenção”, argumentou Chalamet. “Eles conquistam esperança e amor, afirmando a humanidade um do outro. Mas, ao mesmo tempo que o amor os resgata da maldição, agora ela está mais clara do que nunca.” Para Taylor Russell, há uma relação com a pandemia, o isolamento e a autorreflexão.

“Nossos sentidos ficaram mais aguçados e hoje talvez cada um de nós tenha uma ideia mais clara de quem é e do seu lugar no mundo.”

Crítica: Longa antropofágico de Guadagnino remete a clássicos e é perturbador

Por Luiz Carlos Merten

Já em seu longa Me Chame pelo Seu Nome, que virou cult para plateias LGBT+ em 2017, Luca Guadagnino filmava o desejo como ato político. Veio depois sua incursão pelo horror à Dario Argento, em Suspiria, que esteve longe de ser uma unanimidade. E agora Guadagnino radicaliza - conta uma história de canibais. O desejo, de novo - e mais ainda -, é político. Não são necessários mais do que cinco minutos para que Até os Ossos diga a que vem. De cara, Taylor Russell já está avançando sobre a outra garota, arrancando pedaços.

Por volta de 1970, a antropofagia invadiu a tela em obras de Nelson Pereira dos Santos, Como Era Gostoso o Meu Francês, e Jean-Luc Godard, Week-End à Francesa. Parece muita coincidência, mas Até os Ossos estreia após as denúncias de canibalismo envolvendo o ator de Me Chame pelo Seu Nome, Armie Hammer. Guadagnino esclarece - nada a ver. O roteiro de Até os Ossos, baseado no romance de Camille De Angelis, foi escrito por seu colaborador em Suspiria, David Kajganich. Rechaçado por outros diretores, chegou até ele em 2020. Arrebatou-o. Não apenas uma história de canibais, mas uma investigação sobre os limites do desejo. Já era o tema de Me Chame pelo Seu Nome, o desejo do garoto pelo homem maduro.

Timothée Chalamet e Taylor Russell no filme baseado no romance de Camille DeAngelis. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Diabólicos

Taylor Russell descobre não apenas ser canibal, mas que existem outras pessoas como ela. O horror, o horror. O primeiro a cruzar seu caminho é um homem mais velho, Mark Rylance. Depois, Timothée Chalamet. Sem ele, diz o diretor, não haveria filme. O casal jovem cai na estrada realizando festins diabólicos. Não estão isentos de culpa - como quando descobrem que o homem que acabam de devorar é casado, e tem filhos. O desejo canibal - pela carne humana crua - não faz distinção de gênero, nem de raça. Taylor e Chalamet reabrem a vertente dos assassinos por natureza que vivem on the road. Guadagnino ama esses foragidos nas franjas da sociedade, que não conseguem controlar seu desejo. A história se passa nos anos 1980. Sem celulares, na década em que Ronald Reagan decretou o fim da história. As coisas complicam-se ainda mais quando Rylance reaparece. O desejo necessita do outro. Quem deseja, deseja alguma coisa, ou alguém. A política atravessa Até os Ossos. E tem a beleza - do feio, do repulsivo. É um filme perturbador.

Avaliação: Ótimo

Da última vez que Timothée Chalamet trabalhou com Luca Guadagnino, em Me Chame pelo Seu Nome (2017), ele era um adolescente sensível que vivia um amor no verão italiano com um homem mais velho (Armie Hammer). O ator era relativamente desconhecido e impressionou todo o mundo - incluindo a Academia, que o indicou para o Oscar. O nova-iorquino de quase 27 anos e o cineasta italiano estavam até para fazer uma continuação, mas Até os Ossos, baseado no romance de Camille DeAngelis, entrou na frente. O filme estreia nesta quinta-feira, 1º, depois de levar o Leão de Prata de direção no último Festival de Veneza.

Impulsos

Seu personagem desta vez parece bem diferente. Lee é um jovem que, em suas perambulações, encontra a personagem principal da história, Maren (Taylor Russell, de As Ondas, que ganhou o prêmio Marcello Mastroianni para melhor ator ou atriz jovem em Veneza). A adolescente acaba de ser abandonada pelo pai (André Holland, de Moonlight - Sob a Luz do Luar), pois ela não consegue controlar seus impulsos e come outras pessoas.

Taylor Russell em cena de 'Até Os Ossos'. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Maren parte pelo mundo em busca de respostas, encontrando primeiramente Sully (Mark Rylance), um canibal veterano. “Sully está lidando com uma aflição terrível, detestável”, disse o ator inglês, ganhador do Oscar de coadjuvante por Ponte dos Espiões (2015), de Steven Spielberg, em entrevista com a participação do Estadão, em Veneza. “Ou ele se mata ou vive deprimido ou se deixa pegar. Eu fiquei pensando como alguém viveria até os 62 anos assim. Ele desenvolve uma maneira de honrar suas vítimas.” É um homem solitário que se encanta por Maren, pela possibilidade de ensiná-la a ser alguém dessa espécie, mas que a assusta com uma certa obsessão.

É aí que ela conhece Lee, um rapaz que promete ajudá-la. “Eu só percebi outro dia, quando revi o filme, como Maren encontra basicamente homens em seu caminho”, contou Russell. “Na minha vida, o maior presente são as mulheres, em geral mais velhas, que me centram. O mundo pode ser muito violento sem essa rede de apoios. Imagine como é para ela ser mulher naquele universo sem regras, que parece o Velho Oeste.” As estradas que Maren e Lee percorrem são caminhos distantes do sonho americano, lugares onde as pessoas estão desesperançosas, sem veredas adiante. O medo é real.

Para Chalamet, a segunda vez trabalhando com Guadagnino teve suas diferenças. Mais experiente, ele ousou dar suas sugestões. “Quando eu li o roteiro, Lee era tipo um atleta americano, dado a bravatas, que não hesita em tomar Maren como sua aprendiz, que acredita ter decifrado a vida”, observou o ator. “Mas isso não parecia tão interessante para mim.” Na concepção original, o rapaz seria alguém que não ligaria para sua aparência. Chalamet decidiu que ele teria um estilo próprio, acompanhado de cabelos pintados de vermelho. “Alguém assim ia querer viver nas sombras por causa de sua condição, mas também estaria morrendo de vontade de ser visto, de se afirmar, de ouvir que tem valor.” Suas certezas eram apenas de fachada. No fundo, ele teria só dúvidas. Seu instinto fez com que a frieza aparente do início derretesse diante do amor.

Muito se especulou sobre a metáfora contida no canibalismo em Até os Ossos, que tem elementos de fantasia e de horror, é um road movie e um filme de crescimento. Para alguns, os canibais são viciados. Para outros, pessoas queer. Há quem interprete o filme como uma prova da impossibilidade de viver uma existência ética, em relação ao meio ambiente, só pelo fato de ser humano. O roteirista David Kajganich e o diretor Luca Guadagnino afirmam ser um filme sobre amor.

“A verdade é que esses personagens se sentem amaldiçoados, sem possibilidade de redenção”, argumentou Chalamet. “Eles conquistam esperança e amor, afirmando a humanidade um do outro. Mas, ao mesmo tempo que o amor os resgata da maldição, agora ela está mais clara do que nunca.” Para Taylor Russell, há uma relação com a pandemia, o isolamento e a autorreflexão.

“Nossos sentidos ficaram mais aguçados e hoje talvez cada um de nós tenha uma ideia mais clara de quem é e do seu lugar no mundo.”

Crítica: Longa antropofágico de Guadagnino remete a clássicos e é perturbador

Por Luiz Carlos Merten

Já em seu longa Me Chame pelo Seu Nome, que virou cult para plateias LGBT+ em 2017, Luca Guadagnino filmava o desejo como ato político. Veio depois sua incursão pelo horror à Dario Argento, em Suspiria, que esteve longe de ser uma unanimidade. E agora Guadagnino radicaliza - conta uma história de canibais. O desejo, de novo - e mais ainda -, é político. Não são necessários mais do que cinco minutos para que Até os Ossos diga a que vem. De cara, Taylor Russell já está avançando sobre a outra garota, arrancando pedaços.

Por volta de 1970, a antropofagia invadiu a tela em obras de Nelson Pereira dos Santos, Como Era Gostoso o Meu Francês, e Jean-Luc Godard, Week-End à Francesa. Parece muita coincidência, mas Até os Ossos estreia após as denúncias de canibalismo envolvendo o ator de Me Chame pelo Seu Nome, Armie Hammer. Guadagnino esclarece - nada a ver. O roteiro de Até os Ossos, baseado no romance de Camille De Angelis, foi escrito por seu colaborador em Suspiria, David Kajganich. Rechaçado por outros diretores, chegou até ele em 2020. Arrebatou-o. Não apenas uma história de canibais, mas uma investigação sobre os limites do desejo. Já era o tema de Me Chame pelo Seu Nome, o desejo do garoto pelo homem maduro.

Timothée Chalamet e Taylor Russell no filme baseado no romance de Camille DeAngelis. Foto: Yannis Drakoulidis/Metro Goldwyn Mayer Pictures via AP

Diabólicos

Taylor Russell descobre não apenas ser canibal, mas que existem outras pessoas como ela. O horror, o horror. O primeiro a cruzar seu caminho é um homem mais velho, Mark Rylance. Depois, Timothée Chalamet. Sem ele, diz o diretor, não haveria filme. O casal jovem cai na estrada realizando festins diabólicos. Não estão isentos de culpa - como quando descobrem que o homem que acabam de devorar é casado, e tem filhos. O desejo canibal - pela carne humana crua - não faz distinção de gênero, nem de raça. Taylor e Chalamet reabrem a vertente dos assassinos por natureza que vivem on the road. Guadagnino ama esses foragidos nas franjas da sociedade, que não conseguem controlar seu desejo. A história se passa nos anos 1980. Sem celulares, na década em que Ronald Reagan decretou o fim da história. As coisas complicam-se ainda mais quando Rylance reaparece. O desejo necessita do outro. Quem deseja, deseja alguma coisa, ou alguém. A política atravessa Até os Ossos. E tem a beleza - do feio, do repulsivo. É um filme perturbador.

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