Traição é metáfora em "Pearl Harbor"


A história de amor e traição metaforiza a história de guerra e traição no filme de Michael Bay. Rapaz vai para a guerra e é dado como morto. A amada fica com seu amigo. Ele volta e o acusa de traição. O triângulo é vivido por Ben Affleck, Kate Beckinsale e Josh Hartnett

Por Agencia Estado

Lembrem-se de Hiroshima, Meu Amor. Marguerite Duras gostava de contar como, cooptada por Alain Resnais para escrever o roteiro de seu filme famoso, ficou possuída pela frase que primeiro lhe veio à cabeça: "Tu n´as rien vu à Hiroshima." Você não viu nada em Hiroshima. É a frase que Eiji Okada repete diversas vezes para Emmanuelle Riva. Um homem e uma mulher. Protagonistas, sem nome, de um dos mais belos poemas de amor e guerra do cinema. O que isso tem a ver com Pearl Harbor, o épico de Michael Bay que estréia amanhã em quase 300 salas de todo o País? A questão do olhar... Por mais que a palavra possa ser importante e até fundamental no cinema, o que caracteriza esta forma de comunicação e arte é o ato de ver. O cinema propõe sempre um olhar sobre o homem no mundo. Cada vez mais se fala na necessidade de um novo olhar para resgatar o cinema da mesmice. "Você não viu nada em Hiroshima", diz o amante japonês. Emmanuelle insiste: "Eu vi, os museus mostram tudo." Ele rebate: "Você não viu nada." No começo de Pearl Harbor, dois meninos brincam de heróis de aviação. Acionam, de verdade, um velho avião. O pai de um dos meninos, dono da engenhoca, quer bater no filho. O outro, para defender o amigo, chama este homem que voltou meio louco da 1.ª Guerra de boche, a designação pejorativa empregada contra os alemães. O homem reage, aos prantos: diz que lutou contra os alemães e viu, naquela guerra, coisas que não gostaria que ninguém mais visse. Sua frase tem valor de advertência. Pearl Harbor vai mostrar o horror da guerra. O filme de três horas estrutura-se da seguinte forma: uma hora e meia de romance, contando uma história de amor a três, uma hora de guerra, das mais impressionantes que o cinema já mostrou, mais meia hora para a conclusão. O ataque japonês a Pearl Harbor é uma mancha na consciência americana. Fred Zinnemann (A um Passo da Eternidade) e Otto Preminger (A Primeira Vitória) foram alguns dos diretores que trataram do assunto. O 7 de dezembro de 1941 entrou para a história americana como o dia da infâmia. Os EUA sentiram-se traídos. O país permanecia neutro na 2.ª Guerra, enquanto a Europa e o mundo capitulavam diante do avanço inexorável do Eixo. Em Washington, uma delegação japonesa negociava a paz com os EUA. Enquanto isso ocorria, no Oriente, a armada japonesa preparava o fulminante ataque a Pearl Harbor. A base no Havaí concentrava o grosso das forças americanas no teatro do Pacífico. Aviões, porta-aviões, homens. Estava tudo lá. O ataque desmantelou as forças americanas. O diretor Bay chega a usar uma frase do almirante Yamamoto, que preparou a vitoriosa estratégia japonesa - "Temo havermos despertado um gigante adormecido." É o que basta para Bay seguir a trilha de Ron Howard em Apollo 13, transformando a história de um fiasco americano no trampolim da sua vitória. O ataque, a traição japonesa, lançou os EUA na guerra. Pensando ideologicamente, você pode descartar Pearl Harbor como uma fantasia na linha de Independence Day, de Roland Emmerich. O filme é mais uma patriotada que Hollywood nos enfia goela abaixo outro daqueles delírios megalômanos dos americanos, que desde a derrocada do império soviético instituíram-se como potência hegemônica deste novo mundo globalizado. Ideologia zero, cinema... É o problema, ou a virtude: Pearl Harbor não é, cinematograficamente, o filme desprezível que tanta gente vem tratando a pauladas. Não são só as cenas do ataque que batem como um pesadelo, tanto ou até mais do que as da abertura de Soldado Ryan. Bay narra uma linda história de amor. Rapaz ama moça, ela retribui, ele vai para a guerra, é dado como morto; seu amigo, que também ama a moça, aproxima-se dela, lhe oferece consolo, pois ele próprio precisa ser consolado. O outro ressurge dentre os mortos, acusa o amigo de traição. Esta é a história do triângulo formado por Ben Affleck, Kate Beckinsale e Josh Hartnett. A história de amor e traição metaforiza a história de guerra e traição. Não houve traição no amor, isto fica claro. Só pessoas sofredoras e uma situação que exige um sacrifício para ser resolvida. Menos clara, ou bem solucionada, é a alegada infâmia, a traição japonesa, na guerra. Compreende-se: prevalece a mordida no ufanismo americano. O mais impressionante a respeito de Pearl Harbor é que o filme inaugura uma nova era do cinema. O filme que estreou nos EUA há uma semana e estréia hoje no Brasil não é o mesmo que será exibido na Alemanha e no Japão. No seu quintal, os americanos podem mostrar a versão "nacional". Naqueles países será exibida uma versão remontada para amaciar a crítica aos nazistas e aos militares japoneses. Explica-se: 20% das rendas bilionárias de Titanic vieram do Japão. Hollywood, é claro, não quer perder este grande mercado. Na versão antiga do mesmo episódio - Tora! Tora! Tora! - , o problema foi resolvido dando voz aos japoneses, que participaram da escrita e da direção (leia texto nesta edição). Aqui, o recurso é forçar uma aproximação com Titanic. Um dos episódios fortes de Pearl Harbor é o dos marinheiros que foram para o fundo do mar encerrados em submarinos e porta-aviões. Resta saber se a operação, mais comercial que artística, dará certo. Pearl Harbor (Pearl Harbor). Drama. Direção de Michael Bay. EUA/2000. Duração: 183 minutos.

Lembrem-se de Hiroshima, Meu Amor. Marguerite Duras gostava de contar como, cooptada por Alain Resnais para escrever o roteiro de seu filme famoso, ficou possuída pela frase que primeiro lhe veio à cabeça: "Tu n´as rien vu à Hiroshima." Você não viu nada em Hiroshima. É a frase que Eiji Okada repete diversas vezes para Emmanuelle Riva. Um homem e uma mulher. Protagonistas, sem nome, de um dos mais belos poemas de amor e guerra do cinema. O que isso tem a ver com Pearl Harbor, o épico de Michael Bay que estréia amanhã em quase 300 salas de todo o País? A questão do olhar... Por mais que a palavra possa ser importante e até fundamental no cinema, o que caracteriza esta forma de comunicação e arte é o ato de ver. O cinema propõe sempre um olhar sobre o homem no mundo. Cada vez mais se fala na necessidade de um novo olhar para resgatar o cinema da mesmice. "Você não viu nada em Hiroshima", diz o amante japonês. Emmanuelle insiste: "Eu vi, os museus mostram tudo." Ele rebate: "Você não viu nada." No começo de Pearl Harbor, dois meninos brincam de heróis de aviação. Acionam, de verdade, um velho avião. O pai de um dos meninos, dono da engenhoca, quer bater no filho. O outro, para defender o amigo, chama este homem que voltou meio louco da 1.ª Guerra de boche, a designação pejorativa empregada contra os alemães. O homem reage, aos prantos: diz que lutou contra os alemães e viu, naquela guerra, coisas que não gostaria que ninguém mais visse. Sua frase tem valor de advertência. Pearl Harbor vai mostrar o horror da guerra. O filme de três horas estrutura-se da seguinte forma: uma hora e meia de romance, contando uma história de amor a três, uma hora de guerra, das mais impressionantes que o cinema já mostrou, mais meia hora para a conclusão. O ataque japonês a Pearl Harbor é uma mancha na consciência americana. Fred Zinnemann (A um Passo da Eternidade) e Otto Preminger (A Primeira Vitória) foram alguns dos diretores que trataram do assunto. O 7 de dezembro de 1941 entrou para a história americana como o dia da infâmia. Os EUA sentiram-se traídos. O país permanecia neutro na 2.ª Guerra, enquanto a Europa e o mundo capitulavam diante do avanço inexorável do Eixo. Em Washington, uma delegação japonesa negociava a paz com os EUA. Enquanto isso ocorria, no Oriente, a armada japonesa preparava o fulminante ataque a Pearl Harbor. A base no Havaí concentrava o grosso das forças americanas no teatro do Pacífico. Aviões, porta-aviões, homens. Estava tudo lá. O ataque desmantelou as forças americanas. O diretor Bay chega a usar uma frase do almirante Yamamoto, que preparou a vitoriosa estratégia japonesa - "Temo havermos despertado um gigante adormecido." É o que basta para Bay seguir a trilha de Ron Howard em Apollo 13, transformando a história de um fiasco americano no trampolim da sua vitória. O ataque, a traição japonesa, lançou os EUA na guerra. Pensando ideologicamente, você pode descartar Pearl Harbor como uma fantasia na linha de Independence Day, de Roland Emmerich. O filme é mais uma patriotada que Hollywood nos enfia goela abaixo outro daqueles delírios megalômanos dos americanos, que desde a derrocada do império soviético instituíram-se como potência hegemônica deste novo mundo globalizado. Ideologia zero, cinema... É o problema, ou a virtude: Pearl Harbor não é, cinematograficamente, o filme desprezível que tanta gente vem tratando a pauladas. Não são só as cenas do ataque que batem como um pesadelo, tanto ou até mais do que as da abertura de Soldado Ryan. Bay narra uma linda história de amor. Rapaz ama moça, ela retribui, ele vai para a guerra, é dado como morto; seu amigo, que também ama a moça, aproxima-se dela, lhe oferece consolo, pois ele próprio precisa ser consolado. O outro ressurge dentre os mortos, acusa o amigo de traição. Esta é a história do triângulo formado por Ben Affleck, Kate Beckinsale e Josh Hartnett. A história de amor e traição metaforiza a história de guerra e traição. Não houve traição no amor, isto fica claro. Só pessoas sofredoras e uma situação que exige um sacrifício para ser resolvida. Menos clara, ou bem solucionada, é a alegada infâmia, a traição japonesa, na guerra. Compreende-se: prevalece a mordida no ufanismo americano. O mais impressionante a respeito de Pearl Harbor é que o filme inaugura uma nova era do cinema. O filme que estreou nos EUA há uma semana e estréia hoje no Brasil não é o mesmo que será exibido na Alemanha e no Japão. No seu quintal, os americanos podem mostrar a versão "nacional". Naqueles países será exibida uma versão remontada para amaciar a crítica aos nazistas e aos militares japoneses. Explica-se: 20% das rendas bilionárias de Titanic vieram do Japão. Hollywood, é claro, não quer perder este grande mercado. Na versão antiga do mesmo episódio - Tora! Tora! Tora! - , o problema foi resolvido dando voz aos japoneses, que participaram da escrita e da direção (leia texto nesta edição). Aqui, o recurso é forçar uma aproximação com Titanic. Um dos episódios fortes de Pearl Harbor é o dos marinheiros que foram para o fundo do mar encerrados em submarinos e porta-aviões. Resta saber se a operação, mais comercial que artística, dará certo. Pearl Harbor (Pearl Harbor). Drama. Direção de Michael Bay. EUA/2000. Duração: 183 minutos.

Lembrem-se de Hiroshima, Meu Amor. Marguerite Duras gostava de contar como, cooptada por Alain Resnais para escrever o roteiro de seu filme famoso, ficou possuída pela frase que primeiro lhe veio à cabeça: "Tu n´as rien vu à Hiroshima." Você não viu nada em Hiroshima. É a frase que Eiji Okada repete diversas vezes para Emmanuelle Riva. Um homem e uma mulher. Protagonistas, sem nome, de um dos mais belos poemas de amor e guerra do cinema. O que isso tem a ver com Pearl Harbor, o épico de Michael Bay que estréia amanhã em quase 300 salas de todo o País? A questão do olhar... Por mais que a palavra possa ser importante e até fundamental no cinema, o que caracteriza esta forma de comunicação e arte é o ato de ver. O cinema propõe sempre um olhar sobre o homem no mundo. Cada vez mais se fala na necessidade de um novo olhar para resgatar o cinema da mesmice. "Você não viu nada em Hiroshima", diz o amante japonês. Emmanuelle insiste: "Eu vi, os museus mostram tudo." Ele rebate: "Você não viu nada." No começo de Pearl Harbor, dois meninos brincam de heróis de aviação. Acionam, de verdade, um velho avião. O pai de um dos meninos, dono da engenhoca, quer bater no filho. O outro, para defender o amigo, chama este homem que voltou meio louco da 1.ª Guerra de boche, a designação pejorativa empregada contra os alemães. O homem reage, aos prantos: diz que lutou contra os alemães e viu, naquela guerra, coisas que não gostaria que ninguém mais visse. Sua frase tem valor de advertência. Pearl Harbor vai mostrar o horror da guerra. O filme de três horas estrutura-se da seguinte forma: uma hora e meia de romance, contando uma história de amor a três, uma hora de guerra, das mais impressionantes que o cinema já mostrou, mais meia hora para a conclusão. O ataque japonês a Pearl Harbor é uma mancha na consciência americana. Fred Zinnemann (A um Passo da Eternidade) e Otto Preminger (A Primeira Vitória) foram alguns dos diretores que trataram do assunto. O 7 de dezembro de 1941 entrou para a história americana como o dia da infâmia. Os EUA sentiram-se traídos. O país permanecia neutro na 2.ª Guerra, enquanto a Europa e o mundo capitulavam diante do avanço inexorável do Eixo. Em Washington, uma delegação japonesa negociava a paz com os EUA. Enquanto isso ocorria, no Oriente, a armada japonesa preparava o fulminante ataque a Pearl Harbor. A base no Havaí concentrava o grosso das forças americanas no teatro do Pacífico. Aviões, porta-aviões, homens. Estava tudo lá. O ataque desmantelou as forças americanas. O diretor Bay chega a usar uma frase do almirante Yamamoto, que preparou a vitoriosa estratégia japonesa - "Temo havermos despertado um gigante adormecido." É o que basta para Bay seguir a trilha de Ron Howard em Apollo 13, transformando a história de um fiasco americano no trampolim da sua vitória. O ataque, a traição japonesa, lançou os EUA na guerra. Pensando ideologicamente, você pode descartar Pearl Harbor como uma fantasia na linha de Independence Day, de Roland Emmerich. O filme é mais uma patriotada que Hollywood nos enfia goela abaixo outro daqueles delírios megalômanos dos americanos, que desde a derrocada do império soviético instituíram-se como potência hegemônica deste novo mundo globalizado. Ideologia zero, cinema... É o problema, ou a virtude: Pearl Harbor não é, cinematograficamente, o filme desprezível que tanta gente vem tratando a pauladas. Não são só as cenas do ataque que batem como um pesadelo, tanto ou até mais do que as da abertura de Soldado Ryan. Bay narra uma linda história de amor. Rapaz ama moça, ela retribui, ele vai para a guerra, é dado como morto; seu amigo, que também ama a moça, aproxima-se dela, lhe oferece consolo, pois ele próprio precisa ser consolado. O outro ressurge dentre os mortos, acusa o amigo de traição. Esta é a história do triângulo formado por Ben Affleck, Kate Beckinsale e Josh Hartnett. A história de amor e traição metaforiza a história de guerra e traição. Não houve traição no amor, isto fica claro. Só pessoas sofredoras e uma situação que exige um sacrifício para ser resolvida. Menos clara, ou bem solucionada, é a alegada infâmia, a traição japonesa, na guerra. Compreende-se: prevalece a mordida no ufanismo americano. O mais impressionante a respeito de Pearl Harbor é que o filme inaugura uma nova era do cinema. O filme que estreou nos EUA há uma semana e estréia hoje no Brasil não é o mesmo que será exibido na Alemanha e no Japão. No seu quintal, os americanos podem mostrar a versão "nacional". Naqueles países será exibida uma versão remontada para amaciar a crítica aos nazistas e aos militares japoneses. Explica-se: 20% das rendas bilionárias de Titanic vieram do Japão. Hollywood, é claro, não quer perder este grande mercado. Na versão antiga do mesmo episódio - Tora! Tora! Tora! - , o problema foi resolvido dando voz aos japoneses, que participaram da escrita e da direção (leia texto nesta edição). Aqui, o recurso é forçar uma aproximação com Titanic. Um dos episódios fortes de Pearl Harbor é o dos marinheiros que foram para o fundo do mar encerrados em submarinos e porta-aviões. Resta saber se a operação, mais comercial que artística, dará certo. Pearl Harbor (Pearl Harbor). Drama. Direção de Michael Bay. EUA/2000. Duração: 183 minutos.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.