Na coletiva de imprensa de Ainda Estou Aqui, na tarde deste domingo, 1º no Festival de Veneza, Fernanda Torres disse que o diretor Walter Salles cortou duas cenas de choro. Mas elas não fazem falta ao longa-metragem sobre Eunice Paiva, advogada, mãe do escritor Marcelo Rubens Paiva e viúva de Rubens Paiva, engenheiro e ex-deputado preso pelos militares - e depois morto - durante a ditadura. As lágrimas do espectador começam a rolar no terço final sem que a atriz se derrame na tela.
Leia Também:
Pelo menos foi assim na sessão de imprensa, na manhã deste domingo. O filme marca a volta do Brasil à competição pelo Leão de Ouro, depois de 23 anos – na última vez, o mesmo Walter Salles esteve no festival com Abril Despedaçado.
Ainda Estou Aqui é uma espécie de retorno do próprio cineasta, que não lançava um longa de ficção desde a produção em inglês Na Estrada, de 2012.
Quem é Eunice Paiva
O filme começa em 1970, quando a família Paiva vive em uma casa de esquina, de frente para o mar, no Rio de Janeiro. Rubens Paiva (Selton Mello), que abandonou a política depois do golpe militar de 1964, quando foi cassado, atua como engenheiro. É um cara brincalhão, que joga pebolim com o filho tarde da noite e adora receber os amigos em casa.
Mas o centro de tudo é Eunice, que se ocupa dos pratos que serão servidos ao cuidado com as crianças e adolescentes.
Até que homens à paisana levam Rubens Paiva para ser interrogado. No dia seguinte, é a vez de Eunice, que passa 12 dias nas dependências do DOI-CODI. Com o desaparecimento do marido, Eunice é obrigada a se reinventar, acreditando no poder da educação e da justiça.
Poucos filmes sobre a ditadura
O cinema brasileiro, ao contrário do argentino e do chileno, produziu poucos filmes sobre a ditadura militar. Ainda Estou Aqui é uma bem-vinda adição à memória do país. “Se você olhar para Central do Brasil, para os filmes que fiz antes, a jornada dos personagens se mistura com a jornada do País. É isso que me interessa no cinema”, disse Walter Salles na coletiva de imprensa.
“O livro era isso. A jornada de Eunice se mesclava com a história do Brasil durante aqueles 21 anos terríveis. A reinvenção daquela mulher foi o que mais me emocionou”, afirmou.
Eunice é uma mulher elegante e discreta, que prepara suflês e adora receber os amigos em casa. As festas e jantares são regados a boa música brasileira – o filme contrapõe a riqueza artística do Brasil e o endurecimento do regime militar que combatia aqueles músicos, arquitetos, cartunistas, artistas, livreiros, escritores, jornalistas.
“Ela enfrentou tragédias na sua vida, levava uma vida utópica, era uma dona de casa com cinco filhos e um marido perfeito”, disse a atriz Fernanda Torres, que interpreta Eunice, em depoimento emocionado durante a coletiva.
“De certa maneira, se relacionava com o que o Brasil estava vivendo, com a bossa nova. Nós íamos ser um grande país, com a Tropicália, Oscar Niemeyer... E essa geração de repente foi calada por um golpe de Estado. Ela teve de aprender e se reinventar. É engraçado como ela foi de viúva de Rubens Paiva a mãe do Marcelo Rubens Paiva. E nós nunca a conhecemos.”
O filme é uma chance de recuperar a história dessa mulher, que não se incomodou de ficar à sombra mesmo quando teve uma carreira brilhante defendendo os direitos indígenas.
Mesmo tendo concorrentes fortes como Nicole Kidman (do filme Babygirl) e Angelina Jolie (do filme Maria), Fernanda Torres tem chances de levar a Coppa Volpi, prêmio do festival para a atuação feminina.
Leia Também:
Aplausos
Na sessão de gala, em uma plateia com muitos brasileiros, a sessão começou atrasada. Ao longo do último terço do filme, foi possível ouvir muitas pessoas chorando no local. Ao final da sessão, Walter Salles, Selton Mello e Fernanda Torres demonstravam estar emocionados e choraram bastante. Ainda Estou Aqui foi aplaudido por 9 minutos e 46 segundos.