Xuxa: ‘Durante muito tempo as pessoas falavam por mim. Acabou. Agora é minha voz, o que eu penso’


Ela fala ao ‘Estadão’ sobre novo filme, ‘Uma Fada Veio Me Visitar’, e o controle próprio da carreira. Xuxa revê até suas declarações do passado, como de que ‘não existem só mulatas no Brasil’: ‘Foi uma idiotice’, ela reavalia

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Xuxa permanece no imaginário dos brasileiros. Há uma, duas gerações, tornou-se um fenômeno midiático. Era a rainha dos baixinhos, mas eles cresceram. O mundo mudou, a Xuxa mudou. A Xuxa que está de volta tentando reconquistar seu posto de rainha das bilheterias é outra mulher. Ninguém sabe isso melhor do que ela, que lança Uma Fada Veio Me Visitar em 12 de outubro.

Essa presença resistente como ícone popular ficou evidente naquele que talvez tenha sido o momento mais divertido da coletiva de lançamento do filme. O garoto que faz o namoradinho da jovem que a ‘fada’ Xuxa protege contou que aprendeu muito com o profissionalismo dela. E acrescentou: “Minha mãe, quando soube que eu ia trabalhar com a Xuxa, não queria acreditar. É superfã dela”.

O cinema já contou muitas histórias de fadas. “Mas de uma fada de 60 anos não”, destaca Xuxa. A própria Tontom Perissê — filha de Heloisa Perissê — que faz o papel da garota, não acredita quando a fada madrinha aparece. E faz uma série de exigências de mágicas para que ela prove seu poder. A reação é imediata: “Sou fada, não mágica”.

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Ninguém duvida que Xuxa seja uma mulher corajosa. Voltar é um risco e tanto para quem já foi a número um. Especialmente após uma longa ausência de 14 anos, e num momento de retração em que os filmes brasileiros não ativam as bilheterias — mesmo os com maior potencial de público como Tire Cinco Cartas e Pérola. Ela não esconde a expectativa, mas reconhece as dificuldades.

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“Gosto muito da história do livro de Thalita Rebouças, que aborda temas importantes da adolescência. Quase fiz a outra versão, mas não deu. Fiquei com a história na cabeça, o momento chegou.” A própria Thalita não se reconhece na versão anterior — É Fada, com Kéfera, de 2016. Agora, trabalhando em parceria com Vivianne Jundi — que fez Os Detetives do Prédio Azul 2, dirigiu seis temporadas de DPA na TV e codirigiu o terceiro filme da franquia —, identifica sua voz nos diálogos e na própria trama. “Xuxa diz que não é atriz, mas ela é, sim”, diz Thalita.

Dani Calabresa, que faz uma participação, conta que foi uma benção não ter contracenado com Xuxa no set. “Ia chorar, sou fã dessa mulher”. A diretora também compartilha a experiência de trabalhar com a rainha. “Xuxa é essa figura com quem o Brasil se identifica. Não é uma fada qualquer. É a Xuxa. A personagem, Tatu, tem muitas falas e situações que remetem diretamente a ela”, conta.

Xuxa estrela 'Uma Fada Veio Me Visitar', que estreia em 12 de outubro. Ao fundo, Tontom Perissê, com quem a rainha dos baixinhos contracena Foto: Blad Meneghel/Divulgação
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História familiar com doses de nostalgia

Até para se ajustar a Xuxa, à persona de Xuxa, o filme revisita os anos 1980. É cheio de homenagens — a Clara Nunes, a Angélica. “Eu queria muito que o filme tivesse essa referência à minha amiga. Enviei o que seria o figurino para ela aprovar e a Eliana fez mais que isso. Me enviou o decalque com a pinta que tem na coxa!”.

A fada do filme passou 35 anos dormindo — hibernando. Desperta com a missão de orientar a garota Lina que parece concentrar todos os problemas da aborrecência. Em casa, na escola. Mas ela só precisa de uma mãozinha.

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Quando a garota malvada, a mais popular da escola, inicia sua fase de inferno astral — por causa de uma fake news envolvendo sua irmã —, Lina, que até então a odiava, é a única que... Olha o spoiler! Mas é claro que vai dar tudo certo. Alguém tem dúvida?

Filme tem referências aos anos 1980 que devem trazer nostalgia ao cinema Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa, 60 anos

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No filme, Xuxa tem um discurso final — a mensagem — em que fala contra bullying e preconceito, a favor da diferença de raça, gênero. O discurso é abrangente. Racismo, meio ambiente, Amazônia, desigualdade social. É a fada ou a própria Xuxa que revela essa consciência social e política?

“Agora é a minha voz, o que eu penso.”

Xuxa Meneghel

A nova Xuxa é uma mulher empoderada. Ela imaginou que chegaria a essa idade com essa cabeça mais aberta? Xuxa foi sempre criticada por suas paquitas loiras — nenhuma preta — e pelo que seus detratores chamavam de sexualização da infância. Faz sua autocrítica: “Durante muito tempo, as pessoas falavam por mim, para o que achavam que seria melhor para minha carreira. Acabou. Agora é a minha voz, o que eu penso”.

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Esse empoderamento não veio de uma hora para outra. O repórter brinca: Xuxa acordou um dia e disse para si mesma que ia mudar? “Nãããooo, as coisas não acontecem assim. Foi um processo”. Houve o livro autobiográfico Memórias, a coluna da Vogue em que relatou episódios de abuso sexual que sofreu na infância, o doc do GloboPlay.

No quarto episódio de Xuxa – O Documentário, reencontrou Marlene Mattos, que foi sua amiga e diretora por 19 anos. Romperam e nunca mais se haviam falado. No doc, Xuxa acusa: “Você não gostava de crianças”. Acrescenta que Marlene abusou dela psicologicamente, quebrou a confiança ao promover um inesperado encontro com seu pai — com quem tinha um relacionamento ruim — para aumentar a audiência do programa.

'Uma Fada Veio Me Visitar' reflete conscientização de Xuxa sobre pautas sociais Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Acabou! Xuxa retomou tudo — seu lugar de fala, o controle da própria vida. Muito do que ela hoje defende está na contramão do que o Brasil viveu nos últimos anos. No passado, ela deu voz à ‘gotinha’, defendendo campanhas de vacinação.

“O Brasil era referência mundial de saúde pública. A vacinação infantil atingia 97%, hoje está nos 30%. Se o adulto não quer se vacinar, o problema é dele, mas com as crianças é diferente. Elas precisam ser protegidas”, diz Xuxa. O discurso contra a ciência foi forte no Brasil recente. Permanece em certos grupos radicais. Xuxa preocupa-se com a dor, o sofrimento. “Ninguém merece, muito menos as crianças”.

Episódio recente no teatro levantou novamente a bola do racismo envolvendo Xuxa. Em São Paulo, acaba de encerrar a nova montagem do diretor de teatro José Fernando de Peixoto Azevedo. Pode o Negro Ser Otimista? coloca no palco — e nos dispositivos audiovisuais que o grande diretor de Navalha na Carne Negra utiliza — conceitos e ideias do escritor norte-americano James Baldwin. Um tópico do espetáculo destaca falas racistas, uma delas da rainha dos baixinhos.

Em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu, ela disse que o Brasil não é só preto. “Também é loiro, de olhos azuis.” Xuxa lembra-se de ter dito isso?

Lembro. Tive as minhas experiências de dor, que me marcaram. Sofri bullying, abuso, mas nunca vivi episódios de racismo, só posso imaginar o que isso representa para a estima de uma pessoa. Aquilo – a fala abaixo – foi uma idiotice

Aos 60 anos, Xuxa interpreta fada empoderada não apenas por magia Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa acredita em fadas?

Xuxa parece serena, uma mulher plena. Bela sempre foi. Continua. Ela conversa com o repórter reservadamente — uma das entrevistas individuais que deu, no hotel da Barra. Brinca com a cachorrinha, no colo. A defesa dos animais é outra causa.

Na vida, e não apenas na arte, essa mulher sempre teve uma abertura para o fantástico, o maravilhoso. Imagens — e sons — passam pela cabeça do próprio repórter, que a entrevistou outras vezes, visitou seus sets. “Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel”, “Lua de cristal, que me faz sonhar/Tudo o que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar”. Filmes como Super Xuxa Contra o Baixo Astral, Lua de Cristal, Xuxa e os Duendes. Acredita em fadas?

“Uma vez eu estava em casa, à noite. Sasha dormia. Vi aquela luzinha se movendo no quarto. Não era um vagalume. Acordei a Sasha, para que ela também visse. Não sei se era uma fada, não vi, mas senti uma presença”, revela Xuxa. Para ela, nada parece impossível.

Uma Fada Veio me Visitar chega aos cinemas no Dia das Crianças. Serão 400 salas de todo o Brasil. Xuxa, Thalita Rebouças e a diretora Vivianne Jundi já falam em novas parcerias. Fada 2? Quem levantou a questão foi a apresentadora do Telecine, Renata Boldrini, que fazia a mediação da coletiva. Se uma fada lhe concedesse um desejo — a fada Xuxa? —, Renata pediria que o filme reatasse a ligação do público brasileiro com nosso cinema. Salas cheias de novo, por favor.

Xuxa permanece no imaginário dos brasileiros. Há uma, duas gerações, tornou-se um fenômeno midiático. Era a rainha dos baixinhos, mas eles cresceram. O mundo mudou, a Xuxa mudou. A Xuxa que está de volta tentando reconquistar seu posto de rainha das bilheterias é outra mulher. Ninguém sabe isso melhor do que ela, que lança Uma Fada Veio Me Visitar em 12 de outubro.

Essa presença resistente como ícone popular ficou evidente naquele que talvez tenha sido o momento mais divertido da coletiva de lançamento do filme. O garoto que faz o namoradinho da jovem que a ‘fada’ Xuxa protege contou que aprendeu muito com o profissionalismo dela. E acrescentou: “Minha mãe, quando soube que eu ia trabalhar com a Xuxa, não queria acreditar. É superfã dela”.

O cinema já contou muitas histórias de fadas. “Mas de uma fada de 60 anos não”, destaca Xuxa. A própria Tontom Perissê — filha de Heloisa Perissê — que faz o papel da garota, não acredita quando a fada madrinha aparece. E faz uma série de exigências de mágicas para que ela prove seu poder. A reação é imediata: “Sou fada, não mágica”.

Ninguém duvida que Xuxa seja uma mulher corajosa. Voltar é um risco e tanto para quem já foi a número um. Especialmente após uma longa ausência de 14 anos, e num momento de retração em que os filmes brasileiros não ativam as bilheterias — mesmo os com maior potencial de público como Tire Cinco Cartas e Pérola. Ela não esconde a expectativa, mas reconhece as dificuldades.

“Gosto muito da história do livro de Thalita Rebouças, que aborda temas importantes da adolescência. Quase fiz a outra versão, mas não deu. Fiquei com a história na cabeça, o momento chegou.” A própria Thalita não se reconhece na versão anterior — É Fada, com Kéfera, de 2016. Agora, trabalhando em parceria com Vivianne Jundi — que fez Os Detetives do Prédio Azul 2, dirigiu seis temporadas de DPA na TV e codirigiu o terceiro filme da franquia —, identifica sua voz nos diálogos e na própria trama. “Xuxa diz que não é atriz, mas ela é, sim”, diz Thalita.

Dani Calabresa, que faz uma participação, conta que foi uma benção não ter contracenado com Xuxa no set. “Ia chorar, sou fã dessa mulher”. A diretora também compartilha a experiência de trabalhar com a rainha. “Xuxa é essa figura com quem o Brasil se identifica. Não é uma fada qualquer. É a Xuxa. A personagem, Tatu, tem muitas falas e situações que remetem diretamente a ela”, conta.

Xuxa estrela 'Uma Fada Veio Me Visitar', que estreia em 12 de outubro. Ao fundo, Tontom Perissê, com quem a rainha dos baixinhos contracena Foto: Blad Meneghel/Divulgação

História familiar com doses de nostalgia

Até para se ajustar a Xuxa, à persona de Xuxa, o filme revisita os anos 1980. É cheio de homenagens — a Clara Nunes, a Angélica. “Eu queria muito que o filme tivesse essa referência à minha amiga. Enviei o que seria o figurino para ela aprovar e a Eliana fez mais que isso. Me enviou o decalque com a pinta que tem na coxa!”.

A fada do filme passou 35 anos dormindo — hibernando. Desperta com a missão de orientar a garota Lina que parece concentrar todos os problemas da aborrecência. Em casa, na escola. Mas ela só precisa de uma mãozinha.

Quando a garota malvada, a mais popular da escola, inicia sua fase de inferno astral — por causa de uma fake news envolvendo sua irmã —, Lina, que até então a odiava, é a única que... Olha o spoiler! Mas é claro que vai dar tudo certo. Alguém tem dúvida?

Filme tem referências aos anos 1980 que devem trazer nostalgia ao cinema Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa, 60 anos

No filme, Xuxa tem um discurso final — a mensagem — em que fala contra bullying e preconceito, a favor da diferença de raça, gênero. O discurso é abrangente. Racismo, meio ambiente, Amazônia, desigualdade social. É a fada ou a própria Xuxa que revela essa consciência social e política?

“Agora é a minha voz, o que eu penso.”

Xuxa Meneghel

A nova Xuxa é uma mulher empoderada. Ela imaginou que chegaria a essa idade com essa cabeça mais aberta? Xuxa foi sempre criticada por suas paquitas loiras — nenhuma preta — e pelo que seus detratores chamavam de sexualização da infância. Faz sua autocrítica: “Durante muito tempo, as pessoas falavam por mim, para o que achavam que seria melhor para minha carreira. Acabou. Agora é a minha voz, o que eu penso”.

Esse empoderamento não veio de uma hora para outra. O repórter brinca: Xuxa acordou um dia e disse para si mesma que ia mudar? “Nãããooo, as coisas não acontecem assim. Foi um processo”. Houve o livro autobiográfico Memórias, a coluna da Vogue em que relatou episódios de abuso sexual que sofreu na infância, o doc do GloboPlay.

No quarto episódio de Xuxa – O Documentário, reencontrou Marlene Mattos, que foi sua amiga e diretora por 19 anos. Romperam e nunca mais se haviam falado. No doc, Xuxa acusa: “Você não gostava de crianças”. Acrescenta que Marlene abusou dela psicologicamente, quebrou a confiança ao promover um inesperado encontro com seu pai — com quem tinha um relacionamento ruim — para aumentar a audiência do programa.

'Uma Fada Veio Me Visitar' reflete conscientização de Xuxa sobre pautas sociais Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Acabou! Xuxa retomou tudo — seu lugar de fala, o controle da própria vida. Muito do que ela hoje defende está na contramão do que o Brasil viveu nos últimos anos. No passado, ela deu voz à ‘gotinha’, defendendo campanhas de vacinação.

“O Brasil era referência mundial de saúde pública. A vacinação infantil atingia 97%, hoje está nos 30%. Se o adulto não quer se vacinar, o problema é dele, mas com as crianças é diferente. Elas precisam ser protegidas”, diz Xuxa. O discurso contra a ciência foi forte no Brasil recente. Permanece em certos grupos radicais. Xuxa preocupa-se com a dor, o sofrimento. “Ninguém merece, muito menos as crianças”.

Episódio recente no teatro levantou novamente a bola do racismo envolvendo Xuxa. Em São Paulo, acaba de encerrar a nova montagem do diretor de teatro José Fernando de Peixoto Azevedo. Pode o Negro Ser Otimista? coloca no palco — e nos dispositivos audiovisuais que o grande diretor de Navalha na Carne Negra utiliza — conceitos e ideias do escritor norte-americano James Baldwin. Um tópico do espetáculo destaca falas racistas, uma delas da rainha dos baixinhos.

Em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu, ela disse que o Brasil não é só preto. “Também é loiro, de olhos azuis.” Xuxa lembra-se de ter dito isso?

Lembro. Tive as minhas experiências de dor, que me marcaram. Sofri bullying, abuso, mas nunca vivi episódios de racismo, só posso imaginar o que isso representa para a estima de uma pessoa. Aquilo – a fala abaixo – foi uma idiotice

Aos 60 anos, Xuxa interpreta fada empoderada não apenas por magia Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa acredita em fadas?

Xuxa parece serena, uma mulher plena. Bela sempre foi. Continua. Ela conversa com o repórter reservadamente — uma das entrevistas individuais que deu, no hotel da Barra. Brinca com a cachorrinha, no colo. A defesa dos animais é outra causa.

Na vida, e não apenas na arte, essa mulher sempre teve uma abertura para o fantástico, o maravilhoso. Imagens — e sons — passam pela cabeça do próprio repórter, que a entrevistou outras vezes, visitou seus sets. “Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel”, “Lua de cristal, que me faz sonhar/Tudo o que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar”. Filmes como Super Xuxa Contra o Baixo Astral, Lua de Cristal, Xuxa e os Duendes. Acredita em fadas?

“Uma vez eu estava em casa, à noite. Sasha dormia. Vi aquela luzinha se movendo no quarto. Não era um vagalume. Acordei a Sasha, para que ela também visse. Não sei se era uma fada, não vi, mas senti uma presença”, revela Xuxa. Para ela, nada parece impossível.

Uma Fada Veio me Visitar chega aos cinemas no Dia das Crianças. Serão 400 salas de todo o Brasil. Xuxa, Thalita Rebouças e a diretora Vivianne Jundi já falam em novas parcerias. Fada 2? Quem levantou a questão foi a apresentadora do Telecine, Renata Boldrini, que fazia a mediação da coletiva. Se uma fada lhe concedesse um desejo — a fada Xuxa? —, Renata pediria que o filme reatasse a ligação do público brasileiro com nosso cinema. Salas cheias de novo, por favor.

Xuxa permanece no imaginário dos brasileiros. Há uma, duas gerações, tornou-se um fenômeno midiático. Era a rainha dos baixinhos, mas eles cresceram. O mundo mudou, a Xuxa mudou. A Xuxa que está de volta tentando reconquistar seu posto de rainha das bilheterias é outra mulher. Ninguém sabe isso melhor do que ela, que lança Uma Fada Veio Me Visitar em 12 de outubro.

Essa presença resistente como ícone popular ficou evidente naquele que talvez tenha sido o momento mais divertido da coletiva de lançamento do filme. O garoto que faz o namoradinho da jovem que a ‘fada’ Xuxa protege contou que aprendeu muito com o profissionalismo dela. E acrescentou: “Minha mãe, quando soube que eu ia trabalhar com a Xuxa, não queria acreditar. É superfã dela”.

O cinema já contou muitas histórias de fadas. “Mas de uma fada de 60 anos não”, destaca Xuxa. A própria Tontom Perissê — filha de Heloisa Perissê — que faz o papel da garota, não acredita quando a fada madrinha aparece. E faz uma série de exigências de mágicas para que ela prove seu poder. A reação é imediata: “Sou fada, não mágica”.

Ninguém duvida que Xuxa seja uma mulher corajosa. Voltar é um risco e tanto para quem já foi a número um. Especialmente após uma longa ausência de 14 anos, e num momento de retração em que os filmes brasileiros não ativam as bilheterias — mesmo os com maior potencial de público como Tire Cinco Cartas e Pérola. Ela não esconde a expectativa, mas reconhece as dificuldades.

“Gosto muito da história do livro de Thalita Rebouças, que aborda temas importantes da adolescência. Quase fiz a outra versão, mas não deu. Fiquei com a história na cabeça, o momento chegou.” A própria Thalita não se reconhece na versão anterior — É Fada, com Kéfera, de 2016. Agora, trabalhando em parceria com Vivianne Jundi — que fez Os Detetives do Prédio Azul 2, dirigiu seis temporadas de DPA na TV e codirigiu o terceiro filme da franquia —, identifica sua voz nos diálogos e na própria trama. “Xuxa diz que não é atriz, mas ela é, sim”, diz Thalita.

Dani Calabresa, que faz uma participação, conta que foi uma benção não ter contracenado com Xuxa no set. “Ia chorar, sou fã dessa mulher”. A diretora também compartilha a experiência de trabalhar com a rainha. “Xuxa é essa figura com quem o Brasil se identifica. Não é uma fada qualquer. É a Xuxa. A personagem, Tatu, tem muitas falas e situações que remetem diretamente a ela”, conta.

Xuxa estrela 'Uma Fada Veio Me Visitar', que estreia em 12 de outubro. Ao fundo, Tontom Perissê, com quem a rainha dos baixinhos contracena Foto: Blad Meneghel/Divulgação

História familiar com doses de nostalgia

Até para se ajustar a Xuxa, à persona de Xuxa, o filme revisita os anos 1980. É cheio de homenagens — a Clara Nunes, a Angélica. “Eu queria muito que o filme tivesse essa referência à minha amiga. Enviei o que seria o figurino para ela aprovar e a Eliana fez mais que isso. Me enviou o decalque com a pinta que tem na coxa!”.

A fada do filme passou 35 anos dormindo — hibernando. Desperta com a missão de orientar a garota Lina que parece concentrar todos os problemas da aborrecência. Em casa, na escola. Mas ela só precisa de uma mãozinha.

Quando a garota malvada, a mais popular da escola, inicia sua fase de inferno astral — por causa de uma fake news envolvendo sua irmã —, Lina, que até então a odiava, é a única que... Olha o spoiler! Mas é claro que vai dar tudo certo. Alguém tem dúvida?

Filme tem referências aos anos 1980 que devem trazer nostalgia ao cinema Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa, 60 anos

No filme, Xuxa tem um discurso final — a mensagem — em que fala contra bullying e preconceito, a favor da diferença de raça, gênero. O discurso é abrangente. Racismo, meio ambiente, Amazônia, desigualdade social. É a fada ou a própria Xuxa que revela essa consciência social e política?

“Agora é a minha voz, o que eu penso.”

Xuxa Meneghel

A nova Xuxa é uma mulher empoderada. Ela imaginou que chegaria a essa idade com essa cabeça mais aberta? Xuxa foi sempre criticada por suas paquitas loiras — nenhuma preta — e pelo que seus detratores chamavam de sexualização da infância. Faz sua autocrítica: “Durante muito tempo, as pessoas falavam por mim, para o que achavam que seria melhor para minha carreira. Acabou. Agora é a minha voz, o que eu penso”.

Esse empoderamento não veio de uma hora para outra. O repórter brinca: Xuxa acordou um dia e disse para si mesma que ia mudar? “Nãããooo, as coisas não acontecem assim. Foi um processo”. Houve o livro autobiográfico Memórias, a coluna da Vogue em que relatou episódios de abuso sexual que sofreu na infância, o doc do GloboPlay.

No quarto episódio de Xuxa – O Documentário, reencontrou Marlene Mattos, que foi sua amiga e diretora por 19 anos. Romperam e nunca mais se haviam falado. No doc, Xuxa acusa: “Você não gostava de crianças”. Acrescenta que Marlene abusou dela psicologicamente, quebrou a confiança ao promover um inesperado encontro com seu pai — com quem tinha um relacionamento ruim — para aumentar a audiência do programa.

'Uma Fada Veio Me Visitar' reflete conscientização de Xuxa sobre pautas sociais Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Acabou! Xuxa retomou tudo — seu lugar de fala, o controle da própria vida. Muito do que ela hoje defende está na contramão do que o Brasil viveu nos últimos anos. No passado, ela deu voz à ‘gotinha’, defendendo campanhas de vacinação.

“O Brasil era referência mundial de saúde pública. A vacinação infantil atingia 97%, hoje está nos 30%. Se o adulto não quer se vacinar, o problema é dele, mas com as crianças é diferente. Elas precisam ser protegidas”, diz Xuxa. O discurso contra a ciência foi forte no Brasil recente. Permanece em certos grupos radicais. Xuxa preocupa-se com a dor, o sofrimento. “Ninguém merece, muito menos as crianças”.

Episódio recente no teatro levantou novamente a bola do racismo envolvendo Xuxa. Em São Paulo, acaba de encerrar a nova montagem do diretor de teatro José Fernando de Peixoto Azevedo. Pode o Negro Ser Otimista? coloca no palco — e nos dispositivos audiovisuais que o grande diretor de Navalha na Carne Negra utiliza — conceitos e ideias do escritor norte-americano James Baldwin. Um tópico do espetáculo destaca falas racistas, uma delas da rainha dos baixinhos.

Em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu, ela disse que o Brasil não é só preto. “Também é loiro, de olhos azuis.” Xuxa lembra-se de ter dito isso?

Lembro. Tive as minhas experiências de dor, que me marcaram. Sofri bullying, abuso, mas nunca vivi episódios de racismo, só posso imaginar o que isso representa para a estima de uma pessoa. Aquilo – a fala abaixo – foi uma idiotice

Aos 60 anos, Xuxa interpreta fada empoderada não apenas por magia Foto: Blad Meneghel/Divulgação

Xuxa acredita em fadas?

Xuxa parece serena, uma mulher plena. Bela sempre foi. Continua. Ela conversa com o repórter reservadamente — uma das entrevistas individuais que deu, no hotel da Barra. Brinca com a cachorrinha, no colo. A defesa dos animais é outra causa.

Na vida, e não apenas na arte, essa mulher sempre teve uma abertura para o fantástico, o maravilhoso. Imagens — e sons — passam pela cabeça do próprio repórter, que a entrevistou outras vezes, visitou seus sets. “Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel”, “Lua de cristal, que me faz sonhar/Tudo o que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar”. Filmes como Super Xuxa Contra o Baixo Astral, Lua de Cristal, Xuxa e os Duendes. Acredita em fadas?

“Uma vez eu estava em casa, à noite. Sasha dormia. Vi aquela luzinha se movendo no quarto. Não era um vagalume. Acordei a Sasha, para que ela também visse. Não sei se era uma fada, não vi, mas senti uma presença”, revela Xuxa. Para ela, nada parece impossível.

Uma Fada Veio me Visitar chega aos cinemas no Dia das Crianças. Serão 400 salas de todo o Brasil. Xuxa, Thalita Rebouças e a diretora Vivianne Jundi já falam em novas parcerias. Fada 2? Quem levantou a questão foi a apresentadora do Telecine, Renata Boldrini, que fazia a mediação da coletiva. Se uma fada lhe concedesse um desejo — a fada Xuxa? —, Renata pediria que o filme reatasse a ligação do público brasileiro com nosso cinema. Salas cheias de novo, por favor.

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