Vamos falar de ritos de passagem, quando uma parte da vida termina e outra aventura começa. Tem o nascimento, o primeiro dia na escola, a entrada na faculdade, o casamento, os nascimentos - e por aí vai. O segredo para passar pelos ritos, segundo Cícero (o da Roma Antiga), é ir sempre adiante, um atrás do outro, até o final inescapável (o caixão). Isso ajudaria a pessoa a não ficar frustrada, insistindo em uma fase que já deveria ter sido superada.
O problema é que esse “come of age” (é assim que roteirista chama “amadurecimento”) vem com sofrimento. Parar de jogar futebol, por exemplo. Ninguém fala, mas é um rito de passagem bem traumático.
Tem uma hora que não dá mais mesmo. A gente insiste, agenda quadra de soçaite, chama os amigos da escola, tenta prolongar a carreira. Porém, o atleta amador se machuca escorregando no box do banheiro, ou o caçula pegou virose, ou então surge a chance de um sexo episódico - e falta ao compromisso. E a gente, sem perceber, vai largando o esporte.
Até melhor que seja assim, por esvaziamento. Evita o vexame. Com o travelling desgovernado do tempo, parece que estamos jogando bola de havaiana no pé, em uma lavanderia ensaboada. Falta equilíbrio, o resto do corpo se amotina contra o líder cérebro e cada pique é um pouso de albatroz.
Futebol passa a ser igual a encher a cara: no dia seguinte, a pessoa está com herpes-zóster. Doem músculos que você nem sabia que usava. Tipo: as asinhas das costas. Por que elas doem? Será que bati muito lateral? Ou doem porque corri movimentando os braços muito enfaticamente? A última vez que joguei, o zagueiro adversário fazia CPOR. Imaginem o tanto de dipirona que isso gerou.
É difícil. Quando penduramos a chuteira, perdemos parte da poesia da vida. Nunca mais vamos nos imaginar no Maracanã, fazendo três gols no Flamengo. Nunca mais vamos dar entrevista depois do jogo. Nunca mais teremos o Galvão narrando nossos lances mais épicos. A vida adulta fica mais chata. É inevitável, como bem falou Tim Maia: a idade tarda um pouco, mas se chega é pra valer. Sofrido demais.
Já pra Cícero é fácil. Opa: basta entender a hora de parar, de virar a chave. E pronto. Vamos sem olhar para trás. Fim.
Oquei. Mas desde quando Cicero jogou bola? Tinha futebol na Roma Antiga? Jogavam isso lá no Coliseuzão? Então, como ele diz que é fácil? Quero ver ele parar de correr de biga antes de dar palpite na aposentadoria dos outros. Se liga, Cícero. É uma tragédia grega parar com o futebol, você deveria saber.