Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?


Livro investiga quais os fatores que resultam no surgimento de pessoas fora de série e questiona se haveria épocas privilegiadas para o êxito

Por Leandro Karnal
Atualização:

Malcolm Gladwell já tinha feito sucesso com O Ponto da Virada (editora Sextante). A pergunta central? Como alguém ou um produto se torna uma moda ou, como dizia minha avó, uma coqueluche? O novo livro Fora de Série – Outliers (também da Sextante) indaga: “Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?”.

Um detalhe interessante explicado na obra: a palavra “outlier”, em inglês, remete a um conceito muito estatístico, um valor diferente dos demais. Optaram por traduzir como “fora de série”, que se refere mais a algo singular, excepcional. A escolha é boa. Eu pensaria também no termo “fora da curva”, porque implica um pouco de conceito estatístico e ganha, em nosso uso cotidiano brasileiro, a ideia de algo que deve ser encarado com olhos distintos.

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Vamos aos casos que o autor desenvolveu. Um grupo de imigrantes italianos, vindo da Foggia para os EUA, criou uma comunidade no novo mundo com o nome da cidade original da península: Roseto. Dado “outlier”: a saúde cardíaca dos habitantes da cidade na Pensilvânia era muito melhor do que a média dos norte-americanos.

Diante disso, pesquisadores indicaram que haveria relação com a culinária dali ou com os exercícios físicos. Nada apareceu de excepcional. Convivendo no local, esses cientistas descobriram uma comunidade muito protetora dos seus habitantes, com várias gerações sob o mesmo teto e certo espírito igualitário.

A saúde parecia estar ligada à vida comunitária. Tais pesquisadores tiveram de olhar além do indivíduo e do seu estrito quadro de exames particulares.

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Segundo caso: muda-se o cenário para jogadores de hóquei sobre o gelo no Canadá. Ao analisar o quadro dos destaques, percebeu-se que quase todos tinham nascido em janeiro ou fevereiro. Astrologia? Forças especiais no inverno canadense? O dado é mais trivial: a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é primeiro de janeiro.

Assim, um menino que faz dez anos no segundo dia de janeiro jogará com outro que só atingirá a mesma idade em dezembro. Nessa fase, um ano de diferença é enorme. A pergunta do pesquisador é sobre a exclusão de talentos tão somente porque alguns nasceram em outubro. Ele sugere mais de uma associação esportiva para poder contemplar a chance de novos talentos.

Não irei resumir Fora de Série – Outliers. A leitura vale a pena. Por isso, Gabriela Prioli e eu a escolhemos para nosso Clube do Livro, por trazer perguntas desafiadoras e obrigar a pensar diferenças fora de respostas usuais. Exemplo: vale o caso das “dez mil horas”, ou seja, o tempo de treinamento que tornaria hábil em uma área quase qualquer um?

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Bill Gates deu seu pontapé na vida porque teve um acesso precoce a computadores em 1968, quando ainda eram raros os lugares para uso privado das máquinas. Haveria épocas privilegiadas para o sucesso?

Steve Jobs, em recorte da capa de seu livro Foto: Reprodução/Editora Companhia das Letras

Mais: bilionários do fim do século 19 e início do 20, quase todos, nasceram na década de 1830 e pegaram o boom de crescimento logo após a Guerra Civil nos EUA. Dos bilionários ligados ao mundo dos computadores, a maioria nasceu na metade dos anos 1950, em outro momento de expansão com a idade certa: Steve Ballmer em 1956; Steve Jobs e Bill Gates em 1955. Outra questão fascinante analisada pelo livro: haveria uma geração mais inclinada a se tornar “outlier” por nascer na época adequada?

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Existem outros fatores, como a chamada “inteligência prática”. Chris Langan foi um dos maiores QIs da história e vive em uma fazenda no interior do Missouri. Um QI que beirava os duzentos pontos, talvez mais, superando Einstein e Oppenheimer. Este, aliás, tinha mais capacidade prática de convencer pessoas e tornou-se mais importante, sendo conhecido como “o pai da bomba atômica”.

A obra de Gladwell passa por muitos campos. Por que a Korean Air apresentava acidentes em níveis muito acima dos toleráveis e, depois, com algumas intervenções, tornou-se uma das mais seguras do mundo? Plantar arroz, vegetal exigente e trabalhoso, teria algum efeito sobre a inteligência chinesa?

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Um bom livro desafia, mas nem sempre precisamos concordar com ele. Tive discordâncias sérias diante do capítulo nove, que trata sobre uma escola especial em Nova York (KIPP Academy), onde despontou a simpática aluna Marita.

Na atualidade, o projeto da escola possui muitos méritos e está se expandindo nos EUA. Mas... a menina Marita de 12 anos, filha única de mãe solo, no Bronx em Nova York, acorda às 5h45 para ir à KIPP Academy, fica lá o dia todo e faz tarefas da escola até as 23h ou mais tarde. Ela terá aulas aos sábados também. O autor diz que não defende que todos façam isso. Marita apegou-se à “única oportunidade de sucesso na vida” (p. 250).

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Ninguém condenará a estudante. Pelo contrário, elogiaremos seu comprometimento em quebrar um ciclo. Termino inquieto se a escolha de Marita será por uma boa universidade ou por equilíbrio mental e emocional. Tenho esperança que, semelhante a mim, Marita leia bons textos e siga questionando tudo. Importante: ser “outlier” não implica ser feliz.

(Esta coluna foi escrita antes da saída de Biden da corrida presidencial nos Estados Unidos)

Malcolm Gladwell já tinha feito sucesso com O Ponto da Virada (editora Sextante). A pergunta central? Como alguém ou um produto se torna uma moda ou, como dizia minha avó, uma coqueluche? O novo livro Fora de Série – Outliers (também da Sextante) indaga: “Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?”.

Um detalhe interessante explicado na obra: a palavra “outlier”, em inglês, remete a um conceito muito estatístico, um valor diferente dos demais. Optaram por traduzir como “fora de série”, que se refere mais a algo singular, excepcional. A escolha é boa. Eu pensaria também no termo “fora da curva”, porque implica um pouco de conceito estatístico e ganha, em nosso uso cotidiano brasileiro, a ideia de algo que deve ser encarado com olhos distintos.

Vamos aos casos que o autor desenvolveu. Um grupo de imigrantes italianos, vindo da Foggia para os EUA, criou uma comunidade no novo mundo com o nome da cidade original da península: Roseto. Dado “outlier”: a saúde cardíaca dos habitantes da cidade na Pensilvânia era muito melhor do que a média dos norte-americanos.

Diante disso, pesquisadores indicaram que haveria relação com a culinária dali ou com os exercícios físicos. Nada apareceu de excepcional. Convivendo no local, esses cientistas descobriram uma comunidade muito protetora dos seus habitantes, com várias gerações sob o mesmo teto e certo espírito igualitário.

A saúde parecia estar ligada à vida comunitária. Tais pesquisadores tiveram de olhar além do indivíduo e do seu estrito quadro de exames particulares.

Segundo caso: muda-se o cenário para jogadores de hóquei sobre o gelo no Canadá. Ao analisar o quadro dos destaques, percebeu-se que quase todos tinham nascido em janeiro ou fevereiro. Astrologia? Forças especiais no inverno canadense? O dado é mais trivial: a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é primeiro de janeiro.

Assim, um menino que faz dez anos no segundo dia de janeiro jogará com outro que só atingirá a mesma idade em dezembro. Nessa fase, um ano de diferença é enorme. A pergunta do pesquisador é sobre a exclusão de talentos tão somente porque alguns nasceram em outubro. Ele sugere mais de uma associação esportiva para poder contemplar a chance de novos talentos.

Não irei resumir Fora de Série – Outliers. A leitura vale a pena. Por isso, Gabriela Prioli e eu a escolhemos para nosso Clube do Livro, por trazer perguntas desafiadoras e obrigar a pensar diferenças fora de respostas usuais. Exemplo: vale o caso das “dez mil horas”, ou seja, o tempo de treinamento que tornaria hábil em uma área quase qualquer um?

Bill Gates deu seu pontapé na vida porque teve um acesso precoce a computadores em 1968, quando ainda eram raros os lugares para uso privado das máquinas. Haveria épocas privilegiadas para o sucesso?

Steve Jobs, em recorte da capa de seu livro Foto: Reprodução/Editora Companhia das Letras

Mais: bilionários do fim do século 19 e início do 20, quase todos, nasceram na década de 1830 e pegaram o boom de crescimento logo após a Guerra Civil nos EUA. Dos bilionários ligados ao mundo dos computadores, a maioria nasceu na metade dos anos 1950, em outro momento de expansão com a idade certa: Steve Ballmer em 1956; Steve Jobs e Bill Gates em 1955. Outra questão fascinante analisada pelo livro: haveria uma geração mais inclinada a se tornar “outlier” por nascer na época adequada?

Existem outros fatores, como a chamada “inteligência prática”. Chris Langan foi um dos maiores QIs da história e vive em uma fazenda no interior do Missouri. Um QI que beirava os duzentos pontos, talvez mais, superando Einstein e Oppenheimer. Este, aliás, tinha mais capacidade prática de convencer pessoas e tornou-se mais importante, sendo conhecido como “o pai da bomba atômica”.

A obra de Gladwell passa por muitos campos. Por que a Korean Air apresentava acidentes em níveis muito acima dos toleráveis e, depois, com algumas intervenções, tornou-se uma das mais seguras do mundo? Plantar arroz, vegetal exigente e trabalhoso, teria algum efeito sobre a inteligência chinesa?

Um bom livro desafia, mas nem sempre precisamos concordar com ele. Tive discordâncias sérias diante do capítulo nove, que trata sobre uma escola especial em Nova York (KIPP Academy), onde despontou a simpática aluna Marita.

Na atualidade, o projeto da escola possui muitos méritos e está se expandindo nos EUA. Mas... a menina Marita de 12 anos, filha única de mãe solo, no Bronx em Nova York, acorda às 5h45 para ir à KIPP Academy, fica lá o dia todo e faz tarefas da escola até as 23h ou mais tarde. Ela terá aulas aos sábados também. O autor diz que não defende que todos façam isso. Marita apegou-se à “única oportunidade de sucesso na vida” (p. 250).

Ninguém condenará a estudante. Pelo contrário, elogiaremos seu comprometimento em quebrar um ciclo. Termino inquieto se a escolha de Marita será por uma boa universidade ou por equilíbrio mental e emocional. Tenho esperança que, semelhante a mim, Marita leia bons textos e siga questionando tudo. Importante: ser “outlier” não implica ser feliz.

(Esta coluna foi escrita antes da saída de Biden da corrida presidencial nos Estados Unidos)

Malcolm Gladwell já tinha feito sucesso com O Ponto da Virada (editora Sextante). A pergunta central? Como alguém ou um produto se torna uma moda ou, como dizia minha avó, uma coqueluche? O novo livro Fora de Série – Outliers (também da Sextante) indaga: “Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?”.

Um detalhe interessante explicado na obra: a palavra “outlier”, em inglês, remete a um conceito muito estatístico, um valor diferente dos demais. Optaram por traduzir como “fora de série”, que se refere mais a algo singular, excepcional. A escolha é boa. Eu pensaria também no termo “fora da curva”, porque implica um pouco de conceito estatístico e ganha, em nosso uso cotidiano brasileiro, a ideia de algo que deve ser encarado com olhos distintos.

Vamos aos casos que o autor desenvolveu. Um grupo de imigrantes italianos, vindo da Foggia para os EUA, criou uma comunidade no novo mundo com o nome da cidade original da península: Roseto. Dado “outlier”: a saúde cardíaca dos habitantes da cidade na Pensilvânia era muito melhor do que a média dos norte-americanos.

Diante disso, pesquisadores indicaram que haveria relação com a culinária dali ou com os exercícios físicos. Nada apareceu de excepcional. Convivendo no local, esses cientistas descobriram uma comunidade muito protetora dos seus habitantes, com várias gerações sob o mesmo teto e certo espírito igualitário.

A saúde parecia estar ligada à vida comunitária. Tais pesquisadores tiveram de olhar além do indivíduo e do seu estrito quadro de exames particulares.

Segundo caso: muda-se o cenário para jogadores de hóquei sobre o gelo no Canadá. Ao analisar o quadro dos destaques, percebeu-se que quase todos tinham nascido em janeiro ou fevereiro. Astrologia? Forças especiais no inverno canadense? O dado é mais trivial: a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é primeiro de janeiro.

Assim, um menino que faz dez anos no segundo dia de janeiro jogará com outro que só atingirá a mesma idade em dezembro. Nessa fase, um ano de diferença é enorme. A pergunta do pesquisador é sobre a exclusão de talentos tão somente porque alguns nasceram em outubro. Ele sugere mais de uma associação esportiva para poder contemplar a chance de novos talentos.

Não irei resumir Fora de Série – Outliers. A leitura vale a pena. Por isso, Gabriela Prioli e eu a escolhemos para nosso Clube do Livro, por trazer perguntas desafiadoras e obrigar a pensar diferenças fora de respostas usuais. Exemplo: vale o caso das “dez mil horas”, ou seja, o tempo de treinamento que tornaria hábil em uma área quase qualquer um?

Bill Gates deu seu pontapé na vida porque teve um acesso precoce a computadores em 1968, quando ainda eram raros os lugares para uso privado das máquinas. Haveria épocas privilegiadas para o sucesso?

Steve Jobs, em recorte da capa de seu livro Foto: Reprodução/Editora Companhia das Letras

Mais: bilionários do fim do século 19 e início do 20, quase todos, nasceram na década de 1830 e pegaram o boom de crescimento logo após a Guerra Civil nos EUA. Dos bilionários ligados ao mundo dos computadores, a maioria nasceu na metade dos anos 1950, em outro momento de expansão com a idade certa: Steve Ballmer em 1956; Steve Jobs e Bill Gates em 1955. Outra questão fascinante analisada pelo livro: haveria uma geração mais inclinada a se tornar “outlier” por nascer na época adequada?

Existem outros fatores, como a chamada “inteligência prática”. Chris Langan foi um dos maiores QIs da história e vive em uma fazenda no interior do Missouri. Um QI que beirava os duzentos pontos, talvez mais, superando Einstein e Oppenheimer. Este, aliás, tinha mais capacidade prática de convencer pessoas e tornou-se mais importante, sendo conhecido como “o pai da bomba atômica”.

A obra de Gladwell passa por muitos campos. Por que a Korean Air apresentava acidentes em níveis muito acima dos toleráveis e, depois, com algumas intervenções, tornou-se uma das mais seguras do mundo? Plantar arroz, vegetal exigente e trabalhoso, teria algum efeito sobre a inteligência chinesa?

Um bom livro desafia, mas nem sempre precisamos concordar com ele. Tive discordâncias sérias diante do capítulo nove, que trata sobre uma escola especial em Nova York (KIPP Academy), onde despontou a simpática aluna Marita.

Na atualidade, o projeto da escola possui muitos méritos e está se expandindo nos EUA. Mas... a menina Marita de 12 anos, filha única de mãe solo, no Bronx em Nova York, acorda às 5h45 para ir à KIPP Academy, fica lá o dia todo e faz tarefas da escola até as 23h ou mais tarde. Ela terá aulas aos sábados também. O autor diz que não defende que todos façam isso. Marita apegou-se à “única oportunidade de sucesso na vida” (p. 250).

Ninguém condenará a estudante. Pelo contrário, elogiaremos seu comprometimento em quebrar um ciclo. Termino inquieto se a escolha de Marita será por uma boa universidade ou por equilíbrio mental e emocional. Tenho esperança que, semelhante a mim, Marita leia bons textos e siga questionando tudo. Importante: ser “outlier” não implica ser feliz.

(Esta coluna foi escrita antes da saída de Biden da corrida presidencial nos Estados Unidos)

Malcolm Gladwell já tinha feito sucesso com O Ponto da Virada (editora Sextante). A pergunta central? Como alguém ou um produto se torna uma moda ou, como dizia minha avó, uma coqueluche? O novo livro Fora de Série – Outliers (também da Sextante) indaga: “Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?”.

Um detalhe interessante explicado na obra: a palavra “outlier”, em inglês, remete a um conceito muito estatístico, um valor diferente dos demais. Optaram por traduzir como “fora de série”, que se refere mais a algo singular, excepcional. A escolha é boa. Eu pensaria também no termo “fora da curva”, porque implica um pouco de conceito estatístico e ganha, em nosso uso cotidiano brasileiro, a ideia de algo que deve ser encarado com olhos distintos.

Vamos aos casos que o autor desenvolveu. Um grupo de imigrantes italianos, vindo da Foggia para os EUA, criou uma comunidade no novo mundo com o nome da cidade original da península: Roseto. Dado “outlier”: a saúde cardíaca dos habitantes da cidade na Pensilvânia era muito melhor do que a média dos norte-americanos.

Diante disso, pesquisadores indicaram que haveria relação com a culinária dali ou com os exercícios físicos. Nada apareceu de excepcional. Convivendo no local, esses cientistas descobriram uma comunidade muito protetora dos seus habitantes, com várias gerações sob o mesmo teto e certo espírito igualitário.

A saúde parecia estar ligada à vida comunitária. Tais pesquisadores tiveram de olhar além do indivíduo e do seu estrito quadro de exames particulares.

Segundo caso: muda-se o cenário para jogadores de hóquei sobre o gelo no Canadá. Ao analisar o quadro dos destaques, percebeu-se que quase todos tinham nascido em janeiro ou fevereiro. Astrologia? Forças especiais no inverno canadense? O dado é mais trivial: a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é primeiro de janeiro.

Assim, um menino que faz dez anos no segundo dia de janeiro jogará com outro que só atingirá a mesma idade em dezembro. Nessa fase, um ano de diferença é enorme. A pergunta do pesquisador é sobre a exclusão de talentos tão somente porque alguns nasceram em outubro. Ele sugere mais de uma associação esportiva para poder contemplar a chance de novos talentos.

Não irei resumir Fora de Série – Outliers. A leitura vale a pena. Por isso, Gabriela Prioli e eu a escolhemos para nosso Clube do Livro, por trazer perguntas desafiadoras e obrigar a pensar diferenças fora de respostas usuais. Exemplo: vale o caso das “dez mil horas”, ou seja, o tempo de treinamento que tornaria hábil em uma área quase qualquer um?

Bill Gates deu seu pontapé na vida porque teve um acesso precoce a computadores em 1968, quando ainda eram raros os lugares para uso privado das máquinas. Haveria épocas privilegiadas para o sucesso?

Steve Jobs, em recorte da capa de seu livro Foto: Reprodução/Editora Companhia das Letras

Mais: bilionários do fim do século 19 e início do 20, quase todos, nasceram na década de 1830 e pegaram o boom de crescimento logo após a Guerra Civil nos EUA. Dos bilionários ligados ao mundo dos computadores, a maioria nasceu na metade dos anos 1950, em outro momento de expansão com a idade certa: Steve Ballmer em 1956; Steve Jobs e Bill Gates em 1955. Outra questão fascinante analisada pelo livro: haveria uma geração mais inclinada a se tornar “outlier” por nascer na época adequada?

Existem outros fatores, como a chamada “inteligência prática”. Chris Langan foi um dos maiores QIs da história e vive em uma fazenda no interior do Missouri. Um QI que beirava os duzentos pontos, talvez mais, superando Einstein e Oppenheimer. Este, aliás, tinha mais capacidade prática de convencer pessoas e tornou-se mais importante, sendo conhecido como “o pai da bomba atômica”.

A obra de Gladwell passa por muitos campos. Por que a Korean Air apresentava acidentes em níveis muito acima dos toleráveis e, depois, com algumas intervenções, tornou-se uma das mais seguras do mundo? Plantar arroz, vegetal exigente e trabalhoso, teria algum efeito sobre a inteligência chinesa?

Um bom livro desafia, mas nem sempre precisamos concordar com ele. Tive discordâncias sérias diante do capítulo nove, que trata sobre uma escola especial em Nova York (KIPP Academy), onde despontou a simpática aluna Marita.

Na atualidade, o projeto da escola possui muitos méritos e está se expandindo nos EUA. Mas... a menina Marita de 12 anos, filha única de mãe solo, no Bronx em Nova York, acorda às 5h45 para ir à KIPP Academy, fica lá o dia todo e faz tarefas da escola até as 23h ou mais tarde. Ela terá aulas aos sábados também. O autor diz que não defende que todos façam isso. Marita apegou-se à “única oportunidade de sucesso na vida” (p. 250).

Ninguém condenará a estudante. Pelo contrário, elogiaremos seu comprometimento em quebrar um ciclo. Termino inquieto se a escolha de Marita será por uma boa universidade ou por equilíbrio mental e emocional. Tenho esperança que, semelhante a mim, Marita leia bons textos e siga questionando tudo. Importante: ser “outlier” não implica ser feliz.

(Esta coluna foi escrita antes da saída de Biden da corrida presidencial nos Estados Unidos)

Malcolm Gladwell já tinha feito sucesso com O Ponto da Virada (editora Sextante). A pergunta central? Como alguém ou um produto se torna uma moda ou, como dizia minha avó, uma coqueluche? O novo livro Fora de Série – Outliers (também da Sextante) indaga: “Por que algumas pessoas têm sucesso e outras não?”.

Um detalhe interessante explicado na obra: a palavra “outlier”, em inglês, remete a um conceito muito estatístico, um valor diferente dos demais. Optaram por traduzir como “fora de série”, que se refere mais a algo singular, excepcional. A escolha é boa. Eu pensaria também no termo “fora da curva”, porque implica um pouco de conceito estatístico e ganha, em nosso uso cotidiano brasileiro, a ideia de algo que deve ser encarado com olhos distintos.

Vamos aos casos que o autor desenvolveu. Um grupo de imigrantes italianos, vindo da Foggia para os EUA, criou uma comunidade no novo mundo com o nome da cidade original da península: Roseto. Dado “outlier”: a saúde cardíaca dos habitantes da cidade na Pensilvânia era muito melhor do que a média dos norte-americanos.

Diante disso, pesquisadores indicaram que haveria relação com a culinária dali ou com os exercícios físicos. Nada apareceu de excepcional. Convivendo no local, esses cientistas descobriram uma comunidade muito protetora dos seus habitantes, com várias gerações sob o mesmo teto e certo espírito igualitário.

A saúde parecia estar ligada à vida comunitária. Tais pesquisadores tiveram de olhar além do indivíduo e do seu estrito quadro de exames particulares.

Segundo caso: muda-se o cenário para jogadores de hóquei sobre o gelo no Canadá. Ao analisar o quadro dos destaques, percebeu-se que quase todos tinham nascido em janeiro ou fevereiro. Astrologia? Forças especiais no inverno canadense? O dado é mais trivial: a data-limite para se candidatar às ligas de hóquei por idade é primeiro de janeiro.

Assim, um menino que faz dez anos no segundo dia de janeiro jogará com outro que só atingirá a mesma idade em dezembro. Nessa fase, um ano de diferença é enorme. A pergunta do pesquisador é sobre a exclusão de talentos tão somente porque alguns nasceram em outubro. Ele sugere mais de uma associação esportiva para poder contemplar a chance de novos talentos.

Não irei resumir Fora de Série – Outliers. A leitura vale a pena. Por isso, Gabriela Prioli e eu a escolhemos para nosso Clube do Livro, por trazer perguntas desafiadoras e obrigar a pensar diferenças fora de respostas usuais. Exemplo: vale o caso das “dez mil horas”, ou seja, o tempo de treinamento que tornaria hábil em uma área quase qualquer um?

Bill Gates deu seu pontapé na vida porque teve um acesso precoce a computadores em 1968, quando ainda eram raros os lugares para uso privado das máquinas. Haveria épocas privilegiadas para o sucesso?

Steve Jobs, em recorte da capa de seu livro Foto: Reprodução/Editora Companhia das Letras

Mais: bilionários do fim do século 19 e início do 20, quase todos, nasceram na década de 1830 e pegaram o boom de crescimento logo após a Guerra Civil nos EUA. Dos bilionários ligados ao mundo dos computadores, a maioria nasceu na metade dos anos 1950, em outro momento de expansão com a idade certa: Steve Ballmer em 1956; Steve Jobs e Bill Gates em 1955. Outra questão fascinante analisada pelo livro: haveria uma geração mais inclinada a se tornar “outlier” por nascer na época adequada?

Existem outros fatores, como a chamada “inteligência prática”. Chris Langan foi um dos maiores QIs da história e vive em uma fazenda no interior do Missouri. Um QI que beirava os duzentos pontos, talvez mais, superando Einstein e Oppenheimer. Este, aliás, tinha mais capacidade prática de convencer pessoas e tornou-se mais importante, sendo conhecido como “o pai da bomba atômica”.

A obra de Gladwell passa por muitos campos. Por que a Korean Air apresentava acidentes em níveis muito acima dos toleráveis e, depois, com algumas intervenções, tornou-se uma das mais seguras do mundo? Plantar arroz, vegetal exigente e trabalhoso, teria algum efeito sobre a inteligência chinesa?

Um bom livro desafia, mas nem sempre precisamos concordar com ele. Tive discordâncias sérias diante do capítulo nove, que trata sobre uma escola especial em Nova York (KIPP Academy), onde despontou a simpática aluna Marita.

Na atualidade, o projeto da escola possui muitos méritos e está se expandindo nos EUA. Mas... a menina Marita de 12 anos, filha única de mãe solo, no Bronx em Nova York, acorda às 5h45 para ir à KIPP Academy, fica lá o dia todo e faz tarefas da escola até as 23h ou mais tarde. Ela terá aulas aos sábados também. O autor diz que não defende que todos façam isso. Marita apegou-se à “única oportunidade de sucesso na vida” (p. 250).

Ninguém condenará a estudante. Pelo contrário, elogiaremos seu comprometimento em quebrar um ciclo. Termino inquieto se a escolha de Marita será por uma boa universidade ou por equilíbrio mental e emocional. Tenho esperança que, semelhante a mim, Marita leia bons textos e siga questionando tudo. Importante: ser “outlier” não implica ser feliz.

(Esta coluna foi escrita antes da saída de Biden da corrida presidencial nos Estados Unidos)

Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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